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Lino de Macedo
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para todos
O
que a escola precisa mudar para ser compulsó-
ria? Responder a essa pergunta supõe, como
mínimo, refletir sobre o lugar sociocultural da
escola “ontem” e “hoje”. A pergunta em si mesma já expres-
sa essa hipótese porque sugere que a escola de ontem não
era compulsória e que a de hoje quer sê-lo. Por que a esco-
la de ontem não era? Por que a de hoje deve ser?
Consideremos que, em certo sentido, a escola sem-
pre foi compulsória. Foi nela que sempre se depositou a
esperança e a confiança no desenvolvimento e na apren-
dizagem dos alunos daquilo que é compulsório para to-
dos nós, não só na escola, mas na vida em geral. Amar
ao próximo como a si mesmo, ser digno, comprometi-
do, responsável e tantos outros valores são “compulsó-
rios” a uma certa visão de ser humano. Sem eles, predo-
minariam a barbárie e a violência. Classificar, selecionar,
ordenar, fazer inferências, observar, comparar, quantificar,
concluir, fazer escolhas, tomar decisões, antecipar, corri-
gir e tantas outras “ferramentas” cognitivas são habilida-
des consideradas compulsórias ao ser humano. Sem elas,
nossa sobrevivência, nosso passado, presente ou futuro cola de “hoje” reconheceu e aceitou o desafio de ensi-
ficariam extremamente prejudicados e sujeitos a toda nar o compulsório da vida para todas as crianças e ado-
sorte de manipulações. Trabalhar em grupo, cooperar, lescentes. O que ela precisa mudar para ser compulsória
argumentar, compartilhar tarefas, construir coisas, diver- nesse segundo sentido, ou seja, ser capaz de ensinar a
tir-se, criar, desfrutar a vida e tantas outras realizações todas as crianças?
sociais são compulsórias ao ser humano. Sem elas, a vida Para responder a essa pergunta, penso que são impor-
restaria sem sentido. tantes duas considerações. Primeiro, a escola de “hoje” deve
Os domínios lembrados entre tantos outros não são mudar a visão que a de “ontem” construiu sobre si mesma.
privilégio da escola, tanto assim que culturas “não-escola- Segundo, a escola de “hoje” não pode esquecer em sua
res” os desenvolvem, inclusive de modo bastante comple- crítica aquilo que continua valioso, apesar dos imensos de-
que talvez resumam nossos principais esforços e êxitos exigir que aprenda, porque isso supõe uma adesão afetiva
dos últimos tempos. Não importa que cada vez mais e um desenvolvimento cognitivo que a condição de alu-
menos pessoas tenham possibilidades para isso, que suas no não é suficiente para dar conta. Uma criança pode
reais condições de fazer parte dessa classe sejam precá- ser considerada aluno desde o momento em que se
rias, incertas e difíceis. Não importa os tipos de ansieda- matricula na escola ou que a freqüenta, mesmo que por
de, de sofrimento, de exclusão e de desigualdade social pouco tempo. Tornar-se alfabetizado implica uma trans-
implicadas em nossos esforços para produzir, ter e con- formação pessoal, com todas as suas implicações socio-
sumir. O interessante é que essa mesma sociedade apro-
ve leis e determine recursos a serem gastos em uma es-