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TRS DIAS

Daniel Galera

Era um feriado de Pscoa com previso de tempo bom e tnhamos ido a So Jos dos Ausentes, eu e a Lvia. Nunca tinha visto lugar to bonito, aqueles morros de um verde esbranquiado, os rios de gua negra e cristalina. A fazenda onde nos hospedamos era isolada de tudo e no havia outros hspedes. No sbado, entre sonecas e orgias de comida caseira, deixei a Lvia na cozinha, mateando e comendo pinho com a dona da casa, peguei um cavalo manso e sa trotando desajeitado. Fui longe, at ficar com as pernas bambas. Uma solido que chegava a dar um nervoso. J pensava em voltar, e vi uma assombrao. Um homem de chapu foi aparecendo na crista de um morro, montado num cavalo que andava a passo devagarinho, quase parando. Fiquei um minuto assustado, espionando com cautela, mas logo vi que o sujeito podia estar precisando de ajuda. Ou pior. Parecia morto. Cheguei perto e senti o fedor. Vi que homem e animal estavam rodeados de moscas. Tive certeza de que era um cadver sendo levado pelo cavalo sabe l pra onde, talvez pro inferno, mas quando gritei qualquer coisa ele levantou a cabea, despertou, e olhou pra mim. Companheiro..., murmurou, acenando com a cabea. O sangue seco cobria toda roupa do homem, e boa parte do cavalo, um crioulo bege. Sua pele estava amarela, seus olhos opacos, horrveis. Parecia ter trinta e poucos anos. Com uma das mos, segurava o brao com firmeza na altura do cotovelo. Tirou a mo e me mostrou um corte fundo, quase na dobra do brao. Como mdico, foi fcil compreender que ele tinha furado a artria. H quanto tempo?, perguntei. Ele precisava reunir foras por alguns segundos antes de falar qualquer coisa. Faz trs dias... foi uma bobeira, me cortei sozinho, disse envergonhado. Trs dias. Pensei comigo mesmo que j era pra ele estar morto h muito tempo. Aconteceu, enfim, que salvei a vida do homem. Puxei o cavalo at a fazenda, chegamos j era noite. Improvisei um curativo, Lvia veio comigo no carro e o levamos at Bom Jesus, onde havia um pronto-socorro. Cheguei a doar meu sangue pra injetar no coitado. Voltamos pra Porto Alegre e nunca mais soube dele. Trs dias! Vagando pelo campo, entregando o caminho ao cavalo, segurando a veia aberta. Sonho com isso toda noite. E a Lvia, de vez em quando, comea a chorar sem motivo.

Publicado originalmente em cartaz do projeto Na Tbua

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