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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabal no assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
índice

pág.

■'PAI CELESTIAL, A GENTE SONHA...!" 49

Fenómeno recente:
INDIFERENCA RELfGIOSA : POR QUÉ ? QUE SIGNIFICA ? 51

As resposlas pululam:
QUE FEZ JESÚS DOS DOZE AOS TRINTA ANOS ? 61

Um llvro em foco :
"JESÚS RESPONDE A UM PADRE" 77

LIVROS EM ESTANTE 91

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO :

O fenómeno das seitas. — Posjsssáo diabólica e os Bispos


da Alemanha. — «A Igreja e o homossexual» (livro). — Ciencias
humanas e ensino no Brasil. — O pensamento católico no Brasil.

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Assinatura anual CrS 75,00

Número avulso de qualquer mes Cr$ 7,00

Já temos o volunte encadernado de 1976 (564 pp.)-


Prego : Cr$^^^^| (somente 40 excmplarcs).
140,00
EDITORA LAUDES S. A.
REDAQAO DE PE ADMINISTRACAO
Caixa Postal 2.666 Búa Sao Rafael, 38, ZC-09
ZCM)0 20.000 Rio de Janeiro (RJ)
20.000 Rio de Janeiro (RJ) Tels.: 268-9981 e 268-2796
"PAI CELESTIAL, A GENTE SONHA...!"
O cinema, nos últimos meses, tem apresentado um filme
que merece atengáo. Reproduzindo o conteúdo do livro homó
nimo de Richard Bach, «Fernáo Capelo Gaivota» (ou «Jona-
than Seagull») é portador de teses «ousadas» e aptas a des
pertar os espectadores para certos valores que se váo oblite
rando. ..

Por que nao acentuar as litihas dessa mensagem no inicio


de um ano que se abre com presságios sombríos ? Se a con
quista dos valores materiais é cada vez mais ingrata (e a crise
do petróleo muito concorre para avivar a consciéncia disto),
por que nao realgar, com Richard Bach, o outro lado da
vida ?... o lado aberto para o transcendente, cujas riquezas
independem da oscilagáo dos pregos e do mercado ?

Eis, pois, era síntese, os grandes tragos do que nos diz


Fernáo Capelo Gaivota, «que vive em todos nos» ou que en-
contra ressonáncia em todo homem de boa vontade:

1) Retina e ideal. Fernáo pertence a um bando «com


primido» pela rotina e, por isto, táo somente preocupado com
os vóos baixos que possibilitam atingir alimentos. Nao se con
forma com a vida cómoda e, conseqüentemente, se exercita
duramente para chegar as alturas. É mal visto; ora parece
divino, ora diabólico. Mas nao cede as pressóes. Antes repete:
«Pai de todos nos, dizei por que nao pode ser: eu sempre
sonhei voar, voar muito além... Pai celestial, sonhamos,
sonhamos!» Apesar de quedas e decepgóes, tanto luta que
acaba realmente pisando em outro mundo e conquistando
novas dimensóes do seu ser interior... Ao chegar a esse novo
mundo, urna populacáo de gaivotas o acolhe; Fernáo diz-lhes
que está velho e cansado, pois enfrentou perigos mortais.
Todavia os amigos nao permitem se feche nessa atitude: «Fer
náo terminou urna escola, comegará outra!» A vida é um
recomegar constante, em que o passar dos anos nao apaga a
juventude psicológica daqueles que querem ser jovens até
o fim.

Na verdade, é necessária grande coragem para nao ser


«como todo o mundo», quando isto implica mediocridade. A
imprudencia arriscada é inerente a qualquer ideal de gran
deza de alma. Ela é especialmente a marca do cristáo, o qual,
conforme S. Paulo, adere a urna Boa-Nova*
judeus, é escándalo e, para os gregos, é lobf

49
2) Iiberdade. Richard Bach acentúa freqüentemente a
procura da Iiberdade ou do «sem limites». Os termos, susce-
tíveis de mais de urna interpretacáo, aqui significam o encon
tró com a Plenitude: «Em Deus encontrará a felicidades.
Toca-se assim algo do senso místico de todo homem: a Iiber
dade, no seu sentido mais próprio, significa a superacáo de
tudo o que é finito, «angusto» (no sentido latino de «estrei-
to»), pois, na verdade, tudo o que de visível nos cerca, é exi
guo demais para o homem. Nao há quem nao tenha a cons-
ciéncia, ora mais, ora menos explícita, desta verdade.

Existe tal Bem Ilimitado ? Nao existe ? Muitos diráo


com certeza inabalável: «Sim», pois já fizeram alguma expe
riencia do mesmo. Os demais sao, pelo enredo do filme, inci
tados a procurar destemidamente tirar a limpo a questáo.
— E por que nao tentar realmente esclarecé-la ? É vital!
Se, por acaso, chegares a urna resposta negativa (o que nao
acontega), terás ao menos eliminado urna interrogagáo do teu
horizonte, e procurarás doravante saciar-te mais ávidamente
com os bens finitos que te prendem ao rotineiro material...

3) Solidaríedade humilde e generosa. Esta terceira nota


da mensagem é especialmente importante, porque excluí o
idealismo altaneiro e soberbo. Com razáo se diz que o pecado
dos puros é a soberba. — Fernáo Capelo, banido pelo seu
bando, mas maravilhosamente compensado pela descoberta
de novo mundo, disp5e-se a voltar aos seus a fim de os des
pertar para mais altos vóos ou para a superacáo de seu
comodismo mesquinho; désejaría poder comunicar-lhes o amor
do amor e da Iiberdade. Infelizmente quase nada consegue.
Acontece, porém, que urna gaivota que «nascera defeituosa
e nao podía voar» (como ela mesma julgava), acreditou no
convite do herói e tentou o «impossível»; entáo o utópico se
realizou para ela; libertou-se do «terra-a-terra» em que vivia,
para galgar as alturas. Tornou-se feliz...

É esta via aberta para a felicidade que o livro, o filme


e o disco de Jonathan Seagull pretendem apresentar aos
homens de hoje. E com razáo, pois o segredo da felicidade
nao consiste no que está fora do homem, mas, sim, na fuga
da mediocridade e no cultivo dos valores que estáo seminal-
mente dentro de cada um de nos !
E. B.

— 50 —
«PEKQUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XVIII — N« 206 — Fevereiro de 1977

Fenómeno recente:

indiferenca religiosa:
por qué? que significa?
Em sinlese: A indiferenga religiosa é hoje multo mais esparsa do
que a negacio lilosófica de Deus ou o ateísmo teórico. Para mullos homens,
a religiáo nao constituí problema, de modo que nem pensam em combaté-la.
Mesmo os que se dizem cristaos, se tornam nao raro cristaos indiferentes
ou distanciados da Igreja.

Tal fenómeno é recente (próprio dos últimos decenios) e se alastra


cada vez mais sem provocar polémicas ou traumas; torna-se mesmo um
fenómeno de massas.

Os porqués desta situajáo s5o varios, devendo ser enumerados espe


cialmente a urbanizando crescente (o homom perde o contato com a natu-
reza, deixa-se absorver pelo trabalho, nio tem mais tempo para um encon
tró consigo e com Deus) e a ¡ndustrializacio (que excita no homem a
falsa conscléncia de que é senhor do seu destino, e o incita á cobica
crescente).

Pode-se dizer, porém, que o indiferentismo nSo trouxe maior felicidade


á humanldade; na Suécia, o tedio invade os cidadSos; nos Estados Unidos
e na Rússia, há surtos religiosos em reacáo ao Indiferentismo e ao ateísmo.
O homem senté espontáneamente a sua dimensao religiosa congénita, pro
curando de novo na fé o equilibrio e a orientado de vida que o abandono
da fé nSo Ihe pode proporcionar.

Em resposta ao indiferentismo, o fiel católico procurará: 1) dar o


testomunho da reta fé pela sua palavra fiel ás fontes da doutrina e ao
magisterio da Igreja, sem impor o que a fé nfio impóe, e sem abrir mSo
do que o Senhor Deus tenha enslnado pela RevelacSo; 2) despertar a
inquletacfio religiosa, sacudindo o indiferentismo dos seus contemporáneos,
mediante um testemunho de vida lúcido e coerente. Multas vezes o com-
portamento e os atos conseguem dissolver bloqueios e traumas que a
palavra (por mais brilhante que seja) nSo consegue desfazer.

Comentario: Um dos mais graves problemas que a Igreja


enfrenta em nossos dias, é o da indiferenga religiosa. O fenó
meno é cada vez mais comuna apresentando graves desafios

— 51 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 206/1977

ao Cristianismo. É por isto que se torna oportuno analisá-lo


de perto, procurando definir as suas características, as suas
causas e o seu significado, a fim de se tentar formular urna
resposta ao mesmo.

1. Indiferentes religiosa : matizes

Distinguiremos indiferenca religiosa total ou propriamente


dita e indiferencia religiosa parcial.

1. A indiferenca religiosa total ou propriamente dita é


o desinteresse pelos valores religiosos (Deus, as proposigóes
da fé, a vivencia segundo a fé...). Para o indiferente, Deus
e a religiáo nao constituem valores que meregam ser procura
dos e apreciados; sao problemas que nao interessam, porque
nao sao vitáis; o indiferente julga poder construir a sua vida
feliz e próspera sem Deus.

A indiferenga nao nega explícitamente a existencia de


Deus, mas simplesmente nao se dá ao trabalho de pesquisar o
assunto. Se Deus existe, Ele nao tem consistencia para o
indiferente. Por isto a indiferenga religiosa se distingue do
ateísmo teórico; este nega explícitamente a existencia de Deus
e chega a combater a vivencia religiosa. Para o indiferente,
nem vale a pena perder tempo com tal questáo — o que
redunda num ateísmo prático, real, concreto (embora nao
formulado filosóficamente).

2. A indiferenca religiosa parcial é a que ocorre em


pessoas ñas quais o senso religioso nao está totalmente ex
tinto, mas ocupa o último lugar (ou um dos últimos lugares)
entre as expressóes do seu interesse. Essas pessoas podem
demonstrar certa atencáo por acontecimientos religiosos ou
pela vida da Igreja; todavía ou se trata de atengáo mais cul
tural do que empenhativa ou pode tratar-se de certa curiosi-
dade, que nao chega a influir na existencia da pessoa.

3. A guisa de complemento, recordemos certas expres


sóes de indiferenca ocorrentes entre cristáos:

— Há aqueles que se desinteressam da fé crista e da


vida da Igreja, mas manifestam certa simpatía por formas
novas de religiáo ou de aparente religiáo, como sao a Rosa-
-Cruz, a Teosofía, a Verologia, a Logosofia, ou aínda o ocul-

— 52 —
INDIFERENCA RELIGIOSA: POR QUÉ?

tismo, o esoterismo, as crengas orientáis (Yoga, Zen-budis-


mo...), que vém pululando ñas grandes cidades. Tornam-se
ecléticos ou indefinidos em suaa atitudes religiosas.

— Há outros que se desinteressam do Cristianismo his


tórico, institucional, com suas proposicóes de fé e sua moral,
mas nao perdem a estima pela figura de Jesús e sua mensa-
gem. Sao pessoas que se dizem «cristáos», mas recusam a
vinculagáo a qualquer comunidade. Constituem o que se
chama «o terceiro homem» (isto é, aquele que diz nao ser
nem conservador nem progressista, mas se coloca á parte de
qualquer corrente, olhando com indiferenga ou ceticismo o
que acontece na Igreja). Esta atitude admite diversos mati-
zes, pois há graus diversos de náo-partidpagáo na vida da
Igreja.

Procuremos agora descrever as

2. Características do indiferentismo

Apuntaremos tres notas típicas da indiferenga religiosa:

1) Fenómeno recente e novo. Com efeito, na antigüi-


dade e na Idade Media, acontecia que alguém passasse da
reta fé para a heresia ou de urna crenga religiosa para outra;
todavía os ateus eram excecóes (caso realmente os houvesse).
Foi no séc. XVTI oue comegaram a aparecer pequeños grupos
de ateus ou de indiferentes entre os homens de cultura ou da
aristocracia; entrementes, as massas populares conservavam-se
religiosas, embora a fé e a prática do Cristianismo muito dei-
xassem a desejar. Foi no séc. XIX que a indiferenca religiosa
comecou a se alastrar nos povos cristáos, chegando hoje em
dia a atingir os diversos continentes.

2) FenóniRno de massa. Enouanto o ateísmo teórico


fica sendo fenómeno de élite, o indiferentismo é muito mais
generalizado, embora admita diversos matizes, como dito: há
os que se professam católicos nao praticantes, há os pratican
tes ocasionáis (batismo, casamento, funerais), há os pratican
tes que cumprem apenas o preceito pascal, há os «tradiciona-
listas», para os quais a religiáo é quase elemento de familia,
elemento, porém, crue nao influí na estruturacáo da vida res
pectiva ou na conversáo da familia.

3) Fenómeno tranquilo. Á diferenga das grandes cr'ses


religiosas, que outrora suscitavam discussóes, polémicas e

— 53 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 206/1977

guerras, a indiferenca é algo que se difunde silenciosamente,


sem deixar trauma; Deus vai desaparecendo dos horizontes
sem que os homens o percebam. Os homens se preocupam
com outros «valores», que nao deixam lugar para urna visáo
religiosa da vida.

4) Fenómeno que se dcsenvolve com a civilizapao mo


derna. Verifica-se nao raro que, na medida em que um povo
se vai modernizando, se torna indiferente; é o que tem acon
tecido nos países escandinavos, nos Estados Unidos da Amé
rica, no Japáo. Mesmo nos países de civilizacáo crista mais
antiga e arraigada, observa-se que o ritmo da urbanizacáo, da
industrializaeáo, do consumismo, do pluralismo filosófico e cul
tural ocasiona o aumento do número daqueles que se dizem
religiosamente indiferentes.

É este fato, precisamente, que sugere a questáo: será que


a expansáo do progresso material é, de algum modo, causa
do indiferentismo religioso?

A esta pergunta damos resposta positiva, que será expli-


citada sob o título abaixo:

3. Civil iza 560 moderna e indiferentismo


O ritmo da civilizacáo contemporánea é, som dúvida, apto
a, disseminar na sociedade dos homens um clima secularizado
ou laicizado. Tende a sufocar a mentalidade religiosa e apa
gar os valores da fé, concentrando mais e mais a atencáo dos
cidadáos nos bens materiais e nos problemas ou beneficios
que eles acarretam. É principalmente através de duas de suas
notas que a civilizado contemporánea exerce esse seu influxo:
urbanizado crescente e industrializagáo tecnocrata.

3.1. Urbanizado crescente

É notorio o éxodo progressivo das populagóes rurais para


os aglomerados urbanos, ¿negando á cidade, principalmente
a grande cidade (a famosa Afegalópolis de nossos dias), o
homem se senté envolvido em ambiente profundamente diverso
daquele em que vivia e no qual concebera as suas noedes
de fé:

— artifictalismo ou falta de contato com a natureza. A


vida em conjuntos habitacionais, transportes superlotados, fá
bricas ou arranha-céus faz que o homem perca aos poucos o
iNDÍFfiRENCA RELIGIOSA : POR

senso do misterio e da mística que os elementos naturais (a


vegetagáo, os animáis, as paisagens de montanha, de mar, de
campo aberto, de rios...) costumam inspirar e alimentar. A
cidade tende a embrutecer os seus habitantes e a fazer-lhes
perder o sentido da adoragáo, do louvor divino e do encontró
com o Criador;

— frenesí de vida, A falta de tempo, a pressa provo


cada pelos horarios e pelo acumulo de afazeres fazem que o
cidadáo já nao encontré ocasiáo para refletir e se recompor
espiritualmente. O homem urbano torna-se entáo vitima de
absorgáo pelos afazeres materiais, comparável nao raro a urna
máquina e destituido cada vez mais de sensibilidade para os
valores imateriais ou transcendentais. Verdade é que essa
materializagáo o deixa frustrado e inquieto; todavía nao lhe
é fácil diagnosticar as causas dessa ansiedade e muito menos
fácil é libertar-se da trama de solidtacóes que o absorvem,
para que possa sobreviver ;

— consumismo o erotismo. Também se verifica que a


vida urbana oferece continuas ocasióes a que o cidadáo valo-
rize excessivamente o conforto e o prazer. Mesmo os mais
modestos trabalhadores sao solicitados a adquirir um «status»
social, que nao raro implica urna filosofía de vida nova, com
menosprezo dos valores mais típicamente humanos (honesti-
dade, fidelidade a palavra, dedicagáo e generosidade...) e
exaltacño do prestigio e da ostentacáo.

Em tais condigóes compreende-se que o senso religioso


se vá embotando; o homem vai sendo massificado.

3.2. Indusírializasfio tecnocrtila

Resultados semelhantes decorrem de outro fenómeno tí


pico da vida moderna: a industrializagáo. Esta, como tal, é
um bem; todavia ela suscita fácilmente urna mentalidade lai
cista e materialista, sugerindo urna escala de valores em que
a eficacia e a produtividade se tornam os únicos objetivos
dignos de interesse do homem; os valores religiosos aparecem
cntáo como algo de inútil; o homem vai exaltando a sua
capacidade de dominar a natureza, como se nao houvesse Se-
nhor ácima dele.

Eis por que se pode dizer que o ritmo da civilizacáo con


temporánea contribuí poderosamente para inspirar a indife-
renga religiosa ou o desinteresse pelos valores cspirituais.

55
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 206/1977

Esta verificacáo nao pode deixar de preocupar "ñáo so-


mente o cristáo, mas também o pensador honesto. Observa-se
que o homem contemporáneo, assim esvaziado dos valores reli
giosos, nao é mais feliz. Os países de técnica mais evoluída
nao se tornaram, em nossos dias, mais tranquilos do que
outrora. Ao contrario, na Escandinávia, nos Estados Unidos,
no Japáo, o homem senté o tedio e a vacuidade da vida,
quando nao experimenta pessoalmente as rixas e as violencias
que o tecnicismo, a política e a cobica vém provocando em
termos assustadores. Sendo assim, procuraremos, a seguir,
analisar mais minuciosamente algumas das conseqüéncias da
indiferenga religiosa contemporánea.

4. O horror do vazio

Proporemos alguns fatos da vida de nossos dias que po-


dem ser tidos como decorréncias do estado de coisas analisado.

4.1. O vazio do homem e da vida

Os países em que a técnica chegou ao auge, oferecendo


ao homem todo o conforto possível, sao propensos ao indife
rentismo religioso, como dito, mas nao sao países felizes. O
homem lá senté, sob diversas formas, o esvaziamento da vida;
embora tenha recursos e meios materiais que lhe proporcio-
nem bem-estar físico, sofre de carencia,... carencia de bens
transcendentais, sem os quais o homem nao encontra sentido
na realidade material. Tenha-se em vista de modo especial o
caso da Suécia, tida como urna das nagóes mais organizadas
do mundo. Ingmar Bergman, sueco auténtico, tentou retratar
a realidade de sua nagáo no filme «Face to Face», que ainda
nao foi exibido no Brasil. Apresenta ai urna mulher, a Dra.
Jenny Isaksson, que dá muito valor á limpeza e á ordem e se
considera feliz no casamento e na carreira (é psiquiatra bem
sucedida); conforme os críticos, essa mulher é urna evidente
metáfora; representa a própria Suécia, cujos quadros de vida
sao aparentemente perfeitos, mas que se debate em luta cons
tante contra um quase irresistível impulso para a autodes-
truigáo.

Interpretando a tese do filme, diz-nos o critico de cinema


do «Jornal do Brasil» (23/IV/1976), cad. B, p. 1:
"A liberdade, os homons e mulheres ¡guals, os 200 anos sem guerra,
os 44 anos de dominio social-democrata (e Bergman sempre votou contra
a soclal-democracla), a abolicáo da pobreza e das desigualdades sociais,

— 56 _
1NDIFERENCA RELIGIOSA: POR QUE ?

conservada unía economía de mercado das mais fortes do mundo, de que


valem, se nos fins de semana as estradas se enchem de confortávels carros
Volvo, que transportam as pessoas para o campo, mas nio para o Interior
de si mesmas? E as preocupares com a saúde (a Coca-cola so pode
entrar na Suécia depois que os americanos concordaram em modificar a
fórmula de seu refrigerante, para prevenir qualquer daño físico) ? E a
educacáo, inclusive sexual, obrlgatória? Entre um e outro edificio há na
Suécia árvores e jardins. Cada grupo de predios tem sua creche, sua
sauna, seu supermercado. O estacionamento n§o toma o lugar dos
playgrounds. O Skansne, um museu ao ar livre, o jardlm zoológico, o par
que de diversoes infantis e os recitáis de música folclórica estdo sempre
repletos de gente. Nos bancos ensolarados, está sentada urna multidáo de
pessoas idosas, todas bem vestidas. Nao se imagina que alguém possa
sujar a rúa ou talar alto no metro. Em suma, o máximo respeito á quali-
dade da vida.

é essa qualidade da vida, no entanto, que acomete de terrores e


dúvidas a noite da Dr. Jenny Isaksson, que chega á situacSo-limite de um
colapso nervoso, precedido na vida real, por pouco tempo, de um relatório,
a urna comissáo do Parlamento, do Dr. Hans Lohman, identificando na
sociedade sueca um circulo vicioso: 'Os suecos estáo sacrificando cada
vez mais sua saúde mental em troca de melhorias em seu ambiente
material'.

O Estado ideal, a sociedade utópica em via de realizacáo, seria


apenas mais urna experiencia social com algumas falhas e poucas saídas".

"O último choque dado por Bergman no público — seu filme Face
to Face, aínda nao exibido no Brasil — trata de fantasmas que surgem á
noite e quase destroem urna mulher descrita como um modelo de saúde
mental. Essa mulher dá muito valor á limpeza e á ordem e se considera
feliz no casamento e na carreira (é urna psiquiatra bem sucedida). Para
a critica norte-americana, que já viu a fita, há nela urna evidente metáfora:
a Dra. Jenny Isaksson (a atriz üv Ullmann, na vida real máe de urna filha
de Bergman} seria a própria Suécia — urna perfei;So quase alcancada,
cuja manutencáo exige recursos que ela evidentemente nao tem. O seu
interior é um caos, urna lula constante contra um quase irresistivel Impulso
para a autodestruicáo".

Em vista do vazio gerado pelo bem-estar sueco, quis


Ingmar Bergman deixar a sua patria para procurar algo
de novo no estrangeiro. O fato é, sem dúvi'da, muito signifi
cativo.

4.2. Os grupos religiosos nos Estados Unidos

Já tivemos ocasiáo de tratar de movimentos religiosos


norte-americanos, como o da «Jesús Revolution» e congéneres
(cf. PR 169/1974, pp.11-24), o dos «Meninos de Deus» (cf.
PR 184/1975, pp. 168-176) e o dos Pentecostais protestantes e
católicos (cf. PR 149/1972, pp. 230-238; 176/1974, pp. 347-353).
Significam, sem dúvida, urna reagáo do homem contempo
ráneo á civilizacáo de consumo, dominada pelos criterios da

— 57 —
iú «perpunte e responderemos»

tecnocracia e da máquina. A dimensáo religiosa é inata no


homem, a tal ponto que se manifesta ñas circunstancias mais
imprevisíveis, mormente quando o homem julga poder apa-
gá-la ou substitui-Ia por um sucedáneo qualquer, ou seja, pela
idolatría da máquina, do progresso, do dinheiro, do prazer, etc.

Voltaremos ao assunto no próximo número de PR, abor


dando o fenómeno das seitas e dos pequeños grupos religio
sos, que. se váo multiplicando, principalmente nos Estados
Unidos da América.

4.3. O ressurgimento da fé na U.R.S.S.

Em PR 197/1976, pp. 201-216, foi abordado o fato sin


gular e surpreendente do renasdmento religioso na Rússia
Soviética de nossos dias. — O acontecimento merece ser aqui
registrado de novo, embora sem comentarios (dado que estes
já foram tecidos em fascículos anteriores de PR).

5. ConclusSo : a resposta crista


Perguntar-se-á: que fará o cristáo diante do fenómeno do
indiferentismo religioso contemporáneo?

— A guisa de resposta, váo aqui apresentadas duas pro-


posicóes:

5.1. «Ninguém ama o que nao conheoe»

O indiferentismo religioso baseia-se, em grande parte, na


falta de conhecimento exato dos valores religiosos. Quem só
conhece a Deus descrito por um Catecismo infantil, ou quem
só teve contatos superficiais com a fé e suas expressóes, ou
aínda quem padeceu alguma decepgáo por parte dos ministros
ou representantes da fé, por certo nao pode conceber interesse
ou estima por tais valores. Será atraído exclusivamente (ou
quase) pelos beneficios que o progresso e a civilizacáo con
temporáneos lhe oferecem. Infelizmente tal é o caso de mui-
tos dos que se deixam ficar -á margém dos valores religiosos:
verifica-se que simplesmente nao oá conhecem ou mal os
conhecem ou julgam conhece-los sem que de fato os conhe-
gam. Nao é raro ouvir-se hoje em dia a palavra de S. Agos-
tinho:
"Tarde eu te amel, ó Beleza tfio antiga e táo nova! Tarde eu te
amei. Mas como ? Tu eslavas dentro de mlm, e eu estava fora de mlm
mesmo. E era fora que eu te procurava. Eu me lancava, em mlnha felúra,

— 58 —
INDIFERENQA RELIGIOSA: POR QUfi ? 11

sobre a beleza das tuas criaturas. Tu estavas comigo, e eu nSo eslava


contigo, detldo longe de ti por essas coisas que n§o exlstlriam se nSo
existlssem por ti. Tu me chamaste, e teu clamor forcou a mlnha surdez;
tu brllhaste e teu fulgor dlssipou a minha ceguelra. Tu exalaste o teu per
fume, e eu respirei; e eis que por ti suspiro! Eu te proveí e tenho fome
de ti. Tu me tocaste e quelmo de ardor pela paz que tu das" ("Confls-
s6es" X, c. 27, 38).

Em conseqüéncia, vé-se quáo importante é fazer chegar


aos homens de hoje a mensagem crista em termos nítidos e
atualizados. Nao basta proferir essa mensagem com fideli-
dade ao seu conteúdo genuino. É preciso também dar grande
importancia ao modo como essa proposigáo há de ser feita:
nao se aprésente como artigo de fé o que nao oé (por exem-
plo, a formacáo do homem a partir do barro, a criagáo do
mundo em seis dias de 24 horas, o paraíso terrestre como jar-
dim ameno...); diga-se com clareza o que a fé ensina estri-
tamente e o que ela deixa á livre discussáo dos especialistas
(seguindo-se nessa tarefa a orientagáo formulada pelo magis
terio da Igreja).

E certamente é de crer que, em pessoas que se dizem


indiferentes, mas guardam fidelidade integral á sua conscién-
cia, o conhecimento da auténtica face de Deus suscite o amor
a esse Deus e á sua Palavra, pois, «se ninguém ama o que
nao conhece», o conhecimento de Deus é precisamente a via
para levar ao amor do Senhor Deus.

5.2. Testemunho de vida

Se o cristáo adere de coracáo á mensagem da fé, deve


proclamá-la nao só por palavras, mas também por seu teor
de vida.

O testemunho da vida é por vezes mais eficaz aínda do


que o da palavra. A palavra encontra bloqueios que a con-
duta de vida concreta consegue desfazer. Com efeito, muitas
pessoas nem querem ouvir falar de Deus ou da Igreja. Dizem
ter feito urna experiencia do Cristianismo que lhes bastou
para tachá-lo de inútil ou ultrapassado, quando na verdade
essa experiencia foi puramente extrínseca e ritualista; sem
ter recebido formagáo catequética ou religiosa propriamente
dita, receberam alguns sacramentos (o Batismo, a primeira
Confissáo e a primeira Comunháo) e assistiram a algumas
cerimónias religiosas ou demonstragóes de religiáo tradicio-

— 59 —
12 «PERPUNTE E RESPONDEREMOS* 206/1977

nalista (sem plena participacáo interior) ou ainda sofreram


alguma decepgáo por parte de um sacerdote ou um fiel cató
lico, e, em conseqüéncia, acreditam poder fazer um juizo
cabal ou definitivo sobre a Igreja e o Catolicismo.

Tais pessoas difícilmente aceitam coloquios religiosos; sao


afetadas nao somente por apatía, mas também por antipatía.
Precisam de algo que as impressione profundamente. Em mui-
tos casos a apatía e a aversáo só poderáo ser vencidas pela
conduta de vida de cristáos humildes, sinceros, puros e cheios
de amor fraterno. Os santos ou os auténticos cristáos vém a
ser o sinal mais eloqüente da presenca de Cristo e da eficacia
do seu Evangelho entre os homens; muitas vezes sao eles
— e táo somente eles — que conseguem (com a grasa de
Deus) derrabar os muros da indiferenca religiosa ou da hos-
tilidade a fim de abrir a seu semelhante o caminho que eleva
a Deus. Se os santos nao comunicam diretamente a luz a
razáo dos seus irmáos, despertam nestes certas interrogagóes
que sacodem e inquietam: Como pode alguém ser alegre na
simplicidade e modestia de sua vida? Qual o segredo de urna
existencia reta, abnegada e generosa? Que pode mover al
guém a renunciar a si em favor do próximo e do seu ideal?...
Tais interrogagóes sao salutares, pois justamente o drama da
indiferenga religiosa consiste na ausencia de interroga^óes, de
dúvidas e de interesse no tocante ao problema religioso.

Ninguém encontra Deus se nao o deseja encontrar. Deus


nao é coisa ou objeto, mas Pessoa viva; em conseqüéncia, o
único relacionamento que o homem possa ter com Ele, é o
de pessoa a pessoa — o que supóe a livre aceitagáo do Tu
divino. Ora, se alguém nao percebe previamente a riqueza
que Deus representa para o homem, nao pode desejar o encon
tró experimental com o Senhor; nao pode fazer do problema
religioso um problema vital.

Em última análise, a atitude do cristáo frente á indife


renga religiosa é, precisamente, a de suscitar a interrogagáo
religiosa e a necessidade do encontró experimental com Deus.
Para tanto, é preciso, mediante palavra e conduta, mostrar
ao indiferente que o problema religioso é um problema vital
ou mesmo o problema do «sentido da vida», pois, na verdade,
a vida humana nao tem significado se nao voltada para o
Infinito ou para Deus.

Este artigo multo deve ao editorial da revista "La Civil la Cattotica"


n? 3021 de 1/V/1976, pp. 209-216.

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As respostas pululam:

que fez jesús dos doze aos trinta anos ?

Etn sfnlese: Multas pessoas pergunlam o que lora feito Jesús dos
doze aos trinla anos de Idade, visto que os Evangelhos silenciam a res-
pelto. Varios estudiosos, geralmente de inspiragio esotérica, teosófica ou
espirita, respondem que o Senhor esteve na India, no Tibe ou no Egito,
aprendendo de sabios e de arquivos secretos da antfgüidade a mensagem
que Ele posteriormente anunclou ao mundo.

Ora as numerosas hipóteses que se tém proposto neste sentido,


supSem um problema que propiamente nao existe. Com efelto, supSem
sejam os escritos evangélicos urna biografía (caso o fossem, serla estranho
que nada apresentassem sobre os anos 12-30 de Jesús). Todavía os escritos
evangélicos nfio sfio biografía, mas sfio os ecos escritos da pregacfio dos
Apostólos. Tém finalidad© catequética e nfio historiografía ou biográfica.
Ora na catequese o objeto de pregacfio mals Importante era a Páscoa de
Cristo; seguia-se-lhe, em importancia, a doutrlna pregada por Jesús du
rante os anos de sua vida pública; o que ficava para além ou para tras
disto, nfio era comumente anunciado pelos arautos da Boa-Nova. É por
Isto que S. Marcos apenas refere a Páscoa e a vida pública de Jesús.
S. Mateus e S. Lucas acrescentam, no limlar do respectivo escrito, algo
sobre a Infancia de Jesús ("flashes" esparsos), porque encontraram esses
dados e os quiseram aproveitar. NSo há, pois, razáo para que alguém
se surpreenda em conseqüéncla do silencio mencionado. Este estranha-
mento só se deve á falsa maneira como o leltor enfoca os Evangelhos;
nfio decorre da Ignorancia dos Apostólos sobre Jesús dos 12 aos 30 anos,
pols os textos de Mt 13,53-56 e Me 6, 1-4 dSo testemunho de que Jesús
foi corpinteiro e teve familia conhecída em Nazaré; além do mals, a ampia
literatura apócrifa aprésenla noticias diversas (cuja fideiidade histórica pode
¿s vezes ser aceita pelos estudiosos) a respeito da infancia e da adoles
cencia de Jesús.

é, pois, ociosa e mesmo errónea a pergunta que encabeza este artigo.

Comentario: É freqüente ouvir perguntar a respeito do


que terá feito Jesús na idade dos doze aos trinta anos. A
razáo desta indagacáo é o silencio verificado nos Evangelhos
entre o episodio relatado em Le 2,41-52 (Jesús tinha doze
anos quando foi encontrado no Templo em meio aos douto-
res) e o inicio da vida pública do Senhor, ocorrido aos trinta
anos aproximadamente (cf. Le 3,23).

— 61 —
14 «PERGUNTE E RESP0NDEREM05> 206/1977

Esta lacuna deixada pelos evangelistas tem chamado a


atencáo dos estudiosos e os vem provocando a procurar expli-
cagóes conjeturáis. Vamos, a seguir, recensear as principáis
destas hipóteses; ao que se seguiráo pistas para a solucáo da
questáo.

1. As hipóteses

É grande o número de livros e artigos que tendem, cada


qual do seu modo, a expor o que tenha acontecido a Jesús
na faixa dos doze aos trinta anos. Sejam algumas poucas
sentengas aqui citadas:

1.1. Fonte rosacmdona

As Sociedades «Rosa-Cruz» tiveram origem no séc. XVII


na Alemanha. Todavía dizem professar ensinamentos da antiga
sabedoria oriental; cf. PR 183/1975, pp. 103-115.

O Dr. H. Spencer Lewis,l no seu livro «The mystical life


of Jesús», cap. X, da «Biblioteca Rosacruz de San José»,
California, U.S.A., propóe a seguinte tese:

Jesús é um Grande Avatar essénio (= manifestacáo hu


mana da Divindade, entendida etn sentido panteísta). Come-
cou seus estudos religiosos na escola do Monte Carmelo.
Quando tinha seus quatorze anos de idade, foi levado por dois
magos para a India, fioando entáo em um mosteiro budista
perto da cidade de Puri; ali teve contato com mestres e ma
nuscritos dq mais puro budismo. Dalí foi levado para o vale
do Ganges, detendo-se em Benares, onde aprendeu o sistema
terapéutico dos hindus e pode consultar manuscritos do Tibe.
Após outros estágios na india, passou para a Pérsia, onde
seus mestres haviam feito preparativos para que prosseguisse
os estudos em Persépolis. Depois de um ano de permanencia
na Pérsia, viajou para a Mesopotámia; era entáo procurado
por ilustres sabios, que o queriam ver e ouvir, tal era a sua
fama. A formacáo doutrinária de Jesús terá continuado na
Grecia, onde só pode demorar poucos meses, embora lhe
pedissem mais longa estada. Sempre guiado pelos magos, seus

1 Spencer Lewis foi "Imparator" da Ordem Rosa-Cruz da América do


Norte, do Centro e do Sul. Era membro do Ashram Essénio da India e
delegado americano do Mosteiro da Grande Fraternidade Branca do Tibe.

_ 62 —
JESÜS DOS 1¿ AOS 30 ANOS 15

mestres, Jesús se dirigiu para o Egito, onde estudou em Ale-


xandria e Heliópolis; nesta cidade, residiu em casa particular,
tendo á sua disposicáo varios criados, um escriba (secreta
rio) e um lindo jardim. Por essa ocasiáo Jesús comecou a
preparar-se para os graus superiores da Grande Fraternidade
Branca; alcangou finalmente o título de Mestre da mesma e
regressou á Palestina, onde pregou o Evangelho!

1.2. Fonte esotérica

Por «esoterismo» entendem-se o Ocultismo ou as escolas


de filosofía e religiáo que dizem possuir certas verdades reser
vadas a poucos iniciados; tais escolas filiam-se geralmente as
doutrinas orientáis religiosas.

O autor esotérico Yogi Ramacharaka (ou William Walker


Atkinson) escreveu o livro «Cristianismo Místico», ed. do Cír
culo Esotérico da Comunicagáo do Pensamento, 1926. As
pp. 79-83 propóe a seguinte tese:

Nos dezessete anos que os Evangelhos deixam em silen


cio, Jesús viajou pela India, o Egito, a Pérsia e outras regióes
distantes, onde foi iniciado cm irmandades e corporacóes diver
sas. Visto que Jesús combatía a distingáo de castas na india,
atraiu sobre si a ira dos brámanes; foi considerado um agita
dor rebelde, um socialista perigoso e um cidadáo indesejável.
Nao obstante, Jesús ia semeando graos de sabedoria, que os
missionários cristáos na india descobriram posteriormente.
Devagar e com paciencia, Jesús ia superando a oposicáo. Fi
nalmente voltou a térra de Israel,; onde por tres anos pregou
a igualdade e a fraternidade de todos os homens — o que Ihe
provocou hostilidade e a condenagáo por parte das classes
dominantes.

Assim as escolas ocultistas ou esotéricas tém Jesús como


instrutor mundial. Ele plantou seus graos de verdade no seio
de varias religióes, e nao em urna só. Estas sementes estáo
comecando a dar seus melhores frutos em nossos dias, quando
as nacóes comecam a sentir a Paternidade de Deus e a Fra
ternidade de todos os homens. No ano 2000 estará consu
mada a uniáo dos homens numa grande familia destituida de
preconceitos de ragas e religióes. Teráo chegado os tempos
apocalípticos!

Passemos agora a

— 63 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 206/1977

1.3. Fontes teoréticas

Urna das fundadoras da teosofía foi a Sra. Annie


Besant, inglesa, que fixou residencia na india e se tornou a
máe adotiva do Avatar Krishnamurti.

Escreveu o livro «El Cristianismo Esotérico. Los miste


rios de Jesús de Nazaré* (traducáo castelhana), Buenos Ai
res, onde no c. IV («O Cristo Histórico») se encontram as
seguintes referencias a Jesús (deduzidas de «anais ocultos»):

O menino cujo nome judeu foi transformado em Jesús,


nasceu na Palestina 105 anos antes da nossa era, sendo cón
sules Público Rutilo Rufo e Gnae Mallio Máximo. Seus país,
de ilustre origem, ainda que pobres, o educaram no conheci-
mento das escrituras hebréias; percebendo, porém, a sua ex
traordinaria aptidáo para o estudo e a sua interioridade (ma
nifestada principalmente aos doze anos de idade), destina-
ram-no á vida ascética. Foi entáo enviado para um mosteiro
de essénios no deserto meridional da Judéia. Esse cenobio
era muito visitado pelos sabios que da Pérsia e da India iam
para o Egito; lá havia magnífica biblioteca de obras ocultas,
muitas das quais provenientes de regióes mais distantes do
que o Himalaia. Desse lugar ds cultivo da mística, Jesús pas-
sou para b Egito; ai foi iniciado ñas doutrinas de que se im-
buem os fundadores de todas as religióes, pois o Egito foi
sempre (segundo a Sra. Annie Besant) um dos grandes depo
sitarios dos misterios verdadeiros. Jesús, portante, lá foi con
sagrado de modo perfeito para exercer a missáo que lhe
estava reservada. Aos 29 anos de idade, ultrapassava em
pureza e graea divina todos os seus companheiros, por mais
severos ascetas que fossem. Regressou entáo a sua térra,
Israel; e, quando Joáo Batista o batizou, Jesús passou a ser,
de modo especial, tabernáculo da Divindade ou um novo
Avatarí

1.4. Um estudioso inglés

O jornal «O Globo», de 23/VH/1958, publicou o artigo


«Teria Jesús vivido na Inglaterra?» de André Cehesse, que
refere as seguintes concepcóes:

Na regiáo de Cornualha ou Cornwalles (Inglaterra) exis-


tem tradicóes populares muito antigás que afirmam ter Jesús
estado na Inglaterra. Essa tese estaría justificada pela se-

— 64 —
JESÚS DOS 12 AOS 30 ANOS 17

guinte conjetura: Jesús era sobrinho de José de Arimatéia1,


o qual pediu o corpo do Mestre para dar-lhe urna digna sepul
tura (cf. Jo 19, 38). Ora José de Arimatéia era um rico
mercador cujos navios singx'avam o Mediterráneo em todos os
sentidos. É provável que Jesús tenha acompanhado o tio em
urna dessas viagens; o navio entáo, transpondo o estreito de
Gibraltar e subindo para o norte, terá chegado até a Ingla
terra. Esta hipótese — dizem — nada tem de inverossimil,
visto que os navegadores da época realizavam intercambio
entre Roma e a Inglaterra; os ferreiros británicos eram muito
apreciados cm Roma e nos países do Oriente.

Jesús deve ter residido entre modestos ferreiros, fomece-


dores ou fregueses do seu tio. Terá aproveitado a sua estada
na Inglaterra para instruir-se com os druidas (sacerdotes lo
cáis), estacionando em varias aldeias que ainda existem. Ao
término de alguns meses ou anos, Jesús terá regressado ao
país natal com seu tio José de Arimatéia.

Para confirmar estas hipóteses, dizem que no comego da


era crista existiu na regiáo de Glastonbury urna igreja cons
truida pelo próprio Cristo, a qual evidentemente desapareceu
há muito tempo. A existencia dessa igrejinha é, como dizem,
atestada por um documento dos arquivos de Glastonbury que
afirma ter havido lá «urna igreja construida nao pela máo
dos horneas, mas, sim, pelas máos do próprio Deus». Ademáis
refere-se que, quando Sao Davi se achava em Glastonbury,
Cristo lhe apareceu e, mostrando-lhe a igreja, disss-lhe: «Eis
aqui a igreja que eu construí em honra de minha mar;!»

Sem comentario por ora, vejamos outra hipótese:

1.5. Os documentos do Mar Morfo

Sabe-so que em 1947, a NO do Mar Morto, na regiáo de


Qumran foram encontrados preciosos manuscritos escondidos
ñas grutas locáis; apresentavam textos bíblicos e os documen
tos da espiritualidade de urna comunidade de monges israeli
tas, que sao geralmente (embora nao unánimemente) identi
ficados com os essénios. Tais documentos mencionam um fa
moso «Mestre de Justic.a»; este praticou a pobreza, a peni-

i Pergunta-se: Onde está Isto escrito ? Quem pode provar esse tipo
de parentesco entre Jesús e José de Arimatéia ?

— 65 —
18 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 206/1977

ténda, a humildade, o amor ao próximo; era considerado o


Ungido ou Messias; foi objeto das hostilidades dos sacerdotes
do partido dos saduceus; finalmente condenaram-no ao supli
cio, mas, como dizem, subiu aos céus para junto de Deus.

Ora, perante estes dados (que vamos mais adiante dis


cutir) há quem diga que a figura de Jesús é a do próprio
Mestre de Justign dos cssonios; a lenda ó que terá feito Jesús
viver nos tempos de César Augusto ou cerca de século e meio
depois do «Mestre de Justiga». Outros estudiosos preferem
guardar a distincáo entre Jesús e o Mestre de Justica; ape
nas dizem que Jesús foi essénio e reproduziu em suá pessoa
e sua vida a imagem e a missáo do Mestre de Justica, nada
tendo de original ou próprio. Por ora, limitamo-nos a este
registro, e passamos a

1.6. Fontes espiritas

Os espiritas patrocinam, por vezes, a tese de que Jesús


aprendeu de escolas religiosas existentes em sua época e, de
modo especial, dos essénios. Tal tese pode assumir as mais
diversas versóes entre os espiritas. Aqui váo reproduzidos
dizeres atribuidos ao espirito Ramatis e publicados na obra
«O sublime peregrino» (Livraria Freitas Bastos), pp. 278s :
"Pergunta: Algumas obras esotéricas, principalmente da Fraternidade
Rosa-Cruz, afirmam que o Mestre Jesús viveu entre os essénios, os quais
influiram bastante na sua obra crista. No entanto, outras obras, inclusive
mediúnicas, asseguram que isso nao aconteceu. Que dizeis a respelto ?

Ramatfs: Jesús esteve realmente em contato com os essénios durante


algum tempo e conheceu-lhes os costumes, as austeras virtudes, assim
como teve oportunidade de apreciar-lhes as cerimónias singelas dos san
tuarios menores, externos, e os ritos mais sugestivos do 'Círculo Interno'.
Mu ¡tos dos seus ge6tos, práticas e atos do mundo profano deixavam per-
ceber as características essénicas de elevado teor espiritual, pois eles
guardavam muita semelhanca com os primeiros cristáos.

Alias, Jesús, como entidade de elevada estirpe sideral e insaciáve!


na pesquisa do espirito ¡mortal, ou da verdadeira vida do homem, jamáis
deixarla de procurar os essénios e conhecer-lhes as idéias, pois os
mesmos já ensinavam o amor a Deus e ao próximo, criam na imortalidade
da alma e na reencarnacSo. Todas as rellglóes, seitas e movimentos espi
ritualistas da época foram alvo da atencSo de Jesús, cuja mente privile
giada assimllava imediatamente a esséncia benfeltora e se desocupava das
fórmulas exteriores. Seria bastante estranhável e um formal desmentido
ao tipo espiritual avancado do Mestre Jesús caso ele tivesse conheclmento
da existencia dos essénios na própria Galilóla, e jamáis se interessasse
de um contato instrutivo.

— 66 —
JESÚS DOS 12 AOS 30 ANOS 19

Pergunta: Mas por que nao chegaram até nos as provas de que
Jesús viveu entre os essénlos ?

Ramalis: Porque o Mestre nao pertenceu, nao se filiou propriamente


á Contraria dos essénios, mas entreteve relacdes amistosas, embora tenha
participado dos ritos internos, que os próprios mentores essénios achavam
díspensáveis para urna entidade do seu quilate. Acresce que os
essénios do 'Circulo Interno', cujas práticas ficaram Ignoradas dos pro
fanos, fazlam questáo cerrada de se conservarem no mais absoluto anoni
mato, o que levou os historiadores a descrerem de sua existencia, exceto
quanto aos terapeutas ou adeptos externos".

Ramatis ainda tem outras «revelagóes» referentes a Je


sús: segundo o «vidente», Jesús é o Governador Espiritual do
planeta Térra (livro citado, p. 12); em outro lugar, afirma
que Jesús foi o «médium» do Cristo Planetario (p. 66) — o
que há de ser assim entendido: «O Logos, o Verbo ou o
Cristo do planeta Térra em determinado momento passou a
atuar diretamente pelo seu intermediario Jesús, anjo corpori
ficado na figura humana, transmitindo a humanidade a luz
redentora do Evangelho» íp. 66).

Também sem comentarios por ora...

7.7. Urna fonte judia: R. Aran

O autor israelita Robert Aron escreveu o livro «Les


années obscures de Jésus» (París 1960), em que pretende
explicar a seu modo o ocorrido nos «anos obscuros» de Jesús.
Esta obra merece ser aqui mencionada, visto que despertou
interesse e demonstra erudigáo por parte do autor.

Aron nao recorre á hipótese de viagens de Jesús para


fora da Palestina — o que é sensato. Todavía considera Jesús
como mero homem ou profeta de Israel e julga que até os
trinta anos Jesús foi concebendo a mensagem posteriormente
anunciada durante o seu ministerio público. Esta se resumiría
nos seguintes termos:

O judaismo, iniciado com Abraáo (séc. XIX a.C), sig


nifica urna intervengáo de Deus num mundo em que tudo era
era tido como sagrado. Por isto a religiáo de Israel tem seus
ritos e béngáos adaptados a cada momento da historia; re-
corda o passado e procura atualizá-lo no presente. Todavía
nos tempos do Imperio Romano a espiritualidade do judaismo

— 67 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 206/1977

necessitava de ser reformada: o mundo perderá entáo o seu


caráter sagrado; o universo profano era ordenado nao se
gundo um plano divino, mas em funcáo de concepcóes idóla
tras. Em conseqüéncia, «Jesús se apresentou como portador
do sobrenatural, multiplicou milagres e realizou misterios de
transflguragáo que permitiram, até os nossos tempos, que o
Deus do monoteísmo se mantivesse e progredisse apesar da
opacidade do mundo (cf. p. 271s). O Cristianismo é, pois, nova
intervencáo de Deus na historia, destinada a atender ao qua-
dro geral da humanidade nos tempos do Imperio dos Césares.
Aron julga que, dada a mudanga dos tempos, nova interven
cáo de Deus há de ser aguardada para breve.

Em conclusáo deste percurso de sentengas sobre os anos


obscuros de Jesús, verifica-se que os autores que propugnam
a estada de Cristo em países <io Oriente ou no Egito, sao
geralmente filiados a sociedadeá ocultistas, teosóficas ou espi
ritas. Propugnam suas hipóteses em virtude de concepcóes
filosófico-religiosas, e nao em corfceqüéncia de estudos exegé-
tico-biblicos propriamente ditos. Com outras palavras: nao é
o exame das Escrituras Sagradas que leva a admitir as via-
gens que Jesús tenha feito para fora da Palestina (ao con
trario, veremos em breve que a exegese bíblica dissuade de
tais hipóteses fantasistas), mas sao concepgóes heterogéneas
e preconcebidas que inspiram essas sentengas.

Procuremos agora a auténtica resposta á pergunta for


mulada no cabegalho deste artigo.

2. A resposta

Procederemos por tres etapas:

2.1. A «tortura dos Evangelhos

1. As sentengas que afirmam tenha Jesús viajado para


fora da Palestina supóem que os Evangelhos sejam biogra
fías do Senhor Jesús. Ora toda biografía comega pelas ori-
gens (nascimento, infancia...) do personagem apresentado;
narra a sua adolescencia, os seus estudos, e os anos de sua
maturidade...; descreve as principáis faganhas desse indiví-

— 68 —
JESÚS DOS 12 AOS 30 ANOS 21

dúo, e finalmente refere o ocaso terrestre do mesmo segundo


o esquema abaixo;

Nascimcnto > Infancia > Adolescencia >


12 3
Maturidade > Declínio
4 5

Quem supóe que os Evangelhos tenham sido concebidos


conforme este esquema, estranhará ai a omissáo dos ns. 2 e 3
do mesmo. Por isto julgará que os biógrafos nada referiram
a respeito porque nada havia de documentado; e nada havia
de documentado precisamente porque Jesús estivera fora da
Palestina entre os doze e trinta anos... Torna-se entáo neces-
sário, para quem assim pensa, procurar, pela fantasía, recons
tituir o itinerario e as características de tais viagens.

2. Ora é preciso dizer que a suposigáo de que os Evan


gelhos pertencem ao genero literario das biografías é errónea.
Os evangelistas nunca tencionaram escrever a «Vida de Je
sús» no sentido moderno de urna biografía. A sua fungáo foi
a de fazer eco escrito á pregacáo oral dos Apostólos referente
a Jesús de Nazaré. Ora a pregagáo oral anunciava em prf-
meíro lugar a Páscoa de Cristo, isto é, a sua paixao, morte e
rcssurreicáo, que tiveram o máximo valor salvifico para os
homens; tal era o ponto mais importante de tudo quanto os
Apostólos tinham a apregoar. Em segundo lugar, os arautos
da Boa-Nova viam-se incitados a narrar as grandes linhas da
doutrina ensinada por Cristo durante os tres anos da sua vida
pública; essa doutrina era concebida de maneira mais ou me
nos sistemática (S. Mateus foi o mais sistematizador dos evan
gelistas), ficando a cronología e a topografía desse anuncio,
nao raro, subordinadas ao intuito catequético dos evangelis
tas '. Por isto ó que nos Evangelhos temos a narracáo do
que Jesús disse e fez nos tres anos da sua vida pública e o
desfecho desse ministerio na Páscoa de Cristo. S. Marcos é
o evangelista que se conforma exatamente a esse esquema:
comeca; com o Batismo ministrado por S. Joáo Batista e ter
mina com a Ascensáo do Senhor (alias, era este o esquema

1 Estas aflrma;5es sSo especialmente válidas para os sinóticos (Mt,


Me e Le), ao passo que S. Joáo se aproxima um pouco mais da auténtica
cronología e da topografía dos tres anos de vida pública de Jesús (embora
seja profundamente teológico).

— 69 —
22 «PERCUNTE E RESPONDEREMOS» 206/1977

estabelecido por S. Pedro em At 1,22). O que acontecerá a


Jesús antes do Batismo conferido por Joáo Batista, ficava
fora do ámbito considerado pelos arautos da Boa-Nova; nao
interessava diretamente a finalidade catequética e pastoral
dos Apostólos. Por isto também era habitualmente silenciado
pelos pregadores do séc. I, ficando os limites da pregacáo
assinalados pelo Batismo ministrado por Joáo Batista e a glo-
rificacáo de Cristo. Se, pois, em Mt e em Le encontramos
algo da infancia de Jesús, é preciso lembrar que esses tre
chos sao adicionados ao esquema da catequese; acham-se em
apéndice, embora iniciem os escritos de Mateus e Lucas; cada
qual destes evangelistas houve por bem escolher da tradic.áo
anterior esses poucos episodios referentes a Maria, a S. José,
Zacarías, Isabel, Joáo Batista e Jesús, sem se julgar obrigado
a narrar tudo quanto ocorr-era antes dos trinta anos da vida
de Jesús. Se, pois, há urna lacuna entre os doze e trinta anos
da existencia de Cristo, esta ss deve nao ao presumível fato
de ignorarem os Apostólos o que Jesús entáo fizera, mas úni
camente ao fato de que nao Íntencionavam abordar o assunto.
Em testemunho de que sabiam algo a respeito de Jesús,
citam-se os textos de Mt 13,53-56; Me 6,2s, que voltaremos a
abordar adiante.

Se os evangelistas nada nos tivessem dito do ocorrido


antes dos trinta anos de vida de Jesús, silenciando até mesmo
o seu nascimento (como faz Me), teriam preenchido perfeita-
mente a sua finalidade, visto que esta nao era biográfica,
mas catequética.

Eesumindo, podem-se assim representar estas observa-


Cóes:

Género literario «BIOGRAFÍA»


Nascimento > Infancia > Adolescencia >
12 3
Matnridade > Dcclínio
4 5

Género literario «EVANGELHO»


Páscóa > Vida pública > Infancia
(morte e res- (síntese da (traeos esparsos
surreicao) mensagem) «gratuitamente»
1 2 por Mt e Le)
3
— 70 —
JESÚS DOS 12 AOS 30 ANOS 23

Donde se vé que nao tem propósito admirar-se alguém


pelo silencio dos evangelistas a respeito dos anos 12 a 30 da
vida de Jesús. A procura de explicagáo em viagens conjetu
ráis significa falta de conhecimento do assunto por parte do
pesquisador; é questáo mal colocada ou simplesmente baseada
em pressupostos e concepcóes falsas.

Tal silencio entende-se mesmo que Jesús tenha vivido


(como viveu realmente) até os trinta anos em seu país natal,
levando a existencia de carpinteiro.

Urna vez observada a inconsistencia do problema relativo


aos «anos obscuros» de Jesús, compete-nos examinar o pró-
prio texto do Evangelho, a fim de procurar ai algum indicio
do que tenha Jesús feito antes dos trinta anos.

2.2. Textos evangélicos e dados arqueológicos

Embora os Evangelhos sejam extremamente sobrios (pe


los motivos já assinalados) a respeito dos «anos ocultos» de
Jesús, dáo-nos a saber que o Senhor, antes de iniciar a vida
pública, exercia um mister na Palestina: era, sim, carpinteiro
conhecido como tal e vinculado a urna familia bsm conhecida.
Tenha-se em vista Me 6,2s, que nos refere palavras dos con
terráneos de Jesús:

"Qual é essa sabedoria que Ihe fo¡ dada ? E que grandes milagrea
sSo esses que se fazem por suas m3os ? Nao é esse o carpinteiro, o filho
de María, o irmáo de Tiago, José, Judas e SimSo ? E suas irmis nao
habitam conosco ?" (cf. Mt 13, 53-56).

Estes dizeres nos mostram que os conterráneos de Jesús


conheciam perfeitamente a identidade deste; sabiam 6 que
fizera até se manifestar em público. Fora carpinteiro; daí a
surpresa que experimentaram quando de seus labios ouviram
urna sabedoria nao adquirida em escola humana.

Fora provavelmente o pai adotlvo de Jesús, o carpinteiro


S. José, quem ensinara ao adolescente o oficio de carp'nteiro.
Diziam os rabinos: «Quem nao ensina um oficio a seu filho,
ensina-o a roubar». Entre os israelitas, todos os homens de-
viam conhecer um mister manual, mesmo aqueles que se con-
sagravam ao estudo da Lei; assim, por exemplo, Rabí Hillel
era lenhador, Rabí Chamai era carpinteiro... — Jesús nao
só aprendeu a arte manual do carpinteiro, mas praticou-a,

— 71 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 206/1977

como se depreende do texto de Me 6,2s atrás citado. O car-


pinteiro era, na época, alguém que conhecia todas as moda
lidades do trabalho com madeira; tanto cortava em esquadria
vigas para o apoio de terragos como fabricava camas, cofres,
cadeiras, armarios... Em aramaico, a palavra naggar como
em grego o vocábulo tekton significava marceneiro e mestre
de obras.

A propósito deste e de semelhantes oficios observa sabia


mente Giovanni Papini:

"O lavrador, o ferreiro, o pedrelro e o carpintelro sao os operarios


cujas artes manuais sio as mals entreligadas a vida humana, as mais
inocentes e as ma¡3 religiosas".

Visto que Jesús habitava a pequeña cidade de Nazaré na


Galiléia, pode-se crer que tenha também cultivado a térra e
apreciado o contato com a natureza do seu pais; urna tradi-
gáo antiga refere que Jesús, como crianza, apascentou carnei-
ros. Estes dados explicam que, no decorrer da sua vida pú
blica, Jesús se tenha retirado á noite para a montanha e a
solidáo, a fim de orar ao Pai (cf. Le 6,12). A Galiléia, bela
e fértil como é, estimula os afetos da alma e fala vivamente
a quem a contempla. De modo geral, Jesús terá levado vida
de pobre: habitava casa muito modesta, da qual se pode ter
idéia quando se visita a parte antiga da cidade de Nazaré.
A alimentacáo do Senhor era a do povo galileu: pao de cevada,
leite coalhado, ovos, hortalizas, pouca carne e, nos dias de
festa, «peixe grelhado». Foi do meio -social de vinhateiros,
lavradores, artistas, pescadores do lago — gente modesta e
pobre — que Jesús recebeu a sua formagáo humana. Os
galileus eram gente de bem e de coragáo simples (embora um
pouco i*ude). Jesús adotou a linguagem, com as suas nume
rosas imagens, e os costumes daquela boa gente, com a qual
se deve ter identificado na medida em que era verdadeiro
homem.

Examinemos agora as relagóes entre

2.3. Jew» o es essénlos

Como dito, alguns autores contemporáneos julgam que


Jesús tenha sido discípulo dos essénios, ou melhor, dos mon-
ges estabelecidos em Qumran a NO do Mar Morto.

— 72 —
JESÚS DOS 12 AOS 30 ANOS 25

Quem eram esses ascetas aos quais Jesús se terá filiado?

— No séc. II a.C, um grupo de sacerdotes e fiéis israe


litas se retiraram para o deserto de Qumran a fim de levar
urna vida toda dedicada á oragáo e ao trabalho; julgavam
nao poder conviver com os correligionarios em Jerusalém,
pois a fé destes lhes parecía contaminada pelo espirito mun
dano helenista. Queriam preparar na solidáo o Reino de Deus,
que irromperia sob a chefia de dois Messias: o Messias de
Aaráo que, representando o sacerdocio, estaría encarregado
de ensinar a Palavra de Deus e promulgar a Nova Lei, e o
'Messias de Israel, ao qual tocaría o poder regio de Davi. Esse
grupo de monges era inicialmente dirigido por um sacerdote
intitulado «Mestre de Justiga», intérprete das Escrituras Sa
gradas, o qual ensinava aos seus discípulos que se afastassem
da vida paga e renovassem a sua fidelidade á Lei de Moisés.

Pergunta-se agora: terá sido Jesús discípulo dos essenios,


tomando-se posteriormente urna figura-cópia do «Mestre de
Justiga? Ou será que Jesús nunca existiu físicamente, mas é
apenas a segunda edigáo literaria do «Mestre de Justiga»?
v

Respondemos: embora os essenios tenham alimentado


urna espiritualidade de ascese e de expectativa iminente do
Reino, á semelhanga do que aconteceu entre os primeiros
cristáos, devem-se registrar divergencias capitais entre Jesús
e o Mestre de Justiga ou, mais amplamente, entre o Cristia
nismo e o essenismo:

1) O «Mestre de Justiga» pregava como doutor inspi


rado, reagindo contra o falso espirito religioso do seu povo;
em conseqüéncia, sofreu perseguigáq por parte dos dirigentes
da nagáo. — Todavía nao consta que haja sido condenado á
morte; ao contrario, os textos de Qumran dizem que «se reu-
niu a seus pais» — expressáo que designa a morte tran
quila dos Patriarcas. Em parte alguma é anunciada a sua
ressurreigáo. Quanto á sua volta no fim dos tempos para jul-
gar o mundo, só pode ser defendida na base de contestáveis
mterpretagóes dos textos. Numa reflexáo serena verifica-se
que os tragos característicos do Mestre de Justiga coincidem
com- os que os israelitas atribuiam a Elias e aos profetas; só
o assemelham a Jesús na medida em que Jesús se assemelhou
aos profetas.

— 73 —
2£ «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 206/1977

2) A mentalidade essénia ou a mentalidade apregoada


pelo «Mestre de Justiga» parte de um pressuposto bem dife
rente do que Cristo apregoa. Ao passo que o «Mestre de Jus
tica» se retirava no deserto com seu grupo de discípulos para
evitar o contato com os homens «imundos», Jesús fazia ques-
táo de comer com os pecadores, de-dizer que viera salvar as
ovelhas perdidas,... que nao sao os sadios, mas os doentes,
que precisam de médico (cf. Me 2,16; Le 5,30). Fazendo isto
destoava dos fariseus e os escandalizava; muito mais teria
escandalizado os essénios, cuja Regra mandava «odiar todos
os filhos das trevas» (I 10); Cristo pregava o amor estensivo
até mesmo aos inimigos (cf. Mt 5,44; 22,40). Por conseguinte,
já se vé que váo seria querer fazer de Jesús urna segunda
edicáo do Mestre de Justica ou um discípulo dos essénios,
um continuador da mentalidade destes.

3) Ao passo que o Mestre de Justica aguardava o fim


dos tempos e a instauragáo do Reino de Deus por obra de
dois Messias, Jesús tinha consciéncia de ser o Messias pelo
qual estas realidades se iniciaram no mundo: «Eu sou o Mes
sias, que te falo» (Jo 4,26); «É agora o julgamento do mundo»
(Jo 12,31); «O Reino de Deus está em meio a vos» (Le 17,21).

4) Além disto, o Mestre de Justica afirmava repetida


mente sua distancia em relacáo a Deus, confessando-se indigno
pecador; Jesús, ao contrario, nao manifestava em absoluto a
consciéncia de pecado (cf. Jo 8,46). Ele mesmo perdoava as
culpas com desassombro, provocando voluntariamente a admi-
racáo dos fariseus, que exclamavam: «Quem pode perdoar os
pecados se nao Deus?» (Me 2,7). Se a consciéncia do pecado
é a marca dos santos, a falta desta consciéncia em Jesús, que
nao obstante possuia urna alma profundamente religiosa,
constituí um enigma para quem O observa á luz da mera
razáo.

5) Em Jesús nao se encontram vestigios do esoterismo


ou ocultismo que caracteriza os essénios em geral. Nada há
de mais oposto á doutrina de Cristo do que urna iniciacáo
reservada a poucos; Ele mesmo pregou ás claras, em público,
e mandou aos discípulos anunciassem sobre os telhados o que
tivessem ouvido em cubículos (cf. Mt 10,26s; Jo 18,20).

Em conseqüéncia destas observacoes, nao há em nossos


dias exegeta de autorídade que, na base dos manuscritos de

— 74 —
JESÚS DOS 12 AOS 30 ANOS 27

Qumran, identifique Jesús com o «Mestre de Justiga» ou com


um essénio. O autor que é tido como pioneiro desta tese,
A. Dupont-Sommer, apenas a insinuou, mas nunca a afirmou
como tal. Eis o que ele mesmo declarava depois que viu o
seu nome utilizado para patrocinar tal hipótese:

"Eu esbozara um ligeiro paralelismo que visava a despertar a curio-


sidade do leitor, sem pretender de modo algum solucionar, por meio de
simplificacio excesslva, um problema dos maÍ3 complexos... Seja-me licito
lembrar o inicio: 'O Mestre Galileu, tal como no-lo apresentam os escritos
do Novo Testamento, aparece sob mais de um aspecto como surpreen-
dente reencarnado do Mestre de Justica'. Ao passo que eu me exprimía
com cautelas intencionáis, os meus leitores suprlmiram as palavras essen-
ciais, atribuindo-me a seguínte frase: 'Jesús nao é mais do que surpreen-
dente reencarnagáo do Mestre de Justica!' Isto implica confundir 'ser' e
'parecer', implica deixar de lado urna precisáo importante; quem diz 'sob
mais de um aspecto' nflo dá a entender que a semelhanca nao é total?"
("Nouveaux aper?us sur les manuscrlts de la Mer Morte". París 1056,
pp. 206s).

3. Conduscto

Como se pode depreender na parte 1 deste artigo («As


hipóteses»), os autores que propóem tenha Jesús estudado em
escolas de sabedoria antigás na India, no Tibe, no Egito, no
Monte Carmelo, no deserto de Qumran..., sao geralmente de
tendencia ocultista, teosofista ou espirita; falam muito mais
na base de preconceitos ou de premissas próprias do seu eso-
terismo do que em conseqüéncia de estados exegéticos e
documentados; a fantasía sugere tais hipóteses, e nao o racio
cinio científico. A ocasiáo para que tais autores construam
suas teorías imaginosas, é o silencio dos evangelistas a res-
peito dos anos 12 a 30 de Jesús. Ora tal silencio é expli-
cável com facilidade desde que se tenha em vista a origem
dos Evangelhos, hoje mais do que nunca elucidada pelo mé
todo da historia das formas;, a ciencia exegética e a pesquisa
histórica propriamente ditas demonstram que a colocacáo do
problema relativa aos anos 12-30 de Jesús é falsa; a questáo
está mal colocada ou, simplesmente, nao tem razáo de ser
colocada. É táo somente a impericia nos estudos biblicos que
alimenta um tal questionamento. Seria, pois, para desejar
que nao se repetissem táo fantasistas explicagóes sobre Jesús!
Nao se gastariam tempo, papel e energía semi a mínima utíli-
dade!

— 75 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 206/1977

De resto — e isto é importante —> assim como a fan


tasía de varios leitores do Evangelho procurou reconstituir os
12-30 anos de Jesús imaginando viagens do Senhor ao Oriente
e ao- Egito, a fantasia de outros leitores concebeu narracóes
a respeito de Jesús em Nazaré nos anos de sua adolescencia:
terá exercido a profissáo de carpinteiro com S. José e reali
zado facanhas portentosas... Estas narracóes estáo contidas
nos chamados «Evangelhos Apócrifos», dos quais existe grande
número; embora estes tenham caráter evidentemente roman
cista, nao se Ihes nega por completo a autoridade; os bons
autores julgam que tais escritos sejam, num ou noutro tópico,
o eco de tradicóes históricas fidedignas. Donde se vé que
nao faltam, ao lado da literatura bíblica canónica, noticias
populares (e sujeitas a críticas, sem dúvida) que de algum
modo confirmam tcnha Jesús passado seus 12-30 anos em
Nazaré.

Bibliografía:

C. Mesters, "Deus, onde estás?", cap. 11. Belo Horizonte 1971.

D. Rops, "Jesús no seu tempo". Porto 1950.

C. H. Dodd, "O fundador do Cristianismo". S3o Pauto 1976.

G. Bornkamm, "Jesús de Nazaré". Sño Paulo 1976.

PR 4/1958, pp. 151-157.

H. Lesélre, "Jésus-Christ", em "DIcttonnairo de la Bible" llt/ll. Paris


1926.

P. Battlfol, "Evangiles Apocryphes", em "Dlctlonnaire de la Blbte"


ll/ll. París 1926, cois. 2114-2118.

F. Amlot, "Evanglles Apocryphes". Parla 1952.

A. Vfncent, "Les manuscrita hébreux du désert de Juda". Paris 1955.

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— 76 —
Um livro em foco:

"jesús responderá um padre"

Em slnleso: O livro "Jesús respondo a um padre" contém "revela-


cees" atribuidas a Jesús Cristo e María Santfssima e dirigidas a uma
vidente belga (dal a dificuldade de se explicar o titulo da obra). Censura
severamente as autoridades da tgreja por causa da renovacSo litúrgica (uso
do vernáculo, altar voltado para os fiéis, Ministros extraordinarios da Co-
munhSo Eucaristica...). Entre os dizeres atribuidos a Cristo, encontram-se
proposicdes mal formuladas do ponto de vista teológico. Além disto, o
livro sobrepóe as visSes particulares á autoridade do Sumo Pontífice, asse-
verando, entre outras coisas, que Paulo VI está sendo vltima de seus asses-
sores, de modo que nfio governa plenamente a Igreja.

Ora um dos criterios mais importantes para se julgar a autentlcidade


das revelacfies particulares é a sua consonancia com a autoridade e a
doutrina oficiáis da Igreja (cf. Constltuicáo "Lumen Gentium" n? 12). Quem
pretende orientar a Igreja de Cristo em espirito de desconfianca ou sus-
peita ao Sumo Pontífice, está fazendo "igrejinha" — o que é obra satánica,
em última Instancia. É, sem dúvida, necessário reprimir os abusos que se
registrem no comportamento dos membros da Igreja: Paulo VI e a Santa Sé
tém-se empenhado incansavelmente por coibl-los; a reta atitude crista
apoia filialmente o Sumo Pontífice tanto no que ele propSe de novo e
alual como na repressáo aos abusos 'que ele empreende.

Els por que o livro "Jesús responde a um padre", apesar do estilo


de fervor e zelo que o anima, carece de autorldado o dove ser profligado.

Comentario: Tem impressionado varias pessoas o livro


«Jesús responde a um padre», traducáo e apresentagáo do
Pe. Aldemar Ferrari (Ed. Lidadora, Rio de Janeiro). O livro
traz mesmo um prefacio de D. Antonio de Almeida Mo-
raes Jr., arcebispo de Niterói.

Esse impresso vem a ser uma apología de revelacóes


particulares, cuja autenticidade o Pe. Aldemar abona, em-
bora á p. 171 da 2» edigáo professe «a intencáo de nao atri
buir as manifestacóes e revelagóes sobrenaturais aqui descri
tas outra fé além da humana, cabendo ao juizo da Santa
Igreja o pronunciamento definitivo». Em sua parte principal,
o livro apresenta palavras atribuidas a Cristo referentes á
vida da Igreja de nossos dias: constitui severa censura nao

— 77 —
30 «PERCUNTE E RESPONDEREMOS» 206/1977

somente aos abusos, mas também a reíonna litúrgica oficial


da Igreja. No caso, Jesús dirige-se a uma vidente belga,
conservada no anonimato — o que leva a estranhar o título
do livro «Jesús responde a um padre». Ás vezes, a Vir-
gem SS. é também apresentada a falar; algumas passagens
sao formuladas em nome dos Sagrados Coracóes de Jesús e
de María — o que justifica o título francés original: «Répon-
dez á l'appel de Nos Coeurs et vous screz sauvés...»

O livro dá a impressáo de que a Igreja está sendo gover-


nada por agentes de Satanás (cf. p. 91), aos quais as.almas
piedosas tém a obrigacáo de resistir, apegando-se a todos os
costumes antigos sem discernimento. Ora nao se pode deixar
de reconhecer imediatamente que uma tal atitude é errónea;
procede de espirito obsessivo, que nao leva suficientemente
em conta as linhas do pensamento e disciplina da Igreja de
hoje.

É o que nos leva- a propor uma análise do livro, da qual


resultará com evidencia a índole espuria e ilusoria do mesmo.

1. Visees particulares

A teología católica ensina que a Revelagáo oficial e pú


blica de Deus aos homens se concluiu com a mensagem de
Jesús Cristo (cf. Constituicáo «Dei Verbum» n* 4). Após a
geracáo apostólica nenhum artigo de fé é revelado e imposto
pelo Senhor Deus aos homens: «Nao é possível esperar outra
revelacáo pública antes da gloriosa manifestacáo de nosso
Senhor Jesús Cristo» (n' 4).

Todavia podem-se admitir genuínas revelacóes particula


res, através das quais o próprio Cristo ou a Virgem SS. ou
algum santo recordé certo ponto de fé obliterado ou exortem
á oracáo e á penitencia... O teor dessas revelagóes parti
culares há de ser examinado á luz da fé oficial da Igreja:
caso estejam em consonancia com esta, será lícito admitir a
autenticidade das mesmas (tais foram os casos de Lourdes,
Fátima...). Todavia, desdo que nelas se perceba algo de
discordante mx estranho em relacáo á fé oficial, as revelacóes
particulares se tornam suspeitas e merecem ser rejeitadas.
Hoje em día muitos fenómenos psicopatológicos se exprimem
através de fórmulas e atitudes religiosas; assim pessoas víti-
mas de alucinacáo e obcecacáo projetam as suas idéias pe-

— 78 —
«JESÚS RESPONDE A UM PADRE> 31

rante o público como se fossem reveladas pelo próprio Deus.


Foi o que aconteceu nos casos de Garabandal e Palmar de
Troya na Espanha, segundo declaragóes oficiáis da Igreja
baseadas em meticulosos inquéritos.

Com outras palavras: a Igreja nao recusa a possibilidade


de revelagóes particulares, mas atribuí ao seu magisterio a
faculdade de as examinar e julgar; deve haver criterios obje
tivos que nos levem a reconhecer o que é verídico e autén
tico e o que é criagáo de mística doentia ñas manifestagóes
religiosas contemporáneas.

Ora as «revelagóes» particulares consignadas no livro


«Jesús responde a um padre» tém nítidamente o caráter de
fenómenos espurios, pois propóem teses e perspectivas teoló
gicas que nao se coadunam com a fé oficial da Igreja nem
com os resultados mais seguros das pesquisas teológicas con
temporáneas.

Tentaremos evidenciar esta afirmagáo, salientando, a se


guir, os pontos fainos da teología adotada pela vidente. Cita
remos as páginas do livro segundo a numeragáo da 2* edigáo
do mesmo.

2. Pontos teológicamente fainos

Recensearemos os seguintes:

2.1. Perda de textos bíblicos

A p. 56 lé-se:

"No correr dos séculos perderam-se textos origináis das Sagradas


Escrituras, destruidos em conseqüéncla de catástrofes. Outroe estño escon
didos e aínda nüo descobertos.

Certos textos foram reconstituidos por quem nSo tinha conhecimento


de tradu?So, sendo os causantes involuntarios de serlos equívocos.

Em contraposicáo, outros elaboraram urna traducSo muito pessoal,


eliminando de próprla mSo aquilo que supunham inconveniente.

Numerosos enxertos foram Inseridos na redacto auténtica, e por este


motivo persiste nSo pequeña confusio na interpretado dos Llvros Santos.
Somente aqueles que Me dedicarem sincero amor, abriré! suas mentes com
o dom do entendimento".

— 79 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 206/1977

Na vcrdade, as ciencias bíblicas admitem que se tenham


perdido escritos de Sao Paulo como a epístola aos Laodi-
cenos (cf. Cl 4,16), a epístola anterior á nossa ICor (cf.
ICor 5,9)... O texto original aramaico de S. Mateus, caso
tenha existido, está perdido... Nao é impossível, a rigor, que
outros escritos do Antigo e do Novo Testamento se tenham
extraviado... Todavía é preciso que nao admitamos isto de
maneira vaga e genérica. Ademáis a mensagem da Biblia foi
sempre considerada como o eco escrito da Palavra de Deus
revelada oralmente; esta é anterior á escrita bíblica e é cri
terio para se entenderem devidamente as páginas bíblicas.
Com outros termos: a Ttevelagáo Divina nos foi transmitida
nao somente por via escrita, mas também por via oral. Em
conseqüéncia, o depósito sagrado passou realmente de gera-
cáo em geracáo até nos, seja pela tradicáo oral, seja pela tra
dicáo escrita. Para que- houvesse fidelidade nessa transmis-
sáo, o próprio Cristo prometeu 'á sua Igreja a assisténcia
infalível do Espirito Santo. Tenham-se em vista a propósito
as palavras do Concilio do Vaticano II:

"Deus dispós com suma benígnidade que aquelas coisas que reve
lara para a salvacáo de todos os povos permanecessem sempre Integras
e íossem transmitidas a todas as geragSes. Por isto o Cristo Senhor, em
quem se consuma toda a revelagao do Altissimo Deus, ordenou aos Apos
tólos que o Evangelho... fosso por eles pregado a todos os homens como
fonte de toda verdade salvifica e de toda disciplina de costumes... E isto
foi fielmente executado tanto petos Apostólos, que pela pregacSo oral, por
exemplos e instituigoes, transmitiram aquelas coisas que ou receberam
das palavras, da convivencia e das obras de Cristo, ou aprenderam das
sugestdes do Espirito Santo, como também por aqueles Apostólos e varOes
apostólicos que, sob a insplracáo do mesmo Espirito Santo, puseram por
escrito a mensagem da salvagáo.

Mas, para que o Evangelho sempre se conservasse inalterado e vivo


na Igreja, os Apostólos deixaram como sucessores os blspos, a eles trans-
mitindo o seu próprio encargo de Magisterio. Portanto esta Sagrada Tra-
dicao e a Sagrada Escritura de ambos os Testamentos sao como o espelho
em que a Igreja peregrinante na térra contempla a Deus, de Quem tudo
recebe, até que chegue a vé-Lo face á face como é" (Const. "Del Ver-
bum" n? 7).

Quanto a falhas que tenham dcorrido no ato de se copiar


ou traduzir o texto bíblico através dos séculos, elas sao reco-
nhecidas e devidamente apontadas pela critica do texto sagra
do: as edigóes científicas da Biblia apresentam sempre as va
riantes do texto adotado. Essas variantes, em quinze casos do
Novo Testamento aproximadamente, referem-se ao sentido teo
lógico da passagem em questáo; todavía o confronto dos ma
nuscritos permite reconstituir o teor do texto original autó-

— 80 —
«JESÚS RESPONDE A UM PADRE» 33

grafo; ademáis a comparagáo dos textos de livros bíblicos di


versos contribuí para dirimir possíveis dúvidas sobre o signifi
cado teológico de algum texto em questáo. O magisterio da
Igreja, sob a assisténcia do Espirito Santo, é atento á preser-
vagáo e á auténtica interpretagáo da Biblia, de modo que o
fiel católico nao hesita no tocante á autenticidade das fontes
da fé, nem precisa de revelagóes particulares extraordinarias
para dirimir as dúvidas que a propósito ele venha a conceber.
Se tais revelagóes fossem necessárias e üvessem valor inde-
pendentemente do magisterio da Igreja, os cristáos cairiam
na inseguranga e no subjetivismo.

2.2. Nascimento virginal

É curiosa a interpretacáo que o livro atribuí á expressáo


«nascimento virginal». Tenham-se em vista, por exemplo, os
seguintes trechos:

"O Nascimento Virginal quer dizer:

Nascer sem pecado e livre de toda mancha.


É um privilegio que o Pai Eterno concedeu ás duas almas mais santas:
Nosso Senhor Jesús Cristo e a Santfssima Virgem.
Este privilegio está vinculado á ConceicSo Imaculada de Jesús e á
Imaculada ConceicSo de María" (p. 90).

"Procura o sentido da oracSo que Mlnha MSe Santíssima ensinou á


Irma Catarina Labouré: V5 María, sem pecado concebida, rogai por nos,
que recorremos a Vos!' Esta invocacSo lembra o Nascimento Virginal da
Santíssima Virgem María, a eleita do Eterno Pai. Quis Ele fosse Ela imune
da culpa original, para se tornar a Mae do Verbo Encarnado. É isso a
Imaculada Concei;So.

O anjo do Senhor anunciou a Marta que Ela seria a MSe do Salvador,


e Ela concebeu do Espirito Santo. Isto é a Imaculada Conceisáo na sua
qualidade de Mié de Deus, pelo nascimento do seu Filho Único, Jesús Cristo.

Os privilegios desses dois milagrea pela bondade do Pai Celeste


dáo-Lhe o titulo de Imaculada por toda a eternidade" (p. 87s).

Nestas passagens há a confusáo entre «nascimento virgi


nal» e «Imaculada Conceigáo», confusáo que nao é rara entre
fiéis católicos pouco esclarecidos.

Na verdade, «nascimento virginal» significa um fato físico


(que tem o valor de sinal ou símbolo de algo de transcen
dental). Diz-nos a fé que Jesús nasceu virginalmente de Ma
ría SS-, ou seja, María nao recebeu de José o principio da

— 81 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 206/1977

sua matemidade, mas o recebeu diretamente do próprio Deus,


visto que Ela haveria de ser Máe do Filho de Deus feito
homem. Nao se pode dizer que María também tenha nascido
virginalmente de Santa Ana; a tradigáo (nao bíblica) apenas
nos diz que Joaquim e Ana eram andaos quando María foi
concebida por S. Ana; isto nao significa que Ana tenha con
cebido virginalmente. Note-se que também Zacarías e Elisa-
bete eram anciáos quando lhcs nasccu Joáo Batista; nao
obstante, nunca se ensinou que Elisabete tenha concebido vir
ginalmente; Joáo Batista foi sempre considerado filho do casal.

O dom da Imaculada Conceígáo é essendalmente diverso


do da conceigáo virginal. Significa, sim, que alguém (no caso,
Jesús Cristo e María SS.) foi concebido sem contrair a heranga
do pecado dos primeiros pais. Essa heranga, embora seja
transmitida de geragáo a geragáo, nao significa que o pro-
cesso natural da fecundagáo humana seja impuro. Este em
si é algo de moralmente neutro; pode ser mesmo muito santo,
se realizado dentro dos ditames da lei de Deus.

Ora a confusáo teológica entre nascimento virginal e


Imaculada Conceigáo — como a que mencionamos sob o tí
tulo 2.1 — contribuí para evidenciar a índole espuria das
«revelagSes» em foco.

2.3. A ¡nspirajáo do Credo

A p. 49 lé-se:

"O Credo é a oradlo que cada um dos Apóstoles compAs sob a ins-
piracSo do Espirito Santo".

Esta noticia tem a seguinte origem:

No sáculo IV S. Ambrosio de Miláo e o escritor Rufino


de Aquiléia atribuiam a composigáo do Credo aos Apostólos,
mesmo quando a redagáo do mesmo ainda nao estava distri
buida por doze artigos. No séc. VI houve quem levantasse a
hipótese de que cada um desses artigos tivesse por autor um
dos doze Apostólos. Todavía no Concilio de Ferrara (1438)
o arcebispo grego de Éfeso, Marcos Eugénico, declarou que
na Igreja Oriental se ignorava a existencia de urna profissáo
de fé redigida pelos próprios Apostólos. Este e outros dados
evidenciaran! que o Credo nao foi composto pelos Apostólos
nem é inspirado como a' S. Escritura é inspirada, embora ex-

— 82 —
«JESÚS RESPONDE A UM PADRE» 35

prima de maneira auténtica o conteúdo da fé católica. Vé-se,


pois, que o texto do livro em foco cedeu mais urna vez a
impropriedade de linguagem e doutrina.

2.4. O purgatorio

Á p. 47 lé-se:

"Multidfio de consagrados lera de sofrer a pena do purgatorio por


mu¡tos séculos aínda..."

Ora a idéia de «purgatorio» protraído por séculos tam-


bém é impropria. Após a morte nao há tempo nem conta-
gem de tempo. O purgatorio significa a penetragáo do amor
de Deus até o intimo do cristáo, «corroendo» assim os resqui
cios de pecado que este tenha carregado negligentemente du
rante a sua vida terrestre. Essa penetragáo do amor se faz
no evo (assim se designa a existencia postuma), evo que
significa algo diverso do tempo e da eternidade; designa, sim,
a existencia de criatura que teve comego, mas nao terá fim;
está subtraida ao contexto do movimento dos astros (tempo),
mas nao é incriada ou eterna como Deus é incriado e eterno.

É-nos difícil, senáo impossível, avaliar propriamente a


duracáo do purgatorio... Neste nao é o movimento dos astros
que representa a duracáo, mas sao os atos dos espirites, atos
de conhecimento e de amor; cada um desses atos é urna uni-
dade de duracáo ou um instante espiritual, e cada qual desses
instantes pode corresponder a dez, vinte, trinta ou sessenta
horas do nosso tempo solar (como urna pessoa pode perma
necer horas continuas em éxtase, absorvida por um único
Densamente); os atos sucessivos dos espirites constituem a
serie dos instantes espirituais chamada evo ou eviternidade.
Ora, já que nao se vé qual a proporc.áo vigente entre o tempo
solar e o evo dos espirites, torna-se-nos impossível avaliar a
duragáo das penas do purgatorio para algum cristáo.

2.5. Segunda v'mda de Cristo

A p. 119 lé-se que a segunda vinda de Cristo está para


ocorrer em breve, já havendo sinais próximos da mesma.

Esta proposicáo pode ser verídica, mas a contraria goza


de igual probabilidade. No decorrer da historia, os homens,

— 83 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 206/1977

ao sofrerem calamidades e angustias, julgaram periódicamente


que o fim do mundo estava próximo.

Assim nos séc. IV/VI, quando Roma era abatida pelos


golpes dos bárbaros e o caos se instalara na Europa, eram
freqüentes os prognósticos de próximo fim do mundo.

Em fins do séc. XII o abade Joaquim de Fiore levantou


semelhante hipótese, bascado em textos bíblicos interpretados
ao modo do autor.

Durante o séc. XV, os males físicos e moráis que assola-


vam a sociedade, provocavam idéntica expectativa.

Posteriormente, Tiago Nacchiante O.P. (f 1569), Corné-


lio a Lapide (t 1637),- Joáo Bengel (í 1752), os adventistas
do séc. XIX, as Testemunhas de Jeová e os Amigos do Ho-
mem no séc. XX predisseram também para breve a segunda
vinda de Cristo. Todavía a experiencia até hoje desmentiu
tais profecías; estas constituem um fenómeno psicológico e
sociológico, decorrente do abalo interior do povo ou do desá
nimo que as grande sacudidelas da historia provocam nos
homens e ñas sociedades.

É á luz destas observagóes que se háo de considerar os


dizeres proféticos dos últimos anos (aos quais faz eco o livro
em foco) referentes á iminéncia do fim do mundo.

Ainda mais grave do que todos estes pontos particulares


é talvez a posigáo de suspeita do livro em relagáo aos Papas
e ao magisterio oficial da Igreja. É o que passamos a
considerar.

3. O Papado

É principalmente por causa da renovagáo litúrgica e da


posigáo de reserva assumida pelos Sumos Pontífices frente as
revelagóes particulares que o livro censura os Papas. Ao passo
que Pió XII é duramente julgado, Paulo VI é indevidamente
apresentado como vítima, conforme se depreende das passa-
gens abaixo:

"Este meu pobre filho (o Santo Padre) é prisioneiro de Satanes cuja


autoridade dita as leis no Vaticano, hoje o covil do demonio. O meu Re
presentante é a sua vítima, a ponto de dispensaren) opiniSo do Papa para
publicar decretos, que se dlzem assinados por ele.

— S'l —
«JESÚS RESPONDE A UM PADRE* _37

Trata-se de falsos documentos para desacreditar o Santo Padre parante


a estima dos fiéis. Carecem do seu consentimento.

Ele jamáis se distanclou de minhas ordens a nao ser pela forca


Impositiva dos algozes.

O Supremo Pastor da Igreja é o refém do Marxismo e da Franco-


-Maconarla. é o mártir desta Igreja que súditos infames querem deitar
abalxo" (p. 91s).

"Fllhos meus, do mundo inteiro, Palmar de Troya é a tocha da Igreja.


Aquí se mantém acesa a Tradtcáo, porque existe amor intenso ao Papa.
Eu, vosso Deus e Senhor, vos asseguro que Paulo VI nao é culpado de
nada. O coracSo dele é meu. Ele ama a Igreja e sofre pela Igreja. Quando
ele diz atguma coisa contra a Tradicáo, nao é o Papa quem a diz; foi-lhe
imposto I O Papa no Vaticano é um prlsloneiro! Vou ser claro: O PAPA
CONSTANTEMENTE é DROGADO! Envenenam a sua comida. Até no vinho
da ConsagracSo colocam drogas. Pobre Santo Padre ! Ele é grande santo.
No entanto, muitos o consideram um energúmeno..."

A conseqüéncia destas observagóes é que as decisóes de


Paulo VI que nao agradem aos videntes, sao tidas por estes
como espurias e desautoradas.

Que dizer a propósito ?

1) A tese de que Paulo VI está sendo dominado por


seus asseásores e, por conseguinte, nao tém autoridade os
documentos publicados com o seu nome, carece absolutamente
de fundamento. Paulo VI vem seguindo urna orientagáo coe-
rente desde o inicio do seu pontificado, embora mostré sofrer
profundamente; com efeito, o Pontífice, na execugáo das medi
das renovadoras preconizadas pelo Concilio do Vaticano II,
vem procurando manter-se equidistante dos extremos conser-
vadorista e liberal. Todas as quartas-feiras, Paulo VI, ao rece-
ber os peregrinos em audiencia pública, expóe-lhes o seu pen-
samento com serenidade e tenta explicar os porqués de suas
atitudes; ele tem consciéncia do que diz, ainda que desagrade
aos extremistas. É, pois, afoito, se nao calunioso, tachar o
Pontífice de instrumento ou juguete das facgóes na Igreja.

2) Sobrepor a autoridade de «visóes» á autoridade obje


tiva dos Sumos Pontífices significa correr o risco de colocar
«sua própria autoridade ácima da autoridade papal». Os mes-
tres da teología mística, como S. Teresa e S. Joáo da Cruz,
sempre recomendaran^ reserva frente as visóes e aos dons
extraordinarios; é preciso que nao se lhes dé fácil crédito, pois,
na verdade, podem nao ser mais do que efeitos da acáo dia
bólica ou projegóes subjetivas do subconsciente ou do incons-

— 85 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 206/1677

ciente do «vidente»; sao a cobertura envernizada para o orgu-


lho e o individualismo (ás vezes, inconscientes) do próprio
vidente. Um dos criterios de auténtica visáo é a fidelidade
do conteúdo da mesma a doutrina oficial da Igreja. É a esta
que compete julgar os carismas e declará-los auténticos ou
nao; cf. Const. «Lumen Gentium» n' 12 (do Vaticano II):

"Os dons extraordinarios n§o devem ser temerariamente pedidos,


nem deles devem presurosamente ser esperados frutos de obras apostó
licas. O julzo sobre sua autentlcldade e seu ordenado exercício compete
aos que governam a Igreja. A eles em especial cabe nSo extinguir o Espi
rito, mas provar todas as coisas e ficar com o que ó bom".

Na auténtica tradigáo da Igreja, o extraordinario signi


fica muito pouco; é certamente muito menos importante do
que os meios ordinarios de expressáo e tramitagáo da vida
da Igreja.

De resto, nao se pode entender a fidelidade a Cristo sem


fidelidade á Igreja,... e a Igreja concreta de nossos dias.
Esta pode ter fainas por parte dos homens que a integram;
todavia os fiéis mostram seu amor a Cristo quando procuram
colaborar para o saneamento destas falhas sem disseminar
desconfianga e divisáo.

Os escritos do Novo Testamento incutem todos esta ati-


tude de reserva. Dizia Sao Paulo: «Se alguém — aínda que
nos mesmos ou um anjo do céu — vos anunciar um Evange-
lho diferente do que vos anunciamos, seja anatema!» (Gl 1,8).
A norma da Tradigáo é «a fé confiada urna vez por todas aos
santos» (Jd 3). As próprias visóes e revelagóes de Sao Paulo
nao eram, para este, motivo de gloria (2Cor 12,5.9s). A
Igreja nao recusa, de antemáo, a possibilidade de aparigóes,
pois Deus se comunica como e quando Ele quer. Todavia é
preciso que se faga o que manda o Apostólo: «Provai tudo e
ficai com o que é bom» (lTs 5,21). «Provar», isto, é, nao
se precipitar temerariamente ao encalgo de qualquer apre-
goado acontecimento extraordinario; mas, antes, tomar dis
tancia e examinar, para depois decidir. Foi o que a Igreja
fez, dando aprovagáo, nos casos de Lourdes e Fátima; foi o
que Ela fez também, exprimindo desaprovagáo, nos casos de
Garabandal e Palmar de Troya, casos sobre os quais infeliz
mente se apoia o livro que vimos analisando.

3) As «aparigóes» do Papa Pió XII e de bispos faleci-


dos á «vidente» Teresa Obermayer (cujas revelagóes haviam
sido recusadas pelo Papa e pelos prelados) sao algo de inve-

— 86 —
«JESÚS RESPONDE A UM PADRE» 39

rossímil, se nao ridículo; cf. pp. 161-169. É necessário que se


tenham criterios persuasivos para se admitir que os mortos
falam aos vivos.

Em sintese, qualquer tentativa de corrigir fainas, reais


ou hipotéticas, existentes na Igreja Católica é prejudicial á
própria Igreja, se é empreendida em contradigáo á autoridade
pontificia; quem quer «salvar» a Igreja disseminando descon-
fianga e espirito de cisma (ainda que «envernizado») só faz
prejudicar a obra de Cristo que o «profeta» deseja salvar. A
humildade (que nao excluí a fortaleza de ánimo) é impres-
cindível para qualquer tentativa de censura ou critica, pois,
caso falte, a censura pode vir a ser mera expressáo da auto-
projegáo do censor.

4. A renovagóo litúrgica

1. O livro em foco rejeita outrossim as diversas for


mas da renovagáo litúrgica preconizada pelo Concilio do Va
ticano II (Const. «Sacrosanctum Concilium») e executada
paulatinamente pelo S. Padre Paulo VI: o novo rito da Missa,
o uso da língua vernácula ñas celebracóes litúrgicas, a colo-
cagáo do altar de frente para os fiéis, a distribuigáo da Comu-
nháo na máo, a instituigáo dos Ministros Extraordinarios da
Comunháo Eucarística... sao recriminados pela vidente!

Nao é o caso de provarmos aqui a autenticidade de cada


urna destas determinacóes da Santa Sé. Á p. 92 (em nota), o
autpr responsável pela obra em portugués (Pe. A. Ferrari)
admite que «tais permissóes possam provir de Roma, mas
nao do Papa». Ora a distincáo é sutil e ilusoria; significa,
mais urna vez, que- o S. Padre Paulo VI talvez nao esteja
governando a Igreja — o que é arbitrario, para nao dizer:...
totalmente falso. O mesmo autor julga que a dúvida a res-
peito só poderia ser dirimida por intervengáo extraordinaria
do Senhor Jesús. Ora a inconsistencia de tal posigáo é evi
dente. Sim; crer que a Igreja só pode caminhar a toque de
milagres por Ihe faltarem meios ordinarios de discernir a von-
tade de Deus equivale a negar a sabia Providencia Divina ou
mesmo equivale a negar a própria Igreja.

2. De resto, a Santa Sé mais de urna vez tem procurado


dissipar a suspeita de que as novas formas litúrgicas estejam
impregnadas de protestantismo, como dizem alguns críticos

— 87 —
40 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 206/1977

conservadores. Seja citado, por exemplo, o caso do jorna-


lista Georges Huber, que assim se dirigiu á Sala de Imprensa
da Santa Sé aos 2/II/1976:

"Entre os motivos alegados, ao menos na Suíga alamánica, contra a


aceilagao do novo Rito da Missa, encontra-se a objeto de que seis teólo
gos protestantes teriam participado da elaboracSo dos novos textos litúr
gicos, comprometendo assim a pureza da doutrina católica tradicional.
Donde as duas seguintos respeitosas porgunlas:

— Houve participagSo protestante na elaboracáo do novo Rito da


Missa (Ordo Missae) ?

— Em caso afirmativo, qual foi exatamente a sua fungió ?"

A resposta apresentada pela Sala de Imprensa da Santa


Sé foi a seguinte:

"Á3 perguntas do jornatista Georges Huber referentes á particlpagáo


de teólogos protestantes na redacao do texto do Novo Missal, o Dirotor
da Sala de Imprensa da Santa Sé pode responder:

1. Em 1965, alguns membros de comunidades protestantes exprlml-


ram o desejo de seguir os trabaIhos do Conselho constituido para a apli-
cacáo da Constituicáo sobre a Liturgia.

2. Em agosto de 1966, seis teólogos de diversas denominares pro


testantes foram admitidos como simples observadores.

3. Os observadores protestantes nao participaram da elaboragáo dos


textos do novo Missal.
Aos 25 de fevereiro de 1976"

3. Merece atencáo ainda o documento publicado as


pp. 170s do livro analisado. É urna advertencia da Curia Dio
cesana de Campos, que afirma, entre outras coisas: «A Sa
grada Congregacáo do Culto Divino concede a todo sacer
dote que celebre em latim, a faculdade de conservar o Ordo
Missae de S. Pío V». Ora esta comunicado da Curia Dioce
sana de Campos data de l"/DÍ/1970. Supunha urna fase da
renovacáo litúrgica que foi superada posteriormente por deter-
minacáo que extinguía o uso do Missal de S. Pió V. Com
efeito, aos 28/X/74 a Santa Sé publicou a seguinte disposicto
mediante a Congregacáo do Culto Divino:

"Em nota datada de 14/VI/71, a Congregacáo do Culto Divino deter-


minou, com a aprovagfio do Sumo Pontífice, as fungóos das Conferencias
Episcopais no tocante á tradugBo dos livros litúrgicos para as linguas ver
náculas ; também estipulou as normas para se pedir e obter da Santa Sé
a aprovagao dessas tradugSes.

— 88 —
«JESÚS RESPONDE A UM PADRE» 41

As traduces foram aos poucos sendo realizadas no mundo inteiro.


Jé é decorrido tempo suficiente para que este trabalho esteja quase ter
minado.

No caso do Missal Romano, quando urna Conferencia Episcopal tenha


decidido que,ynos territorios da sua jurlsdicio, se deve adotar o Missal
Romano errf lingua vernácula ou tatvez apenas urna das partes deste {por
exemplo, o Ordo MIssae), a partir desse momento já nao é licito celebrar
a Missa quer em latim, quer em vernáculo, senáo conforme o rito do Missal
Romano promulgado pela autoridade de Paulo VI aos 3 de abril de 1969.

Esta S. Congregacáo promulgou normas em favor dos sacerdotes


que, por causa da sua idade ou das suas enfermidades, encontram graves
dificuldades em observar o novo Ordo (Rito) do Missal Romano ou o lecio-
nário da Missa. Conforme tais normas, é claro que o Ordinario pode per
mitir a esses sacerdotes que conservem, total ou parcialmente, o Missal
Romano conforme a edigáo típica de 1962, com as modificagoes decretadas
em 1965 e 1967, mas táo somente para a celebragao da Missa sirte populo
(sem assembléia). Por conseguirte, os Ordinarios nao podem conceder
essa autorizacao para as Missas celebradas cum populo (com assembléia).

Que os Ordinarios locáis e os Ordinarios dos Religiosos cuidem de


que o Ordo Mfssae do Novo Missal Romano seja aceito da maneira que
Ihe ó devida por todos os sacerdotes e os fiéis do rito romano... Tratem
também de que esse Ordo Missae seja objeto do maior zelo e de grande
pledade para que nele se descubram os tesouros da Palavra de Deus e
da doutrlna litúrgica e pastoral que ele contém".

Esta declaracáo da Congregagáo para o Culto Divino


— que tem a plena aprovacáo de Paulo VI — tornou-se neces-
sária em vista de resistencias, mal esclarecidas, ao Novo Mis-
sal. Vé-se que a Santa Sé nao recusa o uso do latim na cele-
bragáo da Eucaristía, mas exige que, tanto para as Missas
em latim como para aquetas em vernáculo, nao se adote
senáo um tipo de Missal, isto é, o novo Missal promulgado
pelo S. Padre Paulo VI. O Missal anterior fica reservado ao
uso de sacerdotes idosos ou enfermos que nao se possam adap
tar ao novo rito e que celebrem sem assisténcia de fiéis. Em
1969/1970 ainda era lícito recorrer ao Missal de S. Pió V,
porque o novo Missal ainda nao estava completo; urna vez,
porém, terminada a obra de reforma do Missal, a Santa Sé
já nao autoriza (senáo excepcionalmente) o retorno ao
antigo rito.

Também neste ponto o livro «Jesús responde a um padre»


aparece mal orientado.

— 89 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 206/1977

5. Em síntese. . .

Em síntese, reconhecemos a boa intengáo dos que promo-


vem as idéias- e a difusáo do livro «Jesús responde a um
padre». Nota-se ai o desejo de preservar incólumes certos
valores da fé e da piedade... Todavía é preciso também
reconhecer ai um zelo pouco esclarecido, baseado sobre fun
damentos inconsistentes. Em conseqüéncia, o livro dissemina
teses erróneas, que perturbam e prcjudicam os fiéis sinceros c
despreparados. Caso tais idéias encontrem aceitagáo em al-
gum leitor, suscitam atitude de suspeita, desconfianga e de
«igrejinha» nesse cristáo — o que é deplorável.

De resto, é justo realgar que precisamente no final da


obra o Pe. Aldemar Ferrari observa :

"Em homenagem aos decretos de Urbano VIII e ás normas do Con


cilio Vaticano II, n5o temos a intencSo de atribuir ás manifestac6es e reve-
lacdes sobrenatural aqui descritas outra fé além da humana, cabendo ao
juízo da Santa Igreja o pronunciamento definitivo" (p. 171).

Esta observacáo, humilde e fiel a S. Igreja, nao poderia


deixar de ser levada em consideragáo por qualquer leitor do
livro em foco. Que todos, assim como o Pe. Aldemar, este-
jam dispostos a atender dócilmente ás advertencias da S. Sé
e do Papa Paulo VI. evitando criar «igrejinhas» ou pequeños
quistos dentro da única e santa Igreja de Cristo.

A rejeigáo do livro nao quer dizer que sejam tolerados


os abusos. Estes háo de ser impugnados, todavía pelas vias
ordinarias a que as autoridades da Igreja e os fiéis sinceros
costumam recorrer; tal é o caminho que a fé esclarecida
indica, certa de que o Senhor Deus age pelo sacramento da
Igreja, realizando as suas habituáis maravilhas através dos
sinais ordinarios que Ele instituiu como instrumentos da sua
Providencia.
Estévao Bettencourt O.S.B.

— 90 —
LIVROS EM ESTANTE 43

livros em estante
As parábolas de Jesús, por Joachlm Jeremías. TraducSo do alemSo
por Joáo Rezende Costa. ColegSo "Nova Bíbllca"-1. — Ed. Paulinas, SSo
Paulo 1977, 130x210 mm, 238 pp.
Joachlm Jeremías é um grande exegeta, que se iem dedicado ao
Método da Historia das Formas, ou seja, & pesquisa das influencias que o
ambiente judeu e o mundo greco-romano exerceram sobre a transmissáo
das palavras de Jesús. O mesmo autor publlcou estudos de tal género
referentes ao Sermáo da Montanha (Mt 5-7) e ao Pal-Nosso (traduzloos e
publicados também pelas EdicSes Paulinas). O trabalho de Jeremías sobre
as parábolas, que agora apresentamos, é obra-prima no género. Embora
o autor seja protestante, as suas conclusoes podem ser tranquilamente
adotadas pelos leitor católico, visto que J. Jeremías é nao somente um
erudito de valor, mas também um homem de fé e de respeito ao misterio
da Palavra de Deus.
O autor analisa trinta e nove parábolas dos Evangelhos Sinóticos
(Mt, Me e Le) e tenta, através de consideracSes lingüisticas, literarias e
históricas, distinguir
— o que no texto atual do Evangelho pode ser tido como "ipsissima
verba Christi" (as próprlas palavras de Cristo),
— e o que parece provir de explicitaedes e adaptagóes destas pala
vras, feltas pelos pregadores da Boa-Nova nos diversos ambientes do impe
rio greco-romano em que lam apregoando o Evangelho.

Jeremías chega assim a mostrar facetas multo interessantes do ensl-


namento de Jesús e do magisterio dos discípulos. P8e em relevo as apll-
caedes e os desdobramentos pelos quais, no decorrer dos primeiros dece
nios, passaram as palavras proferidas por Jesús.
Dirá alguém: mas entfio nos Evangelhos n3o temos mals as próprias
palavras de Jesús ?
— Pensar assim seria erróneo. Precisamente J. Jeremías se esforca
por apontar, cá e lá no texto do Evangelho, o teor auténtico dos dizeres
de Jesús tais como sairam dos seus labios (com os respectivos aramaísmos
e as alusóes ao cenarlo palestinense). Todavía ninguém ignora que as
palavras de Cristo nao foram taqulgrafadas; mas foram entregues pelo
Mestre aos apostólos antes de Páscoa (em sua mor parte), quando estes
mal percebiam todo o alcance dos dizeres de Jesús. Depois de Páscoa
e Pentecostés, os discípulos, iluminados pelo Espirito Santo, foram trans
en I tlndo aos povos os ensinamentos do Mestre, como Ihes ocorriam á luz
do Espirito. O dom do Espirito Ihes dava a ver o sentido explícito e pleno
dos ensinamentos de Jesús, tais como devlam ser apregoados a judeus e
gentíos, mas nem por Isto Ihes recordava sempre ao pé da letra as pala
vras mesmas que Jesús havia utilizado. Els por que multo Interessa ao
estudioso tentar reconstituir as etapas de formula?3o dos ensinamentos de
Jesús nos decenios que medelam entre a pregacSo oral do Mestre
(27-30 ou 30-33) e a redagño escrita dos Evangelhos (Me em 60/65 ?
Le em 65/70? Mt gr em 80?). Esse trabalho é sutil, sujeito por vezes a
ser refeito, pois se apoia nao raro em conjeturas e pode chegar a con-
clusdes semlprováveis. Todavía é algo de altamente valioso. Nada há que
Ihe opor por parte da fé católica, contanto que se afirme, como Jeremías
afirma, que o texto atual dos Evangelhos, redigido paulatinamente através

— 91 —
44 ' «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 206/1977

das etapas por que passou a pregagSo crista, nos reproduz fielmente a
doutrina de Cristo — doutrlna que o Espirito Santo preservou e explicitou
na historia dos primeiros decenios do Cristianismo.
Sendo assim, o livro de Jeremías sobre as parábolas merece ser
recomendado a todos os estudiosos que desejem penetrar mais a fundo
no texto sagrado. Talvez nSo seja fácil a leitura em um ou outro dos seus
tópicos. Todavía será muito útil á formagáo exegétlco-teológica do nosso
público.

Oracio diaria com a Biblia, por David E. Rosage. TraducSo do Inglés


pelo Prof. Euclides Carneiro da Silva. Colegio "Aprendendo a orar"-3.
— Ed. Paulinas, Sao Paulo 1976, 110x190 mm, 111 pp.

A S. Escritura nao é somente um livro de estudo científico (ela o


deve ser, a fim de que nño se Ihe atribuam concepgóes subjetivas e fan-
tasistas que a deturpem), mas ela é, em última instancia, livro de oragáo
e uniao com Deus; esta deve proceder do estudo serio e objetivo da
Palavra de Deus, que a auténtica exegese realiza.
Por isto também tém sido publicados bons llvros que ajudem o cristao
a orar com a S. Escritura ñas máos. Tal é o caso da obra ácima descrita.
Apresenta textos bíblicos agrupados em 52 categorías homogéneas, corres
pondentes ás 52 semanas do ano; eis alguns dos principáis títulos desses
agrupamentos: "Deus fala", "Deus me ama", "Orag8o silenciosa", "Deus
em nosso mundo", "Vitoria sobre a morte"...
Diz o autor que "seria ideal que a primeira semana das passagens
das Escrituras comegasse em setembro. Este esquema coincidirá com os
diversos tempos litúrgicos" (p. 6). Feliz é, sim, a idéia de propor os textos
bíblicos em consonancia com as diversas épocas litúrgicas. Isto, porém,
nSo exige que o leitor só comece em setembro, pela primeira semana;
assuma o livro e entre nele através da semana que corresponda á Qua-
resma ou á Páscoa (fevereiro, margo, abril...), ou seja, da 23? semana
em diante I
Congratulamo-nos com o público braslleiro por ter sido dotado de
mais um bom trabatho referente á Escritura e á oracáo. Possam os leltores
sequiosos de "algo mais" tirar rico proveito de tais páginas I

A verdade sobre os bebés, por Maria-Cláudia Monchaux. TradugSo do


francés por Ruth Delgado. — Ed. Paulinas, Sao Paulo 1976, 155x210 mm,
87 pp.

O subtitulo deste livro nos diz: "Educagáo sexual dos 6 aos 12 anos".
É escrito em estilo acessivel aos pequeños. A autora procede sempre da
realldade das plantas e dos animáis para mostrar como nos seres humanos
se dá algo de análogo no tocante á reprodugSo da vida. O livro é chelo
de NustragSes delicadas que multo falam ás crlangas; evita pormenores de
anatomía, fisiología e medicina que poderiam ser prematuros e pouco
recomendáveis. No fina! da obra, observa multo sabiamente Maria-Clara:
"É claro, o corpo dos multo Jovens (mogas de doze-treze anos, rapa-
zes de catorze-qulnze anos aproximadamente) está apto a engendrar crian-
gas, desde aquela época que se chama adolescencia. Os adolescentes,
porém, nSo podem pensar ainda em fundar urna familia I... Só fundam
urna familia aqueles que sao adultos e que sao bastante fortes e bastante
sensatos para cuidar e alimentar os filhos que fizeram nascer. é por isso

— 92 —
que, quando um rapaz e uma moga se amam e desejam casar, devem
esperar serem suficientemente adultos para ganhar a vida e cuidar dos
filhos que vierem a ter, que i rao amar como os seus pais os amaram e
que seráo a sua felicidade" (p. 85-87).

No prefacio, Rose Vincent justifica a educacio sexual dos pequeños.


Na verdade, em nossos dias a curiosidade das criancas por questSes ati
nentes ao amor e ao sexo é muito mais precoce do que outrora. Compete
aos genitores (especialmente á máe) acompanhar o desabrochamento dessa
curiosidade, a fim de Ihe dar a resposta gradativa e oportuna que o mo
mento preciso exija. Para tanto, o livro aquí apresentado poderá ser de
notável valia.

Se Cristo, amanhá, bater á sua porta, vocé o reconheserá ?, por


Raoul Follereau. — Editora Mundo-3, Sao Paulo 1975 (5? edicao portu
guesa), 115x180 mm, 127 pp.

Raoul Follereau é um cristáo que resolveu dedicar sua ativldade


(já cerca de 50 anos de luta) aos menos aquinhoados, especialmente aos
leprosos, tendo mesmo conseguido a instituicSo do Dia Mundial dos
Leprosos.

O livro ácima, já publicado em numerosas edigces e doze idiomas


(o original é francés), é uma obra que "incomoda", porque propoe uma
serie de reflexoes e fatos em estilo um tanto poético, que ¡nterpelam pro
fundamente o leitor para dizer-lhe em sintese: "Ninguém tem o direito
de ser feliz sozinho. Lembra-te de que grande parte da humanidade sofre
de (orne, frío, lepra... e carece de tudo I"

Uma das passagens mais típicas do livro é a que se le ás pp. 11 e 12:

"Se Ciisto, amanhá, bater á sua porla,


vocé o leconhecerá ?
Será, como outrora, um horneen pobre,
um homem só, cerlamenle.
Será pravavelmente um operario,
um desempregado talvez,
ou mesmo, se a greve é justa, um grevista.
Ou, ainda melhor, será angariador
de apóllces de seguro,
ou venderá aspiradores...
Subirá escadas e mais escadas,
deter-se-á, por multo lempo, nos patamares,
com um sorriso maravllhoso no seu rosto triste...
Mas a porta de vocé é táo sombría...
De resto, ninguém vé o sorriso das pessoas que nao quer receber!"

é para desejar que táo Interessante livro se propague amplamente,


contrlbuindo para despertar os homens de sua rotina mórbida e Intolerável.
Especialmente os jovens sao interpelados pelas proposicoes de Follereau,
pois a eles ainda compete optar por seu rumo de vida futura. Possam
Insplrar-se vivamente ñas reflexSes de tSo sadio repertorio I

A propósito desejamos igualmente sugerir a leltura da revista "SEM


FRONTEIRAS", a revista misslonária do Brasil, editada pelos Padres Com-
bonianos, Rúa José Rubens, 15 (Previdencia), 05515 Sao Paulo (SP). Trata-se
de uma publlcacáo mensal, que desperta nos leitores a consciéncia da
grandeza do compromisso em prol do Evangelho num mundo que tem
fome e sede do Infinito, mas infelizmente já nao sabe onde o encontrar.

E. B.
O AMANHA TERA A TUA
FISIONOMÍA

Procuráis um objetivo para


a vossa vida ?
Faltam no mundo tres milhóes
de médicos: tornai-vos médicos.
Maís de um mllháo de seres
humanos nao sabem ler nem
escrever: tornai-vos professores.
Dois homens em cada tres
nao comem o suficiente:
tornai-vos agricultores e, das
térras incultas, fazei surgir as
colheitas que os saciarlo.
Os vossos irmáos precisam de
vos: seja qual (or o campo,
tornai-vos multo simplesmente,
muito'nobremente "operarios".
Pois todo trabalho é nobreza
quando o prendemos a urna
estrela.

Tornai-vos alguém para


fazerdes alguma coisa.
Recusa! por a vossa vida
na garagem.

Mas recusai, também, a


aventura onde o orgulho tem
mais lugar que o servigo.
Denunciai,
mas para exaltar!
Disputai,
mas para construir!
Que a vossa própria revolta
e a sua cólera sejam amor!
Sao fortes os que acreditam
e querem construir.
Constroem a felicidade
dos outros.
O amanha terá a vossa
fisionomía.
O mundo vai-se
desumanizando !...
Sede homens !

Raoul Follereau

é justo que vocé pense no seu


futuro sem perguntar-se se
CRISTO precisa de vocé para
salvar o mundo ?

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