Sie sind auf Seite 1von 4

O desafio da escola

Capa

Lino de Macedo

A escola de hoje reconheceu


e aceitou o desafio de ensinar
o compulsório da vida para
todas as crianças e adolescentes.
O que ela precisa mudar
para ser capaz de ensinar
a todas as crianças?
ANO VIII Nº 32 NOV 2004/JAN 2005

Ilustrações: Mário Röhnelt

16
para todos
O
que a escola precisa mudar para ser compulsó-
ria? Responder a essa pergunta supõe, como
mínimo, refletir sobre o lugar sociocultural da
escola “ontem” e “hoje”. A pergunta em si mesma já expres-
sa essa hipótese porque sugere que a escola de ontem não
era compulsória e que a de hoje quer sê-lo. Por que a esco-
la de ontem não era? Por que a de hoje deve ser?
Consideremos que, em certo sentido, a escola sem-
pre foi compulsória. Foi nela que sempre se depositou a
esperança e a confiança no desenvolvimento e na apren-
dizagem dos alunos daquilo que é compulsório para to-
dos nós, não só na escola, mas na vida em geral. Amar
ao próximo como a si mesmo, ser digno, comprometi-
do, responsável e tantos outros valores são “compulsó-
rios” a uma certa visão de ser humano. Sem eles, predo-
minariam a barbárie e a violência. Classificar, selecionar,
ordenar, fazer inferências, observar, comparar, quantificar,
concluir, fazer escolhas, tomar decisões, antecipar, corri-
gir e tantas outras “ferramentas” cognitivas são habilida-
des consideradas compulsórias ao ser humano. Sem elas,
nossa sobrevivência, nosso passado, presente ou futuro cola de “hoje” reconheceu e aceitou o desafio de ensi-
ficariam extremamente prejudicados e sujeitos a toda nar o compulsório da vida para todas as crianças e ado-
sorte de manipulações. Trabalhar em grupo, cooperar, lescentes. O que ela precisa mudar para ser compulsória
argumentar, compartilhar tarefas, construir coisas, diver- nesse segundo sentido, ou seja, ser capaz de ensinar a
tir-se, criar, desfrutar a vida e tantas outras realizações todas as crianças?
sociais são compulsórias ao ser humano. Sem elas, a vida Para responder a essa pergunta, penso que são impor-
restaria sem sentido. tantes duas considerações. Primeiro, a escola de “hoje” deve
Os domínios lembrados entre tantos outros não são mudar a visão que a de “ontem” construiu sobre si mesma.
privilégio da escola, tanto assim que culturas “não-escola- Segundo, a escola de “hoje” não pode esquecer em sua
res” os desenvolvem, inclusive de modo bastante comple- crítica aquilo que continua valioso, apesar dos imensos de-

ANO VIII Nº 32 NOV 2004/JAN 2005


xo. O fato é que, em nossa sociedade, atribuiu-se à escola safios de sua consideração na atualidade.
um lugar fundamental para o desenvolvimento dessas De um lado, a escola, como qualquer instituição soci-
aquisições, sobretudo em crianças e adolescentes. Em re- al, expressa os valores, as possibilidades e os interesses
sumo, se há coisas compulsórias é porque são melhores das pessoas de seu tempo. Sobretudo, daquelas que têm
para o ser humano e, se a escola compromete-se com seu poder político e econômico, que têm condições – “her-
desenvolvimento, ela também se torna compulsória, ao dadas” ou “conquistadas” – para determinar o que jul-
menos quanto aos conteúdos que pretende ensinar. gam “melhor” para si mesmas e para os representantes
O problema da escola compulsória de “ontem” é que de sua classe. Nesses termos, talvez caibam duas per-
era destinada para poucos alunos. Ela se restringia àque- guntas: a quem a escola de ontem servia? A quem serve
les que tinham condições (financeiras, cognitivas, soci- a escola de hoje? De outro lado, como comentei no iní-
ais, culturais, afetivas, biológicas, religiosas) de ingressar cio, a escola aceitou ser – e de fato é – depositária daqui-
ou permanecer nela, porque atendiam aos seus pré-re- lo que é fundamental ou compulsório a qualquer ser
quisitos ou pressupostos. Os outros, a grande maioria, humano, mesmo que suas formas de expressão variem
não ingressavam ou não ficavam mais do que alguns no espaço e no tempo.
anos, o que só confirmava sua falta de condições para A quem serve a escola? Para responder a essa per-
desenvolver na escola os conteúdos acima menciona- gunta, proponho que lembremos, ainda que superficial-
dos. Em outras palavras, a escola sempre foi compulsó- mente, três modos de ser de nossa sociedade nos últi-
ria, porque está comprometida em desenvolver bem o mos séculos. O primeiro deles é o da sociedade produto-
que é compulsório a uma vida digna e plena, mas antes ra, isto é, comprometida com a fabricação de bens durá-
ela só se permitia fazer isso com os poucos alunos que
tinham condições para atender aos seus critérios. A es-
veis, resistentes. Sólidos também são seus valores, seus
compromissos e suas relações de trabalho. É a socieda- 17
de que preza o emprego e o casamento para toda a cola para todas as crianças. O interessante é que essa
vida, que valoriza a família com muitos filhos, os quais mesma sociedade reafirme o valor das coisas compulsó-
estendem e aprofundam a herança e os valores de seus rias para a nossa vida e que eleja a escola como o me-
pais. Não importa que o trabalho vire rotina, que produ- lhor lugar para que todas as crianças e adolescentes rea-
zir seja mais um reproduzir, um fazer sempre igual, que lizem essa iniciação.
o casamento não faça sentido e que se sustente por Uma escola que aceita o compromisso de ser com-
interesses externos ou pelo medo de mudança. Qual é pulsória para todas as crianças deve valorizar a constru-
a melhor escola para essa sociedade? Quem são os me- ção, a aquisição e o consumo de que coisas? O que
lhores alunos para ela? Quais conteúdos escolares ela deve ser reconstruído criança por criança, porque esse
deve privilegiar? Em sua lista, que competências e habi- bem não pode ser comprado, nem está pronto para ser
lidades são requeridas de seus alunos? consumido? O que o dinheiro de um aluno não pode
Um segundo tipo de sociedade é a que valoriza o ter, comprar e, portanto, permitir-lhe consumir fácil e imedia-
o possuir recursos materiais a serem acumulados. É a so- tamente? O que está nos livros, no conhecimento ou no
ciedade que preza o capital, que divide as pessoas por domínio dos adultos, encarnado nas ferramentas ou
suas posses, por seus bens materiais, por sua fortuna. Qual tecnologias, mas que precisa de novo ser inventado e
é a melhor escola para essa sociedade? Como ela prepa- descoberto, ou seja, reconstruído por todas as crianças?
ra crianças e adolescentes para serem bem-sucedidos neste Essas coisas são as que listei no início deste artigo. E se
sistema? E as crianças que não têm condições materiais elas são compulsórias é porque não podemos sintetizá-
para freqüentá-la, porque devem trabalhar, porque seus las nos objetos e nas pessoas que as possuem, pois ne-
pais não podem ter nem têm livros em casa? cessitam ser reconstruídas segundo as possibilidades de
Um terceiro tipo de sociedade é a que valoriza o con- cada criança.
sumir, o desfrutar mais e mais os bens produzidos e sem- Penso que os comentários feitos até aqui sugerem a
pre aperfeiçoados ou diversificados. É a sociedade que importância de uma reflexão sobre a escola, agora na
valoriza o instante, o substituível, o breve no tempo e o perspectiva da criança. Como distinguir e relacionar cri-
próximo no espaço, já que os recursos tecnológicos cada ança com aluno? Aluno é uma categoria sociológica ou
vez mais possibilitam isso. É a sociedade global, tecno- pedagógica. Supõe dominar um “ofício”, tornar-se parte
lógica, plena de invenções e descobertas. Possuidora de uma comunidade, qualificar-se para a realização de
de recursos que facilitam nossa vida, que “sustentam” a certas tarefas, dominar ou aceitar regras (muitas delas
juventude de nosso corpo, que estendem nosso bem- implícitas) que possibilitam esse pertencimento. Supõe
estar e que nos provêem facilidades e possibilidades de sofrer as conseqüências de uma certa compreensão de
consumo de todos os tipos. Uma sociedade que julga sociedade, dos valores que a escola cultiva, dos recursos
ter superado o pesado, o difícil, o que precisa ser con- que dispõe e dos limites políticos de seus agentes para
sertado e apreendido de modo lento e dedicado. Qual bancar seu projeto pedagógico. Ser criança, tornar-se
é a melhor escola para essa sociedade? Como ela deve aluno: esta é a exigência de hoje.
preparar seus alunos? Quais competências e habilida- No entanto, ser aluno é uma coisa, enquanto tornar-
des eles devem dominar para serem bem-sucedidos? se alfabetizado, por exemplo, é outra. Talvez possamos
Produzir, ter e consumir representam ações e valores obrigar a uma criança a ser aluno, mas não podemos
ANO VIII Nº 32 NOV 2004/JAN 2005

que talvez resumam nossos principais esforços e êxitos exigir que aprenda, porque isso supõe uma adesão afetiva
dos últimos tempos. Não importa que cada vez mais e um desenvolvimento cognitivo que a condição de alu-
menos pessoas tenham possibilidades para isso, que suas no não é suficiente para dar conta. Uma criança pode
reais condições de fazer parte dessa classe sejam precá- ser considerada aluno desde o momento em que se
rias, incertas e difíceis. Não importa os tipos de ansieda- matricula na escola ou que a freqüenta, mesmo que por
de, de sofrimento, de exclusão e de desigualdade social pouco tempo. Tornar-se alfabetizado implica uma trans-
implicadas em nossos esforços para produzir, ter e con- formação pessoal, com todas as suas implicações socio-
sumir. O interessante é que essa mesma sociedade apro-
ve leis e determine recursos a serem gastos em uma es-

O problema da escola compulsória


de “ontem” é que era destinada
para poucos, restringia-se àqueles
que tinham condições de
18 ingressar ou permanecer nela
A escola de “hoje” deve mudar
a visão que a de “ontem” construiu
sobre si mesma, sem
esquecer em sua
crítica aquilo que
continua valioso
culturais. O desenvolvimento e a aprendizagem das cri-
anças precisam de tempo e espaço para acontecer. Tem-
po porque sua realização não é fácil nem imediata. Su-
põe entregar-se e confiar em uma possibilidade, em algo
que, ocorrendo hoje (refiro-me às atividades do dia-a-dia
que favorecem a aprendizagem da leitura e da escrita),
só se confirmará pouco a pouco no encanto de se sentir
leitor ou escritor. Espaço porque supõe coordenar pon- ta que isso lhes faz nas brincadeiras desautorizadas, na
tos de vista, prestar atenção a muitos detalhes, criar no- violência, na agressividade, no fracasso escolar? Poderá a
vas possibilidades, reorganizar a vida e, quem sabe, me- escola, uma instituição que representa e expressa os inte-
lhorar ou aprofundar as estruturas (cognitivas, afetivas, resses dos adultos sobre aquilo que eles querem que os
sociais, etc.) que lhes dão sustentação. Mais do que isso, alunos se tornem, também defender a perspectiva das cri-
tornar-se alfabetizado é confiar em uma proposta que se anças que nela estudam? Saberá articular esses interesses
faz ao aluno, é admirar em seu proponente suas habili- com o que é compulsório para as crianças, porque as qua-
dades de leitura e escrita, é querer tornar-se como ele. lifica para uma vida melhor? Saberá garantir condições
Só se pode valorizar algo que não é (refiro-me a um alu- para que as crianças possam ser apenas crianças, isto é,
no não-alfabetizado) pela admiração e pela vontade de para que vivam os interesses, as possibilidades desse perí-
ser como aqueles que dominam tal habilidade e que odo de desenvolvimento? Ser aluno, tornar-se criança: po-
querem ensiná-la. Ser aluno, tornar-se (entre outras coi- derá a escola cumprir tal missão?
sas) alfabetizado: esta é a exigência de hoje. O leitor observou, com razão, que “desconsiderei” o
Criança é um tema de estudo da psicologia e, em professor, o diretor, o coordenador pedagógico e todos
particular, da psicologia do desenvolvimento. Uma cri- os outros profissionais da escola. Concentrei-me na aná-
ança não precisa da escola para ser criança. Nessa pers- lise dessa instituição, ontem e hoje, bem como na rela-
ção criança-aluno. Saiba, contudo, que foi para eles que

ANO VIII Nº 32 NOV 2004/JAN 2005


pectiva, ser aluno é apenas uma de suas possibilidades e
necessidades. Uma criança também é filho, tem irmãos, tudo foi dito, que foi neles que pensei o tempo todo. Por
amigos, brinca, vive o cotidiano de sua casa, de sua rua, isso, é para eles que dedico o presente artigo.
de sua cultura ou de sua religião. Elas são a garantia de
nosso futuro, quem sabe para melhor. Assim, se seu pre-
sente não for favorável a isso, toda a humanidade ficará
Lino de Macedo é professor titular
ameaçada. As crianças são nossos “pais”. Todo adulto de Psicologia do Desenvolvimento
começou sendo criança. Um adulto é uma criança que do Instituto de Psicologia da USP.
sobreviveu, que enfrentou e superou os desafios, as difi- E-mail: limacedo@uol.com.br
culdades, as doenças, o medo do desconhecido. É claro
que ela contou (contou?) com a ajuda dos adultos, com
seus conhecimentos e recursos, com suas instituições,
com seu amor e seus cuidados. Uma criança que nasce
é a humanidade que tem nova chance de rever seus Para Saber Mais
valores, suas práticas, suas formas de vida. Ou, ao con-
trário, de repetir sua insensatez, seus interesses mesqui- GIMENO SACRISTÁN, J. A educação obriga-
nhos, sua desigualdade. tória: seu sentido educativo e social. Porto
Como não perder a criança, agora reduzida ao papel Alegre: Artmed, 2001.
MACEDO, L. de. Ensaios pedagógicos: como
compulsório de aluno? Uma criança sem tempo e sem construir uma escola para todos. Porto Ale-
espaço para ser criança? Será que os alunos só podem
encontrar seu lado criança, ou melhor, compensar a fal-
gre: Artmed, 2005.
19

Das könnte Ihnen auch gefallen