Os provérbios e a mulher
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Os provérbios e a mulher - Thyago José da Cruz
sentido.
CAPÍTULO I
A FRASEOLOGIA
Discorrer sobre Fraseologia, nos dias atuais e nos estudos linguísticos, deveria ativar ao menos em nosso pensamento duas noções essenciais: a da Fraseologia vista como um conjunto de fraseologismos/ unidades fraseológicas ou como uma ciência que investiga essas unidades. O estudo sobre esse assunto, porém, não é uma preocupação exclusiva de nosso século. Além disso, a ideia de que as teorias e classificações relacionadas à Fraseologia são algo de fácil delimitação e unânime entre os estudiosos está equivocada.
Nosso objetivo, portanto, neste capítulo, é de apresentar um breve histórico da Fraseologia (percorrendo a trajetória de sua constituição como disciplina), além de alguns nomes importantes de pesquisadores dos estudos na Europa (especialmente o da Espanha e de Portugal) e no Brasil. Já num segundo momento, discutiremos algumas das características fundamentais das unidades fraseológicas. Logo depois, haverá uma breve discussão sobre a problemática da terminologia e da taxonomia nos estudos em Fraseologia. Informamos ainda que trabalharemos, sempre que possível e necessário no decorrer desta obra, com exemplos em língua portuguesa e espanhola, pois o produto desta pesquisa se destina principalmente a estudantes e a interessados em língua espanhola, falantes do português brasileiro, e que, às vezes, estão em um processo de aprendizagem inicial da língua espanhola. Já os que se encontram em um nível avançado poderão aproveitar-se desses exemplos para uma melhor compreensão da teoria apresentada.
1. O percurso histórico da fraseologia
1.1 Fraseologia: uma estreita relação com a paremiologia
Se quisermos montar um panorama histórico dos estudos fraseológicos, mas com a tentativa de aproximarmos o mais perto possível de sua origem, com certeza depararemos com as unidades fraseológicas (entendidas em sua concepção ampla) denominadas parêmias²⁵. Embora, a princípio, seus registros tenham aparecido de maneira um pouco dispersa e, só posteriormente, dentro de coleções, reconhece-se hoje que uma das primeiras unidades fraseológicas a se converterem em objeto de interesse foram os provérbios, possivelmente por conectar ideias e normas com a realidade cotidiana, além de refletir o fruto de uma experiência repetida²⁶. Mas por que registrar essas unidades em uma época tão longínqua?
O ato de registrar
pode demonstrar a preocupação em se preservar algo que se considere valioso. Possivelmente, assim pensavam também os antigos povos, como os da Mesopotâmia e do Antigo Egito que tiveram o cuidado de registrar um bom número de parêmias. Acredita-se que, nesse mundo antigo, a literatura sapiencial usava fábulas, poemas e provérbios para transmitir seus ensinamentos. No Antigo Egito, por exemplo, é possível notar que alguns de seus governantes deixavam registradas, em fórmulas paremiológicas, suas doutrinas²⁷.
De modo semelhante, se pode notar essa preocupação de registrar as parêmias em alguns livros clássicos de origem chinesa e sânscrita. Na cultura Ocidental, a Bíblia consistiu e ainda consiste em um grande depósito de parêmias, como as contidas nos livros de Provérbios, Eclesiastes e Cânticos dos Cânticos, além de ser a fonte de origem de alguns provérbios que conhecemos hoje, provenientes, sobretudo, do Novo Testamento.²⁸ As fórmulas paremiológicas estiveram presentes também na Grécia Antiga, tanto em ambientes populares como intelectuais. Os romaños, por sua vez, incorporaram e adaptaram várias das parêmias gregas em sua cultura, muitas das quais são simplesmente traduções dos enunciados helênicos.
Em meados do século XV, destacou-se o nome de Erasmo de Rotterdam (1467/69-1536) com sua obra Adagiorum Collectanea²⁹, que possuía uma classificação de adágios latinos e gregos, bem como seus respectivos sentidos e origem. Posteriormente, surgiram outras novas obras paremiográficas, porém mais destinadas ao ensino do latim e ao de outras línguas. Isso ocorreu principalmente na França, na Alemanha, na Inglaterra e na Itália.
O Romantismo europeu reacendeu o gosto pela Fraseologia, em especial no âmbito paremiológico, pois se via nas parêmias um poderoso instrumento para a propagação da cultura e da língua autóctones.
No século XVIII, na Rússia, houve um fato importante no registro das parêmias: a imperatriz Catarina II deu meios para um importante trabalho de recopilação dessas, que tomou forma na Antologia de Provérbios (antologia anônima editada por A. A. Barsov). Também merece destaque o Dicionário da Academia Russa (1789-1794) que reservou um espaço considerável em suas páginas para os provérbios (cultos e populares) da língua russa. Contudo, remete-se à Idade Média os primeiros registros, em coleções, das parêmias. Essas unidades fraseoparemiológicas estavam recolhidas em suas formas de provérbios, tanto em norma coloquial quanto em norma culta, localizadas principalmente em obras literárias. No Renascimento espanhol, por sua vez, nomes como de Francisco de Espinosa (1527-47) – com Tractatus de Jure Primogeniturae; Escrituras; Pedimento de Hidalguía e Dictámene; Sebastián de Horozco (1510-1580) – com El teatro universal de proverbios, adagios o comúnmente llamados refranes o vulgares, que más ordinariamente se usan en nuestra Espana; Inigo Lopes de Mendoça (1542) – com Los Refranes; Blasco de Garay (1541) – Cartas en Refranes; e Hernán Núnez (1955) – Refranes o proverbios en Romance – aproximaram suas obras a um repertório mais popular. Algumas das fontes literárias desse período que utilizaram, de algum modo, as parêmias não podem ser esquecidas, tais como, o Libro de Alexandre; o Proverbios Morales de Don Sem Tob, Lazarillo e Dom Quixote, já no chamado Século de Ouro³⁰.
No que concerne ao século XVII, destaca-se Sebastián de Covarrubias com o seu Tesoro de la Lengua Castellana o Española (1611) que, além de possuir um rigoroso estudo paremiológico, trabalha também com as chamadas locuções. Além dele, Gonzalo Correas não pode ser deixado de lado: seu Vocabulario de refranes y frases proverbiales (1625), constituído de 18.000 unidades fraseológicas, é uma importante obra nos estudos fraseológicos da Espanha. Para o século XIX, sobressai o nome de José Maria Sbarbi (1873), (1874-76) e (1891); no século XX, encontramos Melchor García Moreno (1918) e Luis Martínez Kleiser (1953) e, no século XXI, a obra de Canellada y Pallarés (2001) que possui um completo inventário de provérbios, no que se refere ao número de entradas e às informações sobre essas unidades.
1.2. A fraseologia vista como disciplina
A constituição da Fraseologia como disciplina teórica está intimamente ligada aos estudos das parêmias. Afirmamos isso tanto pelo caminho que apresentamos e percorremos até agora como também pelo fato de que as primeiras reflexões teóricas, no que se refere às questões fraseológicas, tenham surgido na Rússia com os estudos de Lomonósov (1711-1765) sobre as parêmias e modismos russos. Outro importante pesquisador russo é A. A. Potebniá, pois foi o primeiro a referir-se ao caráter sígnico
dos fraseologismos. Nos años posteriores, o acadêmico F. F. Fortunátov iniciou um estudo das unidades fraseológicas a partir das características gramaticais e semânticas de seus elementos constituintes. De maneira semelhante, A. A. Shájmaov segue os estudos sobre fraseologismos, porém por meio de uma perspectiva sintática³¹.
Hermann Paul (1880-1960), por sua vez, nos estudos de língua alemã, analisa os fenômenos de fixidez e de idiomaticidade ocorrentes nesse mesmo idioma. No inglês, reconhece-se a importância de Henry Sweet (1845-1912) que disserta sobre a existência de certas estruturas diferenciadas, denominadas idioms. Michel Bréal (1832-1915), além de delimitar alguns conceitos (como os de fórmulas, locuções e grupos articulados), aponta outros aspectos nas combinações não livres, como a alteração ou redução fonética de algumas expressões fixas. Já Georg von der Gabelentz (1840-1893) se dedica aos aspectos fônicos e prosódicos das unidades fraseológicas e conceitua o que seria a chamada fala fixa-ritmada, ou seja, a distribuição equilibrada dos acentos e tons em uma frase.³²
Ferdinand Saussure (1857 – 1913) já apontava, embora não aprofundasse o assunto, em seu Curso de Linguística Geral, a existência de algumas combinações sintagmáticas, as quais denomina de expressões e de frases feitas, que não podem ser improvisadas por um usuário, por serem estruturas fixadas pelo uso da língua³³. No entanto, somente com Charles Bally (1865 – 1947), discípulo de Saussure, surge um estudo mais detalhado, pois él instituye la fraseología como una disciplina dentro de la lexicología y sienta las bases para la profundización de estos estudios
³⁴. Infelizmente, o trabalho desse linguista não obteve muita repercussão na época, fato só alcançado nas décadas de 30 e 40, na região soviética, quando uma corrente da linguística soviética, liderada por V. V. Vinográdov, retoma esse ramo dos estudos linguísticos. Embora Bally não tenha exercido tanta influência em sua época, é considerado por muitos como pai da Fraseologia
, porque, de certo modo, acabou por lançar os fundamentos para o caminhar inicial dessa disciplina e não esteve voltado somente para a questão paremiológica, mas para uma visão mais geral dos fraseologismos, isto é, como unidade psicológica, entendida como um determinado número de palavras que adquire sentido, não pelo significado próprio de cada vocábulo, mas pela combinação de todos seus componentes.
Após os trabalhos de Polivánov (1891-1938), que defendeu a necessidade de transformar a Fraseologia em uma disciplina da linguística e se esforçou para agrupar as unidades fraseológicas complexas como um objeto linguístico, virá V. V. Vinográdov, que, alicerçado nas teorias de Charles Bally, iniciou sistematicamente os estudos específicos dessa disciplina. Suas obras e os pensamentos de Vinográdov se difundiram pela Europa graças a A. V. Isačenko, que utilizou a tipologia do estudioso russo, mas se atentou também para as expressões fraseológicas equivalentes a frases, isto é, aos provérbios e frases fixas, denominadas por ele de clichés-phrases³⁵.
1.3. A fraseologia (e a paremiologia)³⁶ em língua espanhola
Na Espanha, os estudos fraseológicos modernos se iniciam graças aos trabalhos de Julio Casares (1877 -1964), a partir da década de 50 com a obra Introducción a la lexicografía Moderna, na qual se encontram a classificação e a diferenciação entre a locução, a frase proverbial, o provérbio e o modismo. Nos años posteriores, na Paremiologia, destacam-se publicações periódicas especializadas, como o Proverbium (aos cuidados de Matti Kusi na década de 70); a revista eletrônica Proverbio, dirigida por Wolfgang Mieder e Theodor Flonta; e Paremia, encabeçada por Julia Sevilla; além de outros trabalhos acadêmicos³⁷.
IÑESTA e Pamies (2002), ao tratarem do estudo fraseológico hispânico, destacam o aumento do ritmo de produção em Fraseologia nos últimos años e apresentam nomes como os de Alberto Zuluaga (1980); A.M. Tristá (1988); Gloria Corpas Pastor (1996); Leonor Ruiz (1998); José Luis Mendívil (1999); Luque & Pamies (1998); G. Wotjak (1998) e Ferro Ruibal (1998) como fontes de pesquisa. Na atualidade, dentre outros, podemos incluir Montoro del Arco (2006), García-Page Sánchez (2008) e Penadés Martínez (2002) (2005a).
1.4. A fraseologia (e a paremiologia) em língua portuguesa
Em Portugal, podemos citar os nomes de Christine Hundt (1994, 1997) e de Guilhermina Jorge (1991). Na fraseografia bilíngue, destaca-se o trabalho de Schemann e Schemann-Dias (1979) e, no âmbito da Fraseoparemiologia, podemos citar Chacoto (1994).
No Brasil,
[...] devem ser mencionadas entre outras, as monografias de Aragão (1988), Lodovici (1989), Tagnin (1989), Xatara (1994), Xatara (1998), Tagnin (1998), Ortiz Alvarez (2000), Strehler (2002)³⁸. Enquanto alguns estudam assuntos mais específicos, por exemplo, as expressões idiomáticas, Strehler analisa detalhadamente a fraseologia brasileira em sentido