Desafios da reflexão em educação matemática crítica
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A obra ainda discute como a matemática faz parte de muitas outras práticas, com base na ideia de matemática em ação. Como qualquer outra ação, aquelas que envolvem a matemática também precisam de uma reflexão crítica. Assim, o leitor é convidado a explorar uma educação matemática voltada para o futuro, exercitando sua cidadania. - Papirus Editora
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Desafios da reflexão em educação matemática crítica - Ole Skovsmose
DESAFIOS DA REFLEXÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
Ole Skovsmose
tradução
Orlando de Andrade Figueiredo
Jonei Cerqueira Barbosa
>>
SBEMCOLEÇÃO
PERSPECTIVAS EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
A matemática está presente em todos os níveis da educação escolar, tem grande importância em várias outras áreas do conhecimento, como instrumento, e faz parte de nosso cotidiano na forma de noções como porcentagens, estatísticas, juros etc.
Portanto, ampliar e consolidar um espaço para discussão de temas de interesse para a educação matemática é uma ação fundamental, sobretudo no que se refere a estreitar os laços entre a sala de aula, o desenvolvimento e a pesquisa.
A Sociedade Brasileira de Educação Matemática (Sbem), fundada em 1988, persegue tal meta, e esta série é um passo natural nesse percurso: avançamos aqui em colaboração com a Papirus. O que se pretende é oferecer um conjunto de obras nas quais os processos da educação matemática sejam examinados e discutidos com amplitude ou, em outras palavras, oferecer textos que, abordando seus temas de maneira profunda, mantenham o compromisso com a necessidade de articulação das três áreas de atuação já mencionadas.
Alcançar o objetivo de favorecer um debate comum a toda a comunidade é o que moverá e guiará a existência desta série.
Sociedade Brasileira
de Educação Matemática
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS
INTRODUÇÃO
1. CENÁRIOS PARA INVESTIGAÇÃO
2. RISCOS TRAZEM POSSIBILIDADES
Miriam Godoy Penteado e Ole Skovsmose
3. DESAFIOS DA REFLEXÃO
4. RACIONALIDADE SOB SUSPEITA
5. EDUCAÇÃO MATEMÁTICA CRÍTICA RUMO AO FUTURO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
NOTAS
SOBRE O AUTOR
OUTROS LIVROS DO AUTOR
REDES SOCIAIS
CRÉDITOS
AGRADECIMENTOS
Cenários para investigação
foi publicado no Bolema; Desafios da reflexão
e Racionalidade sob suspeita
foram publicados no Zentralblatt für Didaktik der Mathematik; Riscos trazem possibilidades
foi publicado pela Universidade de Aalborg, e Educação matemática crítica rumo ao futuro
foi apresentado no X Congresso Internacional de Educação Matemática (ICME-10) em 2004. Agradeço a Bolema, Zentralblatt für Didaktik der Mathematik, Universidade de Aalborg e ICME-10 por permitirem a inclusão desses artigos no livro.
Agradeço a Orlando de Andrade Figueiredo por traduzir e revisar todo o texto e a Jonei Cerqueira Barbosa pela tradução de Cenários para investigação
. Agradeço a Miriam Godoy Penteado, minha esposa, pela colaboração no Capítulo 2, Riscos trazem possibilidades
. E agradeço a Romulo Lins e à Papirus Editora por tornarem possível esta publicação.
Ole Skovsmose
INTRODUÇÃO
A educação matemática crítica está se desenvolvendo, e apresento aqui algumas etapas de sua evolução da forma como as vejo.
Meu interesse por educação crítica surgiu nos anos 1970. Nessa época, a inspiração vinha diretamente dos movimentos estudantis, como o de 1968. No início, a educação crítica teve um forte apelo no ensino superior. Ela desencadeou uma reação contra o chamado currículo conduzido pelo professor e contra as aclamadas neutralidade e objetividade da ciência. Os estudos universitários deveriam, então, ser organizados segundo diretrizes políticas e servir para desenvolver a justiça e a igualdade social. Os estudantes deveriam participar das decisões sobre o que seria estudado, e uma forma de implementar tal política era adotar uma educação baseada em problemas e projetos.
Quase imediatamente, a ideia da educação crítica espalhou-se por todos os níveis do sistema educacional. Não apenas as pesquisas universitárias, mas todas as formas de educação deveriam ser reorganizadas, e trabalhos com projeto, estudos em grupo e abordagens temáticas foram aplicados nos ensinos fundamental, médio e superior. A princípio, a revolução estudantil atingiu as áreas de ciências humanas e sociais, mas logo todos os ramos do conhecimento passaram a adotar uma abordagem interdisciplinar, comumente associada à propalada orientação a problemas. A abordagem crítica também influenciou a educação matemática e de ciências, e, assim, surgiu a educação matemática crítica.
A inspiração teórica para a educação crítica vem de diferentes fontes. Mais especificamente, a noção de diálogo, como proposta por Paulo Freire, tornou-se importante na caracterização de processos educacionais que têm um objetivo emancipatório. Uma educação crítica não pode ser estruturada em torno de palestras proferidas pelo professor. Ela deve se basear em diálogos e discussões, o que talvez seja uma forma de fazer com que a aprendizagem seja conduzida pelos interesses dos alunos. Outra fonte de inspiração importante é a Teoria Crítica elaborada pela Escola de Frankfurt. Nela, Jürgen Habermas sugere que as ciências poderiam ser caracterizadas por interesses em certos conhecimentos e que as ciências sociais deveriam ser orientadas por um interesse em emancipação. A partir daí, ficou fácil formular a educação crítica como uma educação orientada pelo interesse em emancipação. Havia, porém, uma dificuldade a esse respeito. A Teoria Crítica continha uma desconfiança em relação às ciências naturais e à racionalidade técnica representada pela matemática. Como as ciências orientadas por um interesse técnico poderiam atender a um interesse emancipatório? Do ponto de vista da Teoria Crítica, a noção de educação matemática crítica poderia parecer contraditória.
Durante a segunda metade dos anos 1970 e todos os anos 1980, busquei laboriosamente formular uma concepção de educação matemática crítica. Um dos resultados principais desse esforço está condensado no livro Towards a philosophy of critical mathematics education, que foi escrito entre 1991 e 1992, e publicado em 1994. Foi uma grande satisfação apresentar de forma mais elaborada as ideias que vieram a constituir a educação matemática crítica, pelo menos naquele momento e com a visão geral que eu tinha naquela época.
Todavia, minha perspectiva da educação matemática crítica prosseguiu evoluindo. Na verdade, ela deu muitas reviravoltas. Em 1994, na África do Sul, envolvi-me em um projeto de educação matemática que durou seis anos. Estava muito contente em participar desse projeto, que era um dos primeiros passos da educação daquele país após o apartheid. Qual sentido poderia ter uma educação matemática voltada para a democracia e a justiça social numa situação como aquela? Estava claro para mim que a noção de educação matemática crítica, que em grande parte fora formulada em contexto europeu, não teria a menor validade ali. Portanto, a educação matemática crítica teve que ser reformulada e recriada. Em 1994, visitei pela primeira vez o Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Unesp, em Rio Claro, e tomei consciência do que pode significar a preocupação da educação matemática com diversidade e conflitos culturais. A educação matemática crítica precisava de uma reformulação radical. Mas qual?
Havia diferentes correntes de pensamento que tive de enfrentar. Uma era a noção de globalização. Qual é o papel da educação em contextos sociopolíticos, econômicos e culturais nos quais a educação matemática acontece e dos quais é parte integrante? Talvez o que sirva como uma educação matemática que busque a igualdade e a justiça social para alunos em um contexto não sirva para alunos em outros contextos. Pelo mundo afora, as experiências de inclusão e exclusão, de riqueza e pobreza, podem ser bem diferentes. O mercado global pode requerer diferentes perfis de mão de obra, dependendo da localidade em que atua. E como as diferentes abordagens pedagógicas respondem a isso? Como a educação matemática opera em tais complexidades? Comecei, então, a ver na educação matemática crítica uma resposta a uma incerteza maior, e não algo simplesmente definido por metas e procedimentos. De que modo realizar uma educação voltada para a justiça social em um mundo complexo, globalizado e repleto de guetos?
Minhas preocupações voltaram-se para os papéis sociais da matemática. Desenvolvi a noção de matemática em ação, que é um desdobramento da ideia do poder formatador da matemática, que eu havia apresentado em Towards a philosophy of critical mathematics education. A ideia central é que muitas coisas podem ser realizadas quando a matemática está em jogo. Tais ações constituem as inovações tecnológicas, os procedimentos econômicos, os processos de automação, o gerenciamento, a tomada de decisão, e fazem parte do dia a dia. A matemática em ação faz parte de nossos mundos-vida, podendo servir aos propósitos mais variados. Ela não é, por natureza, boa ou má. Ações baseadas em matemática devem ser analisadas criticamente, levando-se em conta sua diversidade. Esse olhar crítico sobre a matemática mostra que nos desligamos da crença na ciência
e da crença na racionalidade matemática
que fizeram parte do pensamento moderno, iniciado pela revolução científica. Em outras palavras, interessei-me por encontrar uma concepção de matemática que não tivesse como pressuposto a noção otimista de que existe uma conexão automática entre desenvolvimento científico e desenvolvimento social em geral. Dirigir esse olhar crítico para a matemática faz parte da educação matemática crítica.
Descobri ser importante desenvolver a noção de crítica levando em conta a noção de incerteza. Ao longo da história, podem-se achar muitas tentativas de estabelecer o que vem a ser uma abordagem crítica (tanto na filosofia quanto na economia ou nas ciências sociais). E muitas formas de crítica foram elaboradas a partir de certas posições básicas
. Todavia, considero que toda busca por uma fundamentação para a crítica é ilusória. Isso vale também para uma abordagem crítica que faça parte de uma educação matemática crítica. Não estou interessado em estabelecer um programa crítico. Toda abordagem que se possa caracterizar como crítica é deixada em aberto. E, com tal incerteza, pode-se construir uma abordagem crítica.
O primeiro capítulo deste livro trata dos cenários para investigação
. Apresento esse conceito para facilitar uma discussão mais aberta a respeito das possibilidades educacionais em educação matemática. Trabalhos com projetos e abordagens temáticas têm sido considerados uma resposta emblemática aos desafios educacionais lançados pela educação crítica. Novas possibilidades precisam ser elaboradas. Considero que uma nova educação matemática crítica deve buscar possibilidades educacionais (e não propagar respostas prontas). Toda prática nova traz incertezas. Não se devem esperar procedimentos e diretrizes, por isso é importante considerar a noção de zona de risco, desenvolvida por Miriam Godoy Penteado. O professor não pode permanecer em uma zona de conforto, garantida pela tradição e pelas rotinas educacionais. Não se pode esperar por qualquer tipo de conforto quando se entra em um cenário para investigação. A chave, porém, não é voltar para a zona de conforto, mas ser capaz de explorar todas as possibilidades educacionais que estão associadas à zona de risco: Riscos trazem possibilidades
, que é o título do segundo capítulo.
Adentrar um cenário para investigação abre novas possibilidades de reflexão. E a noção de reflexão é importante para qualquer tipo de educação matemática crítica. Mas reflexões são, ao mesmo tempo, um desafio, como discuto