Ensaios inspirados em filosofia
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Ensaios inspirados em filosofia - Rosana Suarez
JOBIM
Elogio da leitura
Se a linguagem é um dom, a leitura é um presente muito especial.
A leitura pode acontecer na solidão e fazer surgir universos ao redor de quem lê. Ela pode realizar-se em grupos de leitura, em salas de aula. No caso da leitura em voz alta, o texto mostra até mesmo as suas potencialidades musicais: o ritmo, as rimas escondidas na prosa teórica. Fica evidente que várias cabeças pensam melhor do que uma quando a leitura compartilhada dá margem aos comentários do grupo, às inúmeras associações de ideias a partir dos temas propostos. O companheirismo na leitura é uma experiência criadora, sublime.
O Brasil carece de compartilhar leituras, informações, inventos, inspirações.
Neste novo livro, Ensaios inspirados em filosofia, apresento de forma acessível um breve histórico dessa disciplina por meio de alguns dos seus maiores clássicos, da antiguidade à contemporaneidade – Defesa de Sócrates, Discurso do método, Fenomenologia do Espírito, Assim falou Zaratustra. São obras ligadas a nomes de pensadores como Platão, René Descartes, Hegel, Nietzsche e Heidegger, entre outros.
Assumi como diferencial revelar facetas inesperadas nos textos mais célebres, visando a atrair os novos leitores e não entediar os experientes. Optei também por trabalhar com textos menos conhecidos, embora polêmicos; por exemplo, o do filósofo Theodor Adorno acerca da profissão do magistério. Sempre no intuito de evidenciar a chama de vida e a grandeza de um pensamento.
Contribuiu para este livro o trânsito interdisciplinar nas artes – artes visuais, canções e poesia – e o esforço reflexivo estimulado pela vivência de ensino na universidade brasileira.
Porque sou uma tagarela incorrigível, letrada precoce e tímida irreversível, a leitura sempre me auxiliou. Nela aprendo, com ela, ensino – antes de tudo, o próprio gosto pela leitura. Por esse querer, estou ligada à filosofia – literalmente, amor ao saber –, em relação à qual permaneço uma ensaísta; aprendiz, na palavra inspirada do poeta Tom Jobim.
A Tagarela
Numa planície da Grécia, na década de 1970, uma equipe de arqueólogos descobriu, a menos de dois palmos do solo, as estátuas muito vívidas de um rapazi e de uma jovem,ii deitados face a face, como se conversassem tranquilamente no nicho de terra.
A moça na estátua era Phrasikléia – em português, A Falante
, A Tagarela
; mas o mistério do nome só se revelou tempos depois, como resultado de um incrível quebra-cabeça.
A jovem Phrasikléia usa um colar de contas e traz, nos cabelos ondulados, uma tiara de flores alternadamente abertas e fechadas. Numa das mãos, ela segura uma flor em botão. Com a outra, suspende ligeiramente o vestido; e, graças à técnica antiga do mármore policromado, conserva-se até hoje o tom de um rosa profundo no entorno das flores bordadas
no vestido.
O quebra-cabeça é o seguinte. Em 1792, cerca de dois séculos antes da escavação das estátuas, fora descoberto nas imediações um pedestal coberto de inscrições. Com o achado de Phrasikléia, em 1972, revelou-se que o seu corpo
aderia perfeitamente ao pedestal. Reunidas base e escultura, Phrasikléia pôde voltar a falar, finalmente. Ela
diz:
Eu sou a estátua de Phrasikléia
E garota
(kóre) sempre hão de me chamar,
Pois os deuses me reservaram esse nome
Ao invés de me casar.
Finda a explicação
, está escrito: "Foi Ariston de Paros quem me fez".
Ah! Os artistas!iii
iEm grego, kouros .
ii Kóre .
iii A estátua de Phrasikléia foi esculpida por Ariston de Paros entre 550 e 540 a. C. Foi encontrada na localidade hoje conhecida como Merenda, na Grécia. Por seu extraordinário estado de conservação, ela é tida como uma das mais importantes obras da arte grega arcaica.
Amoras e amores, uma aproximação a mito e filosofia
Pouco importa por onde eu comece,
pois para lá sempre voltarei novamente.
PARMÊNIDES DE ELEIA, Poema.
Imagine a seguinte história: um casal de jovens apaixonados, cujas famílias são inimigas há séculos. De quando em quando, eles se falam e declaram o seu amor. Em meio às maiores dificuldades, combinam encontros secretos.
Um dia, decidem fugir juntos e, para isso, marcam encontro nos limites da cidade. A jovem chega adiantada e espera o amado. Além de alguns poucos pertences, leva um xale branco para protegê-la do vento e dos olhares curiosos. Ela espera ao lado de uma árvore frutífera, um pé de amoras carregado dos mais suculentos frutos.
Em vez dos passos do namorado, porém, ela ouve um rugido que se aproxima. De fato, é uma leoa que atravessara o deserto e perambula na região. Assustada, a moça corre e se esconde na rachadura de uma grande pedra nas imediações; na fuga, ela deixa cair bolsa e xale.
Em sua trajetória fatal, a leoa tem os dentes ainda molhados do sangue da última refeição. Mesmo assim, a fêmea mordisca o xale, impregnado do perfume da jovem.
O rapaz chega, afinal. Ele está atrasado – tinha medo de estar sendo seguido – e se angustia ao não avistar a amada. A aflição dele aumenta