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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESErNXTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
VV.-r visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questdes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
ANO IX N?
ÍNDICE

I. FILOSOFÍA E RELIGÓLO

1) "Em que consiste o moderno 'estruturalismo'? Será urna

nova filosofía, urna nova visáo do mundo e do homcm ? E gual

o seu valor ?" 180

II. DOGMÁTICA

2) "A Igreja do futuro nSo terá padres. É o que foi dito

reeentemente. Com razüo ?

O sacerdote será um mero funcionario da Igreja ?" 1$5

ni. PASTORAL

S) "Disem que a Igreja nao quer mais batizar as enancas ?

Que ká de novo na praxe do Batismo ?" SOS

TV. MORAL

í) "Que diser da atual controversia relativa a censura...

censura do teatro, do cinema, da tetevisáo e da literatura ?

Quem tem razño ; os adeptos ou os adversarios da censura?" 216

CORRESPONDENCIA MIÚDA S2S

RESENHA DÉ LIVROS S2i

COM APROVAgAO ECLESIÁSTICA


AO LEITOR AMIGO!
Com a graga de Deus, «Pergunte e Responderemos» entra
agora na segunda centena de suas publicacóes, procurando aos
poucos melhorar a sua apresentacáo.
Os nossos fascículos tém visado atender a um dos grandes
problemas do homem de hoje: QUE É A VERDADE?

Esta questáo, já proposta por Pilatos (cf. Jo 18,38), se


coloca atualmente com aspectos novos. Nao sao poucos aque
les que julgam que, fora das «ciencias exatas» (matemáticas),
nao há verdade, mas apenas opinióes contingentes, que podem
variar de individuo para individuo. Julgam poder reduzir fé
e Religiáo a urna vaga adesáo a Deus, sustentada pelo von-
tade do indiv'duo, adesáo, porém, independente da inteligen
cia, adesáo sem Credo. Deus, o Supremo Bem, o Todo-Perfe'to
por defini'áo, nao se tena comunicado aos homens de maneira
objetiva; os homens poderiam^pretender chegar a certeza em
ciencias físicas, nao, porém, em metafísica, nao no tocante
aos problemas máximos: «Donde vimos? Para onde var.ios?
Que fez, faz e fará Deus por mim? Como entro em contato
com o Absoluto, sem O Qual nao me realizo? Como posso
chegar a possui-lo um dia desimpedidamente?»

Admitir um Deus que nao se tenha importado com dar


ao homem urna resposta objetiva e segura sobre tais assuntos,
é quase contradizer-se ou nao crer em Deus Ss Deus existe,
nao terá deixado ó homem na inseguranca a respeito do sen
tido da sua vida.

«Pergunte e Responderemos» procura ajudar o público,


propondo reflexóes, citando documentos e fatos que levem, a
conclusóes táo objetivas quanto possivel a propósito dos pro
blemas da atualidade.

A Lógica faz chegar á Luz.

Amigo leitor, se lhe agrada o programa ácima, colabore


com «P.R.», difundindo a revista, angariandolhe novos assi-
nantes e enviando-nos suas sugestóes. — Muito grato. .

E. B.

— 185 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano IX — N» 101 — Maio de 1968

I. FILOSOFÍA E RELIGIAO

1) «Em que consiste o moderno 'estruturalismo*? Será


nma nova filosofía, urna nova visáo do mundo e do homem?
E qual é o seu valor?»

O estruturalismo é um movimento francés dos últimos


anos, que tem sua ressonáncia no estrangeiro, principalmente
nos E.U.A. e, um pouco, no Brasil. Constituí, antes do
mais, urna atitude e um método de trabalho; tem, porém,
sua repercussáo nos setores da filosofía e da Religiáo.
Veremos abaixo algo sobre os principáis mentores do
estruturalismo; a seguir, proporemos suas grandes idéias e,
por fim, urna ligeira observagáo sobre o sistema.

1. A escola estruturalista-

Há cérea de quinze anos estava muito em voga no pen-


samento francés o existencialismo de Jean-Paul Sartre e
Simo.ne de Beauvoir. Com Sartre confrontavam-se outros
pensadores de semelhante kispiracáo, como Jean Camus e
Merleau-Ponty. Últimamente, pprém, a partir de 1962, o pú
blico estudioso da Franca sa viu empolgado por outro sistema
de pensamento, que é o estruturalismo, encabezado por Lévi-
-Straúss.

Claude Lévi-Strauss nasceu de familia judaica em Bru-


xelas (Bélgica) no ano de 1908. Após seus estudos, passou
a exercer o magisterio como professor de Filosofía na Franca.
De 1935 a 1939 lecicnou Sociología na Universidade de Sao
Paulo (Brasil); aproveitou entáo a estada na América do Sul
para entrar em contato com indios do interior brasileiro e
mais e mais se dedicar á etnología. Durante a segunda
guerra mundial (1939-45) prosseguiu o magisterio em Nova
Iorque, onde publicou sua primeira obra; manifestava grande
atongáo pelo «caráter estrutural dos fenómenos sociais» (a
expressáo será explicada abaixo).

— 186 —
QUE É O ESTRUTURALISMO?

Em conseqüéncia, foi tido como pensador original ou


mesmo genial. Os estudos, cada vez mais atraentes, levaram
Lévi-Strauss em 1947 a abandonar o posto de Adido Cultura]
da Embaucada da Franca nos E.U.A., a fim de se dedicar
por completo as suas reflexóes em Paris. Ocupa atualmente
os cargos de Diretor de Pesquisas de «L'École Pratique des
Hautes Études» e Professor do «Collége de France». Há pou-
cos meses, em París, recebeu a Medalha de Ouro do Centro
Nacional de Pesquisas Científicas — a mais elevada distingáo
que um dentista possa receber na Franga.
A obra decisiva de Lévi-Strauss apareceu em 1949 com
o título «Les structures élémentaires de la párente» (As es-
truturas fundamentáis do parentesco). Eis outros livros do
mesmo autor:

«Anthropologie structurale» (Antropología estrutural) 1957


«La pensée sauvage» (O pensamento dos povos selvagens) 1962
«Le cru et le cuit» (O cru e o cozido) 1964
«Tristes tropiques» (Tristes trópicos), autobiografía, 1965
«Du m'el aux cendres» (Do mel ás cinzas) 1966
«Mythologiques» (Mitológicas) 1966/67

Dentre os outros porta-vozes do estruturalismo, destacam-


-se Louis Althusser, Jacques Lucan, Serge Doubrovsky e prin
cipalmente Michel Foucault, que se tornou famoso por seu
livro «Les mots et les choses» (As palavras e as coisas),
«best-seller» em 1966/67.

2. O pensamento de Lévi-Strauss

1) Fontes

Em «Tristes tropiques», autobiografía, Lévi-Strauss refere


que deve a inspira-áo de suas reflexóes a tres grandes fa-
tóres: o pensamcnto de Marx, o de Freud e a geología. O
estudo déstes tres ramos do saber deu-lhe a entender que só
compreendemos um tipo de realidade quando a podemos re-
duzir a outro tipo de realidade; a verdadeira realidade geral-
mente nao é aquela que aparece; as coisas que .nos ocorrem.
podem e devem ser reduzidas a estruturas fundamentáis.
Karl Marx, por exemplo, reduziu a face vis'vel da sociedade
humana >á sua estrutura de base, que é a producto de.bens
materiais, em funcáo da qual existem as super-estruturas
(Moral, Arte, Direito, Filosofía, etc.). Freud reduz o ser hu
mano a instintos eróticos, complexos, recalques, etc. O geó-

— 187 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 101/1968. qu. 1

logo, por sua vez, ao estudar a superficie acidentada de um


terreno, percebe as suas carnadas fundamentáis. Assim, diz
Lévi-Strauss, o dentista (ou antropologista) que estude os
povos primitivos e contemporáneos, deve procurar discernir
as estruturas fundamentáis das diversas aglomeragóes huma
nas: existe urna grandeza desconhecida que dá ordem e es-
trutura a todas as grandezas conhecidas. Ora foi á procura
dessa grandeza desconhecida, da qual nao temos consciéncia,
que Lévi-Strauss resolveu dedicar suas reflexóes.

2) O método

Para conseguir seu objetivo (descobrir a estrutura la


tente dos seres humanos), Lévi-Strauss julgou oportuno ado
tar o método de lingüística cultivado pelos professóres Fer-
dinand de Saussure, N. S., Troubetzkoy e Román Jakobson-,
os quais iniciaram determinado «estruturalismo» no estudo
da filosofía. Éssé estruturalismo lingüístico consiste no se-
guinte:

Antigamente os filólogos procuravam qual a origem ou


a raiz de cada palavra, assim como as transformares por
que tenha passado no decorrer dos sáculos. É o que se chama
«a diacronia» (passagem através dos tempos, em grego). Os
lingüistas se interessavam, pois, pela historia dos diversos
vocábulos. — Ora os estudiosos citados preferem estudar a
«sincronía» de cada língua. O que quer dizer: julgam que os
vocábulos atualmente usados num determinado idioma sao
todos coerentes entre si (tém urna dimensáo latitudinal) e
revelam a estrutura fundamental da mente humana? os ho-
mens, portante, teriam urna capacidade inata e inconsciente
de compor vocábulos, capacidade que obedecería a regras
precisas. Ao lingüista da nova escola compele, por conse-
guinte, descobrir essa capacidade inata e as regras de sua
atividade; pouco lhe intéressa a historia ou a evolueáo (di
mensáo longitudinal) dos vocábulos.
De Saussure distingue entre «palavra» e «lingua». Se
gundo ele, a palavra é a expressáo da pessoa ou do individuo.
A língua é o conjunto de regras segundo as quais as pala-
vras sao empregadas; é um sistema que paira ácima dos
individuos e que provém do inconsciente déstes. — De
Saussure se interessa apenas pela «lingua» e nao pelas pala-
vras, porque é naquela, e nao nestas, que ele julga encontrar
a estrutura fundamental da mente humana.

— 188 —
QUE É O ESTRUTURAL1SMO?

Na base destas idéias, os filólogos estruturalistas nao


recusam o uso de palavras estrangeiras num idioma nacional
(em portugués, por exemplo, as palavras «clube, futebol, vo-
libol, Jiuanca, garcom, chofer, engajamento...»). Se sao utili
zadas contemporáneamente em outras linguas, por que nao
as adotar no idioma nacional, embora outrora fóssetn tidas
como estranhas? — Sómente aqueles que fazem caso da his
toria da língua patria, é que excluem tais vocábulos ditos
«estrangeirismos».
O método da lingüística estruturalista assim descrito foi
aplicado por Lévi-Strauss a urna ciencia que ele cultivou com
especial interésse:

3) A etnología

O dentista belga examinou atentamente os povos pri


mitivos e as relagóes de parentesco que os unem entre si,
chegando as seguintes conclusóes:
As relagóes de consangüinidade e afinidade sao «urna
especie de linguagem». Aquilo que na linguagem é a palavra,
isso é a mulher ñas relagóes entre tribos, clás e homens; é
dando e recebendo mulheres que as tribos, os clás e as fa
milias se relacionam entre si. A clássica proibicáo de incesto
já nao deve ser entendida como proibicáo... proibicáo de
que um homem se una matrimonialmente á sua máe, irmá
ou filha. É, antes, um preceito positivo, que assim se pode
explicitar: é preciso que o homem dé a mulher (máe, irmá
ou filha...), a mais preciosa dádiva de que possa dispor, a
outro homem pertencente a outra familia ou tribo; troque
tal mulher de sua familia por tal outra mulher de outra
familia, de sorte a fundar e fomentar a sociedade e a cul
tura. A mulher, como objeto de troca ou intercambio entre
os homens, torna-se sinal da sociedade e também sinal da
estrutura social que todos os homens trazem inconsciente
mente em seu intimo. Vida social é troca de sinais ou sím
bolos, é linguagem em sentido largo.
Lévi-Strauss afirma que os povos primitivos eram, e
sao, dotados de capacidades de pensamento e lógica seme-
lhantes ás do homem moderno; sao povos capazes de abstrair
de conceitos concretos, formando nocóes universais, povos
sequiosos de conhecer por conhecer. O que diferencia do pen
samento moderno o pensamento primitivo, é que o primitivo
nao leva em consideracjáo a historia; apreende como um todo
a realidade que o cerca, sem se importar com um futuro

— 189 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 101/1968, qu. 1

utópico ném com a evolugáo dos seres através dos sáculos.


Em outros termos: o homem primitivo possui o sentido da
«sincronía», nao, porém, o da «diacronia»; Lévi-Strauss julga
que ésse modo de pensar é o mais auténtico ou o que mais
corresponde á estrutura fundamental do ser humano. Urna
das mais lamentáveis ilusóes do homem ocidental, segundo
ele, é a de crer que a civilizagáo presente corresponde a dotes
intelectuais, privilegiados e inéditos, do homem moderno em
relagáo ao primitivo.
Após .estas consideragóes de Lévi-Strauss sobre etnologia,
resta-nos a questáo que mais interessa, a saber:

3. Estruturalismo e Filosofía

1. Os pensadores que adotam as idéias de Lévi-Strauss,


filiando-se á corrente estruturalista, nao professam todos a
mesma «cosmovisáo» («Weltanschauung») ou a mesma filo
sofía: há estruturalistas marxistas (como Lévi-Strauss) e
há-os também náo-marxistas (como Michel Foucault). Por
isso se diz que o estruturalismo é mais um método de tra-
balho (é, sim, a pesquisa das estruturas fundamentáis) apli-
cável á lingüística, á etnologia... do que própriamente um
sistema filosófico. Varios dos estrutúralistas, principalmente
os de oriantagáo marxista, tém relutado contra a tendencia
a se fazer do estruturalismo urna filosofía ou urna «mundi-
vidéncia».
2. É preciso, porém, observar que Michel Foucault cul-
tivou o estruturalismo a ponto de o tornar um sistema fi
losófico, também dito «pan-estruturalismo» (estruturalismo
como «visáo cósmica ou universal»).
A tese capital de tal sistema é a seguinte:
A historia, com seus quadros do passado e suas previ-
sóes de futuro, nao interessa ao pensador; aqueles que falam
de urna finalidad? da historia, estáo a satinar, entregando-se
a urna utopia, como também sonham aqueles que investigam
o passado com o intuito de deduzir leis de evolugáo e aspectos
do porvir.

Essas utopias eram possíveis enquanto o homem nao


percebia que está encerrado em urna especie de cárcere ou
enquanto nao sabia estar incluido em estruturas de pensa-
mento, afetos, relagóes sociais.--, que tém seus tragos bem
marcados e fixos. O homem primitivo, o do presente e o do

— 190 —
QUE É O ESTRUTURALISMO ?

futuro tém todos a mesma estrutura de pensamento, de sorte


que nao se pode crer que naja «urna finalidade da historia
em marcha». O homem que tem esperanga no futuro e julga
que o momento presente é cheio de significado e valor, en-
gana-se a si mesmo sem o saber. O homem é a última inven-
C§o da natureza; com o aparecimento do homem, esta chega
ao seu termo consumado e ao seu fim. Escreve Michel Fou-
cault: «O homem é como um vulto de areia colocado á beira-
-mar», tencionando exprimir assim que o género humano está
prestes a conhecer a sua ruina ou o seu fim a todo momento.
É por isto que o pan-estruturalismo tem sido considerado
como «fim do humanismo, a maior revolucáo depois do exis-
tencialismo».

3. Estas afirmacóes de Foucault contradizem. frontal-


mente a tese marxista segundo a qual existe urna dialética
da historia, dialética que tende a produzir um homem novo,
redimido de estruturas injustas. O marxista admite, sim, urna
diacronia, isto é, a historia que de revolucáo em revolugáo
se encaminha para um termo ideal e perfeito. Em conseqüén-
cia, os pensadores marxistas da Franca se tém insurgido
enérgicamente contra a posicáo de Foucault, filósofo estrutu-
ralista. Henri Lefebvre, professor marxista de Sociología na
«Faculté des Lettres» de Paris-Nanterre, denunciou o estru
turalismo como doentio sistema de coacáo, inimigo da his
toria e da revolucáo, variante européia de idéias norte-ame
ricanas, devidas principalmente a Parsons... O estruturalismo
foi colocado entre as ideologías que negam o sentido e o
valor da evolucáo e da historia; tais ideologías seriam, por
exemplo,

a do filósofo grego Zenáo de Eléia e de sua escola íséc. VI/V


a. C), que com dialética e sofistica negavam a possibilidade de qual-
quer movimento;
mais recentemente, a de Hegel (11831). para o qual a Idéia se
afirma segundo o ritmo preconcebido de Tese, Antitese e Síntese.

Segundo Lefebvre, tais pensadores, ao negar o signifi


cado valioso da historia, eram, consciente ou inconsciente
mente, influenciados pelo sistema económico, social e polí
tico de que viviam.
Lucían Goldmann, conseqüentemente, assevera que o pan-
-estruturalismo retira do homem o sentido de responsabilidade;
sufoca-lhe o interésse por sua própria existencia e pelo sen
tido da vida, fazendo que deixe de refletir sobre a proble
mática da historia e da transcendencia.

— 191 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 10V1968. qu. 1

Deve-se dizer, porém, que nos últimos tempos muitos


marxistes tém procurado desfazer o antagonismo existente
entre estruturalismo e marxismo; querem destarte aproveitar-
-se também desta escola de pensa mentó para explanar e pro-
por ao mundo intelectual as suas teses sociológicas e políticas.
Tenha-se em vista a coletánea «Tempos Brasileiros».

4. Também da parte de pensadores existencialistas féz-


-se notar forte reagáo contra o pan-estruturalismo.
Jean-Paul Sartre, que é mais individualista do que mar-
xista, recusou decididamente a filosofía de Foucault, porque
esta tira toda razáo de ser ao «engajamento» ou ao empenho
com que o existencialista considera a vida e o futuro. O exis-
tencialista preza ardorosamente a sua liberdade; julga que,
mediante seus atos livres, ele se realiza e é capaz de dar
sentido tanto á sua vida como á historia. Daí a repulsa á tese
de que o homem esteja limitado por urna estrutura qualquer;
sao palavras de Sartre:

«O essencial nao é o que fizeram do homem, mas o que o


homem faz daquilo que fizeram déle. O que déle fizeram, sao as
estrutunas, os conjuntos significativos que as ciencias humanas es-
tudam. O que ele faz, é a historia mesma, o ultrapassar dessas
estruturas ¡mima acto totalizadora» («L'Arc» n» 30). 1

Nestas palavras ressoa dinamismo, embora Sartre seja


característicamente o filósofo do «absurdo» e da «náusea da
vida». Ao contrario, no estruturalismo parecem cessar dina
mismo e criatividade. Sartre, em réplica, afirma que devemos
superar as estruturas abstratas do nosso ser, pois valemos
mais do que elas; somos capazes de as criticar e alterar ou
mesmo de criar para nos novas estruturas de pensamento e
de vida; assim fazemos a historia e damos-lhe um sentido.
Para Sartre, é filósofo todo homem que pense em realizar
essa superacáo; por isto julga ele nao haver filósofo no pan-
-estruturalismo.
Estas observagóes permiten! tecer urna consideracjio
final:

i «L'essentiel n'est pas ce qu'on a fait de l'homme, mais ce qu'il


íait de ce qu'on a fait de lui. Ce qu'on a fait de lui, ce sont les
structures, les ensembles signiíiants qu'étudient les sciences humaines.
Ce qu'il fait, c'est l'histotre elle-meme, le dépassement de ees
structures dans une praxis totalisatrice».

— 192 —
QUE é O ESTRUTURALtSMO?

4. Que dizer do estrutoralismo?

Pode-se comecar por realzar um aspecto positivo dessa


corrente de pensamento: o estruturalismo chama a atengáo
para a realidade de certas estruturas mentáis existentes, cons
ciente ou inconscientemente, em todo homem. Por «estrutuxas
mentáis» entende-se o seguinte: a mente humana tem suas
facilidades (inteligencia, vontade, afetividade), e essas facili
dades, por sua vez, tém seu modo de agir e reagir próprio,
modo que é fundamentalmente o mesmo em todos os homens.
Por isto é que, entre os seres humanos, se observam compor-
tamentos semelhantes em circunstancias semelhantes.
Éste fato, porém, nao invalida em absoluto a liberdade
psicológica do homem, pois éste pode sempre contrariar as
reacdes espontaneas de sua natureza (a tendencia ao alimento,
ao sonó, á vida sexual...). Usando livremente de suas facili
dades, o homem pode até certo ponto construir a historia,
emancipando-se de dadas situacóes e criando outras, desen-
cadeando e parausando movimentos culturáis, etc. — É a esta
conclusáo que leva a razáo natural; é também esta a tesé
que o marxismo de Marx e o existencialismo de Sartre
apregoam. '
O estruturalismo exagera o significado das estruturas
mentáis, a ponto de nao reconhecer o valor da historia como
continuo desabrochamento dos valores humanos; menospreza
a diacronia ou a sucessáo dos tempos, atribuindo excessivo
valor á sincronía ou á situacáo na qual o homem se encontra
no tempo presente.

Para entender precisamente como se desenyolve o pensamento


estruturalista, tenha-^se em vista o exemplo abaixo:
A expressao «n pleut, es regnet, it rains, chove, piove» tem seu
significado ou sua mensagem; ela informa o leitor ou o ouvinte a
respeito de um acontecimento Jiistórico. Éste, porém, nao interessa
ao pensador estruturalista; o que lhe chama a atencáo na frase
ácima-, é a composigáo ou a estrutura da mesma. Trata-se de urna
frase sem sujeito ou impessoal. Assim a realidade histórica «choves
é reduzida a outra realidade, ou seja, á estrutura de urna frase cujo
verbo nao tem sujeito.

Sobrevindo nessa controversia, o Cristianismo só pode re-


forgar a estima que todo homem deve ter pela historia: Um
motivo sobrenatural o leva a tanto: para o cristáo, os suces-
sivos acqntecimentos da historia sao prenhes de mensagem
divina, pois Deus, através déles, revela seu grande plano de
sabedoria e bondade: assim a historia de Israel anterior a

— 193 —
10 ^PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 101/1968. qu. 1

Jesús Cristo (séc. XIX-séc. I a. C), a historia de Israel dis


perso pelo mundo após a vinda do Messias, a historia do povo
de Deus peregrino para a patria celeste, salvo pela Cruz de
Cristo, que consumou a antiga Páseoa dos judeus, fazem que
os cristáos valorizem, como nenhum outro grupo humano, a
historia.

Lévi-Strauss certa vez declarou que nao se admiraría se


Ihe dissessem que o estruturalismo tenie a restaurar um vul
gar materialismo. Respondeu-lhe entáo o escritor protestante
Paúl Ricoeur que o estruturalismo Ihe parece, antes, ser urna
forma extremada do moderno agnosticismo. Com efeito, lem-
bra Ricoeur em «Esprit», novembro 1963, pág. 652s:
Para o estruturalismo, nao há mensagem, nao há Boa-
-Nova; há desespero... Os estruturalistas, porém, julgam que
sua escola tem, apesar de tudo, um lugar importante no pen-
samento moderno. Todas as frases, mesmo aquelas que nada
significam ou nada transmitem (as sentencas vazias de sen
tido e mensagem, tém sua estrutura; e é para esta que os
estruturalistas chamam a atancáo do público. Assim os estru
turalistas pretendem mostrar valor e sentido em objetos que,
á primeira vista, parecem vazios. — A isto, porém, se pode
replicar que 'estrutura sem conteúdo nem mensagem' nao
interessa ao homem moralmente sadio; pouco importa observar
a sintaxe e a construgio das frases de um discurso que nao
tenha significado nem conteúdo. O cultivo da sintaxe ou da
estrutura de frases só se justifica caso sirva para comunicar
idéias e mensagens. Por conseguinte, o estruturalismo associa
agnosticismo ou ceticismo em filosofía com 'super-intelectua-
lismo' em materia de súitaxe de frase. Por isto é ele ao mesmo
tempo fascinante e perturbador. a
Estas reflexóes de Ricoeur sao sensatas e valiosas,
O estruturalismo pode ter sua aplicacño no setor da lite
ratura, e teve-a realmente com grande interésse do público

i «... o.campo do vosso trabalho, onde vejo urna lorma ex


trema do agnosticismo moderno. Para vos nao há mensagem, nao
no sentido da cibernética, mas no sentido querigmático; vos estáis
no desespero...; mas queréis salvar-ivos, aílrmando que, mesmo
quando as pessoas nada tém a dizer, ao menos elas o dlzem táo
bem que o seu discurso pode ser submetido ao estruturalismo. Vos
salváis o sentido, o sentido, porém, do que nao tem sentido, a admi-
rável construcáo sintética de um discurso que nada diz. Assim pa
rece me que unis agnosticismo e super-inteligéncia das sintaxes. É
por isto que sois ao mesmo tempo fascinantes e inquietantes» (trans
crito de «Esprit», novembro 1963, pág. 652).

— 194 —
IGREJA DO FUTURO SEM PADRES? 11

francés e norte-americano, em 1966 e 1967. Nao se deve.


porém, transferir para o terreno da filosofía. Com efeito, o
pan-estruturalismo é niguilista em rela/jáo á historia; por isto
volta sua atencáo para moldes ou formas sem vida, sem his
toria; desvaloriza as produgóes dos homens para valorizar seus
instrumentos respectivos. Já se tem dito — e com razáo —
que a atitude da filosofía estruturalistatalvez possa ser ex
plicada como reacáo de intelectuais franceses decepcionados
por quanto lhes apresentou o materialismo histórico e dialético
de Moscou, Pequim e do «Partido Revolucionario»...
A propósito podem-se consultar, além das obras de Lévi-
-Strauss e Michel Foucault,

Revista «Esprit», tí> 11 (novemtaro) de 1963 e n« 5 (maio) de


1967, dedicados aos estruturalismo;
Gttnther Schiwy, «Strukturalismus in París», em «Stimmen der
ZeiU 8/1967, pág. 91-194;
B. Lemaigre, «Michel Foucauít ou les malheurs de la raisom et
les prospérités du langage» em «Revue des sciences philosophiques et
théologiques» 3/1967, pág. 441/460;
M. dp Certeau, «Les sciences humaines et la mort de l'homme»,
em «Études», mars 1967, pág. 344/360.
Revista «Mánchete» 17/11/68, pág. 36-38.

II. DOGMÁTICA

2) «A Igreja do futuro nao terá padres. £ o que foi dito


recentemente. Com razáo?
O sacerdote será um merfo' funcionario da Igreja?»

A revista «Visáo», aos 16 de fevereiro de 1968, publicou


o artigo «A Igreja do futuro sem padres», em que pretende
transmitir o pensamento do escritor norte-americano Monse-
íihór Ivan Llich («Igreja sem clero no ano 2000») e do leigo
francés Jean-Marie Paupert («Vieillards de Chrétienté et
Chrétiens de l'An 2000»). O articulista assim insinúa que a
Igreja passará por reorganizacáo radical, a qual estará con
sumada no ano 2000,
Ñas páginas que se seguem, procuraremos primeiramente
resumir o conteúdo do citado artigo. Seguir-se-áo algumas re-
flexóes a respeito.

— 195 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 101/1968, qu. 2

1. «Igreja sem padres»

Segundo Illich, a Igreja Católica é urna das maiores


organizagóes burocráticas do mundo, comparável á «General
Motors» ou á «Standard Oil» (esta observagáo, alias, já tem
sido feita a fim de elogiar a ordem e a disciplina vigentes
na S. Igreja); emprega 1.800.000 trabajadores (sacerdotes,
Religiosos e leigos), com horario integral, em seus servigos
administrativos.
Ora (dizem) tal estrutura, que tem sido motivo de admira-
gáo e estima, vai caindo em descrédito; a Igreja, como institui-
gáo, parece ter perdido o seu significado perante o Evangelho e
o mundo; verificam-se vacilagáo e confusáo entre os próprios
funcionarios eclesiásticos; daí as defecgóes ocorridas no clero
nestes últimos anos. «O gigante comega a fraquejar!»
Feita esta análise, julgam Ulich e Paupert que o aparato
burocrático ou «empresarial» da Igreja desaparecerá; os sa
cerdotes se tomaráo cada vez mais raros. Também os templos
sagrados decresceráo em número e importancia, ficando re
servados únicamente para reunióes de massa, conferencias e
liturgias festivas. O culto será celebrado ñas casas de familia,
em torno da mesa de refeigóes; assim reunir-se-áo, para lou-
var a Deus, pequeños grupos de pessoas conhecidas entre si,
numa atmosfera de simplicidade. A presidencia cabera nao a
um sacerdote, mas a um diácono (o diácono seria um cnstáo
comprometido com familia e profissáo civil, que daría suas
«horas vagas» 'á Igreja; possuiria a ordenacáo diaconal, sem
curso de Seminario). Assim se instituiráo «diaconias» ñas
casas de familia, em vez de paróquias com suas grandes igre-
jas. O culto constará de leituras, pregagáo e oragóes; espo
rádicamente também haverá Missa, dado que um sacerdote
, possa visitar alguma diaconia.
Os padres que subsistirem, exe"rceráo profissáo civil. Além
de celebrar ocasionalmente a S. Eucaristía, teráo por fungáo
preparar os diáconos para a celebragáo da palavra; em vista
disto, cada padre reunirá semanalmente em sua casa uns doze
diáconos: com éles lera as Escrituras e comentará a instrugáo
semanal dada pelo Bispo para os respectivos fiéis.
Quanto aos Bispos, seráo destituidos de suas tarefas exe-
cutivas e administrativas. «Teráo tempo para concelebrar de
vez em quando. Deveráo preparar e fazer circular urna sele-
cáo semanal de leituras e temas para discussáo».
N¡áo haverá mais obrigagáo de ouvir Missa aos domingos.
A praxe da confissáo sacramental será modificada.

— 196 —
IGREJA DO FUTURO SEM PADRES? 13

Todavía — é de notar bem — nessa nova fase da Igreja


continuaráo a existir os conventos e mosteiros; «no silencio
dos claustros os homens do ano 2000 encontraráo de novo a
paz». É possível que a Igreja do futuro só permita a orde-
nacáo sacerdotal dos monges.
Após esta sumaria exposigáo das idéias do artigo e das
obras citadas, pergunta-se:

2. Que dizer a propósito?

O artigo de «Visáo» sugere varias observagóes:

1) Igreja institucional

A S. Igreja funíiada por Cristo nao é mera sociedade


espiritual e invisível. Ela é, como diz Sao Paulo, um corpo,
o Corpo de Cristo prolongado através dos sáculos (cf. 1 Cor
12; Col 1,24). O misterio central do Cristianismo é o misterio
de Cristo ou da Encarnaeáo, isto é, o misterio do Deus que
se faz homem e se comunica aos homens mediante a carne,
a materia e os sinais sensiveis. Por isto toda a obra de Cristo
continuada através dos sáculos é urna obra de encarnacáo; a
própria Igreja, por conseguinte, é réalidade visível portadora
da vida de Cristo ou da vida eterna.
Assim se compreende que a Igreja teve e terá sempre
urna estrutura sensível, com sua organizacáo jurídica e seu
aparato administrativo ou institucional; toda obra que se faz
entre os homens e por meio dos homens, exige organizagáo e
administracio; Deus, querendo o misterio da Encarnagáq, tam-
bém quis que os homens se organizassem segundo os recursos
normáis da sua sabedoria.
É íiecessário, portante, que, ao prever o que será o Cris
tianismo no ano 2000, os estudiosos nao se iludam quanto á
necessidade perene de urna Igreja estruturada e visível. Assim
como é impossível encontrar um Cristo desencarnado (Cristo
é justamente «o Verbo feito carne»), assim também é impos
sível encontrar o Cristo, no sáculo XX ou no ano 2000, fora
do seu Corpo prolongado ou fora da Igreja (fora daquela
Igreja que, sem hiato nem interrupgáo, se deriva do próprio
Cristo através de vinte sáculos).
Quem considera essa Igreja como Ela hoje existe, com
sua intensa vitalidade mística dirigida por vasta organizacáo
jurídica, pode tranquilamente asseverar que essa S. Igreja. é

— 197 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 10V1968, qu. 2

evangélica ou corresponde as intengóes de Cristo expressas


no S. Evangelho. Ele mesmo assemelhou o Reino dos Céus (a
Igreja) a um grao de mostarda que, de pequenmo, se torna
imensa árvore; a mesma vitalidade ou seiva désse gráozinho
apresenta novas e novas facetas correspondentes a cada época
do seu crescimento, sem, porém, jamáis se desvirtuar (cf. Mt
13,31s). Seria váo ou ilógico querer que a Igreja, nos séculos
XX/XXI, tomasse urna face externa semelhante á que tinha
no séc. I.
Observe-se, por fim, que o aparato institucional da Igreja,
embora utilize muitos dos recursos da sabedoria humana, está
longe de se equiparar ao de urna empresa industrial ou co
mercial; o Código de Direito Canónico é radicalmente inspi
rado por urna visáo de fé ou visáo sobrenatural. É em vista
do amor e do crescimento do amor que existem leis e depar
tamentos administrativos na S. Igreja. Como se compreende,
essas leis sao suscetíveis de aperfeigoamento e reforma, mas
a sua finalidade ultrapassa sempre as metas das organizares
humanas; visam levar os homens peregrinos ao Reino de Deus
consumado.
Entende-se também que os homens encarregados de admi
nistrar a Igreja tenham suas falhas; errar é humano; é justa
mente na fraqueza do homem que se manifesta a fórga de
Deus, como diz o Apostólo Sao Paulo (cf. 2 Cor 12, 9).
— Ao se falar da fraqueza de certos filhos ou de certas insti-
tuigóes da Igreja, requer-se lealdade ou sinceridade: a verdade
dos fatos nao prejudica a Igreja. Todavia, assim como é pre
ciso nao negar falhas de homens da Igreja, é necessário
também nao as exagerar, como parece fazer o citado artigo
de «Visáo».

2) O núcleo da vida da Igreja: a Eucaristía

Diziamos que o grande aparato jurídico da S. Igreja


existe, em última análise, para fomentar o amor. Ora o amor
cristáo é inseparável da S. Eucaristía.
Esta é o ponto de partida e de chegada de todo o amor
e de todos os empreendimentos da Igreja (cf. Constituigáo
do Vaticano II sobre a Liturgia n* 10).
Em outros termos: a Igreja é urna sociedade que, antes
do mais, ora; Ela ora e também... trabalha. A Igreja é pri-
meiramente urna sociedade de culto. E o culto da S. Igreja
nao é apenas o culto da palavra de Deus (leitura bíblica,

— 198 —
IGREJA DO FUTURO SEM PADRES? 15

homilías, cánticos sagrados e oragóes), mas é o culto euca-


ristico: a Missa é o ato central da Liturgia e de toda a vida
da Igreja. Com efeito, a Missa é o próprio sacrificio da Cruz
ou da Redencáo perpetuado sobre os altares,.. . perpetuado
a fim de que todos os fiéis participem déle, oferecendo (ativa-
mente) e oferecendo-se (passivamente) com Cristo ao Pai.
Deve-se, pois, dizer: assim como toda a obra de Cristo
culminou na sua morte e ressurreicáo gloriosa, assim toda a
obra da Igreja culmina no ato em que Ela se entrega com
seu Divino Chefe a Deus Pai através da celebracáo do altar.
Nao há Igreja sem Eucaristía.
Por isto é que existe, para todos os fiéis católicos, a
obrigacáo de participar da S. Missa ao menos urna vez por
semana, ou seja, no domingo ou dia do Senhor (dia comemo-
rativo da Ressurreicáo de Cristo). A sabedoria da Igreja fez
dessa obrigacáo moral um preceito jurídico, visando justa
mente evitar que os fiéis se afastem (por inconsciencia) do
grande tesouro da Reden?áo; um cristáo que nao participa do
sacrificio da Cruz, é cristáo que se marginaliza, é cristáo que
de Cristianismo tem mais o nome do que a realidade profunda.
É oportuno acrescentar que a S. Liturgia, sendo um
culto dirigido a Deus, terá sempre seu estilo próprio, hierá-
tico, diferente do das reunióes de familiares e amigos. Está
claro que éste estilo nao implica necessáriamente em pompa
e lúxo.

3) O padre: instrumento de Cristo Sacerdote

É preciso agora acrescentar o seguinte: o sacerdocio de


Cristo que se ofereceu na Cruz, se prolonga no dos homens
que Ele chama aos sacramentos do Batismo e, especialmente,
da Ordem. Ao instituir a Eucaristía, Cristo disse aos Apostó
los, e a éles só: «Fazei isto em memoria de Mim». Em vista
da S. Missa, o Senhor criou o sacerdocio ministerial.
Por isto a celebracáo do sacrificio da Missa exige que
haja padres na Igreja, e exige-o táo imperiosamente quanto é
imperiosa a necessidade de se celebrar a S. Missa. Assim como
a Eucaristía nunca poderá ser urna funcáo acidental na
S. Igreja, assim também a existencia dos presbíteros nunca
se poderá tornar algo de secundario ou substituível na Igreja.
Deus pode permitir que haja escassez de sacerdotes (como
se verifica em nossos dias); pode permitir que muitos presbí
teros (por motivos pessoais) abandonem o ministerio sagrado;
mas jamáis há de permitir que desapareja a figura do pres-

— 199 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 101/1968, qu. 2

bítero na S. Igreja. Permitir isto seria o mesmo que permitir


a extingáo do Sacrificio Eucarístico, o que equivaleria a per
mitir a destruicáo da própria S. Igreja, a anulagáo do Evan-
gelho de Cristo e da obra da Redencáo. A leitura da Biblia,
a pregagáo e as oragóes de modo nenhúm suprem a riqueza
singular da S. Eucaristía, sacrificio da Redenjáo perpetuado
através dos séculos; pode-se dizer que a Liturgia da Palavra,
em última análise, é encaminhamento para a Liturgia do
sacrificio.
O diácono é um ministro da Igreja que tem as facili
dades de distribuir a S. Comunháo, batízar, pregar, adminis
trar alguns sacramentáis, mas nao tem os poderes de Ordem
de celebrar a S. Missa e atender as confissóes sacramentáis.
O Concilio do Vaticano II preconizou que naja diáconos per
manentes na S. Igreja, a fim de auxiliar o ministerio dos pres
bíteros; conseqüentemente, os diáconos podem, ñas paróquias
em que nao há presbítero, reunir os fiéis e com éles celebrar
a Liturgia da Palavra (distribuindo também a S. Eucaristía,
caso ela tenha sido ai anteriormente consagrada por um padre).
Tal culto será sempre frutuoso, mas necesariamente incom
pleto, porque carecerá da S. Missa, ¿entro de toda a vida
crista. Vé-se, pois, que a intencáo do Concilio nao foi a de
substituir os presbíteros por diáconos (que podem ser casados
e exercer profissio civil), nem foi a de substituir paróquias
(circunscrigóes dirigidas por um padre) por diaconias. Nem
se pode pretender que em época alguma da historia da Igreja
tal substítuigáo se dé; ela equivaleria, como foi dito atrás, á
auto-destruigáo do Cristianismo mesmo.

4) A verdadeira face do padre

Vé-se, pois, que o padre nao é mero funcionario das


estruturas da Igreja, funcionario que poderia desaparecer se
essas estruturas mudassem. O padre é, em primeiro lugar, um
continuador do sacerdocio dé Cristo, um embaixador do Eterno
no tempo; é um homem carismático, ou seja, homem que o
Espirito Santo chamou e dotou de gragas especiáis; é um
homem que adquire íntima familiaridade com Deus pela ora-
gáo. Em poucas palavras, o padre é, como diz o adagio popu
lar, «o coragáo de Deus junto aos homens e o coragáo dos
homens junto a Deus».
Chamado a prolongar o sacerdocio de Cristo, ele tem
como fungáo palmar distribuir aos homens os tesouros da
Redengáo, que passam pelos sacramentos e, em particular,

— 200 —
IGREJA DO FUTURO SEM PADRES? 17

pela S. Eucaristía. Compete-Ihe também dizer aos homens,


seus irmáos, quem é Deus, ésse Deus sem o qual ninguém
encontra paz e felicidade, e mostrar-lhe a via (revelada
pelo próprió Senhor) que leva ao encontró face a face com o
Bem Infinito. — Além desta tarefa pastoral, que é essendal,
pode hayer também, na vida do padre, afazeres de índole
burocrática e administrativa; sao fungóes laterais, que nao
caracterizan! o presbítero como tal, e que o Concilio do Va
ticano n deseja, sejam, na medida do possivel, transferidas
para os fiéis leigos da paróquia. Compreende-se, porém, que
na Cidade do Vaticano, onde se condensam as tarefas de
administragáo da Igreja, deva haver maior número de sacer
dotes aplicados a afazeres de escritorio.
Como em todo conjunto humano, também no conjunto
do clero podem existir presbítefos que nao estejam á altura
do seu ideal; a sublime missáo do sacerdocio náo.isenta de
fraqueza o ser humano. Todavía as falhas .verificadas neste
ou naquele sacerdote nao devem levar o público a crer que
as fun?5es sacerdotais séjam dispensáveis, nem permitiráo con
cluir que só ha padres deficientes.
A auténtica figura do sacerdote, «coracáo dos homans
junto a Deus e coragáo de Deus junto, aos homens», se encon
tra em documentos vivos contemporáneos. Urna de suas ex-
pressóes escritas mais pregnantes se acha na biografía e nos
sermóes do Santo Cura de Ars, Joáo-Maria Vianney. Levem-se
em consideragáo, entre outros, os seguintes dizeres désse
santo homem:
«Quando virdes o sacerdote, pensai em Nosso Senhor Jesús
Cristo.
O sacerdote é o amor do Coracáo de Jesús.
Qua,ndo virdes um padre, devereis dizer: 'Eis aquéle que
me tornou filho de Deus.... eis aquéle que me purificou após
o meu pecado... . que dá o alimento á minha alma'.
O padre, por efeito de seus poderes, é maior do que um
anjo.
Se eu encontrasse um padre e um anjo. saudaria o padre
antes de saudar o anjo. Éste é o amigo de Deus; o sacerdote,
porém, faz as vézes de Deus.
Se o padre estivesse bem compenetrado da grandeza do
seu ministerio, mal poderia viver.
Se os homens compreendessem bem o padre neste mundo,
morreriam nao de médo, mas de amor.

— 201 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 101/1968. qu. 2

Quando os homens querem destruir a religiáo, comegam


por atacar o padre.
Um bom pastor, um pastor conforme o coragáo de Deus,
é éste o maior tesouro que o Bom Deus possa conceder a
urna paróquia, e um dos mais preciosos dons da misericordia
divina.
Ó! Quando pensamos que nosso grande Deus se dignou
de confiar isto (o ministerio sacerdotal) a seres miseráveis
como nos!
Só me repouso duas vézes por dia: junto ao altar e no
pulpito.
Se eu já tivesse um pé no céu e me viessem dizer que
voltasse para a térra, a fim de trabalhar na conversáo de
um pecador, eu voltaria de bom grado. Se fósse preciso per
manecer até o fim do mundo, levantar-me á meia-noite e so-
frer como sofro, eu ficaria de bom grado para continuar a
trabalhar ¡na conversáo dos pecadores.
ó! Teremos muito tempo para descansar, quando estiver-
mos no cemitério!
Eu estava táo cansado na noite passada que julgava ter
chegado ao fim. Mas nao posso permanecer em meu quarto;
sinto-me melhor, trabalhando».
O belo ideal do padre assim proposto pelo Santo Cura
de Ars nao é algo de ultrapassado, mas é preconizado pela
Igreja aínda em nossos dias, e vivido no silencio e na abne-
gagáo. Quem tem consciéncia do que realmente/ é o presbí
tero, jamáis poderá pleitear «urna Igreja do futuro sem pa
dres». O fiel católico sabe que é o próprio Cristo quem governa
a sua Igreja; por isto tem por certo que Esta nunca carecerá
dos ministros sem os quais a Eucaristía nao pode ser cele
brada. Compete, porém, a todo bom 'discípulo de Cristo urna
tarefa importantíssima: contribuir eficazmente pela oracáo e
pelo trabalho para que se aumente o número de presbíteros
na S. Igreja: «A messe é muita, mas os operarios sao poucos!>
(Mt 9, 37).

APÉNDICE

A fim de ilustrar mais vivamente o pensamento da Igreja


a respeito dos seus ministros hoje e no futuro, segue-se trecho
de um discurso do S. Padre Paulo VI proferido ao clero de
Roma a 26/11/68, por ocasiáo da abertura da Quaresma:

— 202 —
IGREJA DO FUTURO SEM PADRES? 19

Um reconforto válido e incomparáyel

«Há... provagóes e angustias em muitos sacerdotes do


nosso tempo, para as quais... desejamos oferecer um recon
forto.
Também até vos, sacerdotes caríssimos, até vos parti
cularmente, jovens sacerdotes, pode ter chegado, talvez nao
com o ímpeto alhures observado... a onda tempestuosa de ques-
tóes, dúvidas, negagóes, novidades tendenciosas, que nos nossos
dias acomete o clero de outras nagóes, suscitando problemas
a respeito do verdadeiro conceito, da fungáo primaria, da justa
posicáo, da originaria e auténtica realidade do sacerdocio.
O padre, assim assaltado, interroga a si mesmo, p5e em
dúvida a sua vocacáo, discute a forma canónica do sacerdocio
católico; receia ter escolhido mal a tarefa de sua vida, expe
rimenta o seu celibato nao mais como livre plenitude de
imolagáo e amor, mas como fardo contrario a natureza. E,
principalmente, olha para o mundo, do qual se separou e
absteve para melhor poder conhecé-lo, evangelizá-lo e servir-
-lhe, com sentimentos nao já de amor apostólico, mas de nos
talgia profana; fácilmente entáo se ilude julgando que, caso
se mergulhasse na realidade temporaria e social do mundo,
melhor poderia redimir ésse mundp ou, ao menos, apaziguar
as inquietudes que ele (sacerdote) traz em seu intimo.
Filhos e Irmáos Nossos: se alguma vez tal situagáo de
ánimo viesse a afetar o vosso espiritó, permití que esta Nossa
ocasional exortagáo se torne válido reconforto para a vossa
fidelidade sacerdotal. Nao podemos abordar aqui de modo
sistemático e exaustivo ésse assunto, o qual envolve urna serie
de problemas que circunstancias dignas de atenta análise sus-
citaram e exacerbaran!. Dizemo-vos urna só palavra do Divino
Mestre: 'Nao temáis' (Me 6, 50). Nao vos deixeis sugestionar
por teorías e exemplos que abalem o juizo autorizado e nor
mativo da Igreja Nao ponhais em dúvida a vossa fé, a vossa
escolha, a vossa irrevogável entrega. Nao fujais ao amor que
Cristo teve por vos. Estai felizes por ser seus humildes minis
tros. Amai com nova paixáo o modesto, cansativo, mas su
blime servigo sacerdotal, para o qual o Espirito Santo vos
chamou e habilitou.

O sacerdocio ó um sacramento

Desejamos que a próxima Quaresma concorra para con


firmar no espirito de cada um de vos urna' tríplice certeza.

— 203 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 101/1968, qu. 2

Antes do mais, a certeza daquela relacáo original, irre-


versível, inefável, que nos liga a Cristo e que chamamos
'sacerdocio'. O sacerdocio nao é um mero encargo eclesiástico,
um mero servico prestado á comunidade. É um sacramento,
urna santificagáo interior; consiste em conferir particulares e
prodigiosas facilidades, que habilitam o sacerdote a agir na
pessoa de Cristo e, por isto, imprimem no padre um 'caráter'
muito especial, indelével. Ésse 'caráter' torna o sacerdote
instrumento de Cristo e, por conseguinte, estabelece entre o
ministro e o Senhor relacóes de particular e inefável amor:
'Vos sois os meus amigos' (Jo 15, 14). A nossa vida espiritual
deveria ser permanentemente alimentada pela consciéncia da
nossa ordsnagáo e da amorosa escolha que Cristo fez em
nosso favor: 'Eu vos escolhi' (Jo 15, 16). Essa nossa vida
espiritual nao sofrena a osdlacáo de dúvidas e tibieza, se
reconhecéssemos como convite a urna intimidade cheia de con
fianza o seguinte fato: Cristo, cheio de amor e poder, quer
agir mediante a nossa humilde pessoa, humilde pessoa posta
para sempre á sua disposigáo.

Ilimitada dedicacáo á causa do Senhor

A outra certeza que deve sustentar a nossa consciéncia


sacerdotal, é a do vínculo que nos liga de maneira total e
irrevogável ao servigo dos nossos irmáos. O" sacerdote nao
pertence mais a si mesmo. A finalidade do sacerdocio é a
'diaconia', a dedicacáo sem reservas, sem condigóes, ao Corpo
Místico de Cristo, á Igreja, ao Povo de Deus, aos homens. A
consciéncia de que nao pertencemos mais a nos mesmos, de
que nos demos para sempre á caridade, a qualidade de ser
vidores do próximo, como nao aumeritaráo a fortaleza e a
seguranza do sacerdote? Na verdade, éste conhece os seus
próprios limites e as suas indigencias, e pode continuamente
ser tentado a 'refazer a sua vida', a procurar o seu próprio
prestigio e os seus interéssés, perturbando o rumo que carac
teriza a vida de todo sacerdote.
Segue-se urna terceira certeza, talvez inquietante, porque
implacável em suas exigencias, mas extremamente reconfor-
tadora: a exigencia da santidade, que deve dar o estilo pró
prio á vida de um homem a quem cabe, de um lado, ter sido
escolhido por Cristo para toraiar-se seu ministro, e, de outro
lado, ser desuñado a transmitir aos outros 'os misterios de
Deus' (cf. 1 Cor 4,1). Ele os transmite nao mediante um
ministerio impessoal, burocrático, puramente jurídico, mas me-

— 204 —
BATTSMO DAS CRIANCAS 21

diante um ministerio vivo que deve ser a personificacáo da.


Palavra apregoada... mediante um esfórco vital para tornar-
-se modelo, para tornar-se realmente um outro Cristo. Também
esta certeza de estar obligado á sentídade infunde no sacer
dote urna coragem característica; Ele entáo nao temerá mais
nem a sua própria fraqueza nem as insidias dos.outros ho-
mens, pois estará livre dos vínculos do egoísmo ambicioso e
seguirá, humilde e audaz, o caminho de consumacáo do seu
sacrificio em imitacáo do sacrificio de Cristo, .. .o caminho
da perfeigáo e da plenitude da caridade».
Estas profundas considera;5es do S. Padre Paulo VI in-
cutem eloqüentemente que o padre nao é funcionario de urna
ordem de coisas meramente humana, mas é instrumento da
obra da Redencáo, cujo principal agente é o próprio Deus.
A consciéncia desta verdade leva nao somente a desejar sub
sista o sacerdocio ministerial na Igreja, mas também conserve
o seu estilo de vida sagrado, isento de espirito laicizante e
profano.

III. PASTORAL

3) «Dizem que a Igreja nao quer mais batizar as crianzas!


Que há de novo na praxe do Batismo?»

Um problema novo tem-se imposto insistentemente a cón-


sideracáo de todos aqueles que desejam atitudes defínidas em
materia de Religiáo e filosofía: o problema do Batismo admi
nistrado a criancas cujos pais sao católicos indiferentes ou
náo^praticantes., * Tal Batismo nao dará ocasiáo a que haja
mais cristáos inconscientes ou puramente nomináis ?
O assunto tem sido cuidadosamente estudado por pas
tores de almas e teólogos. Abaixo exporemos primeiramente
a respectiva problemática. Depois, passaremos aos principios
de solucáo e apresentaremos um espécimen de normas ado
tadas em urna ou outra circunscricáo eclesiástica.

> Note-se bem: nao se trata de pais nao católicos, mas de geni
tores que «sao» e «nao sao» católicos.

— 205 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 101/1968, qu. 3

1. O problema

O novo problema decorre da colisáo de duas flagrantes


realidades:
1) O Batismo é sacramento necessário á salvagáo: por
isto os pais tém estrita obrigagáo de mandar batizar seus
filhos quanto, antes, e aos pastores de almas incumbe o dever
de administrar o sacramento. É o que a Igreja declara cate
góricamente no canon 770 do Código de Direito Canónico.
2) Nota-se, porém, que em nossos dias as populacóes
urbanas e rurais estáo, em grande parte, descristianizadas.
Em conseqüéncia, vé-se que a crianca batizada em muitos casos
nao recebe a devida instrujáo católica, para poder viver real
mente o seu Batismo. Estas consideracóes levam a perguntar
se os pastores devem continuar a batizar com a mesma pres
teza com que o faziam até os últimos tempos.
Examinemos mais detídamente cada qual das duas partes
do problema:

1) É preciso batizar as enancas

Esta afirmagáo tem seu fundamento na própria B'blia


Sagrada. Com efeito, diz Sao Paulo: «Deus quer que todos
os homens sejam salvos» (1 Tim 2,4), mesmo as criancinhas.
Ora entre os meios de salvagáo o Senhor incluiu explícita e
categóricamente o Batismo: «Quem nao renascer da agua
e do Espirito Santo, nao poderá entrar no reino de Deus»
(Jo 3,5), ou \, «Quem crer e fór batizado, será salvo; quem
nao crer, será condenado» (Me 16,16). Sendo assim, visto
que as criancinhas podem morrer a qualquer momento, pro-
cura-se-lhes administrar o Batismo sem demora alguma.
Verdade é que os pequeninos nao sao capazes de con-
ceber a fé ou crer. Isto, porém, nao impede que sejam capazes
de receber o Batismo. Com efeito, a fé é mera disposicáo, ao
passo que a agáo purificadora e santificante se deve ao sa
cramento ; éste, portante, pode ser conferido sem aquela a
sujeitos incapazes de conceber a fé.
No caso dos pequeninos, a Igreja supre a fé que éles nao
podem ter; sao batizados «por extensáo da fé da Igreja»,
como explica Sao Tomás, repetindo patavras de S. Agostinho
(ep. 98, 5) :

«As criancinhas sao levadas a receber a graca do Espirito nao


tanto por aqueles cujas maos as carregam (embora por ésses também,

_ 206 —
BATISMO DAS CRIANCAS 23

caso sejam bons e fiéis), quanto pela sociedade inteifa dos santos e dos
fiéis... A fé de um cristáo, antes, a lé da Igreja toda, é útil á cri
anza por obra do Espirito Santo, que faz a uniáo da Igreja e comunica
a uns os bens de outros» (Suma Teológica III 68, 3 ad 3).

Quando a crianga atinge a idade da razáo, dá-se-lhe a


instrugáo religiosa, a fim de que conceba a reta fé e a professe
devidamente ; ela entáo renova as promessas do Batismo, que
em seu nome fizeram os respectivos padrinhos. Naturalmente
deve-se desejar que a catequese dos adolescentes batizados
seja eficiente ou apta a formar bons cristáos, de modo que
o germen da graga santificante, depositado previamente na
alma pelo Batismo, nao venha a ser frustrado.
A praxe de batizar crianzas parece atestada pela própria
Escritura Sagrada, quando refere que determinado personagem
foi batizado com todos os seus familiares; assim, por exemplo,
L!dia, a vendedora de púrpura de Tiatira, recebeu o Batismo,
com todos os seus (cf. At 16,15); também o guarda do cár-
cere de Filipos com toda a sua casa (cf. At 16,33); Crispo,
o chefe da sinagoga de Corinto, com toda a sua familia (cf.
At 18,8); Estefanaz, com todos os seus (cf. 1 Cor 1,16).
Na literatura crista testemunhos muito antigos referem
o Batismo de criangas. Tenha-se em vista apenas o seguinte :
em 155 ou 156, Sao Policarpo de Esmirna, prestes a sofrer
o martirio pela fé, dizia aos seus ju'zes que servia a Cristo
já havia 86 anos («Martirio de S. Policarpo» EX 3).
A tradigáo se prosseguiu ininterruptamente até nossos
días, justificando o preceito do Direito Canónico :

«As criancas sejam batTzadas quanto antes. Os párocos e prega-


dores admoestem freqüentemente os fiéis a respeito da grave obri-
gagáo que )hes incumbe neste particular» (can. 770).

O Papa Pió XI, por sua vez, escrevia na encíclica «Casti


Connubii» (31/XÜ/1930) :
«Compete aos esposos cristáos oferecer seus filhos á Igreja a
íim de que esta Máe mui fecunda dos filhos de Dcus os regenere
pela agua purificadora do Batismo».

Tais prescrigóes, sólidamente fundamentadas como estáo


na Palavra de Deus, sao hoje em día confrontadas com

2) Estranha situacáo religiosa

É fato inegavel que muitos dos genitores que apresentam


seus filhos ao Batismo nao tém consciéncia do grave dever

— 207 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 10V1968. qu. 3

que Ihes incumbe, de educar a fé dos pegueninos, pela qual


éles respondem juntamente com os padrinhos no rito sagrado.
Nao será, por vézes, o Batismo um cerimonial aceito mais
por motivos de tradigáo de familia do que pela fé esclarecida
dos genitores ? Os padrinhos, que devem ser os suplentes dos
país na tarefa de educar os pequeninos na Religiáo católica,
também nao raro negligenciam tal obrigagáo; muitas vézes
mesmo ignoram éste seu dever.
Em conseqüéncia déste estado de coisas, nao poucas
crian;as crescem com o titulo de cristáos, mas sem a devida
formagáo religiosa; voluntaria ou involuntariamente, tor-
nam-se um contra-testemunho religioso. Tal situagáo nao pode
deixar de afligir os pastores de almas. A Igreja e, de modo
geral, o mundo de hoje requerem autenticidade, ou seja,
coeréncia de principios e vida.
É nestes termos que se pSe o problema do Batismo das
criangas em nossos dias; torna-se cada vez mais vultoso e
premente, dados o aumento demográfico de nossos tempos e
o indiferentismo religioso de muitos casáis que pedem o Ba
tismo para os seus filhos.
Procuremos, pois,

2. Os principios de solucao

De modo geral, é preciso dizer que o problema nao deve


ser exagerado. É preciso evitar medidas drásticas no sentido
de recusar o Batismo; em vez de produzir frutos pastorais,
as solugóes muito veementes seriam antipastorais, afastando
definitivamente numerosas almas da Igreja.
Estabelecida esta premissa, sejam propostos alguns sa
bios principios que encaminhem o problema á sua solugáo.

1) Há casos em que o pastor pode e deve recusar o


Batism'o.

Com éfeito, desde que, tudo bem ponderado, nao haja


realmente probabilidade de que a crianca batizada venha a ser
educada na religiáo católica, compete ao pároco recusar a
adminisíragáo ¡mediata do Batismo; adié o sacramento (o
que nao quer dizer que o recuse definitivamente).
Para justificar esta afirmagáo, pode-se citar o can. 750 :
permite batizar os filhos de pais nao-católicos, desde que se

— 208 —
BATISMO DAS CRIANCAS 25

cumpram determinadas condicóes, entre as quais está a edu-


cacao católica da crianca («dummodo catholicae eius edu-
cationi cautum sit»). —i Ora pais católicos totalmente indi
ferentes sao as vézes, no setor da educacáo (nao dizemos
sempre e em todos os setores), equivalentes a pais náo-ca-
tólicos.

Pode-se lembrar também que em-territorios de missóes


a Santa Sé nos sáculos passados sempre exigiu que, em se
tratando de enancas nascidas de pais nao-católicos, só se
lhes desse o Batismo quando se pudesse prever de algum modo
que receberiam educacáo católica. Vejam-se os numerosos
testeimmhos a respeito no artigo de Roger Etchegaray, «Bapté-
me d'enfants de non pratiquants», em «La Maison-Dieu» 32
(1952), pág. 97-100.
A norma assim formulada sugere algumas consideracóes :

Nao se deve recusar o Batismo a enancas cujps pais vi-


vam de maneira penco digna ou mesmo escandalosa, pelo
simples fato de assim viverem. Para averiguar se deve ou
nao conferir o Batismo, o pároco nao há de levar em conta
exclusivamente o género de vida dos pais da crianca, pois
nao é éste o criterio decisivo, e, sim, a probabilidade de que
o pequenino possa ser instruido na religiáo católica; a má
vida dos pais pode nao ser empecilho a que a crianca receba
a devida formacáo religiosa.
Se os genitores nao se interessam pela formacáo católica
de seus filhos e, nao obstante, os padrinhos ou amigos da
familia se mostram dispostos a suprir o papel dos pais, pode-se
dizer que estáo satisfeitas as exigencias da consciénda moral:
o sacerdote pode entáo conferir o Batismo. O que no caso
interessa ao ministro sagrado, nao é a presente situacáo re
ligiosa dos pais, mas, sim, a futura situacáo religiosa da crianca.

2) Nao se deve recusar fácilmente o Batismo

Ao apresentar um filho ao Batismo, os pais católicos nao


solicitam um favor da Igreja, mas estáo cumprindo grave
dever (de cujo alcance infelizmente talvez nao tenham plena
consciénda). O seu pedido de Batismo, aínda que em certas
ocasióes seja obnubilado pela rotina ou a supersticáo, mostra
que a sua consciéncia religiosa aínda está viva. Deve-se pre
sumir (a menos que naja evidencia do contrario) que em
seu interior naja algo que corresponda á sua atitude exterior.

— 209 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 10171968, qu. 3

Repita-se: nao se trata própriamente, no caso, de exa


minar se o pedido dos pais se inspira em conformismo social
ou tradi;áo de familia, mas, sim, de avaliar se a fé da crianca
será preservada e desenvolvida. O fato de que os pais sejam
tidos como católicos pecadores ou de má vida, nao é sufi
ciente para que os pastores de almas recusem o Batismo a
filhos de tais casáis, alegando que essas criangas cedo ou tarde
cairáo no indiferentismo ou na vida pouco exemplar de seus
genitores. Tenha-se consci&ncia de que,
de um lado, mesmo os pecadores sao membros do Corpo
Místico de Cristo e permanecem sujeitos á influencia vivifi
cante do Espirito Santo (cf. Pió XII, ene. «Mystid Corporis
Christi», que, ao afirmar tal proposigáo, cita numerosos tes-
temunhos de antigos escritores e doutores cristáos) ;
de outro lado, é preciso ter confianga na agáo sobrena
tural do dom da fé na alma da crianca batizada. Segundo
S. Tomás, o hábito da fé infusa pelo Batismo inclina o neófito
a prática do bem e faz que ele tenha certa capacidade para
discernir a verdade religiosa (cf. II Sent., d. 27, qu. 1, a. 1, ad 3).
O Pe. Boulanger, ao comentar estas idéias de S. Tomás,
faz as seguintes reflexóes :

«Diremos entáo que, de duas crianzas, das quais urna é batizada


e a outra nao, a primeira é necessáriamente a mais bem compor
tada?» — Naturalmente, gosrtariamos de poder averiguar esta bela
conclusáo: sim, as criancas batizadas sao sempre as mais dóceis.
Todavía é preciso notar que a natureza humana, espontáneamente pro
pensa á rebeldía, já na crianca contraria muitas vézes a acáo da
graca batismal; a crianca, por seu livre arbitrio, pode opor-se aos
eíeitos moralmente benéficos do Batismo. Contudo «pódese afirmar
que na crianca batizada há principios de tendencia para o bem que
a crianca nao hatizada nao possui» (A.-B. Boulanger, «Le Baptéme»,
em «Somme Théologique», ed. «Revue des Jeunes» págs. 334s).

O famoso militar francés Ernesto Psichari, convertido á


fé crista, do seu modo corrobora tal afirmacáo, dando o se-
guinte téstemunho:
«A seguranza na qual vivi tanto tempo antes de receber os
sacramentos, essa grande esperanca que me era dada, quando eu
tao pouco a merecía, sei agora a quem eu a devia:... ela me vinha
da agua do Batismo, que eu tivera a felicidade de receber, quando
era crianca aínda inconsciente...» («Les vobc qui crient dans te
désert». Paris 1941, pág. 192).

A teología, pois, incita o pastor de almas a confiar na


eficacia do hábito da fé infundida pelo Batismo: desde que
nao naja obstáculos decisivos la agáo déste dom de Deus (e,

— 210 —
BATISMO DAS CRIANCAS 27

ás vézes mesmo, a despeito de tais obstáculos), a graga ba-


tismal poderá beneficiar grandemente a crianga balizada cujos
pais sejam católicos pouco coerentes.
Naturalmente, fica, em última análise, a criterio do sa
cerdote julgar em cada caso concreto com quanta probabili-
dade se pode esperar que a crianga receba educagáo católica.
A jurisprudencia da Igreja requer um «mínimo de garantía»
ou urna esperanza «provável, justa e razoável». — Tal ávalia-
Cáo é delicada; poderá levar em conta que determinadas fa
milias náo-praticantes costumam confiar seus filhos a educan-
dários católicos, onde os alunos recebem instrugáo religiosa.

3) Ao sacerdote compete nao somante julgar, mas tam-


bém servir...

Em outros termos: o pároco nao deve apenas avaliar


cada pedido de Batísmo, proferindo conseqüentemente um
«Sim» ou um «Nao». Compete-lhe também empenhar-se por
obter o «mínimo de garantía» necessário á administragáo do
Batísmo, sempre que nao o houver.
Isto implica em que todo pároco se interesse ardentemente
por intensificar a catequese no territorio de sua jurisdigáo,
provendo á formagáo de catequistas e multiplicando os centros
ou os meios de formagáo religiosa. A Igreja, preconizando
atualmente a renovagáo da catequese, fornece aos párocos
programas e sugestóes valiosos nesse sentido.
Convém também aos sacerdotes esforgar-se por que os
padrinhos da crianga sejam escolhidos segundo criterios au
ténticamente cristáos. J3er padrinho nao significa apenas tes-
temunhar amizade aos pais de urna crianga, mas constituí,
antes do mais, um encargo religioso. Todo padrinho é, por
seu conceito jmesmo, um membro da Igreja que apresanta e
recomenda ao sacerdote um candidato ao Batismo, responsa-
bilizando-se pelo desenvolvimento da fé do afilhado. Por isto
nao sómente todo padrinho deve ser católico consciente, mas
também é para desejar que possa permanecer em contato
com o neófito ao menos durante os anos de sua formagáo ;
os padrinhos contraem verdadeiro parentesco espiritual com
seus afilhados.
Eis o que a propósito estipula o Código de Direito Ca
nónico :
' «Em virtude do encargo assumido, todo padrinho deve para sem
pre interessar-se por seu íilho espiritual (aíilhado). No tocante & for-
macao crista déste, zele diligentemente para que o afilhado conforme

— 211 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 101/1968, qu. 3

todo o seu teor de vida ao ideal que o padrinho em seu lugar pro-
meteu numa solene cerim6nia» (can. 769).

Todo pároco, portante, há de instruir os casáis e os demais


paroquianos a respeito das graves obrigacóes que perante
Deus contraem os padrinhos.
Feitas estas pondeiíacóes, pode-se concluir com as palavras
de um estudioso da materia :

«Nao teremos o direito de ser exigentes, de pensar em recusar


um Batismo, se nao tivermos previamente mobilizado todas as nossas
torcas apostólicas para conferir ao sacramento a plenitude do seu
significado». '

3. Ulteriores ohservacoes

Para se entender devidamente a situacáo de pais cató


licos ditos «náo-praticantes» ou indiferentes que pedem o Ba
tismo para seus filhos, poderá ser útil a seguinte comparacáo :
A Igreja é como um povo (o Concilio do Vaticano II de-
ciarou-a «o povo de Deus»). Ora em todo povo nem todos
os membros participam igualmente da vida política, cultural
ou económica da nacáo ; muitos vivem como se tivessem exiguo
interésse pelos grandes empreendimentos da coletividade. Bom
número de cidadáos recebe mais do bem comum do que o
promove. N,áo obstante, todos os homens que pertencem a
determinado povo, querem ser reconhecidos como tais ; sao,
alias, obligados a cumprir um mínimo de deveres civis, e
costumam sujeitar-se a ésse mínimo.
Algo de análogo se dá no povo de Deus ou na Igreja:
há também graus variáveis de partícipacáo na vida comum ou
na prática do Catolicismo. Registra-se urna «massa» de cris-
táos que «se aproveita» da comunháo dos santos. Todavía,
embora aparentem pouco interésse, querem pertencer ao povo
de Deus. Sabem outrossim que, para permanecer em comu
nháo com éste, há um mínimo de obrigacóes e, entre estas,
a obrigacáo de «mandar batizar os filhos». Aqueles, pois, que
cumprem tal dever, dáo testemunho de que querem perma
necer vinculados á Igreja.

1 «Nous n'avons par le droit d'étre exigeants, d'envisager le


refus d'un baptéme, si nous n'avons, au préalable mis en oeuvre
toutes nos íorces apostoliques pour conférer au sacrement la pleni
tude de sa signiílcatlon (Roger Etchegaray, «Baptéme d'enfants de
non pratiquants», em «La Maison-Dleu» 32 [1952] pág. 117).

— 212 —
BATISMO DAS CRIANCAS

Estas idéias sugerem de novo modo quanto os pastores


de almas devem procurar ser compreensivos para com os fiéis
náo-praticantes que apresentam seus filhos ao Batismo. Pro-
curem compreender o significado de tal gesto : pode parecer
folclórico e vazio, mas pode também ser o sinal de urna adesáo
tácita e real á Igreja ou ao povo de Deus.
Está claro que, quaJido o gesto dos genitores fór eviden
temente vazio, o sacerdote deverá recusar-se a iludir seus
paroquianos, dando-lhes algo que éles nao reconhecem como
valor religioso. Todavía, desde que se possa discernir nos ge
nitores urna certa intengáo de pertencer á Igreja, nao se lhes
indefira sem mais o pedido de Batismo para séus filhos.

A propósito, encontra-se importante artigo de Francois Favreau:


«La demande du Baptéme: que veulent les parents?», em «La Maison-
JDieu» 98 (1967) 87-100.

APÉNDICE

A guisa de complemento ilustrativo, segue-se o texto das


orientagóes práticas atinentes ao assunto promulgadas em
julho de 1966 pelos Bispos das dioceses da regiáo parisiense
(Franga). Quase as mesmas normas entraram em vigor em
outros bispados da Franga.

1. Pedido e inscrigáo

«O pedido de Batismo tornar-se-á a ocasiáo de um pri-


meiro contato realmente pastoral (e nao administrativo) do
sacerdote com os genitores.
Ésse pedido será consignado num Registro Paroquial.
É desejável que tal pedido seja feito antes do nascimento
da crianga.

2. Preparacáo

O sacerdote avistar-se-é com os genitores (ou um déles)


para, os ajudar a refletir sobre as suas responsabilidades de
primeiros educadores cristáos do futuro neófito.
Sempre que possível, ésse diálogo terá lugar no quadro
de urna reuñiáo que congregará diversos casáis; tais encon-
tros serio mais frutuosos se alguns siembros da comunidade
crista lhes estiverem associados.

— 213 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 101/1968. qu. 3

3. Época do Batísmo

Tendo adquirido o conhecimento das disposigóes dos ge


nitores, o sacerdote poderá avaliar, de acordó com éles, a
duracáo dessa preparagáo.
Importa nao retardar sem necessidade o Batizado, caso
se trate, por exemplo, de um casal cuja vivencia crista seja
reconhecida. Nao é menos necessário, porém, dar aos geni
tores o tempo de refletir sobre o alcance religioso do seu gesto.
Essa reflexáo pode ser motivo de se interpor um intervalo
— que, fora os casos excepcionais, nao ultrapassará algumas
semanas — entre a inscrigáo da crianga e a celebragáo do
Batismc.
Todo sacerdote convidado a batízar urna crianga deverá
assegurar-se de que os genitores já se beneficiaran! da pre-
paracáo prevista por éste documento.

4. Padrinhos e madrinhas

É desejável que padrinhos e madrinhas (escolhidos, ao


menos um dos dois, por seu estado de vida crista) se associem
aos genitores para ser esclarecidos sobre a sua parte de res-
ponsabilidade na educa^áo da fé dos respectivos afilhados.

5. Perigo de monte

Em perigo de morte, a crianca deve ser batizada imedia-


tamente. O sacerdote lembrará aos genitores a sua responsa-
bilidade diante désse dever.
Dado que urna crianca morra antes de receber o sacra
mento, poderáo ser-lhe aplicadas as oracóes e as cerimónias
da Igreja. Requer-se, porém, que a respectiva familia tenha
previamente matriculado a crianga para ser batizada e solicite
tais preces postumas.

6. AplicagSo

O bom éxito destas normas pastorais muito dependerá


da unanimidade com que fórem aplicadas.
Para as por em execucáo, é, pois, indispensável que os
sacerdotes, sob a direcáo do seu decano, estudem os principios
desta pastoral, apreendam o seu espirito e concordem entre
si sobre as respectivas aplicacóes práticas.

— 214 —
BATISMO DAS CRIANCAS 31

Convém que as Religiosas, os militantes de Agáo Católica,


os catequistas, os responsáveis do catecumenato de adultos e
da preparaqáo ao casamento, etc., sejam associados a esta
reflexáo.
É outrossim muito importante a preparagáo do conjunto
da comunidade paroquial para estas novas modalidades da
pastoral. A comunidade deve perceber a razáo de ser e as
exigencias religiosas de tal praxe.
Para facilitar a execugáo dessas normas pastorais, convém
desde já comunicá-las a todos os noivos, por ocasiáo dos en-
contros de preparacáo para o casamento. Assim compreen-
deráo as disposigoes requeridas para matricularen! os filhos
para o Batismo assim como a necessária preparacáo dos res
pectivos genitores».

A diocese de Bayeux (Franca) adotou o texto ácima, acreseen-


tando-lhe as seguintes observacoes:

«Deve-se observar que permanece intato o principio se


gundo o qual o Batismo há de ser administrado com a máxima
urgencia após o nascimento da enanca. Éste principio poderá
ser fácilmente observado se os genitores matricularen! a
crianga para o Batismo antes que nasga.
— O espirito das novas disposigoes é o de facilitar um
diálogo pastoral entre os genitores e o sacerdote. No caso
de um adiamento imposto la familia, evitar-se-á, portante, tudo
que seja de natureza a impedir ulterior tentativa de diálogo.
Evitar-se-á também toda aparénda de decisáo arbitraria ; de
modo especial, a data do Balizado será estabelecida levando-se
em conta, tanto quanto possivel, os motivos razoáveis que a
familia possa apresentar.
— Dar-se-á a devida ateneáo á situacáo particular de
certas familias. Acontece que alguns genitores deploram ter
de se submeter a urna especie de exame. Exprimem-se difícil
mente e, em conseqüéncia, podem recuar diante da perspectiva
de ter de comparecer a reunioes, onde estaráo ao lado de
pessoas junto ás quais talvez se sintam constrangidas».

Os textos ácima foram todos extraídos de «La Maison-Dieu» 88


<1966) pág. 53-55.
£ possfvel que estas diretrizes de Bispos franceses sirvam de
auxilio para orientar a praxe pastoral em certas regióes do Brasil.

Na arquidiócese de Sao Sebastiao do Rio de Janeiro estáo em


vigor as normas promulgadas pelo Emo. Sr. Cardeal-Arcebispo
D. Jaime de Barros Cámara em sua 43* Carta Pastoral concernente

— 215 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 10V1968, qu. 4

ao Batismo e á Crisma (ed. Vozes, Petrópolis 1968). Os principios


pastorais adotados por Sua Eminencia neste setor corresponden! de
modo geral aos dos Srs. Bispos da Franca.
Á guisa de bibliografía, muito se recomendam os volumes da
revista «La Maison-Dieu» 32 (1952), 88 (1966), 98 (1967).

IV. MORAL

4) «Que dizer da atual controversia relativa á cen


sura. .. censura do teatro, do cinema, da televisáo e da lite
ratura ?
Quem tem razáo: os adeptos ou os adversarios da' cen
sura ?»

Ñas páginas que se seguem, recolheremos sob quatro


grandes títulos as principáis objecóes que se levantam contra
a censura em nosso país, e procuraremos propor algumas con-
sideracóes a propósito.

1. Paternalismo ou maioridade ?

1) «O povo é de maioridade; nao precisa de censores


do govérno. É na bilheteria que se faz a censura».
Resposta: Logo de inicio deve-se notar que é esta, por
certo, a réplica que mais pesa em prol da campanha contra
a censura. Vivemos em sociedades que rejeitam decisivamente
todo e qualquer tipo de paternalismo, isto é, de ingerencia
de um poder forte e «bonzinho» em assuntos que poderiam
ser solucionados pelos individuos.
Em verdade, nao se deve aceitar o paternalismo na me
dida em que tire aos cidadáos a responsabilidade ou a capa-
ddade de agir e julgar como pessoas maduras.
Todavía no que se refere á censura de teatro, cinema, etc.,
impóem-se as seguintes consideracóes:
É preciso, inegávelmente, que as autoridades públicas res-
peitem a liberdade de consciéncia dos cidadáos ; reconhecam
a cada um o direito de formar seu juizo pessoal a respeito
das ocorréncias da vida social. Se alguém quer viver viciosa
ou debochadamente, as autoridades civis nao tém a obrigacáo

— 216 —
CENSURA DA ARTE 33

nem o direito de intervir na consciéncia dessa pessoa. Nao é


licito, portante, aos governos civis constranger seus súditos
em materia de filosofía e Religiáo. — Foi o que o Concilio do
Vaticano II houve por bem declarar em seu documento refe
rente á Liberdade Religiosa; cf. «P.R.» 97/1968, qu. 1.

Todavía compete a todo govérno civil o estrito encargo


de promover o bem comum da sociedade e profligar tudo que
a éste, de certo modo, contradiga ou se oponha. Ora o teatro,
o cinema, a televisáo e a literatura sao meios de comunicagáo
que afetam profundamente a vida pública. Sao, para muitos
e muitos cidadáos (conscientes ou inconscientes disto), ver-
dadeira escola de «filosofía da vida» e de moral; quem vai
ao teatro, vai para ver e ouvir durante horas a fio, colocan-
do-se de antemáo (talvez inconscientemente) em atitude de
receptividade. Os exemplos apresentados pelos espetáculos
públicos fácilmente tornam-se «ideáis» de vida e susci-
tam nos espectadores o desejo de imitar, reproduzir...
ao menos algo da conduta dos heróis da cena. Em suma, o
teatro e o cinema Iancam a moda, tornam-se paradigmas. Nao
é necessário insistir no extraordinario poder sugestivo de que
desfrutam.

Por isto é que pode tocar ao govémo civil a tarefa de


vigiar para que os divertimentos propostos ao público nao se
desvirtuem, tornando-se escolas de crimes, deboche, vicios,
ruptura de lares, infelicidade social, etc. — Assim como o
Estado tem o direito e o dever de controlar a higiene pública
ou os meios de saúde física de seus cidadáos, tem também o
direito e a obrigagáo de se interessar pelos órgáos de publici-
dade que influem, favorável ou desfavoravelmente, sobre a
saúde mental e moral da sociedade.

Essa necessidade é tanto mais compreejisivel quahto se


sabe que hoje os divertimentos sao muitas vézes intencional-
mente explorados para fins comerciáis. Empresarios e autores
menosprezam as conseqüéncias deletérias que de seus espeta-
culos decorram, desde que prevejam apreciável lucro finan-
ceiro. Conhecedor de tal situagáo, o Estado nao exorbita de
suas atribuigóes, quando instituí a censura de pegas teatrais e
cinematográficas...

Em réplica a estas considerac.6es, talvez diga alguém :

— 217 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 101/1968, qu. 4

2. Bem e mal: categorías subjetivas

2) «O bem e o mal moral sao categorías subjetivas ;


variam segundo a apreciagáo de cada individuo».
Resposta: Em Moral, existem padróes objetivos do bem
e do mal, válidos para todo e qualquer homem. Estes padróes
objetivos sao os ditames da lei natural, que todo individuo
ouve dentro de si, queira-o ou nao, independentemente de sua
cultura ou época. — Aplicando esta .afirmagáo ao nosso caso,
deveremos dizer: a natureza deu ao homem a funcáo sexual
a fim de que os seres humanos se unam em matrimonio e se
reproduzam sobre a térra. Por conseguinte, toda excitacáo
sexual que se realize fora do casamento ou sem ordenagáo á
procriasáo, vem a ser um abuso que a consciéncia de todo
homem naturalmente profliga. Ésse abuso é, objetivamente
falando, um mal, um mal que nao pode ser proposto ao público
como se fósse algo de tolerável ou simplesmente como materia
de deleite e divertimento para os espectadores.

Todavía nova objecáo se faz ouvir:

3. A autonomía da arte

3) «A arte está emancipada da Moral ; é um valor que


deve ser cultivado autónomamente».

Resposta: Deve-se reconhecer que a arte nao é por si


ordenada a um fim ulterior, nao é própriamente instrumento
para se conseguirem objetivos de índole diversa. Nao se re-
quer, por conseguinte, que a arte, ao representar o belo, tenha
em vista outra finalidade que nao a de exibir um objeto digno
da contemplado dos espectadores. É neste sentido que se
entende a autonomía da arte.

Todavia note-se que a arte e a atividade artística nao


existem em si mesmas, mas estáo sempre localizadas em deter
minado sujeito humano (artista ou artífice). Ora a atividade
artística aperfeicoa o homem apenas segundo um aspecto res-
trito, isto é, na medida em que ele tem senso musical, poético,
pictórico, literario, e faz vibrar ésse senso de acordó com as
regras da música, da poesía, da pintura, da estilística, etc.
A arte torna o homem bom músico ou bom poeta... ; nao o
faz, porém, homem bom ou perfeito. É a Moral que toma o
homem bom simplesmente dito, ou bom no seu aspecto essen-
cial, isto é, enquanto é um ser inteligente destinado a conhecer
a Verdade Suprema e amar o Bem Infinito. •'

— 218 —
CENSURA DA ARTE 35

Por isto é que o exercício da arte deve estar subordinado


á Moral, ou seja, as leis que norteiam a conduta do homem,
de modo que seja um homem bom ou perfeito e chegue ao seu
Fim Supremo ou a Deus. Todo homem normal pode e deve
tender a ser um homem moralmente bom ; o aperfeicoamento
moral é a tarefa mais importante de cada ser humano, tarefa
sem a qual nao se justíficam as demais atividades do homem,
nem mesmo as atividades artísticas. Donde se vé mais urna
vez que a arte, como qualquer outra fungáo humana, tem de
ser dirigida pela consciéncia moral ou pelos ditames da lei
natural de que falava a resposta á objecáo n* 2 déste artigo.
O artista que cultivasse a Arte como um bem absoluto, inde-
pendente de qualquer outro, estaría adorando um ídolo ou
muitos ídolos...

Em linguagem sucinta e precisa, pode-se exprimir a mesma


doutrina nos seguintes termos:

a) Por seu objeto, a arte nao está subordinada a alguma


finalidade ulterior, isto é, a obra de arte por si mesma nao é
etapa nem instrumento para a consecuoáo de algum bem
criado ;

b) Por seu sujeito, porém, a arte está subordinada á


obtencáo do Bem Supremo désse sujeito; éste nunca age senáo
em demanda do Fim Ultimo. Ora o conjunto de leis que levam
o homem ao seu Fim Supremo constituí a Moralidade. Por isto
nao é lícito a arte, em hipótese alguma, derrogar a Moralidade.

Aos fiéis católicos o Concilio do Vaticano II quis, com


particular énfase, lembrar tal doutrina :

«Há um problema que se refere as relacóes existentes entre os


direitos da arte c as normas da let moral. Como as incessantes con
troversias nesta materia nao raro se originam de falsas doutrinas
acerca da ética e da estética, o Concilio declara que absolutamente
todos devem professar a primazia da ordem moral objetiva, por-
quanto é a única que sobrepuja e coerentemente harmoniza todas
as demais ordens de coisas humanas, por mais respeitáveis que sej.am
em dignidade, nao excetuada a arte. Pois sómente a ordem moral
atinge o homem em toda a sua natureza, criatura racional de Deus
chamada para os bens celestiais; se esta ordem moral fór observada
iiel é integralmente, levará o homem á plena consecucáo da períeicao
e da felicidades (Decreto «ínter Mirifica» sobre os Meios de Comu
nicado Social,, n" 6).

Estas consideragóes, porém, suscitam mais urna objecáo:

— 219 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 101/1968. qu. 4

4. A arte controlada nunca representará


a realidade!

4) «A arte, embora se destine a cultivar o belo, nao


pode deixar de representar a realidade humana. Ora esta é
um misto de bem e mal moráis. Entáo a arte, para nao ofender
a Moral, ha de se contentar com representagóes pardais e
mutiladas da realidade, atraicoando os acontecimentos e as
personalidades que em verdade ocorrem ?»

Resposta: A Moral nao exige que, de maneira sistemá


tica e absoluta, o homem feche os olhos ao mal. Nao; há casos
em que é oportuno que os homens retos descrevam o mal
como ele existe ; devem, porém, fazé-lo de modo a apresentar
o mal como mal ou de modo a fazer compreender que é algo
a ser rejeitado e nao imitado ; abstenham-se, pois, de sugerir
a mínima complacencia no mal ou de o justificar e exaltar.
Em geral, observa-se que descrever o mal sem insinuar
algum juízo sobre o mesmo equivale práticamente a incuti-lo
e recomendá-lo (tal é o poder de sedugáo do pecado); por isto
o artista nao se pode eximir de censura da Moral quando ele
apenas descreve os homens e os acontecimentos lascivos como
éles se apresentam na sua realidade cotidiana. Desde que se
trate de objetos moralmente maus, estes tém de ser (elegan
temente, se quisermos) denunciados como tais, pois difícilmente
se pode crer que, para o público, a singela descricáo nao re
dunde em detrimento de consciéncia.
Em outros termos ainda, deve-se dizer que a Moral nao
proibe ao artista descrever a realidade humana tal como ela é,
mas veda expressá-la tal como ela nao é, ou seja, como gran
deza (nos casos em que ela é ruina), como lícita e louvável
(nos casos em que ela é ilícita e condenável), como justa (nos
casos em que ela é injusta). Tenham-se em vista as «Confis-
sóes» de S. Agostinho e o «Decamerone» de Boccaccio ; sao
obras que contém a descricáo do pecado ; já, porém, que to-
mam atitudes diversas perante o mal, merecem ser diversa
mente apreciadas: rras «Gxnfissóes» o vicio é apresentado
como objeto de arrependimento e repudio por parte do autor
(o que vem a ser construtivo), ao passo que no «Decamerone»
se percebem complacencia no pecado e glorificacáo déste .(ati
tudes reprováveis).

Segue-se a propósito mais um inciso do documentário do


Concilio do Vaticano II:

— 220 —
CENSURA DA ARTE 37

«A narracáo, a descricao e a representac.So do mal moral podem


certamente, com o recurso inclusive dos meios de comunicacáo, pres-
tarse para um conhecimento e um estudo mais profundo do homem,
para manifestar e exaltar a magnificencia do bem e, da verdade,
obtendo-se, além disso, mais oportunos eíeitos dramáticos; cantudo,
para que nao venham a causar daño antes que utilidade aos efpiritos,
obedecam estritamente ás leis moráis, principalmente se se tratar de
coisas que exigem a devida reverencia ou que incitem com mais faci-
lidade o homem, ferido pelo pecado original, a desejos perversos» (De
creto «ínter Mirifica» n' 7).

As idéias propostas nestas páginas levam a ver que nao é


inoportuna a obra dos censores de espetáculos de cinema, tea
tro e televisáo... Éste trabalho poderá ser especialmente útil
nos teriipos presentes, em que nem sempre se cultiva a arte
pela arte ou pela beleza, mas, sim, em vista do lucro comer
cial ; criterios totalmente alheios á arte e á formacáo do senso
artístico levam nao poucos produtores e artistas a explorar
babeos sentimentos do povo, proporcionando a éste um deleite
que está longe de ser o deleite da genuína estética. Já se disse,
alias, muito sabiamente que a arte imoral deixa de ser arte.
É para "desejar, porém, que os censores se deixem guiar
exclusivamente pelas normas da sá Moral, e nao pelos ditames
de algum partido político.
A propósito da industrializacáo da arte e da cultura, veja-se
E. Gilson, «La Société de Masse et sa Culture». París 1967.

APÉNDICE

Vem a propósito a entrevista concedida pelo Sr. Bispo


D. José Gon;alves, DD. Secretario da Conferencia Nacional
dos Bispos do Brasil, ao «Jornal do Brasil» e publicada á pág. 7
do 1' cad. désse jornal em 21/DI/68 :
«O Secretario Geral da Conferencia dos Bispos, Dom José
Goncalves, declarou ontem que só pode aplaudir o Govérno
quando 'firmemente mantém o principio da Censura', argu
mentando que nem sempre o Govérno deve fazer a vontade
da comunidade, pois muitas vézes 'esta se acha de tal maneira
deformada ou imaturá'. que a autoridade terá de contrariá-la
em seu próprio beneficio'.
Após pedir desculpas aos artistas' brasileiros, Dom José
dissé ser da opiniáo de que 'a liberdade absoluta nao interessa
á arte, e sim á bilheteria, mas á custa da consciéncia e da
cultura de -nossa juventude. Um artista de real valor nao
precisa de pornografía, nem para expánsáo da arte, nem para
sucesso de bilheteria'.

— 221 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 101/1968, qu. 4

Autoridade

Ao aporar o Govérno sobre a manutencáo do principio da


censura, Dom José lembrou a doutrina do Papa Pió XII, ex-
pressa na encíclica 'Miranda Prorsus', sobre o cinema, o teatro
e a televisáo, na qual insiste em que 'a vigilancia do Estado
nao se pode considerar injusta opressáo da liberdade do indi
viduo, porque se exerce nao na esfera da autonomía pessoal,
mas sobre urna fungáo social, como é por esséncia a difusáo1.
Para argumentar que a autoridade nao pode fazer todas
as vontades do povo, lembrou o Secretario da CNBB que na
decadencia do grande povo romano a massa pedia sómente
panem et circenses (pao e circo), frisando : 'Ninguém me vá
dizer que a autoridade devia só dar pao e circo ao povo, por
ser a vontade da comunidade !'
— 'Todos reconhecem ao Govérno o direito e o dever de
controlar o porte de armas, para nao colocá-las ao alcance
de malfeitores e tarados. Irá permitir essa licenga aos assas-
sinos de almas ?
— Todos recoJihecem ao Govérno o direito e o dever de
controlar a venda de tóxicos. Será exorbitancia, se impedir
o envenenamento moral dos brasileiros ? Que dizer de um
farmacéutico que permitisse a um inexperiente penetrar em
seu laboratorio e provar indiscriminadamente todos os pro-
dutos químicos que ali se manipulam?' — ponderou.

Pureza

Dom José Gongalves acha que a verdadeira arte nao pre


cisa de palavróes, nem de pornografía, pois que ela se impóe
por si mesma, obtendo mesmo o sucesso de bilheteria. Citou
a propósito um exemplo, 'justamente no género humorístico,
que é.o mais exposto á seducáo da ijornografia ou da porno-
lalia. Refiro-me ao Sr. José Vasconcelos. Que Deus o livre de
deixar macularem-se seus labios limpos e de infectar-se sua
sala de espetáculos, onde grandes e pequeños tém podido
entrar sem constrangimento!'
Lamentou, apoiando-se em comentarios de pessoas sen
satas, que 'o nosso teatro esteja virando urna vergonha' e
láhientou que 'artistas do valor de Fernanda Montenegro, Ca-
cilda Becker e outras, que todo o mundo respeita e admira,
aceitem papéis em pe;as licenciosas'.

— 222 —
CENSURA DA ARTE 39

A propósito do palavráo, citou o Apostólo Sao Paulo, que


exorta aos cristáos: 'A impureza e toda imundicie nem sejam
nomeadas entre vos... nem palavras torpes, nem inconve
nientes, nem levianas* (Ef 5,3s).

Controversia

Interrogado sobre as declaragóes do Diretor da Central


Católica de Cinema, que diz admitir o palavráo no teatro, o
nu no cinema, afírmou Dom José que duvida de que a imprensa
tenha refletido com exatidáo seu pensamento, pois sabe que
ele nao é contrario á censura. O que houve, talvez, foi isolar
algumas frases de um contexto.
— 'Se ele confirmassa a entrevista nos termos em que foi
publicada, eu teria reparos a alguns ccsnceitos por ele emitidos,
á luz da doutrina dos Papas e do Concilio do Vaticano n,
que no decreto 'ínter Mirifica', sobre os meios de comunica;áp
social, analisa justamente o problema da exposigáo do mal
moral na arte'.

CORRESPONDENCIA MIÜDA

LEUCIEL1ZA (S.C.) : "É verdade que nao há mais nécessidade


de rezar pelas almas do Purgatorio? Já nao adquirem méritos mediante
as oracóes dos outros ?"
A fé continua a professar seguramente a necessidade de orar-
mos pelas almas do purgatorio. Embora seguras do céu, elas precit.am
de se purificar de pequeña» imperfeigóes com que morreram ; nenhuma
criatura maculada é capaz de sustentar face a face, a presenta de Deus
Santíssimo. No purgatorio o amor das almas se desembaraza dos res
quicios do amor próprio desregrado. As oracóes e os sufragios dos fiéis
vivos sobre a térra podem obter a graca que ajudará tais almas em
sua purificaQáo (cf. 2 Mac 12, 43-461).
As almas do purgatorio se purificam, mas nem por isto adquirem
méritos. "Merecer" significa "crescer em amor, adquirir novos títulos
de gloria eterna". Ora é sómente na vida presente (decisiva como 6)
que podemos progredir interiormente ; a morte nos estabiliza no grau
de amor e merecimentos com que morremos.

A propósito muito se recomenda a leitura de 2. Mac 12, 38r46 e do


livro de E. Bettencourt, "A vida que cometa com a morte",AEd. Agir
(C. p. 3291, GB). ' '

D. ESTÉVAO BETTEríCOURT O.S.B.

— 223 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 10171968, qu. 4

RESENHA DE LIVKOS

«P.R.» apresentará doravante, em termos breves, a apre-


ciacáo de livros recém-publicados, atendendo assim aos inte-
résses dos leitores.

A Palavra de Deas, por Georges Auzou. — Livraria Duas Cidades,


Sao Paulo, 1967, 130x200 mm, 443 pp.
ótima introducáo geral na Biblia Sagrada, caracterizada tanto por
ciencia profunda como por espirito de íé.
O capítulo I («A Palavra de Deus») propoe o primeiro prerreque-
sito pa-vi urna génuina compreensao da Biblia: a íé («para o cristáo,
a fé é decisiva», pág. 11). A seguir, o autor mostra como a Biblia 6
inseparável da Igreja, onde e!a nasceu e pela qual é transmitida
aos povos.
O capitulo II («Resposta á Palavra de Deus») apresenta as dispo-
sigóes de animo sobrenatural com que o leitor deve abordar o texto
sagrado: -íespeito e amor á Palavra de Deus. Ao que é preciso acres-
centar certa iniciacáo bíblica.
O capitulo III («Encontró com a Biblia») exp5e sumariamente a
historia de Israel durante a qual se íoi formando a co!ec.áo de textos
bíblicos. Farnece também breve mtrodugao em cada um dos 73 livros
sagrados.
O capitulo IV («A Hnguagem bíblica») é de grande erudicao apre-
sentada em termos claros e acessíveis. Depois de propor as caracterís
ticas do idioma dos Judeus antigos. contém um vocabulario bíblico,
o qual explana o sentido ou os sentidos que tém os mais importantes
termos da Biblia. O capitulo se encerra delineando os traeos típicos
da mentalidade semita, numa síntese da «filosofía» judaico bíblica.
O capitulo V («A Revelacáo bíblica») mostra como Deus se reve-
lou aos homens através da tvstória. historia cujo tema central é a
Allanca do Senhor com a humanldade.
O capitulo VI («A Biblia na Igreja em marcha») esbo?a a his
toria do uso das Escrituras Sagradas no povo de Deu«=; menciona o
aDréco que caSa época do Cristianismo dedicou a leitura do texto
bíblico e termina citando numerosas obras modernas de iniciacáo e
exegese bíblicas.
O capitulo VII («O Miftério das Sagradas Escrituras»)1 prop6e a
tioutrina da inspiracáo bíblica e suas conseqüéncias, como, por exem-
pto a veracidade do texto sagrado. Segué se um pequeño tratado
de hermenéutica ou regras capitais para se interpretar as páginas
bíblicas.
Em suma, o livro de Auzou é algo de inédito no Brasil. Nao pode
faltar na biblioteca do público de nivel cultural medio. É de leitura
agradável e doutrina segura.
E. B.

Dois Amores • Dúos Cidades por Gustavo Corcao. — Editora


Agir, Rio de Janeiro, 1967, 2 vols., 135x210 mm, 281 pp. e 413 pp.
Gustavo Corgáo apresenta bel o panorama da evolugáo do pensa-
samento ocidental desde os séculos précristaos até nossos días. O
titulo da obra se inspira de famosa frase de S. Agostinho formulada

— 224 —
no 1. ..I «Da Cidade de Deus»: é o amor que move todos os acón-
teclmentos da historia — amor a Deus, que leva o homem a superar
a si mesmo, ou amor ao próprio eu, que leva, ao menosprézo de Deus.
Corcao comeca por estudar a grande e valiosa mudanga que o
Cristianismo acarretou para o pensamento antigo (greco-romano);
detém-se s6bre a dvilizacáo e a cultura da Idade Media, tidas como
sintese harmoniosa de fé e filosofía (volume I). No segundo volume,
o autor considera a Idade Moderna (séc. XVI-XX) e chega á oon-
clusao de que a mentalidade do homem contemporáneo é conseqüén-
cia da desagregacao filosófico-religiosa acarretada pelo sáculo XVI.
Nesse seu itinerario, Corcao recorre a rica documentacáo (Platáo,
Aristóteles S. Tomás, Toynbee, Foustel de Coulanges, Maritain...)
e á análise de acontecimentos múltiplos. O estilo da obra é atraente,
tornando suave a leitura das passagens mais filosóficas. CorcSo nao
esconde perplexidades nem evita castigar com a sua pena tudo que
lhe parega merecer recriminacao.
Alguns críticos da obra tém manifestado o deseja de mais sim
patía, mais compreensáo para com o mundo moderno, ñas páginas
de Gustavo Corgao. Oremos, porém, que, em nossos dias mais do
que nunca, se reqüer sinceridade e destemor ao analisar as atltudes
dos pensadores e da sociedade. Há, sem dúvida, audacia e acinte iné
ditos (embora talvez nem sempre mal intencionados) da parte da-
queles que propagam erros filosóficos, religiosos e moráis, prejudi-
cando gravemente o público. Se assim é, faz-se mister naja também
quem saiba mostar as aberragOes com a máxima clareza, chamando
cada coisa pelo seu verdadero nome. Um livro, portante, como «Dois
Amores -Duas Cidades» contribuí para despertar observadores um
tanto inconscientes ou Iludidos a respeito da gravidade de certos des-
vios do pensamento contemporáneo; serve para fazer pensar aqueles
que fácilmente iriam na onda das novldades erráneas; fomece-lhes
doutrina pura e sólida. Sao beneméritos aqueles que nao tém médo
de «se queimar», mas corajosamente dizem o que Julgam dever dizer.
O leitor de «Dois Amores-Duas Cidades» julgará o que Corcao lhe
transmite, e completará, se quiser, as afirmacoes do escritor com urna
dose de otimismo!

E. B.

A Editora Bettencourt Ltda. langa o seu prlmeiro livro

DIVORCIO EM DEBATE

por María de Lourdes Garaarolli de Ollveiro

O momentoso assunto, discutido na telovlsüo, volta a baila sob a


pena de urna telespectadora, que, como asslstente social, comenta com
sabedorin e sbnpllcldade os pros e contras dos debates. Multo atual!
Prego do exemplar: NCr$ 8,00
(10% de descontó pora os asslnantes de «P. R.»)
Pedidos a Editora Bettencourt Ltda., Avenida Rio Bronco n* 9,
s/lll-A, GB, ZC05.
NO PRÓXIMO NÚMERO :

Vida é coracáo que bate ou cerebro que pensa ?

«O compones do rio Garona» de Marítain

Confissao freqüente : sim ou nao ?

Que há na Holanda católica ?

Os grandes «porqués» das novidades holandesas

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

porte comum NCr$ 10,00


Asslnatura anual j
porte aéreo NCr$ 15,00

Número avulso de qualquer mes e ano NCr$ 1,00

Número especial de abril de 1968 NCr$ 3,00

Colecao encadernada de 1957 a 1964 NCr$ 80,00

Índice Geral de 1957 a 1964 NCr$ 7,00

Colecao encadernada de 1967 NCr$ 15,00

Índice de 1967 NCr$ 1,00


Encíclica «Populorum Progressio> NCr$ 0,50

Existe um depósito completo de «P.R.» ík Búa Real Grandeza


n» IOS, Botaíogo (GB), onde as pessoas interessadas poderío fazer
suas aqnlsicSes e seus pedidos.
Bogamos a todos efetuem seus pagamentos com a possivel
brevidade.

BEDACAO ADMINISTBACAO

Caixa Postal 2666 At. Blo Branco, 9, s/lll-A • ZOOS


ZOOO TeL1- 26-1822
Bio de Janeiro (GB) Blo de Janeiro (GB)

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