O paradoxo da realidade social: mídia, memória e ditadura no brasil
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Esta obra busca compreender a relação entre mídia, memória e política nos períodos pré-eleitoral e eleitoral das eleições presidenciais de 2010, para captar como se dá a representação memorial do passado na sociedade brasileira acerca do regime militar (1964-1985), período que deixou marcas profundas em nossa história. Escolhemos analisar a cobertura feita pelo jornal paulista F. de S. P., pelo fato de ser um dos principais meios de comunicação do país a cobrir as eleições nacionais, e por ter apoiado no passado o próprio regime ditatorial que abateu a nação após o golpe de 1964. Analisamos o conteúdo, em todos os fragmentos presentes no jornal, por um período de oito meses, elucidando como o jornal retrata os candidatos, construindo suas imagens a partir de seus respectivos passados opositores ao regime.
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O paradoxo da realidade social - Gabriel Papa Ribeiro Esteves
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
Dedico este trabalho a mãe Isa e mãe Tide, pelo privilégio que me deram de ter duas mães em minha vida, por serem compreensivas comigo, mesmo não me compreendendo, pelo amor incondicional por mim e pelo apoio irrestrito às minhas decisões. Dedico ao meu pai, Nenê, que sempre esteve ao meu lado como pôde, ao meu avô Aristeu, pela sua amizade e carinho, ao meu tio Jú, por nossas discussões que nos ensinaram a importância de estarmos unidos, e ao meu amado irmão Guilherme, que sempre caminhou ao meu lado e que me dá a certeza, todos os dias, de que não estou sozinho em minhas crenças nem em minhas lutas.
À memória daqueles que partiram, mas nunca se foram: tio Ise, bisa Leonilda, biso Papa, vô Antônio e vó Isaura.
Para meu padrinho Antônio Papa e Minha madrinha Neusa.
Para toda minha família.
A todos os meus amigos.
À República Sua Mãe, o único lar que encontrei longe de casa.
Para Rox.
Agradecimentos
Agradeço à professora Eliana Maria de Melo Souza, por sua amizade, paciência e orientação, que me fizeram aprender a importância de ter foco, disciplina e organização. Sou grato à Capes, que me incentivou a fazer este trabalho. E também à Unesp/FCLAr e à Fundação Primeiro Mundo, pela confiança depositada em mim durante uma época tão importante em minha vida.
Tudo o que é Sórdido
se desmancha no ar...
(autoria desconhecida)
Prefácio
"Un Pueblo sin memoria es un pueblo sin futuro". Com essa frase, que permanece exposta no estádio Nacional de Santiago, no Chile, o povo chileno lança luz em um passado obscuro, palco de violações, prisões arbitrárias, torturas e mortes. O estádio de futebol foi utilizado como centro de detenção e tortura do exército sob comando do general Augusto Pinochet (1915-2006).
O ato de rememorar não necessariamente reconcilia o passado ao qual pertence; entretanto, deixa expostas as tensões, fraturas e contradições de um momento histórico. Não nos esqueçamos, deste modo pensa o povo chileno. Essa atitude reflete o amadurecimento e a conscientização de um povo; atitude esta que promove implicações políticas – a construção da memória coletiva, a busca de um sentido do passado que ainda permanece vivo.
Temos aí a indissolubilidade da relação entre memória e política. Relação essa que envolve poder, construção de discursos e a luta entre as classes sociais. Este é, necessariamente, um terreno de embate. Há uma disputa em torno da construção do senso da história. Terreno pedregoso, espaço por excelência onde as forças sociais se digladiam. O olho do furacão. E é no olho do furacão que Gabriel Papa construiu sua pesquisa. Na relação entre mídia, política e memória torna-se evidente a ideia de uma luta em busca da construção do senso da história.
Assim como a memória, as palavras não são neutras; e a tal da ditabranda
, mencionada pelo autor no presente livro, representa uma tentativa de redefinir o senso da história. Assume-se com total convicção que o regime que se instaurou em 1964 não foi violento como os esquerdistas afirmam, e que se houve endurecimento do regime foi para conter a radicalização dos comunistas. Passa ao largo dessa perspectiva ideológica o fato de um presidente democraticamente eleito ter sido deposto, a supressão de partidos políticos, a cassação de mandatos, suspensão de direitos civis e políticos, a dissolução do Congresso, as perseguições, torturas; os defensores da ditabranda
buscam apagar as marcas da história e restituí-las com a ideia de que se não houvesse o regime militar algo pior sucederia.
Não devemos subestimar o papel que a mídia tem na promoção de subjetividades e na construção da memória coletiva; o desenvolvimento da mídia está estritamente ligado à consolidação do capitalismo e ao estabelecimento da Modernidade, como foi lembrado pelo autor. Deparamo-nos, novamente, com a tríade: mídia, política e memória. Combinação explosiva. Que dizer do Brasil, um país que não tem apreço pela história? Nesse espaço de ausência a mídia brasileira encontrou seu reduto privilegiado. Formação das consciências. Não é de se espantar que esses mesmos grupos midiático-empresariais sejam veementemente contra a ideia de regulamentação da mídia – acusando seus defensores de bolivarianos ou usurpadores da democracia. E assim o controle da mídia continua sendo privilégio de poucos. Esses poucos que dirigem os rumos da opinião pública no Brasil. Fazem com que interesses particulares apareçam ao distinto público como interesses nacionais.
Subverte-se a ideia de república, a coisa pública torna-se objeto da apropriação privada; esse movimento não é novo, ele reflete um grave problema entre nós: a imensa dificuldade de concretizarmos os ideais democráticos – basta rememorar, durante o século XX, nossas recaídas no autoritarismo. Autoritarismo que nós condenamos, ao contrário de setores da mídia que buscam criar eufemismos para redefinir o senso da história.
A pesquisa de Gabriel Papa chega em hora oportuna, exatamente no momento em que a busca de redefinição do senso da história atinge um momento crítico. Vale recordar, apesar da desproporção de ataques desferidos à candidata do Partido dos Trabalhadores, D. R., na campanha eleitoral de 2010, a candidata conseguiu eleger-se Presidente da República. No entanto, o ano de 2013 não trouxe bons ares. De início, a busca coletiva de revogar o aumento da tarifa de ônibus na cidade de São Paulo, posteriormente, as manifestações passam a aglutinar outras demandas sociais de diferentes classes. Temos, portanto, uma miríade de discursos sociais que, de forma geral, refletem uma insatisfação em relação ao funcionamento das instituições e seus representantes políticos.
Por meio da construção de discursos, essas manifestações foram canalizadas e direcionadas como uma insatisfação geral, única e exclusivamente, ao governo. Reduz-se sobremaneira o alcance da crítica; os dilemas e impasses da concretização da democracia entre nós tornaram-se apenas uma crise de governo. As eleições de 2014 reproduzem o quadro da eleição passada, muito embora em outro nível. Os ataques continuaram; sucedido pela incredulidade da oposição na reeleição de D. R. ao cargo de Presidente da República. A recessão econômica, a Operação Lava-Jato, o descrédito das instituições políticas e da classe política, são elementos que deveriam reavivar a busca da construção de uma sociedade igualitária e democrática. Essa busca deveria nos conduzir a reformas estruturais que mudariam significativamente o quadro que nos encontramos. Ao contrário, alguns setores da mídia insistem em construir um bode-expiatório (D. R.) como a origem e a causa dos males do Brasil. Nessa lógica simplista o impeachment da Presidente, por si só, recolocaria o Brasil nos trilhos. Ledo engano. O verdadeiro impasse que nos encontramos diz respeito ao aprofundamento da democracia, e é nesse terreno em que se dá o embate entre as classes sociais, a mídia, a memória e a política.
Prof. Me. Marcelo Henrique Martins
Cientista Social
marcelo.hmartins@hotmail.com
Sumário
1
INTRODUÇÃO
2
DIÁLOGOS E REFLEXÕES TEÓRICAS ACERCA DA MÍDIA E SEU PAPEL SOCIAL: O PARADOXO DA DOXA EM QUESTÃO
2.1 Excurso teórico-metodológico
2.2 Os conglomerados mídia-empresa e o paradoxo da realidade social
2.3 Brasil e o Sistema Central de Mídia
2.4 Realidade social, ideologia e o desenvolvimento da mídia como instituição empresarial
2.5 A grande mídia enquadrada como dispositivo e como influência constitutiva do paradoxo da doxa
2.6 A problemática da F. de S. P.
3
REFLEXÕES E DISCUSSÕES TEÓRICO-CRÍTICAS ACERCA DA PESQUISA
4
DESCRIÇÃO METODOLÓGICA E ANÁLISE QUANTITATIVA E QUALITATIVA DO OBJETO DE ESTUDO
4.1 Análise quantitativa do objeto de estudo
4.2 Análise qualitativa do objeto de estudo
4.2.1 Eixo temático 1: apresentação das esquerdas armadas como grupos terroristas inconsequentes e equivocados
4.2.2 Eixo temático 2: aproximação do PT e de seus quadros políticos à ditadura
cubana
4.2.3 Eixo temático 3: associação do governo do PT com características autoritárias e ditatoriais
4.2.4 Eixo temático 4: polêmica com a foto da atriz N. B.
4.2.5 Eixo temático 5: polêmica entre D. R. e os exilados
4.2.6 Eixo temático 6: comparação de D. R. com Nelson Mandela
4.2.7 Eixo temático 7: a cusações de M. S. a F. G
4.2.8 Eixo temático 8: questão da revisão da anistia pelo Supremo Tribunal Federal
4.2.9 Eixo temático 9: Supremo Tribunal Militar e a restrição do acesso aos arquivos do processo que levou D. R. à prisão nos anos 1970
5
CONCLUSÃO
FONTES
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1
INTRODUÇÃO
Esta obra se utilizará apenas das iniciais dos nomes das personalidades e instituições envolvidas diretamente na pesquisa para preservar suas identidades por uma questão de direitos autorais. Nela, buscamos compreender a relação entre mídia, memória e política nos períodos pré-eleitoral e eleitoral no ano de 2010, no que tange à construção da memória do passado na sociedade brasileira acerca da ditadura civil-militar iniciada em 1964, através da publicação de conteúdos jornalísticos, no que se refere à influência de órgãos de comunicação de massa.
A primeira parte é uma reflexão acerca da grande mídia no contexto atual da sociedade contemporânea, o que permeia suas atividades e qual o papel desempenhado por ela. Para tanto, foi traçado um diálogo com parte da teoria social contemporânea para tentar compreender como se deu o desenvolvimento dos meios de comunicação no seio de uma estrutura social capitalista e como a grande mídia funciona enquanto dispositivo de poder que contribui para a construção de condições que engendram o paradoxo da doxa (conceito explicado no texto). Propomo-nos aqui então a pensar reflexivamente a grande mídia, mas dando especial atenção para o Sistema Central de Mídia no Brasil (do qual consideramos fazer parte o Grupo F. da M. S/A, proprietário do jornal F. de S. P.), que é tomado como recorte específico para a seleção de dados empíricos que foram recolhidos para produção deste texto. O Sistema Central de Mídia no Brasil é uma categorização embasada na pesquisa do site do projeto Donos da mídia.
Por meio dessas reflexões esta obra segue, em um segundo momento, para discussões teóricas e históricas condicionadas a nos permitir uma análise midiática científica, histórica e teoricamente coerente. E então articulamos pensamentos de autores da Escola de Frankfurt com autores da Teoria Social e da Sociologia, de maneira a criar uma interconexão de conteúdos, como o conceito de elaboração do passado e as considerações acerca da relação entre mídia, sociedade e política. Ainda nessa parte, há a exposição da problemática primordial da pesquisa e de nossa hipótese científica, discutindo a biografia de J. S. e de D. R., refletindo acerca da trajetória do jornal F. de S. P. e discutindo questionamentos acerca de seu passado em relação à ditadura civil-militar, algo que nos fizera recortá-la como objeto de estudo e definir nosso enfoque analítico. Trabalhamos a questão de que os dois principais candidatos à presidência, J. S. e D. R., têm um passado ligado a movimentos de oposição ao regime autoritário que se formara com a deposição do ex-presidente João Goulart. Assim, o referido jornal constantemente os relaciona ao seu passado opositor, construindo sua imagem perante tal arcabouço, incluindo, em suas coberturas, concepções sobre o que foi o regime militar e o que ele significou perante a sociedade. Entendemos que tudo o que é publicado pelo jornal F. de S. P. é de responsabilidade da instituição empresa que o publica e é responsável pela sua edição e gestão, a F. da M. S/A pertencente ao Grupo F., mesmo que sejam conteúdos assinados por jornalistas, colunistas ou terceiros, pois é a instituição jornalística, através das escolhas e posicionamentos de seus editores, gestores e diretores, que decide publicar, ou não, determinado conteúdo e estender, ou não, determinado assunto ou polêmica, portanto, aquilo que, diariamente, sai nas páginas do jornal atende a interesses institucionais, políticos, mercadológicos e particulares.
Na terceira parte são expostos conceitos e autores que contribuem para desenvolver ferramentas metodológicas, interpretações teóricas e categorias de análise que nos permitem pesquisar de modo objetivo e analisar as representações do período feitas pelo jornal F. de S. P. em suas publicações, jornal que possui um passado de apoio ao Golpe, e tem grande circulação diária, sendo um dos principais meios de comunicação a cobrir as eleições. Desse modo, pesquisamos todos os textos presentes no jornal, de 1º de março de 2010 a 6 de novembro de 2010 (começamos em março, período no qual os pré-candidatos à presidência já estão claramente definidos por seus respectivos partidos e já se afastaram de algum cargo público que porventura pudessem estar ocupando, e vamos até o dia 6 de novembro, que data o marco de decorrida uma semana após o segundo turno das eleições de 2010), como o jornal relaciona os candidatos, construindo suas imagens,