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O capricórnio se aproxima
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O capricórnio se aproxima

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"Vender enciclopédias", "trabalhar em banco", "comer pudim de pão", "fazer aula de violão" e, finalmente, "ser de capricórnio". Códigos familiares para assuntos proibidos para as crianças. É percorrendo esse mapa congestionado da linguagem que o leitor vai compreendendo lentamente o enredo cheio de humor e melancolia de "O capricórnio se aproxima", do carioca Flavio Cafiero.

A personagem principal é João, um taxista que tenta se entender com as novas tecnologias exigidas pela profissão e com a necessidade de aprender inglês por conta da Copa do Mundo no Brasil. Porém, mais difícil do que operar um sistema de GPS ou arriscar um Go on, são as relações familiares, que podem parecer banais apenas para quem as vê de fora. Mas aos poucos vamos nos reconhecendo no cotidiano da família de João através de referências escolhidas com muita agudeza por Cafiero: programas de televisão, jogos de futebol, xingamentos, nomes próprios e comidas típicas. Algum detalhe fisga o leitor.

Surge então um outro mapa: o da cidade do Rio de Janeiro. E assim como o da linguagem, aqui há regras, sentidos obrigatórios, congestionamentos e riscos de acidentes. Os mapas – da linguagem e da metrópole – se sobrepõem criando camadas de significado.

Quando criança, João aprendeu que há palavras que não se pronunciam. Assim como há caminhos que se deve evitar. Mas sonhos, desconfianças, boatos e toda a confusão gerada pela trama densa da linguagem, levam o protagonista a um desfecho dramático. E em alguma medida, patético.

"O capricórnio se aproxima" é o primeiro livro do Selo JOTA, que tem coordenação e curadoria de Noemi Jaffe. A ideia original desta coleção partiu do pioneiro e consagrado Oulipo, grupo de escritores entre os quais se incluíam Italo Calvino, Raymond Queneau e Georges Perec. Todos os livros do JOTA partem de um desafio, de restrições narrativas que, por paradoxal que pareça, atuam de maneira a incrementar o texto ficcional.

A linguagem como jogo e a arte como forma. Dois pressupostos que orientam este primeiro livro do JOTA e orientarão os próximos.

Libertar a narrativa do lugar confortável da verossimilhança. Provocar no leitor certa desconfiança em relação aos caminhos prontos da linguagem que orientam suas vidas.

Percorrer a cidade do Rio de Janeiro e os códigos da linguagem com o João taxista de Cafiero, deve nos lembrar que não há rota segura nesta vida (mesmo com GPS), seja trilhando os caminhos das cidades, das relações pessoais ou da linguagem.
LanguagePortuguês
Publishere-galáxia
Release dateOct 23, 2014
ISBN9788584740017
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    O capricórnio se aproxima - Flavio Cafiero

    palavras.

    01

    Num sábado da infância, ainda morando nas Laranjeiras, no predinho da Belisário Távora, quase esquina com a Stefan Zweig, o João vê o vizinho descendo as escadas com pressa e dispara atrás, sem alertar o pai, que voltou rapidinho até o apartamento porque esqueceu a capanga. O vizinho é vendedor de enciclopédias, a mãe e o pai viviam repetindo, e deve ter sido o próprio que socou a porta do elevador e gritou fecha a porta, porra! Falta de modos. Pai, quem é o porra? Uns seis aninhos, no máximo, a idade dos porquês. Porra é vizinho, numa língua aí.

    E até fez sentido, uma pessoa que vendia enciclopédias devia conhecer várias línguas, claro, ficava folheando as páginas no ônibus, dava uma olhadinha sempre que sobrava um tempo, aprendia coisas enquanto bebericava seu Toddy antes de dormir. O João, se tivesse uma coleção daquelas, e se já pudesse ler de carreirinha, ia devorar de cabo a rabo, e por isso despenca atrás do porra, espera, ô porra!, e o vizinho estanca e olha aquele moleque sem estatura descendo as escadas, pulando os degraus, berrando palavrão, numa urgência que não dava pra ignorar. O senhor não tem uma ecicopede pra vender pro meu pai?

    E, logo mais, quase na hora do lanche, o João vai reclamar com o pai que o porra tá ouvindo um samba no último volume, e a Luísa pode acordar e chorar, e babau desenho do Cavaleiro Solitário, do Hong Kong Fu, do Gato Félix, e já era a paz do sábado à tarde com mortadela, queijo cuia e pão de sal que a mãe trouxe da Rainha das Laranjeiras. Filho, não se diz porra, a gente tem que valorizar nossa língua, fala se não? Tá certo, papai tem razão. E então vai chegar o momento de revelar a descoberta, ei, pai, o senhor não sabe o que eu sei, o moço não vende ecicopede, o moço trabalha num banco, e aquele orgulhinho em descobrir alguma coisa que o pai nem sabia. E o pai vai rir, e o João sem entender a razão, mas deve ter alguma coisa a ver com o banco. Mãe, que banco é esse que o moço trabalha? E o João vai aprender que banco é o lugar onde as pessoas guardam o dinheiro pra ninguém roubar, e até vai perdoar o samba do vizinho nas alturas, que pode ir até tarde, não tem problema, imagina só ficar o dia todo sentado num banco, judiação, vigiando o dinheiro dos outros.

    02

    Sempre foi assim por ali, as verdades desfilavam com uma espécie de capa, ou fantasia, e levou tempo pra o João entender que vender enciclopédias não devia ser exatamente um ganha-pão. Até o dia do confronto com o porra do sexto andar, vira e mexe vendedores de

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