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O Dragão de Mardascan ou Em Busca do Diamante Azul
O Dragão de Mardascan ou Em Busca do Diamante Azul
O Dragão de Mardascan ou Em Busca do Diamante Azul
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O Dragão de Mardascan ou Em Busca do Diamante Azul

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About this ebook

A girl receives from the Golden Eagle, in the Land of Mardascan, a magic blue diamond. Demion, an evil being, sends his emissaries to get the magic stone from her. She must get her gift back, and the destiny of Mardascan and possibly all worlds depends on her attitude. So, with the help of an unexpected friend, a journey is started. This journey will take them through the Land of Mardascan, passing by incredible places and situations, and interacting with incredible beings, either good as evil. And the culminating decision, and the most important one, will take place in proper home of evil.

This is a magical adventure, a challenge of will, friendship and determination.

Uma menina recebe da à guia Dourada, na terra de Mardascan, um mágico diamante azul. Demion, um ser do mal, envia emissários para tomarem dela a mágica pedra. Ela tem de recuperar a dádiva, e o destino de Mardascan, e talvez de todos os mundos, depende de sua atitude. Então, com a ajuda de um amigo inesperado, uma jornada é iniciada, e tal jornada irá levá-los através da terra de Mardascan, passando por lugares e situações incríveis, e a interagir com seres diferentes e estranhos, tanto bons quanto maus. E a decisão crítica e culminante, a decisão mais importante, será tomada no lugar em que mora e reina o próprio mal.

Esta é uma aventura mágica, um desafio de vontade, amizade, e determinação.
LanguagePortuguês
PublishereBookIt.com
Release dateApr 26, 2016
ISBN9788591433414
O Dragão de Mardascan ou Em Busca do Diamante Azul

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    O Dragão de Mardascan ou Em Busca do Diamante Azul - Lediecio de Negreiros Brito

    seguir.

    Parte 1 – De Farin às Montanhas Estreladas

    1 – A Águia e a criança

    Era entardecer, prenúncio da noite, e o amarelo do sol se espalhava pela planície. Seu tom de ouro inundava tudo, enchendo a terra de Mardascan de luz.

    A Águia Dourada voava rápido com o colar bem seguro em suas garras. A corrente de prata refletia a luz do sol e o diamante azul brilhava com sua luz cálida e tranquila.

    O Belo e Majestoso Pássaro tinha no olhar o brilho das estrelas. Todas as cores do arco-íris estavam em Seus olhos, que viam além do que se pode ver. Nada escapava à Sua percepção. Seu bico rasgaria mesmo pedra ou o metal mais duro, e nem mesmo diamantes suportariam um golpe Seu. De Suas garras ninguém poderia arrancar o que segurava, nem mesmo que milhões de criaturas se juntassem nesse intento. As bonitas penas refletiam luz dourada, como se milhares de pequenos sóis existissem nelas. Seu pescoço era coberto por penas brancas que contrastavam com o resto de Seu corpo, que tinha penas mais escuras. A cabeça era mesclada pela cor de ouro e pela cor branca. Num contraste claro, as pontas das asas eram também mescladas com a cor de algodão.

    No alto da montanha se avistava o castelo de Farin, onde vivia o rei Farin.

    Mesmo que poucos disso dessem conta, naquele dia nascia na cidade, ao pé do castelo de Farin, uma menina a quem a Águia entregaria o colar de diamante.

    O diamante, que não era comum, mas sim uma pedra mágica, continha mais que preciosidade mineral. Seu azul marcava a pessoa que o recebesse como escolhida para ser parte especial do Reino da Montanha Dourada, de onde vinha a própria Águia. E não eram muitos os que recebiam tal honra.

    Não era comum que os homens vissem a Águia Dourada, muito menos homens que a Ela não fossem afeiçoados. Mas neste dia, a Grande Águia se deixou ver por muitos em Farin, e as sentinelas, quando viram a Águia que chegava de longe, avisaram o rei.

    Mas a que virá a Águia Dourada? Não estamos preparados, exclamou o monarca com visível irritação.

    Então ele ordenou a lordes e ladies que corressem a preparar-se para receber a Águia.

    O mago Tin logo se apressou a dizer ao rei:

    Não precisa se preocupar com recepções, alteza. Se Ela vem sem avisar, é porque não deseja ser recebida com honrarias, mas honrar. E nada honra mais a Águia Dourada que sentimentos puros e coração limpo; e se a Ela isso dermos, honrada Ela se sentirá.

    De que você está falando, mago tolo?

    Estou dizendo ao rei que não acredito que a Águia Dourada vem para ver lordes e ladies que o sejam meramente aos olhos dos homens, mas com certeza vem para aqueles que o são no coração. Ela aprecia os que dEla se lembram não só quando chega ou quando há mal por vencer, mas sempre...

    Você é muito atrevido, Tin, disse o rei.

    Tin havia chegado a Farin anos antes. Vinha de peregrinações e meditações. Fora admitido ao castelo como mágico para divertir a corte nas festas, e também como médico devido à sua habilidade em fazer remédios. Tinha o ar dos sábios, mas o rei Farin e sua corte não estavam interessados nisso, já que preocupavam-se apenas com as coisas do mundo dos homens.

    De nada adiantou falar o mago. O rei colocou-se no pátio do palácio a esperar que a Águia chegasse e pousasse perto de si, ainda que ele, em vista da Incrível Figura, ficasse tão pequeno quanto um anão. Perto dele estavam os nobres, os cortesãos, as madames e donzelas do reino, ostentando orgulho e pompa. Jamais conseguiam entender que isso não impressionava a Ave que vinha das Montanhas de Além.

    Ela chegou sobrevoando a cidade e o palácio. Passou pelas sentinelas que sentiram o vento que Suas asas provocaram. Enquanto planava, abanou as asas um pouco só para divertir-se vendo voar os capacetes dos soldados, que ainda duvidavam do que viam; e eles agarraram-se ao muro para não despencarem para o outro lado.

    Era impossível não ver o diamante que Ela trazia, o que despertou desejo em todos os que o notaram. As ambições voltaram-se para a pedra, mas todos sabiam que não deveriam comentar a respeito pois a Águia, diziam as histórias, mesmo sendo Bondosa, não poupava aqueles que tinham ambição maldosa.

    Por isso ninguém ousou dizer nada. Naquele reino podiam até não dar à Águia muita atenção, e em seus corações alimentaram desconfiança para com ela, mas sabiam por instinto que não era sábio incomodá-la.

    Ela passou perto do pátio do castelo. O rei aprumou-se todo porque também tinha notado o lindo diamante, mas a Águia apenas abanou mais uma vez Suas asas ao passar. Os cabelos das damas, arrumados às pressas, foram soprados e ficaram assanhados. Os chapéus de gala dos nobres voaram e deixaram à mostra suas cabeças sem cabelo ou seus cabelos emaranhados. Alguns foram soprados para trás e acabaram por esbarrar em outros, caindo sobre eles. O rei quase voou devido ao vento que se embrenhou pelo interior do manto real. Todos ficaram sem ação à passagem do Pássaro matreiro, exceto o mago Tin, que o olhou nos olhos. Tin também foi o único que não pareceu afetado pelo vento provocado pelas douradas asas; e também foi o único que o Pássaro pareceu notar, pois Sua cabeça voltou-se para ele à passagem, como a fazer-lhe um cumprimento.

    O mago abriu um sorriso e riu também das trapalhadas provocadas pela Digna Criatura.

    A verdade é que Tin amava a Águia Dourada.

    A Majestosa Figura sobrevoou a cidade, passou por sobre o mercado, e então sumiu como se nunca tivesse aparecido por ali.

    Todos ficaram em silêncio, sem saber o que dizer. O que teria acontecido?

    Que houve? Porque Ela sumiu sem dar a mim a joia que trouxe? perguntou o rei.

    A Águia Dourada detesta plateias, majestade, respondeu o mago Tin. Deverá entregar a dádiva a alguém que seja para Ela especial, e o fará de forma também especial.

    Quem seria mais especial que o rei? Você parece gostar desta história toda, Tin...

    Acredito na Águia Dourada, rei Farin. E não me canso de continuar acreditando.

    Onde Ela está, que ninguém a vê? Acho que todos fomos vítimas de tola ilusão. Irritado, o rei ordenou: Todos voltem aos seus afazeres... E vocês, nobres do reino, vão pentear seus cabelos.

    Com a rainha ao seu lado, descabelada por sinal, o rei se retirou, e aquilo por ele seria esquecido logo, como também pelos demais, pois os que não tinham o coração voltado para a Àguia Dourada, mesmo que a vissem, logo se esqueciam da visão dela, ocupando-se com seus próprios corações.

    Tin, porém, ficou a olhar do parapeito para a cidade. E então falou baixinho:

    Grande e Sábia Águia, a quem será endereçada a dádiva que trouxeste? Que seja tal criatura guardada e abençoada... Então ele também se foi para seus aposentos no subsolo do castelo.

    Enquanto isso, como já foi dito, no interior de uma casa simples nascia, naquele mesmo instante, uma criança, tenra menina. O pai e os que ali estavam não perceberam que, tão logo dormiu a mãe e a pequenina, apareceu no quarto a Águia Dourada. E ainda que ninguém tenha visto, transformou-se Ela num Homem elegante e belo. Seus olhos brilhavam como o sol, e as mãos eram fortes como se feitas de bronze, e de bronze polido brilho tinham. Seus cabelos eram brancos como a neve fresca. Estava vestido com manto tão alvo que encheu de luz e cor o quarto. Em sua mão segurava o diamante com a corrente.

    Aproximou-se calmamente da menina que dormia.

    Durma menina que meu coração escolheu. Seu futuro será glorioso. Um lugar foi separado para você no Reino da Montanha Dourada. Este diamante e a luz que dele emana estarão em você. Alguns dos que souberem os caminhos do Rei que reina para sempre conseguirão vê-lo. Outros, no entanto, apenas sentirão o que existirá de precioso em você, e por isso se ressentirão. Mas esta Luz é sua. E você é dEla.

    E ao dizer essas palavras, o Homem deixou a pedra escorregar de Sua mão e ela flutuou no ar.

    Aloje-se Luz, no coração da pequena joia. E lá fique, guardada com cuidado.

    A pedra e a corrente se transformaram em fios de luz prateada e azulada e, descendo num redemoinho luminoso, penetraram no coração da recém nascida.

    Então o Homem sorriu. Tão simples menina, e tão bela criança... Quanta riqueza existe em você... Sabe há quanto tempo este diamante foi para você preparado? Desde quando nem mundo havia, e nem o tempo fora criado. Ao imaginar sua existência, este diamante foi talhado e seu nome nele escrito. Nobil será seu nome. Porque nobre você é.

    E tendo dito isso, Ele sumiu. E a noite viu surgir, nos ares dos campos fora da cidade, a Águia Dourada que voava em direção ao norte, às montanhas muito além. Enquanto voava, por Encanto poderoso, determinou que Demion, mago mau e senhor da maldade, jamais poderia, ele mesmo, chegar a tocar na valiosa menina.

    Pelo Poder que reina na Montanha Dourada,

    Abençoada é a nobre menina.

    Ainda que os toques da maldade venham a atingí-la,

    Demion proibido está de tocá-la e possuí-la.

    Os ministros e mensageiros da maldade, a mando dele,

    Poderão testar dela o arbítrio,

    Mas a Demion o prazer de tragá-la não permito.

    Se a isso se atrever sequer a tentar,

    Sentirá ele o toque de dor intensa,

    Pois será devolvida pelo Rei a ele

    A dor que intentar à pequena causar.

    Pela manhã, os pais dela, mesmo sem saber de fato o motivo, resolveram que ela se chamaria Nobil.

    E Nobil foi o nome que recebeu.

    Ninguém vira o diamante azul ser dado a ela, a não ser sombras que se esgueiravam pelo lugar: os serviçais de Demion. A função deles era a zelar para que o mago mau soubesse onde estaria a joia e, se pudessem, destruíssem sua portadora ou a fizessem jamais partir para o Reino da Montanha Dourada.

    E eles estavam ávidos por cumprir sua missão.

    Um deles foi até Demion e lhe contou que sabiam de uma menina que possuía no coração a Luz azul da marca Real.

    Demion não se mostrou surpreso e determinou que deveriam seguí-la sempre e, quando chegasse a hora em que ela tivesse mente apta para entregar voluntariamente a pedra, esta lhe fosse tomada através do engano e da sedução. Ele a odiou desde o início, mas sabia que dela ele não poderia pessoalmente dar cabo, por causa do encanto que a Águia proferira enquanto voava. Demion sentira o encanto assim que fora pela Águia declarado.

    2 – A menina

    A menina cresceu. Tornou-se uma garota bonita e de sorriso muito belo. Seu cabelo era encaracolado e sua voz melodiosa. Esperta e ativa, corria pela cidade com o resto da criançada.

    A noite em que a Águia Dourada viera à vila já tinha sido esquecida, exceto por uns poucos a Ela afeiçoados.

    Nobil era muito querida e amada por seus pais.

    Em seu coração o mágico diamante azul estava, e começou a alimentar seus sonhos.

    Ela despertava admiração das pessoas e também, por seu brilho, a inveja delas. Alguns dela falavam por sua graciosidade, outros por terem o desejo de vê-la reduzida a qualquer coisa, no menor nível possível.

    As sombras enviadas por Demion esperaram a oportunidade e acabaram por falar-lhe sobre todas as coisas que poderia fazer na vila, a fim de que ela não se ocupasse em pensar que algo melhor pudesse haver para além do reino de Farin, ou além daquilo que somente do que é dos homens provêm. E ela, mesmo sem vê-las, voluntariamente as ouviu.

    As pessoas em volta caçoavam dela algumas vezes ou mesmo a menosprezavam, ou lhe armavam peças só para sentirem-se maiores ou melhores, ou para usá-la como exaltação de seus próprios egos.

    Quando ela olhava para o horizonte, porém, e via os picos das montanhas distantes, lá onde acima de todas ficava a Montanha Dourada, então a Luz azulada em seu coração resplandecia, e ela parecia adquirir a leveza dos pássaros.

    Nesses momentos, as sombras intervinham e lhe arranjavam novas distrações.

    Mas a nobre menina, que não era nobre por causa de títulos que os homens pudessem dar-lhe, mas sim devido ao caráter que tinha, ainda assim mantinha seus sonhos, e andava pela vila como uma menina simples e comum.

    No seu coração cabiam estrelas e flores, luzes, sons e cores. O coração de Nobil era como um mundo.

    No âmago daquele coração, em sua alma e mente, seus sentimentos se digladiavam entre o desejo pelas montanhas mais altas e as brincadeiras da terra de Mardascan que, apesar de muito bela, era também uma terra corrompida pelas coisas que as sombras plantaram e pelo que os homens ambicionavam.

    Enquanto crescia, Nobil foi conhecendo muitas pessoas e também os viajantes que lhe sugeriam novas coisas para passar o tempo, algumas vezes instigados pelos próprios emissários de Demion.

    Quanto ao rei e aos nobres, pouco notavam a bonita moça; mas quando o faziam, em seus corações se manifestava a chaga da inveja e do mal querer.

    Nobil, mesmo sem entender o motivo, sentia em seu coração a solidão que a machucava, e uma saudade não sabia do quê. É que todos os que são agraciados com a dádiva da Águia Dourada também tem dEla saudade, mesmo quando dEla não se lembram.

    A Águia Dourada, por sua vez, sobrevoava sem ser vista a casa da menina ou os campos por onde caminhava, ou os lugares em que brincava, só para vê-la, pelo muito que a queria bem. Mas Ela não se intrometia em sua vida, porque aquele a quem é dada a dádiva da Águia Dourada deve também decidir por si só o que fará com ela. A Águia, no entanto, sussurrava-lhe uma canção doce em meio às suas tristezas, e a protegia de tramas de morte e destruição que lhe armavam as sombras enganadoras.

    Nobil cresceu e tornou-se então jovem delicada, nem sempre respeitada pelos moradores da cidade, ainda que muito amada por seus pais.

    Às vezes, assustada, desejava conhecer lugares mais altos e coisas novas, mas não sabia, ou ao menos não entendia, que sua vida era preciosa ao extremo às vistas do Rei que reinava na Montanha Dourada, e que o que sentia em seu íntimo era o chamado dEle para que dEle ela se aproximasse.

    3 – A Águia fala ao coração da jovem

    Era manhã de primavera, quando flores desabrochavam no campo. Nobil saiu para passear.

    Seu passeio solitário levou-a a olhar de novo para o alto e a sonhar com fontes luminosas de águas que traziam o refrescar da vida. Em seu delicado coração despertaram-se canções animadas, e sons harmoniosos, em vida que levava à vida.

    Mas, pensou ela, isto não é para mim. Ninguém pode ultrapassar os abismos que separam esta terra da Montanha Dourada; e o Rei que lá reina não vem nunca até pequenos mortais. Foi isso o que todos lhe ensinaram. É preciso confiar em reis, magos e sacerdotes, que na verdade falam com os mortais, e recebem e nos transmitem recados através dos enviados de lá.

    E enquanto ela assim pensava, algumas sombras à sua volta, sem que ela as visse, riam de seu infortúnio.

    Sem que ela o visse, o mago Tin a observava do alto do castelo. Não sabia quem era a pessoa a quem o diamante mágico tinha sido dado, mas também não esquecera a ocasião em que a Águia tinha vindo, há tantos anos passados. Apenas imaginou que aquela jovem bem poderia ser a criança para quem o Majestoso Ser tivesse entregue a dádiva, pois reconhecia nela dignidade. E pela força de seu espírito, Tin falou ao Rei da Montanha Dourada: Grande Rei da Montanha Dourada, quem será a pessoa a quem Tu vieste trazer o presente? Será aquela jovem ou outra pessoa qualquer?

    Sua pergunta, porém, não teve resposta, e ele entrou no castelo para seus estudos e meditações.

    Nobil estava no campo, caminhando sobre a relva fresca, quando um sentimento profundo de tristeza tomou seu pequeno coração: a tristeza que vinha da saudade da terra além dos montes, e a saudade do Rei que lá vivia. Para afastar tal sentimento, que nem ela entendia, pensou em falar com os amigos, e arranjar uma festa para aquele mesmo dia. E assim a animavam as sombras que a acompanhavam.

    Enquanto ela assim pensava chegou voando, sem ser vista, a Águia Dourada. Pousou ao lado da menina, e as sombras foram sopradas para longe pelo vento de Suas asas. Uma delas, mais ousada, tentou falar à Águia e reclamar com Ela pela intromissão. A Águia paralisou-a com Seu olhar e depois, com uma só nota de Seu canto, fê-la desaparecer para sempre, jogando-a nos abismos de Remai. E é claro que nenhum ser humano ou animal, nem mesmo Nobil, conseguiu ver a cena.

    Quando a Águia chegou, Nobil sentiu seus cabelos soprados por brisa calma. Não ouviu voz mas o Coração da Águia falou ao seu:

    Nobil, minha menina, Sou a Águia Dourada. Meu é o Tempo, a Vida, e a Esperança. Vivo na Montanha Dourada onde reina o Rei de todos. Você nasceu aqui, no reino de Farin, onde reina seu pequeno e enfatuado rei de mesmo nome. Veja para além do que olhos comuns possam ver, ao norte, as montanhas de Alegromar, menina bonita. Lá é o seu lar e, acima daqueles picos altivos, você tem um lugar na Montanha Dourada, onde o Rei escreveu seu nome num livro, com letras de ouro em páginas de cristal. E ao seu coração foi dado o mágico diamante azul que marca você, para sempre, como única na multidão. A corrente de prata, que une o diamante ao seu coração, é a confiança que o Rei da Montanha Dourada tem em você; porque o Rei é Quem primeiro acredita naqueles que deseja que nEle depositem fé. Seu coração me ouve agora e você poderá ver-me todos os dias, quando em Mim com verdadeira fé acreditar.

    Mesmo sem ouvir a Voz, mas sentindo Seu efeito no coração, Nobil deu um suspiro. A Águia Dourada continuou:

    Em seu coração está o brilho azul, envolto na luz prateada. Estes dois elementos garantem a quem o possui o direito de herança na Montanha Dourada. O Rei que lá reina tem número certo aos quais conceder herança: são eles os escolhidos de Sua Majestade. No dia em que todos os Seus herdeiros tiverem sido encontrados, Demion, o senhor dos maus intentos, será por fim destruído. O Rei da Montanha Dourada o enviará para o abismo de Remai, onde as paredes são intransponíveis. Este é o nosso segredo, pequena menina. Entenda que não poderá ir para a Montanha Dourada até que voluntariamente proclame a rendição de seu coração ao Brilho azul que lhe foi dado. Porque o Brilho azul é também o Espírito dAquele que reina para sempre, e a marca de Seu Reino que não tem fim. E no dia em que se render a tal Brilho, então Eu a levarei às alturas onde a paz é real. Lembre-se, porém, de que isso não deve ser entregue a ninguém.

    E, mais uma vez, um vento leve soprou os cabelos de Nobil.

    A Águia Dourada se fora. Em nenhum momento Nobil a viu, mas Ela deixara ainda no ar o Brilho Dourado de Seu Amor pela pequena.

    As sombras, que tinham se escondido no bosque não muito distante, saíram de lá. Ficaram ofuscadas pelo azul que se via nos olhos de Nobil, porque a proximidade à Águia havia avivado a chama azul em seu interior.

    Mesmo ofuscadas, odiando a Luz, e quase asfixiadas pelo Amor que a Águia devotara a ela, correram em sua direção e lhe voltaram a sussurrar as mesmas coisas de sempre, e a sugerir-lhe as mesmas brincadeiras.

    E ela, por ainda não entender tudo, aceitou voluntariamente o que lhe foi dito, e caminhou de volta à cidade.

    Quando ela lá chegou, as sombras fizeram aproximar-se dela uma das cortesãs do rei Farin. As duas conversaram por vários dias, e passearam por muitos lugares. Nobil, mesmo sentindo que não devia, contou-lhe as coisas que sentia, e deixou transparecer seus sonhos mais belos e suas aspirações mais profundas.

    A jovem, por sua vez, contou o que ouvira da menina ao rei Farin.

    E o rei Farin, por ambicionar as coisas dos homens, confiava que Demion era mais útil que o Rei da Montanha Dourada, porque Demion prometia aos homens o direito de governarem-se a si mesmos; e os homens não compreendiam que, ao querer governar a si mesmos, terminavam governados por Demion. Como tudo isso veio a ser assim é uma história muito antiga, que remonta ao início dos tempos e eras.

    O certo é que Farin, mesmo não podendo ver a Luz azul que havia na menina, desconfiou que ela seria alguém que a possuía. E num misto de inveja e de raiva, enviou mensageiros a Demion pois, se a menina tinha o diamante no coração, Demion saberia quais estratagemas usar para tirá-lo dela.

    4 – O dragão

    Emissários do rei Farin saíram durante a noite a fim de avisar Demion sobre a moça-menina que poderia ser a portadora de um diamante azul no coração. Viajaram protegidos por sombras malévolas.

    Na manhã do dia seguinte, ainda sentindo vontade de ser o que nasceu para ser, mesmo mesmo que não entendesse de todo tal sentimento, Nobil foi passear no campo próximo.

    As sombras que a seguiam tinham a clara intenção de magoá-la. Já sabiam que emissários humanos tinham sido enviados a Demion que, por sua vez, enviaria alguém para destruí-la. Se pudessem fazê-lo eles mesmos, talvez ganhassem crédito diante da maldade do mago de Maldecor. Então, em sua malignidade, procuraram desviar-lhe os passos. Ela acabou por afastar-se para a borda da floresta além do bosque embrenhando-se na mata espessa. Àquela floresta nenhum homem se dirigia há muito tempo. Enquanto caminhava, cantarolava canções da terra, não do céu, e por isso não percebeu o poço para onde a conduziram os seres que instigavam-na. Era um poço antigo, conhecido apenas daqueles que tinham por ali andado há eras e abandonado no meio da floresta, num lugar que antes servira de parada para viajantes cansados. Tinha em volta um muro muito baixinho, mas que agora era apenas formado por uns poucos tijolos, disfarçados pelo mato que também encobria boa parte da boca que levava à água no fundo.

    Ao pisar em falso, a menina caiu, e viu-se dentro do poço escuro, que ainda tinha água, e ficou a nadar nele, tentando em vão agarrar-se à borda.

    Alegraram-se muito as sombras a serviço de Demion.

    Desesperada, gritou por socorro mas não havia ninguém que a pudesse atender. As sombras em volta riram, e uma até voou para dentro do poço a fim de lhe ver o rosto assustado para poder rir ainda mais.

    Nobil começou a ficar cansada e a perder as forças de tanto tentar viver. E enquanto lutava, chegou mesmo a pensar: A Montanha Dourada nunca vou mesmo ver.

    Foi aí que ela ouviu, no alto, um barulho pesado como se a terra fosse tremer e a água balançou mais. Ela não sabia o que era o barulho e também não tinha mais voz para gritar.

    Apareceu do meio da floresta um ser diferente. E era tão diferente que não poderia haver igual. Um dragão vermelho, grande, que ninguém sabia que por ali vivia, ouvira os gritos da menina. Seu corpo era imenso, e sua face lembrava a de um tremendo tigre, mas sem bigodes, e com o focinho um pouco mais comprido. Na verdade seu corpo e sua calda eram completamente cobertos por pelos avermelhados. Por sobre o lombo e calda, de entre os pelos, apareciam as protuberâncias próprias de um dragão reptiliano, aqueles de que se ouve falar desde que os mundos existem. A calda era comprida, com pontas na extremidade que com certeza poderiam ferir alguém se ele a usasse como chicote. Andando como andava, era tão grande quanto um elefante, porém mais comprido e esbelto; e se resolvesse ficar sobre os membros traseiros, poderia olhar mesmo por cima das árvores. Suas patas eram peludas e tinham unhas afiadas que ele guardava quando queria, sendo as patas da frente como mãos gigantescas em forma de garras fortes. A aparência dele era mesmo medonha. Também tinha asas, que não podiam ser vistas agora, camufladas em meio ao pelo de seu corpo. Na coxa de sua perna esquerda ele trazia atada com tiras de couro uma Espada em sua bainha, que suas mãos de dragão, imensas, não poderiam empunhar, mas que lhe serviam muito quando, em momentos de crise, outra forma tivesse de assumir.

    Com seus olhos de bolas vermelhas em órbitas alaranjadas, podia ver as sombras, e elas também o viram. Ele veio ao ouvir a voz da menina, mas ficou irado ao contemplar as sombras que reconhecia, e ao escutar o riso delas, pois no coração do dragão havia aversão terrível às sombras de Demion.

    O que fazem aqui, maldosos seres? Na certa vocês estão aprontando alguma. Ouvi uma voz aflita. A quem estão fazendo das suas?

    Um dragão... E vermelho... Ainda há dragões vermelhos em Mardascan? Pensamos que tínhamos conseguido destruir todos durante a Guerra dos Três Cetros, em que convencemos os homens a temê-los e odiá-los.

    A Guerra dos Três Cetros aconteceu há muito tempo antes desta história, e não se pode falar dela agora, mas o certo é que os dragões vermelhos tinham desaparecido desde então, e mesmo as sombras de Demion não sabiam que restara esse que agora surgira como que saído de sonhos, os quais para as sombras eram pesadelos.

    Se há dragões vermelhos, minha presença o denuncia. Para vocês, no entanto, inimigo eu sou. Vejam em meu peito a Marca Fiel. Homens aqui não aparecem há muito tempo; mas a eles eu ainda suportaria. A vocês, no entanto, não posso suportar. Ainda mais perto do poço que a Águia Dourada pediu-me para observar.

    À menção da Águia Dourada e da Marca Fiel, as sombras se assustaram mas tentaram manter-se em desafio. A Marca tinham percebido, mas esperavam ter-se enganado. A Marca Fiel era um brilho dourado, inserido no coração daqueles que serviram ao Rei da Montanha na guerra dos Três Cetros. Os serviçais de Demion não só conseguiam perceber a marca, como a temiam e a odiavam.

    Não se meta em nossos negócios. Nós estamos a cuidar de um ser humano e seres humanos não são assunto para dragões. Deixe que vejamos o fim deste e iremos sem que você tenha de nos suportar. Além do mais, seres humanos não gostam mesmo de dragões.

    O dragão andou um pouco mais em direção aos inimigos.

    Se todos os meus dias tivessem de acabar agora certamente não me importaria, contanto que a abominável presença de vocês pudesse tirar daqui. Algo me diz que devo expulsar vocês já, ou muito poderá ser perdido. Ouvi uma voz que me pareceu de jovem menina, e...

    Foi aí que o dragão viu um pequeno e quase imperceptível fio de luz azul sair do poço. Era Nobil, que já sem força alguma, exalava o brilho, que homens não conseguiriam ver, em seus últimos respiros.

    Os olhos do dragão se acenderam em vermelho vivo, e ele arreganhou seus dentes que fariam tremer o mais valente guerreiro.

    Há uma herdeira do Rei da Montanha Dourada aí dentro. Vocês estão a fazer-lhe mal...

    Ela é só uma humana qualquer... Não se intrometa nisso, disseram juntas as sombras terríveis.

    Pois vou mostrar-lhes que não se faz isso com qualquer jovem, e muito menos com uma herdeira das montanhas de Alegromar. Para poder destruí-la, terão de enfrentar-me.

    E dizendo isso, o dragão levantou sua pata direita e deixou aparecerem as unhas afiadas. Os serviçais de Demion fugiram dele, gritando e dizendo que ele pagaria caro por sua intromissão.

    O dragão correu até o poço. Enfiou nele com cuidado a pata, até encontrar a menina que afundava, inconsciente. Tirou-a de lá e deitou-a cuidadosamente no chão forrado de folhas secas.

    Águia Dourada, disse o dragão como que de si para si, mas fazendo-se ouvir nos portais de Alegromar, disseste-me, há tempos idos, que deveria eu guardar este poço, e que um dia eu deveria nele minha mão molhar. Fui levado a molhar nele a mão agora, e minha mão molhada do interior dele tirou esta pequena humana que aqui está. Vi nela o brilho azul, que só pode vir da Montanha Dourada. E agora não sei o que fazer porque acho que não cheguei a tempo, e a menina parece não mais viver. Meu coração dói porque, mesmo sendo humana, se tem Teu brilho, digna é. Também, não sei por que, vejo nela mais do que se consegue ver. Então peço-te, querida Águia, que venhas socorrê-la.

    Como que saída do nada, a Águia Dourada pousou ao lado da menina e olhou para o dragão. Servid viu-A e seu coração se alegrou.

    Olá, Servid, meu amigo. Por favor afaste-se um pouco. A menina está viva, mas tenho de me apressar. Não há tempo para conversar... Vou fazê-la recobrar a consciência e, com um só toque de minha mão, ao menos por hoje, livrá-la da intromissão dos maldosos que a odeiam.

    A Águia assumiu forma humana, a mesma forma que assumiu quando colocou o diamante no coração de Nobil, ainda bebê, e soprou sobre ela, desaparecendo enquanto soprava. Antes de sumir, com a ponta de um dos dedos, tocou levemente a testa da jovem.

    Servid viu o Homem desaparecer e ouviu Nobil tossir.

    Viva, pequena menina... Viva! Disse ele, com alegria.

    Então ele a tomou cuidadosamente com uma das mãos, e a levou até a caverna em que vivia, atrás de uma cachoeira no meio da mata, escondida de todos, a não ser dos pássaros e dos animais, seus conhecidos. Acendeu uma fogueira e deixou que Nobil dormisse; preparou um chá com ervas frescas, e cozinhou um bolo de amoras e maçãs.

    Saiu da caverna para olhar o pôr do sol do alto de uma rocha do outro lado do rio, e lá ficou por bom tempo, a pensar no que acontecera naquele dia.

    Nobil acordou aquecida no interior da caverna. Viu-se diante do bule de chá imenso mas passível de ser por ela usado, e de duas xícaras também grandes colocadas ao lado. Viu também o bolo feito há pouco e sentou-se sem entender onde estava. Lembrou-se de ter caído no poço e pensou que alguém devia ter escutado seus gritos. Esperou alguns momentos ouvindo o som da cachoeira.

    Servid entrou na caverna sem fazer barulho pois pensava que a jovem ainda devia dormir. Mas a moça percebeu que algo interrompia o fluxo normal da água e viu o vulto contra a luz do exterior.

    O grito dela o pegou desprevenido e ele, assustado, bateu a cabeça no alto da caverna; inclinou-se para trás e caiu de costas pela entrada, fazendo splash no lago diante da cachoeira.

    O banho gelado de surpresa o fez arrepiar-se todo, enquanto os gritos da menina ainda ecoavam.

    Uma andorinha apareceu na margem das águas correntes e disse a Servid:

    Servid, o que você arranjou? Uma sirene?

    Uma pantera, que ouviu o grito, apareceu correndo também.

    Servid, acho que você está com um humano aí, não é? Rapaz.., como são barulhentos.

    Servid olhou para eles.

    Não veem que eu estou ocupado?

    Tomando banho a esta hora, nesta água gelada? perguntou a coruja que acabara de aparecer.

    Vão todos embora... E eles foram. Animais falantes... Que ideia foi ter o Rei da Montanha Dourada...

    Ele entrou na caverna, onde Nobil não mais gritava, mas estava encolhida num canto, cheia de medo...

    Vo-vo-cê é um dragão... Você vai me devorar...

    Que história é essa, menina? Não precisa ter medo...

    Vo-vo-cê fala?

    É claro. Sou dragão mas não sou mudo... Respondeu ele. Meu nome é Servid. Qual é o seu?

    Eu sou Nobil.

    Bonito nome, e bonita menina...

    Ela ainda tremia.

    Bem, continuou Servid, não fique aí olhando para mim o tempo todo. Você precisa comer alguma coisa porque você passou quase o dia inteiro desacordada. Por aí, você já vê que eu não queria devorá-la. A não ser que eu preferisse devorá-la aos gritos...

    Nobil se encolheu ainda mais de medo; e Servid percebeu sua falha.

    Desculpe, eu não queria dizer que... É... Deixa prá lá... Olhe, fiz chá e bolo para você... Eu tinha estas coisas guardadas do tempo em que homens e dragões conversavam, sabe? Elas foram dos meus avós. Bem..., você pode se servir; eu vou acompanhá-la. E, tendo dito isto, serviu-se de uma xícara de chá e um pedaço de bolo. Tanto a xícara quanto o bolo pareciam miniaturas diante dele.

    Nobil se afastou da parede.

    Foi você que me tirou do poço?

    Sim, fui eu... Você estava em apuros, sabe?... Acho até que teria morrido. Mas quem salvou você mesmo foi a Águia Dourada, porque foi Ela que me mandou ficar por ali, e foi Ela que lhe devolveu o fôlego...

    Águia Dourada... Mas Ela é uma lenda, disse Nobil. Ninguém a vê. Se Ela existe, existe na imaginação popular, ou nas histórias. Está muito distante dos homens e ninguém pode chegar muito perto dEla.

    Servid não aguentou, e riu a valer.

    Do que você está rindo? Perguntou Nobil.

    A maneira como você falou da Águia Dourada: Uma projeção da imaginação? Uma lenda? Uma personagem de histórias? Distante? Ninguém pode chegar perto dEla? Por ter o brilho dEla em si mesma, você não deveria pensar assim. Não acredita na Águia Dourada?

    Não é questão de acreditar ou não. Ou é... Não sei se acredito em uma grande ave que voa mais rápido que o vento e faz pessoas comuns irem morar na Montanha Dourada, onde só os mais luminosos podem viver... Acredito que deve existir uma Força em algum lugar, e também almejo um dia encontrar a Força e o Lugar...

    Pois eu lhe garanto que ninguém pode encontrar esta Força se Ela não se deixar encontrar. E lhe garanto que a Águia Dourada não só existe como alcançou você e lhe deu o diamante azul. Você tem dentro de si o brilho dEla. A Águia Dourada já esteve com você, você sabe, mesmo que não queira admitir. Ela já falou antes com você.

    Nobil calou-se diante das palavras de Servid. Meditava interiormente no que ele dissera. Reconheceu que havia verdade em suas palavras, mas estava com medo de ser tola e confiar num dragão.

    Aproximou-se, experimentou o chá, e comeu o bolo; mas seu coração, que ainda vivia sob a influência das coisas dos homens, não se rendeu a confiar ou mesmo a não temer o dragão, mesmo sabendo que ele lhe tinha feito bem. Nobil olhava-o de lado, insegura, e não se deixava descansar.

    Preciso ir para casa, disse ela por fim.

    Bem, daqui você não saberá sair se eu não ajudá-la.

    E você me ajudará? Perguntou ela.

    Com certeza... Mas espero que se lembre do que lhe disse: você tem o brilho azul em você. A Águia Dourada não só existe como também a ama, alcançou-a, e lhe deu um diamante azul, marca de Sua afeição... Você precisa confiar nisso, e não deixar que ninguém a faça pensar que não vale à pena crer que Ela, a própria Águia, é capaz de guiar seu destino... Outrossim, não deixe nas mãos de ninguém o brilho que lhe foi concedido como presente ao coração.

    Ela ouviu e assentiu, mesmo que sem muita convicção.

    Como posso ir para casa?

    Venha comigo.

    Servid saiu da caverna e Nobil o seguiu.

    Ele conduziu-a pela mata.

    Passado algum tempo, chegaram ao poço em que Nobil caíra. O dragão continuou conduzindo-a até a saída da floresta e então ela viu ao longe o castelo de Farin e a cidade. Sentiu-se aliviada porque tinha medo do dragão. Quando olhou para trás, porém, não viu dragão algum, e correu para casa.

    Escondido, na mata, Servid observou-a. Reconheceu nela o brilho azul, e lembrou-se que há muito via, de vez em quando, uma menina a correr pelo campo e que sempre notou nela a marca das criaturas a quem o Rei da Montanha Dourada concedia honra.

    Aquela menina era Nobil.

    Ele voltou para sua caverna. Olhou o bolo que preparara e percebeu que, mesmo não se dando muito com humanos, teve muito gosto em servir a jovem. Também ressentiu-se pelo medo que ela demonstrava ter de sua pessoa.

    Várias sombras viram Nobil sair da floresta, e viram o dragão voltar para lá assim que ela rumou para cidade. Duas das sombras voaram rápido em direção ao reino de Maldecor para contar a Demion o que acontecera. As outras seguiram de longe a menina, porque naquele momento, devido ao toque que a Águia Dourada lhe dera após ela ter sido retirada do poço, não conseguiam se aproximar muito.

    5 – Demion chama seus aliados

    Os enviados do rei Farin chegaram ao castelo de Maldecor, na sombria terra do mesmo nome, alguns dias depois de serem enviados. Conseguiram chegar rápido porque convocaram, por meio de frases encantadas da escuridão, os Sermairs, seres alados que pareciam gaviões gigantes com cabeças de serpentes, e que auxiliavam os seres maus em seus intentos.

    Os Sermairs voavam rápido, e às vezes imitavam águias para enganar os menos incautos e dar-lhes o bote fatal.

    Ao chegar à terra sombria de Maldecor, os mensageiros, acompanhados das sombras negras que não precisavam dos Sermairs para projetarem-se de lugar a lugar, entraram no castelo.

    Demion os esperava.

    Sua roupa branca e brilhante contrastava com tudo o que estava à volta, e ele se apresentava como um jovem alto, forte, belo e elegante, em túnica real e manto majestoso. Apenas o negro de seus olhos denotava o que havia em seu interior, pois em seus olhos não se via luz ou brancor algum, ainda que algumas vezes até isso ele disfarçasse.

    Ao vê-lo, os homens se inclinaram até ao chão, impressionados pela majestade dele e ao mesmo tempo temerosos, pois sabiam que a luz que viam nele provinha de sua escuridão terrível.

    As sombras, em reverência, inclinaram-se também.

    Demion sorriu ao ver os humanos e reconheceu seus serviçais invisíveis que chegavam no mesmo instante.

    Chegaram para me trazer notícias, não é, homens de Farin? Descobriram um brilho azul em quem já sei que o tem?

    Os humanos ainda permaneceram inclinados. A voz de Demion era doce, como de alguém que consola. Mas mesmo nesse instante, ao simplesmente ouvi-la, suas almas estavam sendo retalhadas por lâmina mortal. Demion usava encantos que adormeciam o espírito, e por isso quem o ouvia só descobria sua desgraça quando tudo estava perdido. Infelizmente, por dar ouvidos a tal voz, os homens perdiam grandes bem aventuranças.

    Um deles logo respondeu:

    Sim, grande mestre Demion. Há uma jovem em nosso reino que parece não ser bem o que todos são.

    Seu nome é Nobil, não é?

    Os homens não se surpreenderam por ele saber o nome da jovem. Afinal, tão poderoso mago tinha seus meios de saber as coisas. Haviam magos e espíritos a seu serviço, e com certeza a presença deles ali só servia para reiterar o que ele já conhecia, pois espectros, sombras e feiticeiros, notificavam Demion acerca de muitas coisas.

    Sim, grande Demion. O nome dela é Nobil.

    E ela já tem vontade própria... E poderá entregar o colar com o diamante azul voluntariamente... Eu sei acerca dela desde que nasceu e a tenho odiado dia após dia. É mais uma mortal a quem o Rei da Montanha decidiu amar. Mais uma para seu Reino. Mais uma para que Ele intente completar seus planos de destruição daquilo que consegui com muito esforço...

    Demion começou a rir. E os homens não se atreveram a levantar a cabeça.

    Vou mostrar a Ele que não pode confiar nela. Quão tolo Ele é! Ela tem sido por meus servos acompanhada todo o tempo... Chegou a hora de fazê-la ser o que eu quero que seja.

    Por que não a mata, grande Demion? Perguntou uma sombra...

    Demion a fitou com visível irritação.

    Porque não quero! Mentiu ele, porque na verdade Nobil, desde pequena, era protegida pela palavra da Águia Dourada. Ninguém poderia tomar-lhe a vida sem que a Águia o permitisse, ainda que agora, depois de moça, ela corria o risco de deixar-se levar pelos enganos provindos de Maldecor, e com isso possibilitar a destruição de seu coração.

    O espectro encolheu-se, temeroso.

    Foi nesse instante que chegaram sombras negras. Estavam sendo detidas pelos espectros em guarda à entrada do salão.

    Queremos entrar, queremos entrar... Temos notícias sobre a moça chamada Nobil...

    Demion reconheceu a voz daqueles que acompanhavam a menina Nobil desde o nascimento.

    Deixe-os vir! Ordenou ele.

    E eles vieram. Seus rostos sombrios, que mais pareciam fumaça negra, denotavam sua pressa.

    Porque vieram assim e ousam interromper minha recepção aos visitantes humanos?

    Viemos trazer notícias da menina Nobil...

    "Pois falem, porque não tenho

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