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O DESPERTAR
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O DESPERTAR

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About this ebook

Um celeiro, três homens, o bem e o mal. Assim, começa a história. A história de um grupo de personagens que vão lutar com unhas e dentes para sobreviver ao mal que os persegue. Um mal violento e sanguinário e sem piedade. Um mal que não compreende lugares ou dimensões. Somente o poder de uma garota dará esperança a esses personagens, já que essa garota é muito especial, ela pode ver a luz e a verdade. E somente a verdade os libertará, porque nesta jornada entre o racional e o irracional, os limites só são definidos por sua mente.

Uma história envolvente que consegue prender o leitor desde a primeira, até a última linha e com um final surprendente. "Há mais mistérios entre o céu e a terra do que jamais imaginaria nossa vã filosofia..." ou não. Foi o que me veio à cabeça durante a leitura dessa novela.  A leitura é ótima e, apesar de todo o suspense e terror, o autor consegue passar mensagens edificantes de amor, harmonia e muita esperança de que sempre o bem vence o mal, basta ter fé e acreditar. 

LanguagePortuguês
PublisherBadPress
Release dateDec 20, 2017
ISBN9781547510221
O DESPERTAR

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    O DESPERTAR - Isaac Barrao

    Índice

    ABANDONADOS

    UM DIA DIFÍCIL

    RAIOS DE LUZ

    UTOPIA

    PÓLOS OPOSTOS

    KATE

    POR UM TRIZ

    CAOS

    ESPERANÇA

    RESPOSTAS?

    NÃO ESTAMOS SÓS

    DOR

    SATISFAÇÃO

    RASTAN

    IMORTAIS

    ROAN

    IMPOTÊNCIA

    LORNA

    VIDAS CRUZADAS

    ABANDONADOS

    Sentado no chão e abraçado às pernas, levanta lentamente a cabeça de entre os joelhos, abre os olhos e pisca várias vezes até que conseguir focar. Um cabelo castanho e encaracolado cobre seu rosto caucasiano e está vestindo uma camiseta preta e de mangas curtas (com o desenho de dois revólveres cujos canos se olham), o que lhe dá uma aparência juvenil apesar dos seus 40 anos.

    - Matt, tem alguém aqui! – grita Steven.

    John observa o homem ruivo que deve ter aproximadamente a mesma idade que ele. Veste um terno de corte italiano que leva John a pensar que se trata de um cara com ensino superior, alto nível de poder aquisitivo e de boas maneiras. E mesmo não o conhecendo, por seus traços bem definidos e seu olhar gentil, de olhos azuis, sente que é um homem de coração nobre.

    - Está tudo bem com você? – pergunta Steven, oferecendo-lhe a mão para cumprimentá-lo.

    John cobre o rosto com os braços. Isso faz Steven lembrar que está apontando para o rapaz com uma semiautomática. Ele a esconde rapidamente em suas costas, encaixando-a em suas calças. – Sinto muito, não era a minha intenção assustar você. Lembra do seu nome?

    - Me chamo... John tenta lembrar seu nome, enquanto examina o ambiente ao seu redor.

    A pouca luz que escapa de uma pequena lâmpada, presa a um cabo fino no centro do recinto, mal permite que enxergue o estábulo. A passagem do tempo engoliu a cor natural da madeira e a umidade apodreceu a estrutura, dando abrigo a um número infinito de insetos que convivem em harmonia. E no alto de umas vigas, imponentes corvos, com uma plumagem preta que parece absorver a escuridão, ficam quietos, como se esperassem sua vez de entrar na cena. Nos cantos, cobertos de filamentos sobrepostos, grandes aranhas brincam com suas presas, embrulhando-as com mímica, e com um propósito claro: unir suas presas nelas e sugar suas entranhas, enquanto, ainda vivas, se retorcem e emitem uma espécie de gritos agudos até a morte. O solo tem um aspecto nocivo: a palha úmida misturada com excremento, provoca um forte cheiro nauseabundo. Um habitat perfeito para grandes moscas como punhos, que são agrupadas por dezenas e formam uma nuvem acinzentada em torno desse oásis de comida.

    Tudo parece ter sido tirado do cenário de um filme de terror classe B.

    - John, meu nome é John - ele diz desconcertado, sem quase nenhuma lembrança, e com a sensação de nascer de novo, maravilhando-se como uma criança quando descobre seus cinco sentidos.

    Matt se aproxima deles com o rosto de poucos amigos. Ele está vestido com uma espécie de pijama branco. Por sua aparência, poderia ser um médico ou um paciente. Caminha lenta e desajeitadamente. Apenas por mover-se, pesando 180 quilos, merecia ganhar uma medalha. Ele para na frente de John. Seu olhar se perde em seu rosto e, instantaneamente seus olhos pequenos se alargam e suas feições ficam tensas. Ele entende que John está tão perdido quanto ele e que não pode dar-lhe nenhuma resposta. Possivelmente esse foi o gatilho que desencadeou sua fúria e o fez puxar a semiautomática e apontar diretamente para o meio do rosto de John, causando uma situação absurda e irracional.

    - Você sabe alguma coisa. Fale, seu bastardo! Quem te enviou?

    Mergulhado em sua ignorância, Matt, não para de bater na testa de John com a coronha da semiautomática, tentando dissipar a incógnita daquela equação. A resposta não chega.

    Steven, surpreso, não acredita. Ele não pode permitir tal indignação. Seus princípios morais o obrigam a agir. Em questão de segundos, ele toma a decisão, talvez errada, de apontar a arma para a cabeça de Matt. Imediatamente, Matt responde, apontando para Steven na direção de seu queixo.  

    - Queres que eu te faça um lifting facial a balaços? - disse Matt com o ego enaltecido, como se tivesse a frase estudada e imitasse o cara ruim de um filme de Tarantino.

    - Tenha calma, Matt.  Estamos do mesmo lado.

    - Tens certeza? Eu não acredito, meu amigo. Me achas com cara de idiota? Eu sei exatamente o que está acontecendo aqui. - Matt retruca, tentando compensar o seu grande complexo de inferioridade com essa atitude grotesca.

    Mesmo com a amnésia, parece que os humanos não perdem o instinto para se medirem, para mostrar quem sabe o que.

    John aproveita a discussão absurda, que parece não ter fim, para rastejar no chão uns metros e distanciar-se deles. O fedor forte do celeiro faz com que ele tenha umas arcadas que o forçam a sentar-se imediatamente. Com os olhos focados na enorme porta principal de duas folhas, ele passa pela sala. Um par de passos para chegar ao seu destino, ouve seu nome.

    «Joooooooohn».

    Ele vira a cabeça da esquerda para a direita. Tenta ver a dona dessa voz feminina, suave e angelical. Não há ninguém à vista. Apenas a discussão acalorada entre Matt e Steven é ouvida. Uma vez protegido o perímetro visual ao alcance, o cérebro de John processa a voz que ele acabou de ouvir como um erro. Ele se convence de que deve ter imaginado ela. De repente, ele sente uma necessidade urgente de olhar através das rachaduras da enorme porta de folhas duplas. Apesar do seu tamanho, a única coisa que a mantém fechada é uma fina corrente coberta de ferrugem. Ele apoia a cabeça na madeira carcomida e examina o exterior através do espaço restante, na esperança de obter alguma resposta. Tal como chega, essa esperança desaparece.

    - Eu tinha que ter imaginado - murmura John, percebendo que há uma escuridão completa lá fora. - Um segundo! Ele grita assustando a si próprio, percebendo que à distância e sem que possa identificar sua origem, um par de luzes circulares e simétricas flutuam sobre o chão na mesma altura.

    De repente, aparecidos do nada, uns olhos do outro lado da porta fixaram seu olhar espectral nos dele. Ninguém parece ter ouvido o grito aterrador de John. O medo toma conta dele instantaneamente. O pulso acelera e o sistema nervoso cria uma série de espasmos que o forçam a afastar-se da porta. Dessa vez não há dúvida. Calafrios lhe arrepiam a pele. O mecanismo de defesa que é ativado em busca de uma explicação, é imediatamente anulado diante da evidencia. Um grito agudo e ensurdecedor que se amplifica ao entrar no estábulo, reafirma a presença desse estranho ser.

    Paralisado pela ansiedade, John cobre seus ouvidos para tentar amortecer o eco estridente emitido por esse ser demoníaco. Observa como a porta de folha dupla é empurrada com raiva para dentro repetidamente. A pequena corrente, por mais impossível que pareça, resiste a cada investida, impedindo o intruso de entrar.

    - Basta, basta, basta!

    Aterrorizado, John fecha as pálpebras e vira as costas para a porta, como se desse modo ele fosse reverter o caos dessa situação.

    De repente a calma conquista o espaço. A porta para de se mover, o silencio reina novamente, e mesmo com a ansiedade atravessando o seu corpo, John levanta a cabeça e abre os olhos. Logo começa de novo. Sem trégua.

    Steven e Matt deixaram de discutir e, atraídos pelo barulho escandaloso, aproximam-se de John, e enfiam-lhe as semiautomáticas na cara.

    - O que diabos você está fazendo, filho da puta? - Matt grita.

    Não sendo capaz de digerir tudo o que está acontecendo em tão pouco espaço de tempo, dispara o alarme na cabeça de John. A coerência, a calma e o senso comum são desativados e relegados para segundo plano. E, como uma panela de pressão, fúria, estresse, medo, fúria e loucura transitória, faz disparar a válvula de escape. Pega os dois canos das pistolas com um rápido movimento, fecha firmemente suas mãos sobre elas e as aproxima da cabeça até sentir o aço frio pressionando a fina pele de sua testa.

    -Vão atirar? Vão atirar? Vamos, vamos! O que estão esperando? - grita John, com os olhos injetados de sangue.

    Perplexa, a dupla de cowboys passa a ser secundária, concedendo o papel principal para John.

    - Vamos, seus filhos da puta! Atirem, atirem! - grita John, repetidamente, avançando em direção a eles com um ritmo constante e forçando-os a recuar ao mesmo tempo. Ele se sente como um prisioneiro no corredor da morte, sabendo que a sentença é sólida, sem retorno e a execução iminente.

    A porta oscila pela última vez.

    A corrente enferrujada sucumbe à força do intruso. Ela deixa seu adeus sob a forma de estilhaços e atingem as costas de John que, ao sentir o metal rasgando sua pele, solta as armas para cobrir o rosto.

    Saído do mesmo inferno, um nevoeiro denso e escuro penetra no celeiro. Se move em direção a eles como se tivesse uma vida própria e um alvo fixo, engolindo John.

    Não tenhas medo, John, a mesma voz angélica sussurra novamente dentro da mais absoluta escuridão daquela maldita névoa, que, longe de parar, continua a avançar em direção aos valentões, forçando-os a recuar, até encurralá-los no fundo do estábulo.

    A entidade não se faz de rogada. A névoa densa sobe e fica suspensa acima de suas cabeças.

    Steven não pode acreditar no que está vendo. A situação supera toda lógica e o empurra para atravessar a delicada linha de sanidade, enquanto tenta se apegar a uma realidade que seus olhos não atingem. E, antes de cair no abismo da loucura, no último momento, ele é salvo por uma energia que o envolve, lhe dá paz e felicidade e limpa toda dúvida em si mesmo. Ele é liderado por uma misteriosa força que o orienta e mostra o caminho a seguir. Arranca a semiautomática de Matt, que, imobilizado e sem piscar, parece ter entrado em um estado de choque irreversível. Então, ele joga a arma, junto com a dele, para John, que está parado na grande porta da frente.

    - O que está acontecendo aqui? - sussurra Steven, que, sem esperar uma resposta, ajoelha-se para observar atentamente o recém-nascido que apareceu do meio da escuridão.

    O extremo surrealismo da situação amedrontaria qualquer um. No entanto, apesar do fluido viscoso que rodeia o recém-nascido e o cordão umbilical ainda não cortado, Steven parece calmo e relaxado. Nenhum medo o impede de colocar sua mão, com muito cuidado e muito lentamente, naquele ser sobrenatural. O bebê, sentindo sua presença, fecha sua mão minúscula, agarrando um dos dedos de Steven e lhe abre um sorriso. No entanto, toda essa harmonia que parece ter parado o tempo, desaparece rapidamente. A criatura nascida das entranhas do nada, vira a pequena cabeça, fixa seu olhar inocente em Matt e abre a boca para fazer um grunhido frio.

    Assustado, Steven encolhe o braço imediatamente, levanta-se e corre até a porta da frente, ao lado de John.

    - Ei, desculpe-me pelo que aconteceu antes. Eu não queria apontar a arma para você - diz Steven com uma desculpa absurda e injustificada para algo que já havia sido esquecido.

    - Nós temos coisas mais importantes para nos preocuparmos, você não acha? - diz John, tentando descobrir por que o bastardo gordo do Matt ainda está petrificado e sem palavras.

    - Vamos sair daqui isso é uma loucura.

    - Espere. Olhe, você está vendo o mesmo que eu?

    - Que diabos? Vamos embora! Pelo amor de Deus, vamos!

    O palco se torna a ópera prima de um autor perturbado.

    O recém-nascido começa a comportar-se de maneira estranha: seu corpo se contorce sobre si mesmo, movendo os membros freneticamente. O cabelo da cabeça cresce até a cintura. A massa muscular alarga-se e os ossos de todo o seu corpo alongam-se e estalam sob uma pele alongada, como a borracha.

    Embora, para John e Steven, tenha passado um minuto, talvez mais, dentro desse espaço invisível de alguns metros quadrados, dominado pela nuvem negra suspensa sobre a cabeça de Matt, o tempo acabou de ultrapassar, em uma metamorfose complexa, o processo natural da vida complexo e natural: o bebê acabou de se tornar uma menina de dez anos.

    Por alguma razão incompreensível, Matt permanece preso no feitiço de que esse ser endemoniado, com rosto de porcelana e voz angélica, lhe aplicou. Nua, com sua pele húmida e irradiando uma luz branca e ofuscante, a menina ergue-se do chão e se aproxima dele. Com um sorriso diabólico, ela levanta os braços até a altura dos pequenos olhos de Matt e gira os pulsos para que ele possa contemplar, em detalhe, as costas das mãos. Então as unhas saem para fora, empurradas pelos ossos dos dedos, que atravessam a fina pele branca da menina e se estendem alguns centímetros para se tornarem garras afiadas.

    - Buuuuuuu! - exclamou ela, abrindo os braços em cruz.

    Matt se urina todo. Os dedos letais da menina separam suas pernas no auge dos tendões dos joelhos.

    Um grito assustador atravessa o silêncio do estábulo e aumenta seu tom no momento exato em que a menina ergue as mãos até a altura do crânio de Matt e insere seus dedos cirúrgicos entre os ossos e a pele, para empurrá-los com força até ficarem atrás da nuca. O show continua. A menina sorri, saboreia, sente. Chega perto o suficiente de Matt. Ela quer que ele sinta sua respiração, para ver suas pupilas desaparecerem sob suas pálpebras, o marfim branco do globo ocular tingir-se de sangue vermelho e contemplar como a pele esbranquiçada de todo o seu corpo irradiando aquela luz celestial e ofuscante, se apaga e se escurece gradualmente.

    - Shhhhhh"- diz a menina que, uma vez silenciados os gritos de Matt, continua falando com calma e serenidade. Sua voz angélica desapareceu para dar lugar ao rude som de palavras que parecem vir do próprio inferno. - Olhe bem dentro de você, Matt!  Sentirás todo o dano que tens causado ao mundo, multiplicado pela eternidade!

    Umas descargas elétricas começam a formar imagens abstratas e sem sentido na cabeça do gordo estúpido: o sangue brotando do pescoço ao passar da lâmina afiada de uma faca, o grito de uma mulher que se apaga quando ela é estripada, uma garota nua amarrada e amordaçada em uma cadeira. Um após o outro, eles tomam forma e são ordenados cronologicamente, açoitando sua alma, punindo seu ser com seus próprios pecados.

    - Você gosta do que vê!? Você gosta!? Sinta-o, seu bastardo maldito! - grita a voz grave da entidade.

    Longe de responder, Matt abre a boca e expulsa uma espuma branca enquanto convulsiona diante do olhar impassível da menina que, não contente com isso, puxa as mãos com força e rasga a pele da cabeça do pobre desgraçado. Fim do ato. Um poderoso feixe de luz emerge do interior desse ser, baniu a escuridão de seu corpo e o fez recuperar a aparência angélica, inocente e inócua.

    - Vão embora, não há nada para ver aqui, diz a voz angélica da criança, olhando docemente para John e Steven.

    Os dois espectadores dão por terminada a função. Em desespero e sem saber muito bem o que os espera lá fora, eles saem correndo de lá como se fossem atletas olímpicos. John vê novamente as duas luzes à distância. Sem pensar e seguido de perto por Steven, ele se lança como um cão de caça nessa direção, seguindo a um instinto primitivo que parece surpreender.

    - Diabos! Isso eu não esperava. Porra, eu sempre quis ter uma! - exclama John com entusiasmo.

    - O quê? - diz Steven, emudecendo ao alcançar John e vendo a Ford f-350 esperando por eles, como um cão treinado.

    - Venha, venha, venha! Precisamos sair daqui! - exclama John, que toma a iniciativa e salta sobre o volante.

    O motor da V8 de trezentos cavalos de potência ruge como um animal e as duas rodas traseiras de eixo duplo derrapam na terra, levantando uma imensa nuvem de poeira. Em menos de um segundo, eles se afastam de lá a toda velocidade.

    Algumas horas dirigindo em silêncio, são suficientes para que a ansiedade e a euforia vividas no estábulo amenizem, mesmo que não desapareçam; simplesmente se mantém adormecidas.

    - Ouça - disse John.

    - Steven. Me chamo Steven.

    - Desculpe, não lembrava seu nome.

    - Também não me lembro de haver me apresentado. Olha, desculpe pelo que aconteceu.   - Perdoa-me. Está bem? Não deveria ter apontado uma arma para você. Não sei que diabos eu estava pensando. Me assustei.

    - Esquece, de verdade - disse John - Que diabos aconteceu lá dentro? Onde estamos? O que é tudo isso?

    O mundo foi devorado por uma escuridão total. Não existe nada que se possa enxergar. Essa maldita névoa tão densa, envolve absolutamente tudo, o que impede que os faróis da caminhonete iluminem a mais de meio metro de distância. Domina o céu e a terra, e dá a sensação de estar flutuando num espaço indefinido, virgem.

    O silêncio impera no interior do veículo.

    Angustiado, Steven arqueia as sobrancelhas ao lembrar do final fatídico de Matt. Procura dar uma explicação lógica ao que aconteceu: que tipo de droga nos deram para que tudo isso pareça tão real? Quem é essa menina demoníaca? Porque nós? Embora as perguntas sejam isso, incógnitas, equações não resolvidas.

    - Toma, Steven, eu a peguei antes de correr - diz John, entregando-lhe a semiautomática. Você pode se sentir mais seguro levando isso com você.

    - Obrigado, John, - diz Steven, esfregando o rosto depois de colocá-la atrás de suas calças.

    - Você não encontra respostas, não é?

    - É tudo muito absurdo. Acabaram de matar um homem logo abaixo dos nossos narizes e não fizemos nada para evitar isso.

    - O que você queria fazer? Deixei a água benta em casa, - diz John, sorrindo.

    - Você está de sacanagem? Matt pode ter sido um porco bastardo, mas ele não merecia morrer.

    - Sinto muito, Steven. Tem razão. Eu queria tornar a situação suportável.

    - Eu também não o conhecia.

    - Você não o conhecia? Eu pensei que vocês estavam nisso juntos. Bem, não me interprete mal, quero dizer que ...

    - Eu sei o que você está tentando me dizer. Acordamos de repente naquele celeiro. Não fazia nem dez minutos que estávamos lá. Não falamos muito. Foda-se!  Revistamos o estábulo de ponta a ponta e eu juro que não havia ninguém lá e, pam! Você apareceu como se por magia e, então, aquela maldita criança.

    - Tem razão. Aquela garota. Você notou? Isso me deu uma sensação como se eu soubesse quem era Matt. Na verdade, eu acredito que estava atrás dele. E eu tenho certeza que queria que encontrássemos a camionete. Nos empurrou para ela!

    - Nos empurrou? - Vamos, John, deliras. Em vez disso, ele nos expulsou, - diz Steven, revirando no compartimento porta luvas procurando alguma documentação que lhes desse alguma pista.

    - Talvez sim ou talvez não, quem sabe? - John olha algumas vezes pela janela. Ele acha que viu algo e acrescenta: - A única coisa clara em tudo isso é que eu não lembro de nada, e que nos encontramos perdidos nesta merda de lugar.

    - Acontece o mesmo comigo. Acordei sem lembrar meu nome. Se eu pegar o bastardo que está fazendo isso conosco ... E se tivéssemos sido drogados com algum alucinógeno experimental? O exército pode estar por trás de tudo isso, podemos estar ligados a uma maca com algum tipo de capacete psicodélico cheio de cabos e estão nos bombardeando com todas essas imagens, alterando nossa percepção da realidade.

    - Steven?

    - Pode ser que alguns malditos alienígenas nos tenham abduzido.

    - Steven? - insiste John.

    - Pode que...

    - Steven, pelo amor de Deus!

    - Que, que, que?

    - Você está ouvindo?

    - Claro, John! Não estou louco! Nós acordamos em um celeiro sem memória, a filha de Satanás aparece e agora, essa névoa. Porra, que negro e estranho é, você não acha?

    - Sim. É como se fosse entrar em estado sólido - diz John, olhando para trás pela janela.

    - Há algo, John?

    - Não sei. Eu acho que vi algo.

    De repente, um som familiar que escapa de baixo do assento de John, acelera seu pulso

    - O quê? - Steven diz, depois de alguns segundos de incerteza, depois de pegar o celular e o apertar contra sua orelha.

    - Steven? - sussurra uma voz misteriosa.

    - Sim? Quem é? Matt? - diz Steven, que, sem sair de seu espanto, olha para John com um rosto de surpresa.

    -Você vai morrer!! Ha ha ha! Você me ouve, seu filho da puta? Você e seu amigo estão mortos! Eu vou arrastá-los comigo para o inferno! - Matt grita do outro lado da linha, grunhindo e rindo, desaparecendo qualquer vestígio de esperança.

    Steven amaldiçoa, golpeia a janela e joga o maldito telefone, que quica no vidro traseiro e volta para o mesmo lugar onde ele encontrou.

    A situação piora. Os altos e baixos emocionais são constantes. Não há tempo para assumir o insistente bombardeio que fissura o escudo da sanidade e arrasta Steven para um terreno inóspito. Começa a sentir-se como um equilibrista caminhando na corda bamba.

    John ao contrário, embora ele entenda seu companheiro e sinta o mesmo desespero ou mais ainda, leva as coisas de outra maneira, com calma, com tranquilidade, com uma fé capaz de iluminar toda a escuridão que os impede de ver com os olhos, mas não com o coração.

    O telefone toca novamente.

    Steven sofre um ataque de ansiedade. Aterrorizado e com o semblante desesperado, ele se contorce no assento e cobre suas orelhas, emitindo dois gritos controlados.

    Desta vez, John vasculha sob o assento. Apalpa o tapete com os dedos até achar o aparelho endiabrado. Talvez esse telefone seja a única possibilidade de encontrar ajuda. No entanto, ele não pode permitir que seu parceiro perca a cabeça. Abaixa a janela e lança o telefone.

    - Você está bem? - John aguarda alguns minutos para Steven recuperar o fôlego. -

    Não deixe que isso o domine.

    - Mais fácil dizer do que fazer.

    - Ouça, vamos sair daqui.

    - Sair de onde, John? Nós nem sabemos onde estamos.

    - Eu sei que é difícil. Sem lembranças, sem direção, sem lugar para ir ... você precisa ser forte. Procure dentro de si mesmo por paz e amor.

    - Que merda você está me dizendo? - diz Steven, olhando incredulamente para John.

    - Estou tentando dizer que agora você e eu somos uma equipe, que, por algum motivo, que não entendemos, alguém ou algo nos trouxe aqui e não podemos nos render. Eu não vou deixar você afundar e espero que você faça o mesmo comigo. Eu tento dizer-lhe para expulsar o desespero, o terror ou a angústia do seu corpo.

    - E como?

    - Ajude-se tentando visualizar alguma imagem que faça você se sentir bem. Lembre-se de algo agradável e use-o para estar em harmonia, você entende? – diz John, sentindo-se como um profeta na terra prometida.

    Steven arqueou os lábios e sorriu, como se esses argumentos lhe tivessem dado força para continuar. Disse:

    - Agora que penso nisso, não preciso apresentar uma história. Aquela garota, eu não acredito no que vou dizer. Você viu! Ela pegou minha mão com seus delicados dedos e senti algo dentro de mim. Paz, eu diria.

    - Então fixa isso.

    De repente, o rádio acende-se e começa a emitir um alto e ensurdecedor ruído de interferência. A semente do bem-estar e da harmonia que começaram a brotar é destruída.

    - Desligue, desligue-o, desligue-o! – grita Steven histérico.

    Tarde demais.

    Pode ser que fosse coisa do destino. Talvez o diabo o provocou, ou talvez fosse apenas um deslize. Atraído por essa fodida luz do rádio, John tira o olhar do para-brisa por um milésimo de segundo.

    A colisão é inevitável.

    A porta do copiloto absorve o impacto e afunda a massa de ferro para dentro. Sacode violentamente Steven, que, sem um cinto que o segure, é atirado contra o para-brisa e fica inconsciente. John se gruda ao volante com todas as suas forças e mantém o ângulo crescente que leva a Ford. O lado do motorista se levanta e assim, no justo momento que as rodas batem no chão novamente, um letreiro retangular de metal atravessa o para-brisa e se crava no assento, a poucos centímetros do rosto de John, separando a cabine em dois.

    Cinco minutos depois, Steven abre os olhos. Um fio de sangue escorre de sua cabeça e desliza timidamente por sua testa. A dor pulsante na nuca, apesar de ter esfregado a área insistentemente com as mãos, não diminui. Que fazer? Tudo perde a importância, pelo menos, naquele pequeno instante em que ele vira a cabeça e observa com surpresa o sinal retangular dentro da cabine, com grandes letras que diziam: POSTO DE GASOLINA 30 KM.

    - John? John! Ele exclama com desespero.

    O silêncio o reprime. A angústia queima o estômago e a ansiedade, rasgando sob as costelas, é amplificada. Só então ele percebeu que estava preso nos destroços de ferro e que a porta não abria.

    - Fácil. Pense, pense -  ele murmura, fechando os olhos e deixando a solução chegar à mente.

    Alguns segundos de espera são suficientes.

    - Steven! Você tem que ver isso! Steven? - grita John enquanto alcança o outro lado do letreiro.

    - Ver? Tudo o que vejo é que estou preso aqui sem poder sair.

    - Espere, deixe-me ajudá-lo.

    - Onde estava? Espero que você não tenha ... sim, você fez! Você me deixou jogado.

    - Vamos sair daqui, diz John, eufórico, oferecendo-lhe a mão para ajudá-lo a deslizar por baixo do letreiro.

    Uma vez fora, eles deixam a segurança fictícia da área iluminada fornecida pelos faróis da Ford f-350. Entram na escuridão, atraídos por um feixe de luz à distância. A sensação de não saber o que os espera a cada passo é terrível. A fé prevalece, pela simples necessidade de subsistência.

    - Olhe, está lá! - exclama John, apontando o dedo para as luzes no céu.

    Steven não pode acreditar no que está vendo. É como uma explosão de energia positiva estampada na escuridão infernal. É maravilhoso. Este mundo mágico e misterioso, pela primeira vez, está dando-lhes uma verdadeira razão para esboçar um sorriso, embora breve, muito breve.

    O ruído estridente produzido pelo rádio da Ford inunda o lugar com uma intermitência acentuada emitida pelas interferências que, finalmente, cedem à estranha voz de uma emissora que espalha sua agradável onda sonora em todos os cantos desse universo obscuro.

    Boa noite, meus queridos ouvintes. Bem-vindos, como todas as semanas, ao nosso espaço musical. Quem vos fala é Dic., da KWF. Lembro-lhes que para fazer seus pedidos ao vivo, vocês devem ligar para 666. Repito, 666. Se você fizer isso de fora do Nirvana, lembre-se de marcar o prefixo 666 e depois o número 666, ha ha ha. E, atenção, meus amigos, o primeiro chamado da noite acaba de chegar. Vamos em frente!

    - Olá, com quem estou falando? - pergunta Dic.

    - Olá. Eu sou Mary, diz a mesma voz angélica que havia sussurrado para John no celeiro.

    - Boa noite, Mary.

    - Boa noite, Dic.

    - De onde está ligando?

    - De uma Ford-350, a menina responde.

    No meio do nada, com o feixe de luz atrás deles e a Ford na frente deles, John e Steven permanecem imóveis. Onde eles iriam?

    - Espero que você não esteja dirigindo, diz Dic - Percebo que, pelo som da sua voz, você ainda não tem idade suficiente para fazê-lo, certo?

    - Não. Estou acompanhando John e Steven na viagem deles. Não quero que nada de ruim aconteça com eles.

    - Isso é muito bom, Mary, muito bem. Qual é o seu pedido?

    - Bem, olhe, Dic. Gostaria de ouvir a Highway to hell do AC / DC, e dedicar isso com carinho e afeto para John e Steven, diz Mary.

    - Então aqui vamos nós!

    A guitarra excepcional de Angus Young começa a tocar.

    ––––––––

    John segue o ritmo da percussão com o bico de suas botas campeiras e esboça um sorriso. Parece aproveitar. Então, sem mais delongas, ele passa o braço sobre o ombro de seu amigo, que permanece em silêncio, aterrorizado e espantado, e leva-o ao foco luminescente para que ele possa ver com seus próprios olhos o espetáculo: milhares de vaga-lumes que sobrevoando sobre nada, iluminam o espaço central de uma estrada secundária velha, abandonada e não sinalizada, que nasce a poucos metros de seus pés e está perdida no horizonte tenebroso.

    - Isso está ficando cada vez mais interessante, diz Steven.

    Inquietos, entusiasmados, convertidos em náufragos e sentindo-se como os homens das cavernas em busca do fogo, ficam ali, saboreando aquela pequena e gratificante vitória.

    - O que você acha? - John pergunta.

    - Que precisamos seguir os sinais.

    - Espero que o maldito posto de gasolina tenha um par de Buds geladas.

    Embora eles se encontrem nesse lugar assustador sem saída aparente, eles conseguem começar uma série de gargalhadas que enchem seus corações de felicidade.

    Em breve se darão conta de que as respostas às suas perguntas aguardam dentro deles. Com todas as apostas contra eles, eles decidem seguir o caminho que algo ou alguém os oferece em busca de certezas, e voltam seus passos para a Ford.

    Steven desliza sob o letreiro de metal e diz:

    - Pode ser uma armadilha, John.

    - Eu sei. Qual outra opção nós temos?

    - Outra coisa, meu amigo. Nós vamos ter que encontrar um carro novo, porque esta é a última vez que entro nesta gaiola.

    - Ha ha ha!

    - Você não riria tanto se estivesse em meu lugar - replica Steven.

    No asfalto da estrada secundária, John pisa intensamente no acelerador. O motor ruge como um demônio sob o capô, e os vaga-lumes se dispersam em todas as direções. A luz de seus corpos se extingue para sempre, e a assombrosa escuridão corre para cobrir o espaço iluminado até agora.

    - Desapareceram - diz Steven.

    Atrás deles, a estrada ganha vida e começa a subir verticalmente, a uma velocidade vertiginosa. Arqueia como uma onda acima da Ford, dando a sensação de querer engoli-los e depois desintegrar-se no escuro.

    - Sim. Tudo desaparece em nosso caminho - diz John, olhando pelo espelho retrovisor.

    - O quê?

    - Olhe para trás.

    - Meu Deus!

    - Você acha que vamos encontrar uma resposta no final desta estrada?

    A questão nunca atinge seu destino. Está suspensa no vazio, no espaço pequeno entre os dois.

    Uma dor aguda na cabeça de Steven paralisa seu sistema motor, anula todos os seus sentidos e o arrastra até as profundezas de suas memórias.

    ––––––––

    Steven abre as portas deslizantes e envidraçadas que dão para o jardim e avançam para a beira da piscina. Ele olha para uma mulher que, inconsciente de sua presença, continua a nadar, fazendo seus esforços diários para manter sua figura estilizada em forma.

    O calor é sufocante. Steven se livra do terno americano e o joga no chão em protesto, não sem antes afrouxar sua gravata e limpar o suor de sua testa com ela.

    Ser um advogado vincula você a esse uniforme imposto pela sociedade. Não pode ser chamado de outra forma. Por quê? A habilidade intelectual é perdida em um fato de banho? O que importa? No final, a única coisa que importa é quando você é convidado para uma dessas festas glamourosas cheias de gente arrogante que olham para você por cima do seu ombro e julgam você com base nos zeros de sua conta bancária, é dizer, no momento em que eles perguntam o que ele está fazendo, que ele é advogado, médico ou qualquer outra profissão com uma compensação suficiente para obter uma casa de três milhões de dólares e uma piscina como esta. Mas é realmente isso o que importa ou é o amor, o compartilhamento, ser feliz?

    Tudo é simplificado. Depois de quinze anos de casamento, Steven é capaz de preencher o vazio de suas calças com uma ereção, enquanto sua esposa, com os olhos azuis brilhando ao luar, avança nua para ele, agradecida e apaixonada.

    Eu acho que é assim que as pessoas conseguem tudo o que querem, amando, sendo felizes, abraçando aquela energia misteriosa que os rodeia. Talvez seja por isso que Steven se encontra nu e a mulher mais maravilhosa do mundo mantém sua língua sob sua glande quando ele ejacula. Da mesma forma, grandes reis e conquistadores perdem batalhas, bens, reinos e até mesmo a vida, sendo arrastados por uma deusa como Krista. Ela, que brincando com seu esperma quente na boca, estreita-o em seus braços enquanto acaricia sua pele com seus mamilos rosados, para terminar sussurrando no ouvido: Eu amo você. Uma mulher que o força a copular enquanto ainda sente os espasmos do orgasmo latejando o pênis, para satisfazer seu fogo interno ... sem perceber, a luxúria o domina e o escraviza, fazendo com que ele perca seu status de caçador, para ser transformado em presa.

    O telefone da cozinha toca.

    Krista, como se montasse um pônei selvagem, não deixa de acenar o quadril sobre o marido, que permanece deitado no chão.

    -Não atenda, mmm. Não pare - Krista sussurra, gemendo.

    Steven puxa o pênis para fora da vagina molhada de sua esposa, empurra-a suavemente e se encaminha para o interior da casa.

    - Desculpe, pode ser uma chamada importante.

    Sem dar uma pausa ou mesmo desafiar a virar a cabeça, ele sente o olhar de Krista como uma faca nas costas. É irônico pensar que a repetição de situações semelhantes à que acabou de viver faz parte dos divórcios que ele, como advogado, lhe permite ganhar tanto dinheiro.

    Abatido, Steven desliga o telefone e desaba em uma das cadeiras da cozinha. Ele descansa os cotovelos na mesa e coloca a cabeça entre as mãos.

    Com o perfume do sexo impregnado no ar e inconsciente do que acontece, Krista vem na ponta dos pés, afasta-lhe suavemente os braços e abre as

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