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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoríam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3.15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confisca
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
índice
pig.

O "ABSURDO" CRISTAO 93
Um livro digno de nota:
"JESÚS" por J. E. M. Térra S. J 95

O marxismo na América Latina :


MOVIMENTOS DE CRISTAOS SOCIALISTAS 109

Eco do Oriente:
QUE É A MEDITAQAO TRANSCENDENTAL ? .128

APÉNDICE: MÉTODOS DE MEDITACAO CRISTA 138

UVROS EM ESTANTE 140

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO :

Cristóos e muculmanos no Egito. — A Igreja e os direitos humanos


através da historia. A Inquisicao. — Um caso de reencarnacao? —
O tesremunho de W«rner von Braun. — O V Encontró Nacional da
ABESC.

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Assinatura anual Cr$ 100,00


Número avulso de qualquer mes Cr$ 10,00

___.„,„ „-, ™> ADMINISTRACAO


REDACAO DE PB Livraria Mlssionária Editora
Cabra Postal 2.666 Bua México, 168-B (Castelo)
ZC-00 20.000 Rio de Janeiro (BJ)
20.000 Rio de Janeiro (RJ) Tel.: 224-0059
O "ABSURDO" CRISTAO
Margo de 1978 é, para o cristáo, o mes que, apos seis
semanas de Quaresma, culmina nos dias santos da Páscoa
do Senhor. É nestes que se consuma a mensagem de Cristo,
que certamente constituiu novidade grande ou mesmo revo
lucionaria em sua época, novidade que, com o passar do
tempo, correu e corre o risco de se tornar rotineira.

Eis por que mais urna vez nos perguntamos: qual seria
a grande característica da Boa-Nova de Páscoa?

Proporemos a resposta citando um texto do filósofo grego


Aristóteles (|322 a.C), que certamente representa, como
um dos seus expoentes, a filosofía grega pré-cristá ou a razáo
e o bom-senso humanos entregues a si mesmos antes de
Cristo.

Dizia Aristóteles em sua Ética Maior: «Seria absurdo que


rer alguém amar a Zeus» 1 (2, 2 1208).

E por que assim pensava Aristóteles?

Porque a Divindade há de ser respeitada em seu poder


e majestade. Entre os homens e a Divindade existem rela-
góes de dependencia e serventía, nao, porém, as de amor.
Este significaría ousadia da parte do homem. Aristóteles,
em outra passagem, chegava a dizer que o Ser Supremo
(ou o Ato puro) nem sequer conhece o mundo e o homem,
porque estes sao finitos; se Deus os conhecesse, seria conta
minado pela finitude das realidades contingentes.

Os demais pensadores gregos concordavam com Aristó


teles em distanciar do homem a Divindade, precisamente
para salvaguardar a Majestade da mesma.

Ora é sobre este fundo de cena que ressoa a mensagem


crista: «Ele (Deus) primeiro nos amou» (lJo 4,19). Real
mente estes dizeres, em sua brevidade e singeleza, descon-
certam o bom-senso dos homens e invertem as categorías
religiosas da humanidade. A mensagem crista apregoa que
o diálogo entre Deus e os homens tem a sua iniciativa em
Deus. Este interpela, primeiro, o homem, como o Amor fe
cundo, que dá a vida á criatura e que jamáis se retrata ou
desdiz, apesar das incoeréncias do ser humano, porque é
i Zeus é o nome grego equivalente ao latino Júpiter e designa a divin
dade suprema.

— 93 —
Amor divino, e nao humano (cf. Os 11, 1. 8s). Deus nao
pode dizer Nao depois de haver dito Sim, pois, se o fizesse,
nao seria Deus (o Absoluto e Imutável), mas homem (con
tingente e volúvel). Em conseqüéncia, a atitude do homem
diante de Deus é a de resposta; nao é necessário que o ho
mem «faga artes» para captar o amor ou a benevolencia de
Deus, mas a simples existencia de cada criatura é o mais
eloqüente testemunho de que o amor de Deus lhe foi dado,
e dado irreversivelmente. Basta reconhecé-lo e corresponder-
-lhe em paz e confianga todos os dias.

Na realidade cotidiana, custa ao homem crer nesta pro-


posigáo, que vem a ser o ámago da mensagem crista. Com
efeito, a tendencia de todo ser humano é a de reduzir Deus
as categorías de um grande Senhor, que se faz simpático se
os súditos lhe sao simpáticos, e vingativo se os mesmos sao
omissos ou desrespeitosos. Apesar disto, o cristáo é chamado
a viver diariamente da mensagem de Uo 4,19. Todos os dias
ele há de lembrar-se de que Deus é surpreendente...; Ele
ultrapassa as categorías do homem nao para afastar desde-
nhosamente as suas criaturas, mas para atrai-las mais e
mais... Esse misterio do amor de Deus estará patente na
consumagáo da historia, pois, como diz S. Paulo, «o que o
olho nao viu, o que o ouvido nao ouviu e o coragáo do homem
nao percebeu, eis o que Deus preparou para aqueles que O
amam» (ICor 2,9).

Pois bem. Páscoa recorda mais urna vez estas grandes


verdades da fé crista. Mostra o amor que, depois de ter
criado o homem, se viu preterido mediante o Nao dito pelos
primeiros pais nos albores da historia. Todavia esse amor
«nao se quis deixar vencer pelo mal, mas optou por vencer
o mal com o bem» (Rm 12,21). Por isto o Senhor quis rei-
niciar a historia do género humano, criando de novo o ho
mem e oferecendo-lhe reiterado convite para o consorcio da
vida eterna; Cristo é o segundo Adáo que, em nome dos
homens, entra em nova Alianga com o Pai. As conseqüéncias
do pecado, como a cruz e a morte, ficam sendo a heranga
recebida por nos de nossos primeiros pais, mas dentro dessa
realidade dolorosa Cristo coloca valores definitivos, transfigu
rando a pobreza do homem, que assim se torna prenhe de
eternidade.

Possam estas verdades gravar-se profundamente no espi


rito de quantos lerem os comentarios que este fascículo apre-
senta, numa tentativa de considerar a historia de nossos días
á luz dos valores eternos!
12-B>
— 94 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XIX — N« 219 — Margo de 1978

Í11V5.IOTK». A
CENTRAL

lojtil
Um lívro digno de nota:

"jesús"
por J. E. M. Térra S. J.

Em sinlese: O presente artigo condensa o conteúdo do livro do


Pe. Térra sobre as diversas escolas de exegese contemporáneas que se
tém dedicado ao estudo dos Evangelhos. O panorama comeca pelo Mé
todo da Historia das Formas, que faz repousar a redacáo dos Evangelhos
sobre a pregagáo dos Apostólos e discípulos sem pretender chegar á
próprfa pregacáo de Jesús; dlstinguir-se-ia assim o Jesús da fé do Jesús
da historia. Rudolf Bultmann radicalizou esta tese, propondo a demitl-
zacfio dos Evangelhos. Seguiu-se a reacio a Bultmann por parte de
autores que verlflcam nao ser possivel conceber a fé no Jesús da pre
gacáo, sem se admitir o fundamento dessa fé na próprla historia e ñas
palavras mesmas de Jesús de Nazaré.

Entre outras escolas de exegese recentes, merecem atencSo a


escandinava e a da teologia funcional ou económica. — A escandinava
propugnou de, novo a valorizacBo do texto evangélico como eco fiel das
tradlcdes oráis que entre os antlgos costumavam transmitir genulnamente
o teor das mensagens de seus mestres. A escola da teologia funcional
orlenta-se segundo outras premissas: o texto bíblico nSo nos quer falar
•de Deus ou de Jesús Cristo em si, mas tSo somonte do que slgnlflcam
{ou da sua funcáo) para os homens; se esta aflrmacáo é verídica, ela
pode ser exagerada a ponto de levar ao cetlcfsmo ou agnosticismo em
relacfio a Deus e ao misterio de Cristo, como isto se deu realmente no
caso da "Teología da morte de Deus". Esta, porém, já teve sua voga
e hoje também se acha ultrapassada.

Em conseqüéncla, veriflca-se hoje, principalmente ñas escolas de


exegese católica, o retorno á aceltagSo (ou á reaflrmacáo) do texto evan
gélico como testemunho fidedigno da historia e dos dlzeres de Jesús.
Embora o estilo dos evangelistas nSo seja o da estrlta historiografía, mas
tenha Interesses catequéticos, é certo que os Evangelhos permilem tocar
a realldade da pessoa e da mensagem de Jesús Cristo.

Comentario: O Pe. Joáo Evangelista Martins Térra S.J.


acaba de brindar o público com mais urna de suas obras:
«Jesús», ou melhor, «O Jesús histórico e o Cristo querigmá-
tico», Ed. Loyola, Sao Paulo 1977.

— 95 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 219/1978

O autor percorre as diversas correntes da teología e da


exegese que nos últimos decenios se tém dedicado & figura
de Jesús Cristo nos Evangelhos. Trata-se de um informa
tivo, que supóe muita e minuciosa leitura e transmite ao lei-
tor a súmula do pensamento de autores que difícilmente se-
riam abordados pelo grande público. O Pe. Térra torna-se
assim um guia criterioso para expor as complexas linhas da
pesquisa contemporánea referente aos Evangelhos.

Dada a impoi'táncia do livro, procuraremos, a seguir,


apresentar os seus principáis tópicos — o que equivale a
mostrar os rumos da Cristologia bíblica de nossos tempos.
Distinguiremos as seguintes diretrizes exegéticas: 1) O clás-
sico Método da Historia das Formas; 2) A radicalizado de
Bultmann; 3) A reagáo a Bultmann; 4) A nova hermenéu
tica; 5) A teología bíblica como narragáo; 6) A exegese
escandinava; 7) A teología funcional ou económica; 8) A
exegese católica e a volta ao Jesús histórico.

1. 'O Método da Historia das Formas

O Método da Historia das Formas (Fornigeschichtliche


Methode) teve origem na Alemanha logo após a primeira
guerra mundial, quando K. L. Schmidt (1919), M. Dibelius
(1919) e R. Bultmann (1921) publicaram suas primeiras
obras sobre o assunto.

Este método tenciona explicar o texto escrito dos Evan


gelhos levando em conta o intervalo que ocorreu entre a
Ascensáo do Senhor (30 ou 33) e a redagáo das diversas for
mas do Evangelho escrito (Mateus aramaico data de 50 apro
ximadamente, ao passo que Lucas em grego data de cerca de
70 e Joáo em grego remonta aos anos 98-100). A pregagáo
oral, dizem, durante esses decenios, foi adaptando a imagem
e a doutrina de Jesús aos diversos ambientes aos quais ela
se dirigía. Em outras palavras: os arautos da Boa-Nova pro-
curaram dar a esta um Sitz im Lsben ou um lugar na vida,
um significado especial para os ouvintes — o que redundou
numa adaptagáo remodeladora da mensagem. A figura e a
palavra de Jesús foram tomando tragos novos, inspirados,
em grande parte, pelas concepgóes dos povos da Palestina,
da Siria, da Asia Menor, da Grecia..., a quem eram trans
mitidas pela pregagáo. Em' conseqüéncia, dizem ainda, a ima
gem histórica, real de Jesús de Nazaré, que viveu na Pales
tina até 30 ou 33, foi transformada ou transfigurada numa

— 96 —
«JESÚS» 5

imagem concebida pela fé dos discípulos: seria a imagem do


Cristo (Messias, Salvador) querigmático (isto^é, forjado atra-
vés do kérygma ou dos embates da pregagao). Daí o pro
grama que compendia o pensamento dos autores do Método:
discernir as fases ou etapas que váo «do Jesús histórico ao
Cristo querigmático». O que o texto escrito dos Evangelhos
nos transmite, nao seria a realidade histórica ocorrida na
Palestina até 30 ou 33, mas seriam as concepgóes subjetivas
dos discípulos de Jesús, que embelezaram ou adaptaram as
suas necessidades a figura do Mestre. Os evangelistas foram
os compiladores dos fragmentos literarios (ou das formas)
criados anónimamente pelas primitivas comunidades cristas.
A exegese teria por tarefa tentar reconstituir, através dessas
formas literarias das antigás comunidades cristas e dos evan
gelistas, o que fosse possível encontrar do Jesús real e histó
rico:... talvez alguns poucos tragos ou dizeres ou... talvez
nada...í
O mais radical dos autores da Escola da Formgeschichte
é Rudolf Bultmann (í 1976), cujas conclusóes principáis pas-
samos a examinar.

2. A radicalizajao de Bultmann
Bultmann se desinteressou totalmente pelo Jesús da his
toria; julga mesmo que nao se pode reconstituir a imagem
do Jesús histórico, pois o que o Evangelho nos refere é ape
nas a maneira como a fé dos primeiros cristáos considerava
Jesús. Mesmo que se conseguisse, com certa probabilidade,
reconstituir o perfil de Jesús terrestre, isto nao teria valor,
pois o fundamento e o objeto da fé crista é o Cristo apre-
goado pela Igreja, e nao o Jesús histórico. O Jesús da his
toria é apenas um profeta, sem dúvida o maior de todos, mas
profeta que pertence ao Antigo Testamento; Ele é um judeu,
e nao um cristáo, porque cristáo é aquele que acredita na
mensagem dos Apostólos e nao aquele que funda a sua fé
sobre urna figura histórica. Para a fé, basta o simples fato
de que Jesús tenha existido e tenha sido crucificado sob Pon
do Pilatos.
Bultmann é fortemente influenciado pelo pensamento
existencialista de Martín Heidegger. Por isto preocupa-se táo
somente com o Dass (o fato) da existencia de Jesús, e nao
com o Was ou o conteúdo dessa mensagem. Por conseguinte,
o cristáo, segundo Bultmann, nao professa artigos de fé ou
verdades de um Credo, mas procura viver a tese da justifi-

— 97 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 219/1978

cagáo pela fé, passando da vida inauténtica para a vida


auténtica.
Para um fiel católico, o pensamento bultmanniano é táo
radical ou despojado que se torna difícil entendé-lo: a SS.
Trindade, a Encarnagáo, os milagres, a ressurreicáo corporal
de Jesús, os sacramentos..., conforme Bultmann, sao expres-
sóes de urna mentalidade mítica que tém de ser reconhecidas
como tais, nao podendo, pois, ser tomadas como representa-
góes das verdades da fé. Todos esses mitos (ou categorías de
pensamento arcaico) sao apenas a roupagem para dizer ao
homem: «Converte-te, aceitando a mensagem de salvagáo que
Deus te oferece pelo profeta Jesús! E, convertendo-te, passa
de urna vida nao auténtica para urna vida auténtica!» Quanto
ao teor dessa vida auténtica, o cristáo o deve descobrir táo
somente através da leitura pessoal e íntima da Palavra de
Deus! É a esse procedimento exegético que se dá o nome de
Entmythologisierung ou demitizas&o (melhor do que desmi-
tizagáo).
A posicáo de Bultmann, extremada como é, provocou
réplicas entre os próprios discípulos. É o que veremos a
seguir.

3. A reasóo a Bultmann
Entre os discípulos de Bultmann que comegaram a con
testar as posigóes radicáis atrás expostas, citam-se E. Káse-
mann, Willhelm Marxen e H. Conzelmann. Detenhamo-nos
sobre o pensamento do primeiro.
1. Em 1954 Kásemann proferiu urna palestra intitu
lada «Das Problem des historischen Jesús» (O problema do
Jesús, histórico), na qual mostrava a necessidade de interesse
pelo Jesús" que viveu na Palestina. Recusava a afirmagáo de
Bultmann segundo a qual nada poderiamos saber sobre a
vida e a personalidade de Jesús, visto que os antigos cristáos
nao se teriam interessado pelas mesmas; ao contrario, dizia
Kásemann, as comunidades primitivas nao quiseram nem
puderam separar o Jesús histórico do Cristo da fé; a própria
fé exige que procuremos reconstituir os tragos do Jesús real,
pois em caso contrario ela faria de Jesús um mito.
Mais ainda: ñas palavras que os evangelistas atribuem a
Cristo, pode-se descobrir o modo de pensar e falar do pró-
prio Jesús. Para realizar essa descoberta, importa utilizar
nao só o método da historia das formas, mas também o da
historia da redagáo: este procura explicar por que a prega-

— 98 —
«JESÚS»

gao crista antiga se cristalizou precisamente nos textos redi-


gidos dos Evangelhos de Mt, Me, Le e Jo; para tanto, recorre
á crítica literaria, á estatística de vocábulos, ao exame da
gramática e dos estilos, ao estudo das idéias teológicas domi
nantes. Os evangelistas nao foram meros compilador.es de
dados recebidos através da tradigáo oral e escrita anterior,
mas foram verdadeiros autores: cada qual tem seu estilo
característico, que supóe elaboragáo pessoal dos dados da tra-
dicáo; tem também seus processos redacionais e seus interes-
ses teológicos particulares — o que nao significa necessaria-
mente tenham deturpado os fatos que narram.

Mediante tais recursos podemos chegar ao conhecimento


da figura histórica de Jesús; a pregagáo crista nao terá
senáo explicitado o que já se encontrava implícito ñas pala-
vras do Senhor. Assim Kasemann se distanciou de Bultmann.

2. G. Bornkamm, autor protestante, em seu li«o «Je


sús von Nazaret» (München 1956) ', também se opós a Bult
mann. Enquanto Kasemann dava grande importancia as
palavras de Jesús, Bornkamm quis valorizar principalmente
as agóes e a personalidade de Jesús, considerando o impacto
que Ele produziu sobre os seus seguidores; observa que,
mesmo que prescindamos de todos os dizeres messiánicos atri
buidos a Jesús, restam o seu agir e os tragos da sua perso
nalidade — elementos estes nos quais transparece a messia-
nidade de Cristo. A posigáo de Bornkamm exerceu grande
influencia nao só em ambientes protestantes, mas também
em escolas católicas; exagerando-a, certos exegetas comega-
ram a negligenciar os ditos de Jesús para valorizar-lhe ape
nas a agáo exercida com absoluta autoridade e liberdade.
Merece mengáo á parte, entre os discípulos de Bultmann,
a escola dita «da Nova Hermenéutica».

4. A Nova Hermenéutica
1. A escola da Nova Hermenéutica teve sua origem
em Marburg com os discípulos de Bultmann: E. Fuchs,
G. Ebeling e J. M. Robinson.
As premissas desta escola sao as do existencialismo de
Martín Heidegger tal como este se projetou na obra «Unter-

»Em traduslo brasilelra: "Jesús de Nazaré". Ed. Vozes, Petró-


polis 1976.

qa
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 219/1978

wegs zur Sprache» (1959) \ ao passo que as premissas da


hermenéutica existencial de Bultmann sao as da obra «Sein
und Zeit» (Ser e Tempo) da primeira fase de pensamento de
Heidegger. Das premissas de «Unterwegs zur Sprache» se-
guem-se as seguintes reflexóes:

A linguagem auténtica nao é informativa, mas interpe-


lativa. Ela visa a produzir nos ouvintes o mesmo evento que
lhe deu origem. Em outros termos: a linguagem nao me
transmite conhecimentos objetivos a respeito de algum acon-
tecimento, mas, antes do mais, ela me confronta com o
evento e me incita a urna decisáo,... decisáo que me livra
do meu passado e me leva a me construir, a «ex-sistere», a
me abrir as possibilidades do futuro. Nao devo procurar no
texto que leio, alguma informagáo objetiva, nem o devo ler
com indiferenga ou desinteresse. Devo reproduzir em mim
o próprip evento que deu origem ao texto.

Por conseguinte, seria erróneo querer buscar nos Evan-


gelhos urna informagáo objetiva sobre Cristo. As afirmacóes
que* pretendem objetivar (ou transmitir verdades objetivas),
sao mitos; é preciso reinterpretá-las do ponto de vista exis
tencial. Mais: nenhuma interpretacáo será completa se nao
se tornar linguagem e nao for de novo proclamada na pre-
gacáo (querigma).

A este propósito seja, lícito observar: urna das dimensóes


da linguagem é, sem dúvida, a de interpelar o ouvinte e pro
vocar resposta vivencial. Todavía, para que a linguagem inter
pele, deve ter um conteúdo objetivo e informativo; caso nao
o tivesse, a ciencia e a filosofía nao teriam sentido ou seriam
perda de tempo. Por conseguinte, nao se pode negar que a
tinalidade dos Evangelhos era informar, mesmo se a infor
magáo devia culminar numa decisáo de fé vivencial.

2. Em suma, as variedades impostas ao pensamento de


Bultmann por seus discípulos bem mostram que o mestre,
como tal, já foi ultrapassado.

Indicaremos abaixo tres pontos, nos quais o fautor da


desmitizagáo está superado:

a) Bultmann rejeita logo de inicio o pensamento obje


tivante ou a distinga© entre sujeito e objeto. É incapaz de
conceber um discurso objetivo sobre Deus, baseado na ana-

»"A caminho para a linguagem".

— 100 —
«JESÚS» ?

logia do ser. Por conseguirte, recusa-se a admitir o Wie


(como) e o Was (o conteúdo) do Jesús da historia, para
ficar apenas no fato Jesús. — Ora note-se que o mais teolo
gizante dos evangelistas, Joáo, afirma que o Filho deu a
conhecer o Pai invisivel (Jo 1,18), fazendo-se o Jesús da his
toria, o Jesús que os apostólos viram, contemplaram, ouvi-
ram e com suas máos apalparam (Uo 1,2). O Filho tor-
nou-se, pois, «objeto» observado, ou o Wie e o Was do Jesús
da historia, que os Apostólos observaram e transmitiram cio-
samente (cf. Uo 1,1-3). Se eliminamos a objetividade da
vida de Jesús, Deus nao foi revelado aos homens.

b) Bultmann afirma que a fé nao precisa da razáo nem


exige o sacrificio ou a renuncia da inteligencia humana...
Nao obstante, ele requer um ato de fé cegó, destituido de
apoio em fatos históricos ou em dados da razáo. Ora isto
vem a ser renuncia 'á razáo, sacrificio da inteligencia. Acei
tar Cristo sem alguma razáo para fazé-lo significa menos-
prezar a inteligencia do homem.

c) Bultmann respondería que a fé nao é profissáo de


verdades (Fürwahrhalten), mas é adesáo existencial. Con-
fesso o Cristo quando me engajo numa opgáo concreta de
vida auténtica,- com renuncia á vida inauténtica. — Obser-
ve-se, porém, que, antes de assumir este compromisso viven-
cial, devo compreender que Jesús é o Cristo; foi em vista de
todo esse processo que os evangelistas escreveram os seus
relatos evangélicos; cf. Jo 20,31:
'"Jesús fez, diante de seus discípulos, mullos outros sinals aínda,
que nao se acham escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos
para crerdes que Jesús é o Cristo, o Filho de Deus, e para que,
crendo, tenhais a vida eterna em seu nome".

Por conseguinte, ainda que a fé nao seja so profissáo


de verdades, nao se lhe pode denegar esta atitude; ela é
também a apreensáo e compreensáo de verdades reveladas
por Deus Pai em Jesús Cristo. Toda a tetologia paulina
tende, sim, a um engajamento, mas supóe a aceitacáo, pela
inteligencia, das verdades apregoadas pelo Apostólo.
Seja mencionada agora

5. A teología bíblica como narracfio


Urna corrente de exegetas independente da escola de Bult
mann tem-se dedicado ao estudo de determinado tipo de lin-

— 101 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 219/1973

guagem existente na Biblia que é a linguagem narrativa ou


a narragáo (a qual se distingue da argumentacao e da exor-
tacáo). Tal corrente compóe-se de exegetas católicos de
orientagáo ortodoxa, como também de protestantes.

A narragáo, na Biblia, nao costuma ser simples trans-


missáo de noticias sobre algum acontecimento, mas é um
louvor ou também uma profissáo de fé no Senhor e na sua
agáo salvífica. O Evangelho segundo Marcos, por exemplo,
que é tido como o mai$ antigo, apresenta-se como longa nar
ragáo da Paixáo do Senhor (esta comega, por assim dizer,
em Me 3,6); os dizeres de Jesús, tanto em Me como em Mt,
Le e Jo, sao inseridos no contexto das narragóes. Isto quer
dizer que a mensagem crista consistiu desde o inicio precisa
mente na profissáo dos feitos salvificos de Deus Pai por meio
de Jesús, isto é, teve desde o comego um caráter narrativo,
laudatorio.

A preferencia pelo estilo narrativo significa qua os pri-


meiros cristáos bem compreenderam que nao se pode falar
de Deus táo somonte com argumentos ou raciocinios, mas c
preciso narrar as imprevisíveis e surpreendentes intervengóes
do Senhor na vida dos homens. É através dos acontecimen-
tos da historia da salvagáo, concatenados entre si pelos nar
radores bíblicos, que o homem vai depreendendo o designio
de Deus. Por conseguinte, toda narragáo bíblica vem a ser
também teología, ou seja, discurso sobre Deus que tem algo
de admiragáo, adoragáo, louvor, etc.

Os méritos desta nova corrente exegética consistirán!


em valorizar os fatos dando preeminencia ao acontecimento
«Cristo» mais do que a própria pregagáo de Jesús.

Proporemos agora uma escola que teve grande valor


construtivo, chamando a atenjáo para a fidelidade dos evan
gelistas aos fatos históricos.

6. A exegese escandinava

Esta corrente teve como protagonistas os dois exegetas


H. Riesenfeld e B. Gerhardson de Upsala (Suécia). Preconi-
zam o estudo do judaismo (em vez do helenismo) como sendo
chave de interpretaeáo do Novo Testamento.

— 102 —
«JESÚS» 11

Ambos afirmam que a tradigao crista so pode ser devi-


damente entendida se comparada com a tradigáo judaica,
que deu origem aos dizeres chamados Pirqc Aboth (Tradigao
dos pais). Jesús terá ensinado segundo os métodos dos rabi
nos de seu tempo, recorrendo á mnemotécnica e as pará
bolas. Sabe-se, com efeito, que entre os judeus havia repe
tidores oficiáis, encarregados de transmitir as tradicóes com
fidelidade perfeita: erarrt os tannaim. Partes da tradigáo oral
eram compreendidas em resumos ou kelalot; por sua vez,
esses resumos eram decorados pelos seus cabecalhos ou títu
los, simanim; a fim de reter a estes na memoria, inventa-
vam-se técnicas mnemónicas. Ora os Apestólos e discípulos
de Jesús, como porta-vozes qualificados do ensinamento do
Mestre, teráo transmitido a doutrina com precisáo e fideli
dade que se aproximavam das que caracterizavam as tradi-
góes do povo de Israel. — Tenha-se em vista, por exemplo,
o prólogo de Lucas (1,1-4), em que o evangelista distingue
1) Jesús Cristo, 2) as testemunhas auriculares imediatas da
pregacáo de Cristo, 3) aqueles que receberam das testemu-
nhas imediatas. A mesma seqüéncia se encontra em Hb 2,3:
«•A salvfigáo comecou a ser anunciada pelo Senhor. Dcpois foi-
-nos fielmente transmitida por aqueles que a ouviram». Sao
Paulo, apesar de afirmar que recebeu sua missáo do Senhor
(Gl 1,1), reconhece sua dependencia da tradigao (ICor 15,3)
e, como os rabinos, mantém as tradigóes dos Pais (cf. Gl
l,13s; Fl 3,5s), confronta seu Evangelho em Jerusalém com
aqueles que sao as colunas da Igreja (cf. Gl 2,9). Por con-
seguinte, o próprio Paulo se sentiu ligado a. tradigao.

Tendo em vista as premissas aqui expostas, alguns exe-


getas (entre os quais o famoso protestante Joachim Jeremías)
tém procurado descobrir (com éxito), no texto escrito dos
Evangelhos, as palavras de Cristo como sairam dos labios do
Senhor (ipsissima verba Christi); um espécimen desses ipsis-
sima verba seria o texto de Mt 16, 17-19.

A escola escandinava constituí assim o mais yeemente


desafio que o Método da Historia das Formas liberal de
Dibelius, Schmidt, Bultmann... teve de enfrentar. Leva a
ver que a base do texto do Evangelho nao é simplesmente a
pregagáo (o querigma) dos Apostólos, mas é a vida mesma
(os feitos e dizeres) do próprio Jesús; o Jesús pré-pascal
estaría (e está) na origem da tradigao oral e escrita nos
Evangelhos.

— 103 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 219/1978

Apresentaremos agora outra corrente exegétioa indepen-


dente do pensamento bultmanniano.

7. A teología funcional ou económica

1. Verifica-se que o centro de interesses da filosofía


contemporánea se deslocou do ser para a linguagem; em con-
seqüéncia, muitos pensadores já nao procuram a realidade
em si ou os valores essenciais, mas apenas aquilo que é
expresso dentro das limitacóes dos modos de exprimir.

Ora, dizem varios exegetas, a linguagem bíblica nao é


essencialista, ou seja, nao revela as verdades divinas como
tais, mas é funcional, isto é, concebida em funcáo dos homens
ñas suas diversas situagóes. Em outros termos: as Escritu
ras nao nos comunicam o que Deus e Jesús Cristo sao em si
mcsmos, mas aquilo que sao para nos. Tal linguagem é tam-
bém chamada económica, porque visa apenas a narrar a eco
nomía ou a dispensagáo da salvagáo aos homens1.

Como exemplo de linguagem funcional bíblica, cita-se o


texto de Éx 3,14. Tendo Moisés perguntado a Deus qual o
seu nome, Deus lhe respondeu da sarga ardente: «Etyeh asher
eyeh». Ora a tradigáo grega dos LXX e a latina da Vulgata
e dos mestres ocidentais interpretaran! essa resposta em sen
tido metafísico ou ontológico: Deus se teria revelado como o
Ser subsistente.

Todavía esta interpretagáo nao leva em conta precisa


mente a linguagem económica ou funcional das Escrituras,
alheias a especulagóes ontológicas. Quem estuda acurada
mente o texto bíblico, verifica que o sentido da resposta a
Moisés é bem diverso; o Senhor Deus quis apenas significar:
«Eu sou o que sereb, ou seja: «Eu vos mostrara por meus
atos qual o meu nome... Eu sou aquele que vos fará sair
do Egíto e atravessar o Mar Vermelho. Eu sou Aquele que
vos conduzirá ao Sinai e concluirá a Alianga convosco. Eu
sou Aquele que fará de vos o seu povo. Eu sou Aquele
que vos fará entrar na térra prometida»... Tal foi como se
julga, a resposta funcional ou económica que o Senhor quis

JA palavra economía vem do grego olkonomfa e significa origina


riamente a adminlstracSo ou a distribuigSo de bens numa casa.

— 104 —
«JESÚS» _13

dar a Moisés. Seguindo a mesma linha, Deus se apresenta


no Apocalipse como «Aquele que é, Aquele que era, Aquele
que há de vir» (cf. Ap 1,4-8; 4,8).

Nos escritos do Novo Testamento, fazendo eco aos do


Antigo, Cristo se apresenta como «Aquele que é...»: «Eu
sou o pao da vida», «Eu sou a luz do mundo», «Eu sou o
bom pastor», «Eu sou o caminho», «Eu sou a videira»...
Tais enunciados exprimem nao o em si de Cristo, mas, sim,
o que Cristo é para nos, em sua realidade funcional ou
económica.

Os autores que desenvolvem o aspecto funcional ou eco


nómico da linguagem bíblica, nao fazem senáo acentuar urna
realidade; entre eles há católicos (como Dupont, Boismard e
Karl Rahner...) e protestantes (como O. Cullmann). — To
davía pode acontecer que o caráter funcional da linguagem
do Novo Testamento seja radicalizado ou cultivado exclusi
vamente. Isto levaría a negar a própria teología bíblica.
Nada saberiamos a respeito do que Deus é em si mesmo;
apenas teñamos a nojáo de Jesús como Libertador político,
como «o homem para os |outros», como «o Irmáo mais
velho», etc.

2. Foi precisamente essa radicalizacáo que ocorreu na


chamada «Teología da morte de Deus», cujos arautos sao
Dietrich Bonhoeffer, John Robinson, W. Hamilton, T. J. J.
Altizer, P. van Burén..., dos quais alguns aínda sao vivos.

A teología da morte de Deus renuncia a falar de Deus,


alegando que de Deus nada sabemos ou que Deus é um vocá-
bulo sem ressonáncia para o homem de hoje. Contenta-se
em falar de Jesús,... e de Jesús como homem, elaborando
assim a Jesulogia1 ou urna Cristologia sem Deus ou urna
historia da salvagáo atéia, essa Jesulogia se interessa apenas
pela repercussáo horizontal ou social da pregasáo de Jesús,
sem admitir o que se chama «o misterio de Cristo».

Na verdade, a teología da morte de Deus e a pura Jesu


logia já fizeram época há cerca de quinze anos; hoje em día
sao atitudes ultrapassadas, pois se verifica que o interesse

i A Jesulogia seria o estudo de Jesús como mero homem e lider


social. A Crlstologia, ao contrario, serla o estudo de Jesús como Cristo,
islo é, como Messias, Salvador ou como Deus feito homem.

— 105 — ..
14 -xPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 219/1978

pelo misterio íntimo de Deus é de novo crescente e que é


impossivel compreender a doutrina e a obra de Jesús sem
penetrar no seu misterio íntimo. Ademáis, verifica-se que
urna Jesulogia puramente funcional nao passa de um socio-
logismo romántico, demagógico e inoperante; um Jesús cuja
única significagáo consiste em ter dado bom exemplo de dedi-
cagáo aos outros e apregoado ligóes de moral, pouco ou nada
interessa. Um Jesús cuja ressurreigáo tenha apenas o valor
simbólico de um impacto produzido no seio da comunidade
crista primitiva, mas cujo corpo se desfez no túmulo, nao
pode fundamentar as esperangas do homem sofregó de vida
e imortalidade. Urna teología que nao esclarega o misterio
do pecado nem o misterio da Redengáo, nao se pode deno
minar teologia crista nem historia da salvagáo. A fé se
transforma entáo em mero sistema de relacionamento do cris-
táo com os homens e com o mundo.

Resta agora examinar de. mais perto o tema:

8. Exegese católica e volta ao Jesús histórico

Os exegetas católicos nao recusam por completo as idéias


da escola da Formgeschichte (Historia das Formas), da qual
Dibelins e Bultmann sao os primeiros representantes. Sabia
mente fizeram a selegáo do que a escola acarretou de posi
tivo para o estudo dos Evangelhos, recusando os abusos ins
pirados antes por premissas filosóficas preconcebidas do que
pelo próprio texto bíblico. Em conseqüencia, também os cató
licos professam que

1) os Evangelhos escritos tiveram sua pré-história, ou


seja, seu periodo de transmissáo por via meramente oral,
nao havendo procedido exclusivamente da pena e da autoría
dos evangelistas;

2) é muito importante o estudo dessa pré-história, ou


seja, dos ambientes em que a palavra de Jesús foi apregoada
ou dos fatores que influiram sobre a pregagáo crista em seus
primeiros decenios;

3) os dados consignados pelos evangelistas nao nos per-


mitem redigir urna biografía completa de Jesús no sentido
moderno da palavra, pois sao fragmentos dos feitos e dos
dizeres de Jesús transmitidos sem intengáo de se tornar
relato completo;

— 106 —
«JESÚS» 15

4) o texto dos Evangelhos foi redigido a finí de expri


mir a fé da Igreja e suscitar a mesma fé em seus leitores.
Daí, por exemplo, a apresentacáo da infancia de Jesús em
estilo midráxico (cf. Le 1-2; Mt 1-2)... Este género lite
rario nao implica deturpagáo da verdade nem invencionice,
mas táo somente enfoque próprio. Esse enfoque peculiar nao
nos impede de discernir as próprias palavras de Jesús em
mais de urna passagem do texto evangélico.

A propósito a Igreja publicou dois documentos de grande


valor, que fixaram os ítens ácima: a Instrugáo da Pontificia
Comissáo Bíblica sobre a Verdade Histórica dos Evangelhos
(21/04/64) e a Constituido Dogmática «Dei Verbum» do
Concilio do Vaticano II (1965). Em tais documentos a Igreja
afirma a identidade entre o Jesús da historia e o Cristo da
fé. Essa identidade, ou seja, a veraddade histórica dos Evan
gelhos é de relevo capital para a teología católica; com efeito,
a teología ensina que Deus se revelou aos homens através dé
fatos históricos, isto, é, «por eventos e palavras intimamente
conexos entre si» (Constituicáo «Dei Verbum» n» 2); Deus
se manifestou em fatos concretos e na Pessoa de Jesús Cristo,
que viveu na térra em época e lugares bem determinados.
Os feitos e os dizeres de Jesús podem ter sido transmitidos
em estilo catequético mais do que historiográfíco; isto, po-
rém, nao impede o exegeta de descobrir no texto evangélico
a realidade histórica. Para tanto, os estudiosos estipulam
criterios válidos e minuciosos, que neste artigo váo apenas
enunciados:

1) Criterios primarios ou fundamentáis:

a) criterio de múltipla atestacáo;


b) criterio de descontinuidade;
c) criterio de conformidade;
d) criterio de explicagáo necessária.

2) Criterios secundarios ou derivados:

a) o estilo de Jesús;
b) a inteligibilidade interna de um relato;
c) interpretacáo diversa, mas acordó de base.

i O mldraxe ó urna narracSo de fundo histórico que pSe em relevo


o significado teológico dos fatos narrados.

— 107 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 219/1978

Observa, por fim, o Pe. Térra:

"'A medida que as InvestlgacSes váo avancando, o material evan


gélico reconhecido como auténtico cresce sem cessar e tende a alcanzar
o Evangelho intelro.

Mullos pontos essenciais já polarizaram a adesSo de quase todos


os exegetas. Esses resultados dizem respailo sobretudo: a) ao meio
ambiente de Jesús, b) ás grandes linhas de seu ministerio, c) aos grandes
aconteclmentos de sua vida, d) ás controversias com os escribas e fari-
seus, e) & atltude contrastante de slmplicldade e autoridade, f) ás fór
mulas de urna Cristologia obscura, g) aos logia que rebaixam a Jesús,
h) a recusa de um messianismo político e temporal, i) ás pretensóes
surpreendentes manifestadas: no discurso da montanha com respeito á lei,
no uso do termo Abba, em sua asslmilacfio ao Filho do homem de Daniel,
e ñas declaracSes que o conduzem á morte, J) á vocacfio, missáo, exal-
ta$áo, Incompreensáo, traígáo e abandono dos Apostólos, etc.

... Por meló de urna aplicacSo rigorosa dos criterios de autentici-


dade histórica, nao se pode dizer como Bultmann: 'De Jesús de Nazaró
nao se sabe quase nada1. O preconceito sistemático de suspeitas que
durante quase um século pesou sobre os Evangelhos, pesa agora, gracas
ao estudo dos criterios de autentlcidade, sobre aqueles que negam tal
autenticfdade. Esta inversáo das posi;5es nao é um retorno á ingenul-
dade aerifica, mas deriva-se precisamente da aplicacáo mais rigorosa da
critica histórica que reabilita a autentfcidade histórica dos Evangelhos"
(p. 145).

9. Condusao

Ñas páginas precedentes apresentamos as grandes linhas


do livro «Jesús» do Pe. Joáo Evangelista Martins Térra. O
autor o termina prometendo outra obra sobre a ressurreigáo
de Jesús e os resultados da crítica moderna, que significam
um retrocesso em relagáo á picaretagem teológica e exegé-
tica de anos passados.

A tarefa de compendiar e apresentar síntese que o Pe.


Térra se propóe, nao é fácil. Em conseqüéncia, compreen-
de-se que o livro «Jesús» tenha suas repetigóes, que poderiam
ser supressas em próxima edigáo, a fim de tornar mais
suave ao leitor a utilizagáo de táo denso livro. Como quer
que seja, congratulamo-nos com o autor por sua rica produ-
tividade teológica, á qual nao faltam qualidade e nivel cien
tíficos. O «Jesús» aqui apresentado será útil manual introdu-
tório nos caminhos da exegese dos Evangelhos no século XX.

— 108 —
O marxismo na América Latina:

movimentos de cristáos socialistas

Em síntese: Publicamos abalxo numerosos trechos de urna Decía*


racfio dos Bfspos da Colombia atinente aos "CrlstSos para o Socialismo".
O documento mostra com rara clareza as táticas dos que pretendem
conciliar Evangelho e marxismo; na verdade, deturpam a Imagem do
Cristo, a nocSo de Igreja e a mensagem evangélica, criando novo Cris
tianismo, que nao é sendo marxismo sob pele de ovelha.

Comentario: Nos paises latinos da América e da Europa


tém-se alastrado varios movimentos de católicos que, sob
diversas denominacóes, se empenham pela implantagáo do
socialismo marxista em tais regióes. É o que explica o fenó
meno de que, embora essas nagóes sejam tradicionalmente
católicas, estejam fortemente ameagadas pelo comunismo; é
certo que o avango comunista jamáis poderia ter ocorrido se
nao tivesse encontrado conivéncia por parte dos próprios
católicos.

Ora diante da sedugáo que o marxismo exerce sobre os


católicos que o pretendem conciliar com o Evangelho,. a Con
ferencia dos Bispos da Colombia aos 21/11/76 publicou longo
documento de 72 páginas intitulado «Identidad Cristiana en
la Acción por la justicia». Tal documento resulta dos traba-
Ihos da 32* Assembléia Geral dos Bispos da Colombia reali
zada em julho de 1976.

O documento foi publicado em Bogotá com urna Intro-


dugáo do editor Cedial, que expóe sumariamente alguns pre
cedentes dos atuais Movimentos de Cristáos Socialistas. Vista
a importancia e a atualidade de tais textos, abaixo publica
remos em tradugáo brasileira os principáis incisos da Decla-
ragáo dos Bispos da Colombia, precedida da Introdugáo do
editor (será colocado entre parénteses o teor dos incisos
omitidos).

— 109 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 219/1978

INTRODUJO DO EDITOR

«Urna das correntes de idéias contemporáneas mais perigosas


para a fé nao só de grande número de cristaos, mas também de
sacerdotes, é a dos 'Cristaos para o Socialismo'. Afasta do Cristo
Redentor e Salvador os seus membros e provoca constantemente a
hostilídade dos mesmos contra a Igreja e a hierarquia. O Socialismo
que defendem, nao é um Socialismo democrático inspirado pelo justo
propósito de proceder á reforma da sociedade atual, mas é Socia
lismo movido por concepcáo agressiva, para nao dizer odienta,
revolucionaria, como é a concepcáo marxista flagrantemente oposta
ao Evangelho.

Origem no Chile em 1971

Tal Movímento fo¡ fundado em Santiago do Chile em abril de


1971 por um grupo de oitenta sacerdotes e Riligiosos que se reuniram
durante tres días I de 14 a 16 de abril) para discutir o tema 'A par-
ticipacSo dos cristaos na construcáo do Socialismo*. Resolveram cola
borar com os marxistas nessa construcáo. Por isto adotaram o mar
xismo e a análise que este faz da sociedade e de todos os problemas
atuais, como instrumento principal da revolucáo. Desde entao o Movi-
ménfo nao cessou de se desenvolver nao só no Chile, mas também
no estrangeiro.

Congresso nacional na Italia

Em novembro de 1974, por exemplo, o Movimento realizou em


Ñapóles (Italia) o seu segundo Congresso Nacional, do qual tomaram
parte cerca de 2.000 pessoas, na maioria estudantes. Desse Congresso
participaran* ativamente «té mesmo sacerdotes, alguns dos quais
eram muito conhecidos por suas idéias avancadas ou mesmo extre
mistas. O documento final do Congresso declarava que o objetivo
do Movimento era a luta em favor do Socialismo marxista na Italia
e no mundo. O Movimento tencionava dirigir sua acño militante na
Italia primeiramente contra a Igreja acusada de provocar alíenacáo
e estar ligada com o Partido Demócrata Cristao; a seguir, contra
este Partido mesmo, fundado havia mais de cinqüenta anos por
católicos fiéis á doutrina religiosa e social da Igreja. Dizia ainda o
documento final : 'O Movimento quer ¡ulgar toda o sociedade, inclu
sive a religiáo, as Igrejas, as instituicoes católicas, a vida religiosa,
á luz da análise e da crítica marxistas I'

— 110 —
MOVIMENTOS DE CRISTAOS SOCIALISTAS 19

Rápido desenvolvimento

Por ocasiáo desse Congresso, o Movimento ¡á atingirá grande


número de países: na América, o Chile, o Perú, a Argentina, o Equa-
dor, a Colombia, Costa Rica, Porto Rico, Panamá, Cuba, México,
U.S.A., Canadá; na Europa, a Espanha, Portugal, Franca, Holanda,
Bélgica, Suécia, Atemanha Federal. O Movimento atingió também
alguns países do Terceiro Mundo.

Preocupa;oes tíos bispos

O Movimento tendo-se originado no Chile,... a Conferencia


Nacional dos Bispos Chilenos publicou dois documentos a propósito,
em 25/05/1971 e em 11/04/1973 respectivamente. Mostravam a
incompatibilidade da doutrina marxista com o auténtico ensinamento
da Igreja. Em conseqüéncia, os bispos do Chile formularan! a con-
clusao nítida e precisa : 'Proibtmos aos sacerdotes, Religiosos e Reli
giosas que facam .parte dessa organizacáo (Cristaos para o Socia
lismo) e promovam de alguma forma urna acáo do género da que
nos denunciamos neste documento' ».

Sao estes os principáis precedentes do documento da Con


ferencia dos Bispos da Colombia que abaixo transcrevemos:

IDENTIDADE CRISTA NA AgÁO EM PROL DA JUSTICA

Introdujo

«1. De acordó com a antiga e constante tradicao apostólica


da Igreja, nos, Bispos da Colombia, cumprimos o grave dever de
falar com autoridade recebida do próprio Cristo todas as vezes que
certos fatos e afirmacoes vém perturbar a consciéncia dos católicos
e, em conseqüéncia, requerem que o magisterio dos Bispos se pro
nuncie. Esta missao incumbe a nos como mestres e pastores do Povo
de Deus. As palavras que vos dirigimos ho¡e, sao o fruto de urna
decisdo unánime tomada na 32« Assembléia Geral da Conferencia
dos Bispos que teve lugar em julho de 1976.

{Nos ns. 2-13 os Bispos continuam a expor por que foram obli
gados a se manifestar).

— 111 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 219/1978

PARTE I: GRAVIDADE DA SITUADO

1. OS FATOS

14. Convém lembrar aínda, em termos breves e sumarios, os


fatos mais salientes que constituiram, em nosso país, as etapas suces-
sivas percorridos pela dita 'Teología da Libertacáo1.

15. Após o frustrado ensaío do grupo de Golconda, r&alízou-se


em Bogotá (1970) un Simposio sobre a Teología da Libertacáo. Se-
guiu-se-lhe em 1971, e aínda em Bogotá, o Encontró Teológico sobre
a 'Libertacáo na América Latina". Os dois eventos fiveram, de ¡me
diato, exigua repercussáo no ámbito da Igreja. Embora bom número
de teses expostas fossem inaceitáveis e tenham sido o cerne da evo-
lueáo ideológica posterior, é ¡usto reconhecer q\je esses dois Encon-
tros decorreram em atmosfera de reflexao seria e que as palavras
entao proferidas guardaram tom comedido. Mas ¡mediatamente depois
o Grupo denominado SAL (Sacerdotes para a Libertacáo ou Sacer
dotes para a América Latina) irrompeu no panorama nacional. Quase
desde o inicio, vem adotando tom agressivo, linguagem áspera e,
principalmente, manífestas intencoes anti-hierárquicas e revolucionarias.

Surto de diversos grupos revolucionarios

16. Ao lado desse, apareceram outros grupos que falvez nao


sejam mais do que nomes, mas que assinam com SAL manifestos e
panfletos revolucionarios. Os mais conhecidos sao : 'Cristáos para o
Socialismo', 'Cristáos para a Libertacáo1, 'Crisfaos á procura', 'Comité
Intercultural para o Diálogo e a Acao na América Latina' (CIDALA),
'Instituto Latino-americano de Pastoral Popular' (ILAPP), 'Organi-
zacao de Religiosas para a América Latina1 (ORAL), 'Comité de
Sacerdotes e de Religiosas para a Defesa dos Direitos Humanos1. O
"Servico Colombiano de Comunicacao Social' (SCCS) serve-lhes de
vínculo de informacáo e agitacao. Todos esses Movimentos encontram
ampio eco ñas revistas de esquerda, em particular na revista comu
nista 'Alternativa' de Bogotá.

Tomada de posicóo nítidamente marxista

17. As fontes de inspiracáo ideológica desses Grupos vem, em


grande parte, do estrangeiro. Por conseguinte, nao é de surpreender
que todos — ou o único realmente existente — tenham copiado com

— 112 —
MOVIMENTOS DE CRISTAOS SOCIALISTAS 21

entusiasmo e ao pé da letra as teses dos 'Cristáos para o Socialismo',


pouco depois do surto desse Movimento no Chile em 1972. Assim
deram o último passo, ao menos até agora, em direcáo da posicáo
mais extrema e totalitaria : a adocao do marxismo. Os nvesmos
Grupos sao também herdeiros e corresponsáveis dos 'Movimentos Sa-
cerdotais da América Latina' que realizaram em Lima (1974) urna
'reuniao de dirigentes1.

18. Dado que a confusao dos primeiros lempos ¡á se dissipou,


podemos hoje observar um processo de sedimentacao, qtie permite
reconhecer as idéias próprias e as atitudes características das pessoas
e dos Grupos em foco.

O Grupo SAL e seus componentes

19. O primeiro Grupo é constituido por 'Sacerdotes para a


Libertacao' e pelas faccóes que se Ihe prendem. Integram-no sacer
dotes que, na verdade, romperam a comunh&o coro o seu bispo,
sacerdotes reduzidos ao estado laical e leigos de evidente inspiracáo
marxista. Recorrem em vao a urna tática bem conhecida, a saber:
adotam nomes de Grupos que nao existem ou que nao tém consis
tencia, para dar a impressáo de que s5o numerosos. Sob a respon-
sabilidade de tais nomes, que recobrem o anonimato covarde dos
verdadeiros responsáveis, publicam documentos e lancam prociama-
Coes de acáo revolucionaria e antieclesial. Ninguém sabe donde Ihes
chega o dinheiro necessário para sustentar urna tal publicidade.

Membros de Institutos de Pesquisa

20. Um segundo Grupo que nao é nem homogéneo nem orga


nizado, compreende sacerdotes que fazem parte de Institutos de Pes
quisa ou de Centros de Estudos, em que sao numerosos, e outros que
compartilham as suas teses. Os seus escritos sao polémicos e as suas
iniciativas trazem o cunho de nítida oposicáo á hierarquia.

Os sacerdotes que sofrem influencia

21. Como geralmente acontece em tais situacoes, um terceiro


Grupo é representado por sacerdotes disseminados em todo o país
e que sofrem a influencia dos ¡á citados. Movidos pela preocupacáo
da Igrejci a respeito das graves situacóes de injustica, acolhem sem

— 113 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 219/1978

discernimento alguns postulados dos seus colegas, sem medir o ver-


dadeiro alcance de tais teses e sem levar em conta os objetivos coli-
rttados pelos dirigentes do Movimento e as estrategias que estes
adotam. *. -Ví! :

Religiosas

22. Existe também um número indeterminado de Religiosas que,


consciente ou ingenuamente, se deixam instrumentalizar por essa
mentalidade. Lamenta-se que muitas délas se afastem da hierarquia,
percam progressivamente o fervor religioso e adotem atitudes que
reduzem a vida consagrada a simples compromisso de ordem tem
poral, que, além do mais, elas concebem de modo erróneo.

Posijoes matizadas

23. Nem todos os Grupos, como também nem todas as pes-


soas, compartilham, na mesma medida, as Idéias e as linhas de con-
duta mencionadas. Existe extensa gama de posicoes diversas, que
váo das mais simplonas as mais radicáis,. .. posicoes dos que se
deixam instrumentalizar e posicoes dos que exercem a lideranca.
Alguns talvez nao percebam todo o alcance do conteúdo doutrinário
e das estrategias. Contudo há muitos que aderem ao sistema na sua
totalidade, vivem conscientemente do mesmo e aceitam todas as
suas conseqüéncias desastrosas. Isto nao é apenas manifestacao da
crise que se alastra em todos os níveis; trata-se também de urna acao
concertada em plano internacional, a qual tem por finalidade trans
formar radicalmente os grandes principios da fé católica, que a lgre¡a,
como fiel intérprete da Revelacáo, sempre ensinou.

2. LINHAS DE PENSAMENTO

Subversáo doutrinária

25. Nao estamos simplesmenfe diante do programa de urna


acao empreendida sob o signo do Evangelho para responder as exi
gencias da ¡usrica social. Estamos assistindo a verdadeiro assalto
contra os fundamentos mesmos da fé católica. N5o se trata de dedu-
cao, mas, sim, de substituicño. Nao se tém em mira horizontes novos,
mas um pretenso Cristianismo novo concebido de modo arbitrario e
subjetivo, sem respeito á Tradicño auténlica da Igreja e do seu ma
gisterio.

— 114 —
MOVIMENTOS DE CRISTAOS SOCIALISTAS 23

A fé como 'praxis' revolucionaría

26. Partindo de concepcao radicalmente antropocéntrica, tais


pensadores deduzem da mesma todas as conseqüéndas. A chave
dessa ideología e o seu ponto de partida é o homem de condicao
marginal. Em conseqüéncia, a fé deixa de *er a resposta integral do
homem a Deus que Ihe fala, e toma a forma de urna praxis revolu
cionaria a servico dos deserdados. A evangelizacao se identifica com
urna pretensa promocáo humana. Evangelizar vem a ser tomar o
partido dos pobres — o que implica fogosamente o abandono da
pastoral tradicional, qualificada de alienante e desumana.

Horizontalismo total

27. Urna vez admitidas estas premissas, a nova corren fe de


pensamento nao hesita em sustentar o primado do temporal sobre o
espiritual. Isto se manifestó na aceitacáo de um horizontalismo total,
no qual estáo ausentes ou deformadas a transcendencia e as pers
pectivas escatológicas da Redencao do homem por Cristo. Em tal con
texto, onde tudo se encontró reduzido ao humano, ¡á nao é possfyel
falar de pecado pessoal ou de ruptura das relacoes interpessoais
entre o homem e Deus, mas tao somente de pecado estrutural ou
situacao de pecado que destrói o equilibrio social e cria um estado
de in]ustica.

Atitudes políticas

28. Entendida nestes termos, a evangelizacao nao pode ser


apolítica. O homem, enquanto ser social, é essencialmente político ,
todos os seus atos, todos os seus designios, sao políticos. O próprio
Evangelho nao escapa a essa linha de interpretacao : ele nao é
apenas político; é, sim, revolucionario e subversivo.

29. Nesse contexto político ocorre necessariamente a crítica


das instituicoes políticas. O Estado, afirmam, com o tipo de Governo
que Ihe é próprio, vem a ser urna das piores desgracas do país, pois
representa e sustenta a violencia institucionalizada, condenada pelos
documentos de Medellin. Mais : essa 'violencia institucionalizada' vém
a ser também todos os sistemas políticos que nao se identifiquen!
com o Socialismo.

— 115 —
iú Kfc.SFUÍ'JUKKKMOS»

Opc.60 pelo Socialismo marxista

30. é claro, porém, que as aspiracoes de tais Grupos nao se


satisfazem com um Socialismo democrático. Afirmam explícitamente
que, para analisar a siruacáo de injusticas e dar-lhe remedio, é pre
ciso aplicar o rígido esquema marxista de domínio-dependéncia-liber-
tacdo. No seu desenfreado compromisso en favor do extremismo de
esquerda, declaram sem hesitar que, com a análise marxista, foi des-
coberra a verdadeira ciencia que permite compreender e aplicar o
Evangelho. Por conseguinte, professam, sem dúvída nem escrúpulo,
a sua opcáo definitiva pelo Socialismo marxista. Quem nao faz tal
opcao, nao é auténtico cristfio; é um hereje. Da mesma forma, o
sacerdote que nao se empenhe em pro! da revolucao de tipo mar
xista é ¡nfiel á sua missao e se torna cúmplice de contra-tesiemunho
imperdoável.

Manipulares da Sagrada Escritura

31. Para sustentar todas essas teorías, os 'Cristaos para o


Socialismo' véem-se obrigados a por a mao sobre a S. Escritura como
se esta fosse algo que Ihes pertencesse e do qual poderiam usar e
abusar. Sao suficientemente conhecidas as interpretacóes fantasistas
pelas .quais eles fazem a Palavra de Deus dizer tudo o que tencionam
dizer. O Éxodo, os Profetas, o Novo Testamento foram por eles con
vertidos em canteiro donde extraem a seu bel-prazer os elementos
de base sobre os quais edificam a sua ideología. Pretenden! deseo-
brir ai um Cristo político, revolucionario, a pregar a subversño. Tal
é, segundo eles, a única ¡nterpretacao possível da pessoa e da obra
de Jesús. Em conformidade com essa ima.gem, que eles consideram
como a imagem auténtica de Cristo, eles tencionam mudar outrossim
a maneira de conceber a Igreja, redefinir a esta e fazer déla um
instrumento eficaz de revolucao. Por eonseguinte, criam para si oufra
Igreja, diferente daquela que nos conhecemos : Igreja de opcoes
puramente temporais e, conseqüentemente, levada a militar em favor
do Socialismo marxista.

Profetismo intemperante

Como é natural, de tai: premissas resulta a rejeicao do magis


terio da Igreja e da doufrina social católica, aos quais se substituí
um 'profetismo1 intemperante, anti-hierárquico, negativo, üvre de todas
as regras, exercido por quem quer que arbitrariamente se julgue cha-

— 116 —
MQVIMENTOS DE CRISTAOS SOCIALISTAS 25

mado a tanto. Esse clima de autonomía -descontrolada levou a con-


ceber a vida consagrada das comunidades religiosas como crítica
profética da instituicáo hierárquica. Disto tudo se seguem urna nova
Igreja e um novo magisterio, a tal ponto que, segundo propósitos
nao dissimulados, haveria urna «6 Igreja, na qual hierarquia e ins
tituicáo estariam completamente suplantadas pelo 'carisma' desses
pretensos profetas.

A Igreja acusado de cumplierdade cam o opressor

32. De tais concepcóes decorre a maneira de interpretar a


acao da Igreja no curso da historia. Partindo de pressupostos que
deformam completamente os fatos históricos e o sentido da missáo
evangelizadora da Igreja, esses Grupos de cristaos socialistas ousam
difundir a idéia-calúnia de que a Igreja na Colombia, durante quase
cinco séculos; sempre foi um fator alienante, mostrando-se a aliada
do opressor contra os opirimidos, vivendo longe dos pobres e tomando
partido, em todas as ocasioes, pelo sistema vigente e as classes pri
vilegiadas. Com outras palavras : pintam o passado com as cores
mais sombrías, como estéril em frutos de auténtica evangelizacao.
Por conseguinte, para construir o futuro, deveríamos comecar da es
taca zero. Somente a partir de hoje hovera urna verdadeira Igreja,
a Igreja deles, a que chamam 'a Igreja dos pobres'.

3. AS ESTRATEGIAS

Críticas acerbas e invectivas

33. Os que aderem a essa corrente revolucionaria, enfatízam


as suas idéias mediante atitudes características, que sao quase sem
pre contrarias as normas elementares do respeito devido á pessoa
humana. Tratam os seus adversarios, isto é, todos os que nao estao
com eles, em termos duros que traduzem a sua permanente hostilidade
interior.

34. Em relacáo á hierarquia, usam expressoes severas de crí


tica e de rejeicáo, que repetem sistemáticamente, no intuito evidente
de ferír o prestigio da mesma e impedir a sua missáo docente. A
acao pastoral dos Bispos é o objetivo das suas piores invectivas.
Visam assim a produzir um vazio na dociüdade dos fiéis e deixar
o campo livre para a irrupeáo do seu pretenso profetismo. Em per
manente atitude de desafio, infringemí sistemáticamente todas as dis-
posicóes da Igreja referentes a acao política dos fiéis.

— 117 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 219/1978

Por que os sacerdotes guardam o anonimato

35. Os sacerdotes comprometidos nesse Movimento, apesar das


condenacóes que eles proferem contra o clericalismo, abusam da
sua condicao de membros do clero e se apegam obstinadamente ao
seu estado clerical, a fim de, como dizem, transformar a l,gre¡a de
dentro para fora. Isto equivale a dizer que fícam numa ínstituicáo
que eles nao amam, para destrui-la com mois facilidade e eficacia.
Quase todos ocultam cuidadosamente a sua pertinencia ao Grupo
'Sacerdotes para a libertacáo' ou aos grupos similares, a fim de
evitar os possíveis problemas e censuras. Este anonimato Ihes con-
fere a mobilidade de que precisam para ser sem o parecer, para
lancar o dardo, nao a partir do campo oposto, mas a partir do meio
mesmo daqueles que eles combatem. Além disto, o anonimato Ihes
serve de tática hábil para dar a impressáo de que sao muitos e de
que os seus Grupos sao numerosos.

Procedimentos demagógicos

36. Nao so criticam a Igreja porque Ela se declara neutra


em materia política, mas dese¡am leva-la a adotar, como única opeáo,
os procedimentos, as lutos e a ideologia do marxismo. E, visto .que
Ela nao o faz, acusam-na de estar aliada com os poderosos e ser
insensível ao sofrimento dos pobres.

37. Nao receíam recorrer a procedimentos demagógicos, nem


mesmo participar atívamente de situacóes de desordem. Onde quer
que haja um problema de ordem social, envenenam o confuto e
declaram-se prontos a prestar a sua colaboracao eficaz, sem consi
derar a justica ou a ¡njustica da causa que sustentam, e sem se preo
cupar com o daño que possam causar aqueles mesmos que eles
parecem proteger, excitando-os a urna luta sem solucao. Solidarios
com todos os Movimentos de esquerda, envolvidos em quase todos
os casos de perda de emprego, chegam a tal inversáo dos valores
que as greves se fazem ñas igrejas, ao passo que as Missas tém
lugar ñas rúas. Eis o tributo .pago á demagogia.

Instrumentos de publictdade

38. Panfletos, boletins, folhas volantes, publicacóes periódicas


de qua'idade mediocre e de linguagem pouco cortés servem-lhes
como instrumentos de difusáo, por vezes clandestinos, em todo o ter-

— 118 —
MOVIMENTOS DE CRISTAOS SOCIALISTAS 27

ritório nacional. Mas nao esqvecem as relacóes ¡nternadonais. Algu-


mas agencias de informacóes e servicos de imprensa na América e
na Europa, até mesmo revistas religiosas publicadas na^ Espanha,
dao-lhes ampio eco, difundindo seus programas, as noticias defor
madas por eles e, ocasionalmente, as suas colunias despudoradas con
tra a I groja da Colombia e seu episcopado.

Graves abusos na Liturgia

39. O mais grave abuso que cometem, é talvez a instrumen-


talizacáo da Liturgia. Para eles, a Eucaristía deixa de ser o Sacri
ficio e a Ceia do Senhor; torna-se meio de 'conseientizacáo', instru
mento de lula revolucionaria, ocasíao de arengas políticas. A tal
ponto que nada os impede de infringir todas as normas da celebra-
cao e inventar, segundo a sua fantasía, oracóes, fórmula* e cánti
cos que tiram da Liturgia o seu sentido sagrado e a transforman»
em ato de protesto « convite á revolta. A Eucaristía assim profanada
nao constrói urna comunidade de irmfios; serve, antes, a animar um
encontró de camaradas.

Para cumprir nosso aever de pastores

40. O que acabamos de dizer a respeito das idéias e das tá-


ticas dos 'Cristáos para o Socialismo', evidencia bem a gravidade do
momento e a urgencia do nosso dever de pastores. Donde a premente
necessidade que nos incumbe, de fazer ouvir urna palavra que escla-
reca todos os fiéis, Ihes de seguranca e Ihes diga a verdade. Essa
palavra está em plena conformidad© com o magisterio do Papa e
com os ensinamentos dos Bispos. E urna expressao da colegialidade
episcopal.

(No n? 41 comeca a Parte II do Documento, na qual os Bispos


expoem e criticam os conteúdos ideológicos dos Movimentos marxistas
que eles denunciam. Tal parte consta de oito capítulos : 1?) O pri-
meiro dado á política [n* 41-75]; 2') A aceítacao global da aná-
líse marxísta [n* 76-85],- 3«) As atitudes de confuto e a opcao
pelo Socialismo marxista [n« 86-104]; 4«) Ignorancia do misterio
da Igreja e ataques contra esta [n« 105-129]; 5«) Verdadeiro e
falso profetísmo [n' 130-141]. Chegamos assim aos capítulos 6 e 7,
que vao abaixo reproduzidos).

— 119 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 219/1978 .

PARTE II: CONTEÚDO IDEOLÓGICO E CRÍTICA

6. 'RELEITURA' DA PALAVRA DE DEUS

Biblia e programas revolucionarios

142. A ideología marxista, para quem a adota, penetra todos


os aspectos da vida da Igreja; atinge-a mesmo na sua fonte, que é
a Palavra de Deus. Interpreta os textos do Antigo Testamento era
sentido meramente político e aprésente o livro do Éxodo, antes do
mais, como epopéia revolucionaria, modelo daquela que os cristaos
'engajados' deveríam realizar ho¡e. Os textos dos Profetas sao des
tituidos do seu espirito origina! e servem como programas de caráter
subversivo. O Novo Testamento é submetido a um assalto em regra,
cujos despojos sao, a seguir, distribuidos aos fiéis como se se tra-
tasse de conquistas maduras e definitivas da exegese. As bem-aven-
turancas evangélicas e o 'Magníficat' da Virgem María seriam pro
gramas revolucionarios que encontram o seu sentido rematado no
heroísmo dos mártires da nova fé, isto é, no dos guerrílheiros latino-
-americanos, apresentados como místicos do mais alto nivel. Encon-
tramo-nos assim diante de intolerável alteracáo da Palavra de Deus.

RepercussSo na catequese

143. Essa 'releitura' é aplicada numa pretensa evangelizacáo,


que se reduz á conscientizacao revolucionaria, e numa catequese em
que acontecimentos políticos ou certa praxis revolucionaria (tal como
a desenvolvem Grupos de "Cristños para o Socialismo' e similares)
romam o lugar que a Igreja reserva á Revelacao Divina. Poderíamos
multiplicar os exemplos concretos.

Em varios tipos dessa catequese, a realidad* da Alianca, que


supSe o encontró pessoal e comunitario com o Senhor, passa para
o segundo plano, assim como o misterio do pecado pessoal. Tudo isto
desconcertó ao máximo as comunidades sujeitas a abusos de tal
género. Quanto ao pecado social, reduzem-no simplesmente a ques-
toes de estruturas.

Recorrem a textos pseudolitúrgicos, que antes parecem manifes-


tos ou proclamacóes políticas, ou «inda a cancoes contestatarias, que
supóem um quadro bem diverso do dos tugare; sagrados.

— 120 —
MOVIMENTOS DE CRISTÁOS SOCIALISTAS 29

O Evangelho considerado á luz do marxismo

144. Sabemos que tal situacáo ocorre também etn outros paí
ses da América Latina. Há algum tempo, os Bispos chítenos denun-
ciavam, em tom de alarme, abusos e exageros semelhantes :

'Surpreende-nos a estranha interprétaselo do Evangelho que os


'Cristáos para o Socialismo' propóem. Para eles, a mensagem evan
gélica nao sería, em primeiro plano, ético-religiosa e, por vía de
conseqüéncia, também social. Ao contrario, as realidades sobrena-
turais do Evangelho — o Reino, a carídade, os sacramentos — sao
considerados como sinais e imagens das realidades temporais, isto
é, dos regimes, das classes sociais, das estruturas ñas quais a intencño
e a palavra de Jesús, deveriatn encontrar a sua realizacao. Para que
a palavra de Cristo fosse plenamente vivida, teria sido necessárío
esperar durante dezenove séculos o aparecimento de urna ciencia
mediadora — o método marxista —, que feria vindo enstnar-nos
como as estruturas transforman! o coracáo humano, e nao vi ce-versa.
Tal ciencia levaría a, urna reinterpreta;5o radical dos Evangelhos,
a qual nos revelaría o sentido mais profundo e original dos mesmos:
a liberta$5o-revo!ucáo. Ora afirmamos que essa pretensa exegese
nao é senño urna foiterpretaíSo ao avesso da obra e da palavra de
Jesús, das suas parábolas e dos seus milagres, da sua «norte e da
sua ressurreieco, misterios estes que sempre foram e serfio compreen-
didos pela Igreja em seu sentido original e essencial, como os com-
preenderam os Apóstolas. Nos os recebemos da Tradicáo apostólica,
sem a mediaeáo de alguma 'ciencia*. Esta, sob pretexto de lanear
mais luz sobre os Evangelhos, ehega a desnaturar e mesmo inverter
o sentido dos mesmos.

145. Se o Cristo 'tivesse tido em mira essa especie de simbo


lismo contrarío á sua mensagem — a palavra 'povos* significando
'classes', 'virtudes' significando 'sistemas' ou 'regimes', 'bem-avenfu-
rancas' significando 'estruturas', 'conversño' designando 'revolucáo',
'sacramentos' significando 'partidos' ou 'grupos soeiais* —, Ele no-lo
teria dado a saber'.

A pregacSo é muiros vezes afetada

146. é triste verificar que essa infeliz exegese atingiu a pre-


gaeáo de numerosos sacerdotes. A adulteracáo da fé produzida por
falsa interpretacáo da Escritura, encontramo-la nao somente entre
os 'Cristáos para o Socialismo', mas também nos outros grupos que

— 121 _
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 219/1978

sustentan) fundamentalmente as mesmas id.éias, principalmente os


que denunciamos na primeira parte do nosso documento. Assim é
viciada urna evangelizado que deveria ser fiel á mocfio do Espirito
e á intencáo da Igreja.

Profanar a Palavra de Deus

147. Interpretar táo abusivamente a S. Escritura, tornando-a


arbitrariamente um instrumento de conscienfizacáo marxiste, significa
romper de maneira consciente e livre a comunháo com a Igreja e
profanar gravemente a Palavra de Deus. O verdadeiro fiel, e com
mais razao o sacerdote, sabe que 'o encargo de interpretar auténti
camente a Palavra de Deus, escrita ou transmitida de viva voz, foi
confiado táo somente ao Magisterio vivo da Igreja, cuja autoridade
se exerce em nome de Jesús Cristo' {cf. Constituieáo 'Dei Verbum'
n« 10).

148. No mesmo sentido, Paulo VI denuncia a temeridade da-


queles que 'desconcerfam toda a comunidade eclesial, nela introdu-
zindo o fruto de teorías dialéticas estranhas ao espirito de Cristo,
e que utilizam as palavras do Evangelho, alterando o seu significado'
(Exortacao Apostólica sobre a Reconciliacáo no seio da lgre¡a, n* 3,
16/12/1974).

149. O mesmo Pontífice reitera o seu ensinamento na Exorta


cao Apostólica 'Evangelii Nuntíandi', onde insiste sobre o conteúdo
da verdadeira libertacSo e sobre a necessidade de superar as am-
bigüidades :

'. .. A Igreja tem a firme convice.no de que toda libértaselo tem


poral, toda libertacSo política — mesmo que ela porventura se esfor-
c.asse por encontrar numa ou noutra página do Antigo ou do Novo
Testamento a própria. ¡us»if¡cae.áo, mesmo que ela reclamesse para
os seus postulados ideológicos e para as suas normas de ajao a auto
ridade dos dados e das conclusóes teológicas e mesmo que ela pre-
tendesse ser a teologia para os días de ho|e — encerró em si mesma
o germen da sua própria negacáo e desvia-se do ideal que se pro-
póe, por tsso mesmo que as suas motívaseos profundas nao sao as
da justica na candado, e porque o impulso que a arrasta nao tem
dimensáo verdadeiratnente espiritual e a sua última finalidade nao
é a salvacáo e a bem-aventuranca em Deus' (n' 35).

— 122 —
MOVIMENTOS DE CHISTAOS SOCIALISTAS 31

7. UM NOVO JESÚS CRISTO ?

O 'Subversivo de Nazaré'

150. Alguns escritos derivados de tais Grupos qu de seus mem-


bros apresentam o Cristo como 'o Subversivo de Nazaré'. Teria vindo
como 'zelota' para instaurar «eu Reino de violencia pela espada
(Mt 10,34),... um Reino que os violentos conquisfam {Mt 11,12).
No episodio da expulsáo dos vendilhoes do Templo pelo Senhor
(Jo 2,13-16), véem um sinal de que a Revolucáo ¡ó chegara. Por ter
desafiado os poderosos e haver assumido atitude rebelde, morreu
condenado pelos maiorais da época. A cruz é assimí despojada do
seu valor redentor para tornar-se um símbolo de subversao e de luta
de classes. Esses erros de interpretacáo, ¡á antigos e boje apresen-
tados de novo, sem que se saiba por que, como novidades, carecem
de base cientificamente seria.

Um Cristo político e rebelde

151. Visto que a consciéncia dos fiéis reage quase instintiva


mente contra tais falsificacoes, alguns mentores puseram em circula-
cao um outro tipo de interpretacao cristológica, que é talvez mais
matizado, mas aprésenla dificuldades insolúveis. Admitem que Cristo
nao tenha sido o.chefe de um grupo zelota revolucionario, mas afir-
mam que as modalidades da sua presenta e do seu compromisso
político devem servir de inspiracao fundamental para a revolucáo
em curso. Durante a sua vida mortal, Cristo foi rebelde tanto no
plano religioso como no plano político. Exerceu a chefia do único
movimento subversivo possível em seu tempo : o que visava a abalar
os poderes religiosos coniventes com o dominio romano. Mas Ele
mostrou e abríu a vía para outras subversoes possiveís no momento
atual. Se o Cristo nao se tivesse comprometido politicamente, feria
Ele morrido na cruz do Gólgota ?

•Testemunbos contrarios dos Evongelrros

152. Segundo tais teses, Jesús Cristo teria vivido para as clas
ses oprimidas; teria sido 'aquele que viveu para os outros", para os
oprimidos, contra os* opressores. Os arautos desses dizeres deixam em
silencio as relacoes e os encontros de Jesús com pessoas que perten-
ciam as outras classes do seu tempo, das quais algumas eram des-

— 123 r-
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 219/1978

prezadas, como se dava no caso dos publicónos, a cu¡a mesa Jesús


se sentava. Nao é verdade que Ele chamou alguns a que O seguis-
sem imediatamente, chegando mesmo a fazer de um deles o seu
discípulo? Esquecem também que as acusacoes fundamentáis levanta
das contra Cristo nao foram de caráter político; e, aquelas que
foram suscitadas no plano políHco, os Evangelistas as apresentam
como falsos testemunhos (cf. Mt 26,49-66; 27,22-24; Me 14,55-65;
Le 23, 4-22; Jo 18, 33-40).

Tal Cristo nao é nem o da historia nem o éa fe

153. Quer *e trate do Cristo zelota ou revolucionario, quer se


trate do Cristo politicamente comprometido, como O costumam apre-
sentar, nao é o Cristo tal como Ele se manifestó realmente na historia
e como a lgre¡a O interpreta ; nao é o Cristo no qual nos eremos.
Urna coisa é admitir que a mensagem de amor universal de Cristo tem
repercussóes sociais extremamente extensas e profundas, e outra coisa,
muito diferente, é fazer dele um Messias terrestre.

154. Para quem le sem preconceitos as narracoes evangélicas,


aparece, sem sombra de dúvida, que muitos dos contemporáneos de
Jesús ficaram perplexos diante do caráter especificatnenfe religioso
que o Cristo deu a sua pessoa e á sua obra. Nenhuma pompa exte
rior, total ausencia de preocupacoes políticas, nenhuma palavra con
tra os ocupantes estrangeiros, nem a mínima alusao a projetos de
revolucao ou de libertacáo temporal.

155. Nao foi o punho fechado que Jesús ostenfou do alto da


cruz, como representam algumas imagens. Ele é o 'Servidor de Javé1
que convida, compreende, perdoa, reconcilia todos os homens com
o Pai; vive, morre e ressuscita em favor deles. Ouando professamos
nossa fé em Jesús Cristo, proclamamo-Lo o Senhor único vivo, atuante,
por qoem vale a pena viver e morrer (Rm 14,8); reconhecetrvo-Lo como
o único Mediador e Salvador (Ar 4,12). O Cristo nao é um progra-
mador de lutas e reivindicaeoes, mesmo legítimas. Ele é a plenitude
da Divindade (CI 2,9), que habita entre nos {Ef 3,17), em quem
nos temos a vida, o movimento e o ser (At 17, 28).

O Cristo utilizado como cháncela de causa política


156. A falsa representacáo da pessoa de Cristo atrás descrita
comporta necessariamenfe a mais grosseira secularizacao da mensa
gem crista.

— 124 —
MOVIMENTOS DE CRISTAOS SOCIALISTAS 33

'Segundo alguns, o compromisso em favor das liberta$5es polí


ticas, culturáis ou socials do momento tem prioridade sobre a inicia
tiva divina. Encerra a salvacáo no quadro das lufas individuáis ou
coletívas em prol da premosáo humana. A eonseqüénda disto é que
n fidelidade crislá se reduz a alióneos políticas, estrategias de par
tido e a planos de tomada de poder. Tal secularízaselo da mensagem
crista faz que esta se reduza a valores culturáis e a ideologías soeto-
-economicas. O Cristo, considerado só como exemplo moral óu única
mente sob o aspecto da sua solidariedade com os pobres, desempe-
nha simplesmente o papel de cháncela ou de referencial em prol de
urna causa ou em prol da luta por urna classe social. Na verdade,
só recorrem a Cristo para que dé valor a urna tomada de posijáo
políHca ou para provocar a adesáo dos Cristáos' (Conselho Perma
nente do Episcopado Francés: 'Ubertagáo dos homens e salvacáo
em Jesús Cristo* 1974 II).

Outra Igreja, outra fé

157. Interpretar o Cristo em termos revolucionarios ou políticos


leva necessariamente a conceber do mesmo modo a Igreja, que O
prolonga sacramentalmente em virtude da sua missáo evangelizadora.
Doutro lado, entender a Igreja como urna unidode proletaria, como
um povo em marcha para o Socialismo, na perspectiva de ym messia-
nismo terrestre, leva a anunciar um Cristo á imagem e semelhanea
da ideología da qual se alimentam os arautos de tal tese. Urna vez
admitida na Igreja a dialética da luta de classes, em breve também
se interpretará a pessoa de Jesús Cristo segundo os criterios da aná-
lise marxísta. Em diversas partes da América Latina ¡á se fala de luta
de classes entre diferentes Cristos: o Cristo dos possuidores e o Cristo
dos proletarios.

158. Praticamente nada há na lgre¡a ou no Cristianismo que


escape á invasao dessa ideología. Nao existe um aspecto da evan-
gelizacao ou da catequese, nao há um setor ou tratado de teología
que nao seja atetado por essas maneiras de conceber e apresentar
as cotsas. Bastaría seguir, passo a passo, certas publicacoes, anóni
mas ou nao, para avallar até que ponto mutilam os elementos fun
damentáis da nossa fé.

Compartí I hamos plenamente o que- disseram os Bispos do Chile :

'Alguns valores cristáos fundamentáis, como a transseendéncia


da pessoa em relaráo as classes e as esrnrturas — e, em primeiro
lugar, a pessoa mesma de Cristo — nao sao, nesse contexto, realzadas

— 125 —
34 ^PERPUNTE E RESPONDEREMOS» 219/1978

como o mereciom numa conceptúo crista da sociedade. Em taJ quadro,


que lugar fica para a oraeáo, a contemplaeáo, o próprio ministerio
sacerdotal e para os humildes servicos pastarais que nao tenham
relácelo direta com os interesses políticos? Que lugar fica para o
amor, que se estende para além de toda consideracáo de estrutura?
Que lugar fica para, a loucura da cruz? Se o sacerdote só se senté á
vontade na luta de classes e no aeáo em pro) da ¡ustica social, terá
ele as disposicóes necessárias para alimentar a sua vida interior pela
oraeáo, pela adoracáo do SS. Sacramento, pela devoeáo a Nossa
Senhora? E poderá ele, com tais disposisóes, alimentar as almas dos
fiéis que Ihe sao confiadas? Nao passará a desprezar todas essas
práticas pessoais e essas preocupacóes de ministerio, que nao tém
eficacia visível e direta na luta social, mas que sao táo indispensáveis
para o apostolado sacerdotal e mesmo, em virtude da comunhao dos
santos, para a própria causa da ¡ustiea social?' (Conferencia dos
Bispos do Chile, 'Fé crista e aeáo política' 1973, n« 62).

Oufro Cristo, outra fé, outra Igreja

159. A dinámica das posicóes contaminadas por essa ideologia


nos leva a outro Cristo, outra Igreja, outra fé, de índole doloroso-
mente sectaria :

'Como estranhar que, com tais principios, se¡a mutilada a na-


tureza da Igreja e o sentido fundamental da sua instituieño? Por essa
via, somos levados a nova Igreja, sem dimensáo sobrenatural, sem
sacramentos, sem ministerio hierarquico. Nao nos é possível reconhe-
cer sob tais traeos urna simples renovaeao da Igreja eterna; vemos ai
urna Insíituieáo radicalmente diversa, de outra origem, com outros
fins e outros meios, em suma: urna nova seita. Na verdade, o com-
portamento desse Grupo no plano prático se assemelha perígosamente
e sempre mais ao de urna seita' (Conferencia dos Bispos do Chile, 'Fe
cristiana y Actuación política' 1973, n? 74).

160. Nao podemos permitir os riscos que disso tudo decorrem


para a vida das nossas comunidades, nem fechar os olhos para a
ameaca que paira sobre muitos, quando essas posisóes sao defen
didas por cerros Grupos de sacerdotes».

(O cap. VIII e último mostra como a evangelizacáo preenche


as tarefas da auténtica promocáo humana, n' 161-173).

— 126 —
MOVIMENTOS DE CRISTAOS SOCIALISTAS 35

Os Bispos concluem a sua exposigáo exortando os dis-


sidentes a voltarem á fidelidade a Cristo e á Igreja (n.os 174-
-193). Abaixo publicamos o inciso final do documento:

«193. Em meio aos vai-e-vem e as contradicoes dos homens


que, ao longo da historia, manifestaran! claramente a sua pequenez
dianle de Deus e a fragilidade das suas ideologías diante do Evan-
gelho, ños, cristaos, sabemos que nao podemos depositar a nossa
confianca senáo em Jesús Cristo. Somente Ele é o verdadeiro Reí dos
homens e do universo, Re¡ para servir, Rei pela cruz. Se, e com razao,
repelimos os imperialismos de toda especie que trituram e diminuem
o homem, a fé nos dá a conviccao de que nao há auténtica salvacao
integral fora do Reino de Deus, ¡á inaugurado por Ele na térra, Reino
de ¡ustica, de amor e de paz».

Nao é necessário insistirmos na clarividencia e no valor


de tais reflexóes. Possam ter utilidade para quantos no Bra
sil se dedicam ao estudo das questóes sociais!

A titulo de subsidio para aprofundamento do tema, citamos:

Concilium 125-1977/S: Cristianismo e Socialismo. Vozes do Petró-


polis 1977.

— 127 —
Um eco do Oriente:

que é a meditacáo transcendental ?

Em sintese: A Meditado Transcendental (MT) é urna técnica de


exercicios mentáis oriunda da India e trazida aos países ocidentais por
Maharishl Mahesh Yogi. Distingamos na MT dois aspectos: o da prá-
tica de distensfio nervosa e esvaziamento da mente, que redunda em
higiene psíquica e pode beneficiar a saúde do praticante. O outro
aspecto é o da filosofía religiosa que a MT pressupóe e tende a instilar
paulatinamente nos seus adeptos: tal filosofía é pantelsta, isto é, professa
a Identldade entre Deus e todas as coisas vlsívels; estas sao fenómenos
cujo substrato é o ser ou a Olvlndade. A MT professa também a tese
da reencarnacSo. Ora tais concepcdes filosóflco-rellglosas nao se coadu-
nam nSo so com o Cristianismo, mas também nao com a s3 razüo; esta
evidencia que Deus nao se pode identificar com o substrato das coisas
volúveis, pois entre o Infinito e o contingente há um hiato intranspo-
nfvel; por isto o panteísmo é insustentável aos olhos da sá razáo.
Quanto á tese da reencarnado, carece de provas ou é postulado gra
tuito que a S. Escritura rejeila peremptoriamente.

NSo é necessário a um crlstáo ir procurar ñas escolas orientáis a


prática da meditagfio. O Cristianismo é acentuadamente místico; enslna
seus adeptos a cultivar a oracáo mental, a fim de se concentrar mais e
mais em Deus; S. Teresa, fazendo eco a Sao Pauto (1Cor 6,19), falava
do "Castelo Interior" ou da mansáo de Deus no cristao, mansa" o que é
descoberta mediante os sucesslvos graus de profundidade da oracáo
mental.

é, pois, para desejar que se tornem mais conhecidos os escritos


místicos cristSos, visto_ que a ignorancia dos mesmos leva os fiéis a
procurar na MT urna r'esposta precaria (porque pantefsta) para as suas
aspirares religiosas.

Comentario: Está muito em voga entre nos a prática da


Meditagáo Transcendental (doravante MT),... transcenden
tal porque transcende ou ultrapassa as coisas sensiveis para
atingir o ámago do Ser num processo de interiorizagáo.

Muitos fiéis cristáos interrogan! a respeito do conteúdo


da MT e da sua compatibilidade com os principios do Cristia
nismo. Eis por que, ñas páginas subseqüentes, procuraremos
expor as linhas mestras da MT e proporemos um juizo sobre
a mesma.

— 128 —
MEDITACAO TRANSCENDENTAL 37

1. Meditando Transcendental: que é?

1. A Meditagáo Transcendental vem a ser um dos


exercícios que os indianos desde remotas épocas realizam a
fim de conseguir paz e felicidade interiores. Consiste numa
técnica mental que leva a pessoa primeiramente a procurar
colocar-se em estado de «relax» ou de distensáo interior;
nessas condigóes o individuo tenta esquecer todas as realida
des sensiveis e esvaziar a mente de todas as imagens mate-
riais que habitualmente a distraem; cria-se assim um estado
de «percepcáo vazia»; esta acarreta a cessagáo de emogSes,
sentimentos e afetos. Em conseqüéncia, a pessoa aprofun-
da-se em sua consciéncia — o que lhe permite descubrir a
realidade mais íntima do seu próprio ser. Nos sucessivos
niveis de profundidade da mente, o individuo se torna sem-
pre mais consciente da sua natureza divina. Este estado
final é denominado «pura percepgáo».

Tal técnica é habitualmente realizada em casa, sem


ritual preparatorio e sem posturas próprias, bastando um
lugar em que o interessado se possa sentir confortavelmente
sentado. Há quem pratique a MT duas vezes por dia, ou
seja, de manhá, antes do café, e <k noite, antes do jantar.
Todavía mesmo em viagem ou fora de casa as pessoas po-
dem realizar a sua MT, valendo-se do ambiente de urna sala
de espera, de um ónibus, de um trem, de um aviáo, etc.

Os arautos da MT elogiam os beneficios que este exer-


cício suscita a quem o pratica, principalmente em nossos agi
tados dias, nos quais as pessoas estáo sujeitas a esgotamento
físico e nervoso. Afirmam que nao se trata de exercício reli
gioso nem de aprendizagem filosófica, mas táo somente de
higiene mental e aprimoramento das facilidades perceptivas.
Nos Estados Unidos, a MTJ foi introduzida em 1959 pelo mes-
tre indiano Maharishi Mahesh Yogi, cujos livros sao difun
didos também no Brasil.

2. Maharishi foi durante doze anos discípulo de Swami


Brahmananda Saraswati, geralmente conheddo como Gurú
Dev, herdeiro das antigás tradigóes ascéticas hinduistas. De-
¿ jís da morte de Gurú Dev, Maharishi passou a levar vida
eremítica em Ottar Kashi, no Himalaia. Após dois anos de
solidáo, Maharishi sentia seu pensamento insistentemente vol-
tado para determinada cidade do sul da India; cedeu entáo

— 129 —
3S «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 219/1978

á sugestáo e viajou para tal cidade. Nesta o bibliotecario


municipal o encontrou e lhe perguntou se vinha do Himalaia
e se dava aulas; Maharishi respondeu que vinha, sim, de
Uttar Kashi, mas nao lecionava. Nao obstante, o biblioteca
rio, sem ulterior consulta, programou urna serie de sete aulas
públicas que Maharishi deveria dar na semana seguinte. O
mestre resolveu aceitar o empreendimento, o qual foi táo
bem sucedido que outros análogos se lhe seguiram... O
éxito evidenciou finalmente a Maharishi que ele devia divul
gar a sua técnica de meditacáo pelo mundo inteiro. Foi o
que o mestre passou a fazer, chegando até os Estados Unidos
e a Europa.

3. Para aprender a MT, deve o candidato dirigir-se a


um mestre comprovado; ela nao pode ser aprendida através
de livros ou de praticantes amadores. Cada candidato é soli
citado a levar ao seu mestre algumas flores frescas, frutas
frescas e um lengo branco novo; estes sao usados pelo pro-
fessor numa cerimónia tradicional que antecede a primeira
sessáo de aprendizagem. O som é muito importante para
provocar e facilitar a MT, contribuindo para desligar a mente
das suas preocupagóes cotidianas e suscitar a paz. A MT dá
o nome de mantras aos sons aptos a produzir tais efeitos.
Cada pessoa vibra especialmente com determinados sons ou
mantras; dai requerer-se a particular habilidade de um mestre
para que descubra qual o mantra mais adequado para cada
individuo e o faga funcionar.

Os mestres da MT explanam em seus livros o funciona-


mento do psiquismo humano:, analisam as obras de Freud e
outros autores, tentando afirmar a sua doutrina nos am
bientes do mundo ocidental, cujas categorías do ponsamento
diferem das do mundo oriental. Procuram assim mostrar
que na verdade a MT nao é algo de estranho aos cidadáos
ocidentais; muitos destes, ao realizarem o seu primeiro ensaio
de MT, declaram já ter feito tal experiencia em idade infantil.

2. A filosofía subjacente

1. Embora os arautos da MT afirmem que esta nada


tem que ver com religiáo ou filosofía, na verdade a MT está
associada á filosofía religiosa dos mestres indianos, isto é,
ao panteísmo. Isto quer dizer: segundo a escola de Maha
rishi Mahesh Yogi, a Divindade se identifica com o intimo

— 130 —
MEDITACAO TRANSCENDENTAL 39

do homem e com o ámago da todos os seres visiveis (a pala-


vra grega pan significa tudo, ao passo que theós designa
Deus; panteísmo, portante, é o sistema que identifica Deus
com tudo). Tal concepgáo é tradicional no hinduísmo; mas
nem sempre os discípulos das escolas orientáis tomam cons-
ciéncia de que estas professam (ao menos implícitamente) o
panteísmo.

Sao palavras de Maharishi:

"O Divino transcendental, onipresente, é, por virtude de sua onipre-


senca, o Ser essencial de todos nos. Forma a base de todas as vidas;
nao é outro senáo o nosso próprio ser ou Ser" (Mediíacio Transcen
dental, p. 251, nota 1).

Ou ainda:

"'O Ser ó a realidade suprema de tudo que to¡, é ou será, é


eterno e Ilimitado, a base de toda existencia de fenómenos da vida cós
mica, é a fonte de todo o tempo, espago e causacSo; é o principio e
o fim da existencia, o campo eterno da Inteligencia crlativa onlpotente
que a tudo permeia. Eu sou Aquele Ser eterno, vos sois Aquilo e tudo
isto é, em sua natureza essencial, Aquele Ser Eterno" (ib., p. 23).

2. Mais: para Maharishi, o mundo visivel nao é pro-


priamente real, mas também nao é irreal; é um fenómeno
ou aparencia1. Consta de um conjunto de realidades que
estáo sempre em mudenca e caminham para a sua destrui-
cáo3. Essas realidades visiveis sao facetas imperfeitas da
Divindade; devem ser ultrapassadas para que o homem possa
fazer a experiencia pura e direta da Divindade:

'A palavra phalnóumenon em grego significa "o que aparece".

- '"No nivel sensorial, o mundo parece bastante real. Mas através


do Intelecto decidimos que, como está em continua mutacfio, nfio pode
ser real; real é o que é sempre o mesmo. Porém, nfio podemos slm-
plesmente ignorar o mundo, porque o experimentamos.
Experimentamos que a parede existe, a árvore existe. Nfio pode
mos dizer que a árvore nSo esteja lá. Se disséssemos que a árvore é
irreal, terlamos que dizer que nao existe, e nSo poderlamos fazer tal
afirmacáo. Reconhecemos que a árvore existe, mas precisamos dizer
também que está sempre mudando. Como está sempre mudando, nao é
real, mas como existe, para flns prátlcos, temos que dar á árvore o
status de existencia.
Qual é o status entre orea I e o irreal? Chamamo-to de existencia
dos fenómenos. O fenómeno da árvore existe embora nao seja real.
Portanto a árvore tem urna realldade fenomenal. Em sánscrito chama-se
a isto milhya. O mundo ó mylhya fenomenal, n9o existe realmente. A
conclusáo é que o mundo nao é nem real, nem irreal" (Maharishl,
"Meditacáo Transcendental", p. 252).

— 131 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 219/1978

"O Ser Absoluto e seu relaclonamento com o universo relativo


podem ser compreendidos por meló de um exemplo. O Ser é como o
océano sem limites, silencioso e Imutável. Os diferentes aspectos da
criagáo, todas as formas e fenómenos, assim como os estados da vida
em permanente. mutacSo no mundo, sao como marolas e ondas que tém
por base este vasto océano" (ib., p. 26).

Veja-se ainda:

"Um exemplo ¡lustrará a natureza do Ser de modo mais compreen-


sivel. O átomo de oxigénio e o átomo de hidrogénio em um estado
apresentam as proprledades do gas, em outro se combinam e exibem as
proprledades da agua e em outro ainda tém as propiedades do sólido
geto. O conteúdo essenclal do gas, da agua e do gelo é o mesmo, mas
suas propriedades s3o diversas. Embora as proptiedades do gas, da
agua e do gelo sejam bem diferentes, os elementos essenciais H e O
sao sempre os mesmos.

Assim como o oxigénio e o hidrogénio, embora permanecendo em


seus estados ¡mutáveis, podem apresentar qualldades diferentes, assim
também o Ser, retendo Seu caráter eterno, absoluto e Imutável, pode
expressar-se ñas diferentes formas e fenómenos da variada criacáo"
(ib. p. 28).

■"A existencia absoluta e a relativa sSo os dois aspectos do Ser


eterno, que ó tanto absoluto como relativo. Os Upanishads descrevem-no
como Purnamadah Purnamldam — Isto é, aquele Absoluto imanlfestado ó
pleno e este relativo é pleno" (ib., p. 30).

£ precisamente por causa das suas premissas filosóficas


que os mestres hinduístas e, no caso, Maharishi praticam e
ensinam a MT. Mediante esta técnica, Maharishi pretende
abstrair dos fenómenos ou das coisas visiveis que enchem a
mente, e proporcionar aos seus discípulos a consciéncia da
sua identidade com o Infinito ou o Absoluto ou com a Divin-
dade. Assim «a natureza do homem é transformada em natu
reza divina» (Maharishi, obra citada, p. 231). Maharishi fala
freqüentemente da «realizagáo de Deus» e aponta cinco cami-
nhos para a realizagáo de Deus: o caminho intelectual, o
caminho emocional (ou devocional), o caminho fisiológico, o
caminho mecánico e o caminho psicofisiológico. Cada urna
dessas vias leva o homem a penetrar em si mesmo e tomar
consciéncia de que ele é idéntico ao próprio Absoluto ou é
urna parcela do Absoluto; quando o ser humano se cons-
cientiza disto, a Divindade se realiza nele. O ideal é expresso
nos seguintes termos:

"A substancia de Deus, o status de Deus, a existencia de Deus, a


consciéncia de Dous, a consciéncia divina, todos estes deveriam cons
tituir a vida natural do homem" (ib., p. 229).

— 132 —
MEDITACAO TRANSCENDENTAL 41

3. Caso o homem nao consiga esta plena identificagáo


com o Absoluto mima só existencia terrestre ou encarnagáo,
é-lhe oferecida, segundo a lei do Karma, nova chance em
outra(s) encarnacáo (góes); é preciso que aos poucos e final
mente o homem se liberte de todos os vínculos que o pren-
dem as coisas sensíveis... Esta é a doutrina da reencarna-
gáo, da qual falam discretamente os textos de difusáo da
MT, mas que é tese capital do hinduísmo e do panteísmo
(segundo este, é o próprio homem quem se salva; se nao o
consegue numa só passagem pela térra, há de dispor de
outras passagens ou encarnagóes para consegui-lo). A pro
pósito levem-se em consideragáo as palavras de Maharishi:

"Karma significa acáo ou atividade... Karma é o instrumento por


meto do qual o ciclo da criagSo, evolusSo e dissolucáo é mantido em
continuo movimento" (ib., p. 38).

Urna vez obtida a plena emancipagáo em relagáo aos


valores sensiveis, o ser humano se torna livre da cadeia das
encarnagóes e está apto a entrar no nirvana ou estado de
absoluta identificagáo com a Divindade, no qual nao há mais
nem o eu humano nem o Tu divino. A palavra nirvana vem do
sánscrito nirvana, que significa extingan (da chama vital);
designa ausencia total de qualquer desejo, e, por isto, tam-
bém... de qualquer sofrimento.

Resta agora a indagagáo:

3. E que pensar a respeito ?

1. Distingamos entre a MT como exercício mental e a


MT como veículo de filosofía religiosa.

a) Do ponto de vista técnico, pode-se reconhecer que a


MT tem sido útil a certas pessoas, ajudando-as a praticar
higiene mental. Um fiel católica pode, pois, exercer a MT na
medida em que é técnica de «relax» ou de distensáo psíquica.
— Notemos, porém, que é difícil adotar a técnica da MT
sem aceitar também o outro aspecto da mesma, que é o de
expressáo de filosofía panteísta. Com efeito, quem se fami
liariza com os livros referentes á MT ou quem freqüenta os
mestres desta, nao pode deixar de absorver aos poucos os
principios do panteísmo, pois estes estáo subjacentes aos ensi-
namentos técnicos da MT.

— 133 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 219/1978

b) Do ponto de vista da filosofía que a inspira, a MT


nao se concilia com a mensagem crista, como se nao con-
cilia o panteísmo com o monoteísmo. Na verdade, para os
cristáos Deus é essendalmente distinto do mundo e das rea
lidades visiveis; sim, Ele é absoluto e eterno, ao passo que
as criaturas sensiveis sao relativas, transitorias e tempora
rias; ora o Infinito nao resulta das realidades finitas postas
em evolugáo.nem se deve imaginar que o Eterno seja a soma
de numerosíssimas parcelas de tempo. Por conseguinte, é iló
gico identificar o homem — contingente e volúvel como é —
com a própria Divindade, que por definigáo é o contrario do
contingente e volúvel. Esta afirmacáo, porém, nao impede
os cristáos de dizer que Deus quis tornar os homens seus
filhos, fazendo-os participar da sua vida mediante o dom da
grasa comunicada pelos sacramentos (principalmente pelo
Batismo e a Eucaristia). Deus nao é um ser frío e amedren
tador, mas, ao contrario, é o Pai que chama os homens ao
consorcio de sua vida (sem que haja fusáo ou identificagáo).
S. Agostinho exprimia muito bem esta verdade ao exclamar:
«Deus superior summo meo, intimior intimo meo. — Deus é
mais elevado do que o que tenho de mais elevado, e mais
intimo do que o que tenho de mais íntimo».

c) Quanto á reencarnagáo, já foi estudada longamente


em PR 217/1978, pp. de modo que nos abstemos do a con
siderar neste fascículo.

Acrescentemos agora breve explanagáo sobre

4. A meditasño crista

1. O Cristianismo também conhece e ensina a medita-


gáo,... meditagáo que atinge o Transcendental; propóe, sim,
a seus fiéis a experiencia de Deus.

E como?

Sao Paulo diz que o cristáo é templo do Espirito Santo


(cf. ICor 6,19) e que Deus habita nos seus fiéis. S. Teresa
de Ávila (t 1582) desenvolveu esta verdade no famoso livro
«O Castelo Interior ou As Sete Moradas», no qual expóe ao
leitor os diversos graus de oragáo que levam o fiel a abstrair
cada vez mais das criaturas contingentes para se concentrar
mais e mais em Deus. No íntimo de si ou na sétima morada

— 134 —
MEDITACAO TRANSCENDENTAL 43

o orante descobre a mansáo do Grande Rei, que está sem-


pre presente á criatura, mas ao qual a criatura nem sempre
está presente, porque propensa a divagar pelas coisas sensí-
veis. Tal processo de oragáo proporciona ao fiel cristáo a
ocasiáo de experimentar a presenga de Deus no seu íntimo
e atingir profunda uniáo com o Senhor chamada «nupcias
espirituais» (notemos, porém, que é sempre salvaguardada a
distingáo entre o Criador e a criatura, entre Deus e o
homem).

2. Os mestres de espiritualidade, a partir do século XVI,


tém elaborado métodos aptos a facilitar o encontró do orante
com o Senhor Deus mediante a aplicagáo das diversas facul-
dades da alma: assim temos o método de S. Teresa (Í1582),
o de S. Inácio (f 1556), o de S. Francisco de Sales (f 1622),
o de S. Sulpicio (1642), o de S. Joáo Batista de la Salle
(tl698), o de S. Afonso Maria Liguori (tl775). Esses mé
todos tém suas características gerais que os diferenciam do
método hindú (e, especialmente, da MT) nos seguintes pontos:

a) A MT hindú pretende chegar a um esvaziamento


total da mente; esta tem que esquecer todas as coisas sensí-
veis (que sao apenas fenómenos ou aparéncias), para atingir
o ámago de toda a realidade ou o Ser. Este é o estrado
subjacente a todos os fenómenos. Existe no homem e existe
em todos os outros seres que cercam o homem. Em conse-
qüéncia, quando a pessoa atinge esse cerne ou o Ser, comunga
com a realidade mais intima e pura, que nao tem predicados
nem características... e que é a Divindade (tal é a posigáo
panteista, que supóe haver transigáo entre o finito e o Infi
nito, entre o Relativo e o Absoluto, entre o contingente e o
Eterno).

A meditagáo crista também leva o fiel a abstrair das


coisas sensiveis e buligosas, concentrando-se ou colocando-se
inteiramente na presenga de Deus; é- preciso esquecer as cria
turas para encontrar-se mais plenamente com o Criador.
Todavía a meditagáo crista geralmente procura passar por
Cristo ao Pai; ela contempla a figura de Deus feito homem
como é descrita nos Evangelhos para poder fazer a expe
riencia de Deus inefável. Diz muito bem a tradigáo crista:
«Passamos por Cristo homem a Cristo Deus (ou a Deus
Filho) e por Cristo Deus a Deus Pai». Eis por que a medi
tagáo crista costuma voltar-se para as cenas do Evangelho,
onde aparece o Cristo; a inteligencia procura, com perspicá-

— 135 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 219/1978

cia e lucidez, penetrar no conteúdo de tais cenas; a vontade


e os afetos sao também solicitados a produzir atos de amor
e complacencia e propósitos conseqüentes á contemplagáo da
mensagem evangélica.

b) A meditagáo crista acentúa muito o valor do diá


logo com Deus, sendo que nesse coloquio a parte principal é
o ouvir a Deas ou deixar o Senhor Deus falar. Para ouvir o
Senhor, é necessário ter previamente encontrado o Senhor e
ter-lhe aberto o coragáo em disponibilidade absoluta.

Leve-se em conta o testemunho de S. Teresa de Li-


sieux (U897):

"É ácima de tudo o Evangelho que me entretém durante as ml-


nhas oracdes. Nele encontró tudo o que é necessário á minha pobre
alma. Nele descubro sempre novas luzes, sentidos ocultos e míste
nosos. ..

Compreendo e sei por experiencia que o Reino de Deus está dentro


de nos. Jesús nao precisa de livros nem de mestres para instruir as
almas; Ele é mestre, ensina sem o ruido de palavras... Nunca O ouvi
talar, mas sinto que Ele está em mlm; a lodo momento Ele me guia e
me inspira o que hei de dizer ao Pai. Justamente nos momentos em
que preciso, descubro luzes que eu aínda nio percebera" ("Manuscrils
autobiographiques". Carmel de Lisleux, p. 208).

Numa perspectiva panteista, falta necessariamente a ora-


gáo ou o coloquio afetivo, pois falta o Tu a quem o orante
se possa dirigir; eu e Tu desaparecem em algo de impessoal
e neutro, que é chamado o Ser. Em última análise, o homem
é a própria Divindade; por conseguinte, é a fonte da sua
salvagáo ou libertagáo; ele nao pode ter a Deus como inter
locutor.

c) A MT considera o mundo visível com pessimismo,


tendendo mesmo a levar o homem á definitiva desencarnagáo,
que será a libertagáo do ser humano diminuido ou apoucado
pelo corpo sensiveí e pelos seres materiais que o cercam. A
MT é um caminho para o total Adeus á materia.

Ao contrario, a meditagáo crista considera o corpo e o


mundo sensiveí como criaturas de Deus ou expressóes da
sabedoria e do plano inteligente do Criador. É, pois, com
certo otimismo, que o cristáo encara a materia, embora reco-
nhega que as paixóes sensíveis arrastam o homem ao mal; o
pecado é provocado pela concupiscencia da carne. Todavía a

— 136 —
MEDITACAO TRANSCENDENTAL 45

consciéncia da miseria moral do ser humano nao impede que,


no plano Mitológico, o cristáo reconhega o valor das criatu
ras materiais. A fraqueza moral nao anula o valor ontolc-
gico das criaturas; a moral depende do uso que a criatura faz
da sua liberdade de arbitrio,... liberdade que, como tal, é
enorme dom.

3. Um dos autores contemporáneos que mais se desta-


caram no setor da mística, procurando, como católico, estu-
dar os mestres orientáis, especialmente os budistas, é o tra
pista Tomás Merton, da Abadía de Gethsémani (U.S.A.).
Sabe-se que Merton faleceu em 1968 durante um encontró
de monges crístáos e budistas em Bancoc (Tailandia), dei-
xando livros referentes á mística oriental e aos seus pontos
de ligagáo com a mística católica; todavía guardou sempre
a distincáo entre o Criador e a criatura, sem aceitar o
panteísmo.

É para desejar que os escritos dos místicos cristáos se


difundam mais e mais. Quem os conhece, encontra neles a
plena resposta ás suas aspiracóes místicas. Na escola do
Cristianismo, o cristáo aprende também a meditar ou fazer
oragáo mental, a fim de se familiarizar cada vez mais com
os tesouros da vida eterna.

Bibliografía:

Maharlshl Mahesh Yogl, "Medltasfio transcendental". Rio de Ja


neiro 1976.

H. H. Bloomfleld, M. P. Caín, D. T. Jaffe, '"Meditacfio Transcen


dental. A descoberta da energia interior e do dominio da tensfio".
Rio de Janeiro 1975.

Tomás Merton, "Os místicos e os mestres Zen". Ed. Civilizado


Brasileira, Rio de Janeiro 1972.

G. Courtols. "Faire oraison'. Dols volumes: "I. Pourquoi (aire oralson?


II. Comment falre oraison ?" Paris 196 .

— 137 —
APÉNDICE

MÉTODOS DE MEDITACÁO CRISTA

A guisa de HustracSo, publicamos a seguir alguns rotelros ou métodos


de meditacao cristfi. Oriundos em épocas passadas, hoje conservam seu
valor para muitas pessoas; a outras talvez parecam complexos demais.
Na realidade, a oracio é algo de simples; é mais fácil vivé-la concretamente
do que explicá-la ou analisá-la teóricamente. É preciso que o orante con
serve a sua espontaneidade. Sirva-se dos métodos na medida em que estes
o ajudem a evitar as distracdes e concentrar-se; jamáis, porém, se deixe
sufocar pelos roteiros propostos.

1. Método Carmelita

A. Introducao

a) Preparacáo: pensar em Deus, amando-0 com humlldade e con*


flanea.

b) Recordar-ee da finalldade da oracSo: tornar-se um pouco mate


amigo íntimo do Senhor, que se serve dessa amlzade para derramar auas
gracas sobre o mundo.
c) Se necessário, fazer breve leltura, por exemplo, da Escritura Sa
grada ou de máximas dos Santos.

B. Corpo da oracao

a) Mediante um ato de fé, colocar-se na presenca da humanldade


de Jesús.
b) Reflexfio sobre uma cena do Evangelho ou urna palavra de Cri9to.
o) Coloquio afetivo ou contempiacio em silencio.

C. ConclusSo

a) Aaradeclmenlo pelos beneficios gerais e pelos beneficios parti


culares.

b) Oferta de todas as torcas do orante ao servlco de Deus.


c) Formular uma resolueao e pedir a graca necessária para execulá-la.

2. Método de S. Inácio

Supfie sempre a escolha do tema da meditacao (trecho do Evangelho,


geralmente) na véspera a nolte, devendo a meditacao realizar-se logo após
o despertar do dia segulnte.

A. Preparacáo

a) Colocacao na preaenca de Deus e ato de adoracao.


b) Purificacáo da Inlenclo: prattea-se a oracao para melhor servir
a Deus.

— 138 —
MÉTODOS DE MEDITACAO CRISTA 47

c) Preludios:
— histórico: reminiscencia do fato a ser meditado;
— Imaginativo ou composlcáo do lugar (tentativa de Imaginar viva
mente como se tenha dado o fato);
impetrallvo: pedir desde entSo a graca que será o fruto da
oracSo.

B. Corpo da medltacSo

a) Exercíclo da memoria: avivar a recordacio do tema e das suas


circunstancias.
b) Exerctcio da Inteligencia : aprofundar o tema meditado; prever
as conclusfies prétlcas a serem tiradas e os metos de afastar os obstáculos;
c) Exorciclo da vontade: exprimir os afetos que a reflexáo tenha
suscitado no orante; chdgar a resolucCes prátlcas atinentes a algum ponto
particular (prátlca de urna virtude, emenda de algum detallo).

C. ConctusSo

a) Coloquio: diálogo Intimo co.it o Senhor.


b) Pedido de graca para o orante e para os outros homens.
c) AvallacSo da medltacSo.

3. Método de S. Afonso de Liguori

A. PreparacSo

a) Ato de té e de adoracáo.
b) Ato de humlldade e de contrlcSo.
o) Pedido de luzes Interiores.
d) Ave María.

B. Corpo da medilacfio

a) Breves reflexSes: aprofundamento (acompanhado de atos de fé)


de um tema, Inspirado pela S. Escritura ou por outro livro.
b) Afetos: exprimir humlldade, confianca, amor, conlrlcáo, resigna-

c) Impetracáo, que pede luz, a perseverarla final e, principalmente,


o dom do santo amor.

C. ConciusSo

a) Agradecer a Dbus.
b) Tomar resolucflea.
o) Pedir a graca de ser fiel a estas.

Exlstem ainda outros métodos de meditacfio ou de oracfio mental pro-


postos por grandes mestres, que atestam a acentuada índole mística da
mensagem crista. Esta, de um lado, é otimlsta em relagño ao mundo pre
sente, pois sabe que este é criatura de Deus e reflexo do sabio plano do
Criador; todavía o crista1 o tende a ultrapassar a beleza das criaturas para
poder encontrar-se face-a-face com o Criador, fonte de toda grandeza e
harmonía.

— 139 _
livros em estante
A mensagem central do Novo Testamento, por Joachim Jeremías.
Tradujo de Jo§o Rezende Costa. — Ed. Paulinas, Sao Paulo 1977,
110x190 mm, 149 pp.

Joachim Jeremías, exegeta protestante, tem-se caracterizado pela pro


cura da figura do Jesús histórico no texto dos Evangelhos, em oposlcio aos
exegetas que afirmam so conhecermos o Jesús da fé ou a imagem que os
primeiros cristaos, em sua crenca, faziam de Jesús. Para tanto, Jeremías
recorre ás peculiaridades da Kngua aramaica e da literatura rablnlca, mos
trando como numerosas passagens dos Evangelhos fazem eco direto ao
expressionismo dos homens da Palestina e ás circunstancias em que Jesús
pregava antes de Páscoa. O presente livro é um espécimen valioso desse
trabalho; consta de cinco capítulos, que abordam temas centráis do Novo
Testamento: Jesús e o Pal (Abbá), a morte de Jesús como sacrificio, a
justlflcacfio pela fé, o Verbo Revelador, a originalidade da mensagem do
Novo Testamento. O leitor tirará grande proveito do contato atento com
tais páginas, principalmente com os dois primeiros capítulos. Jeremías, por
exemplo, mostra, á diferenca de outros exegetas e teólogos, que Jesús teve
urna nítida consciéncia do que seria a sua morte; Ele se ofereceria como
Vltlma pelos pecados do mundo, cumprlndo em si a mlssSo do Servidor
de Javé (cf. Is 53).

Apenas farlamos duas observacdes ao texto de Jeremías:

¿ p 63 o autor julga que Jesús fez urna predigáo que nfio se


cumpriu (Le 22, 3=s); ora trata-se de texto metafórico, no qual, em última
análise, Jesús predlsse que os Apostólos seriam hostilizados — o que na
verdade aconteceu ;

— á p. 72, Jeremías afirma que Lutero tlnha razfio ao traduzir Rm


3,28 por "Reputamos que o homem é justificado pela fé somenle"; o acrés-
clmo de Lutero (somonte) seria legitimo do ponto de vista lingüístico. Sem
contestar Jeremias, apenas lembramos que Sao Paulo em Rm e Gl tem
em vista a entrada do homem na grasa ou na amizade de Deus; esta, sim,
nao é conquistada por obras ou méritos anteriores. Todavía o pensamento
paulino há de ser completado pelo de Sao Tiago: este assevera que a té
sem as obras é morta e, por conseguinte, nao basta para a salvacáo
(cf. Tg 2,17). Esta proposícSo é igualmente verídica: ela se refere á per-
severanca na graca ou na amizade de Deus ; ninguém se conserva nesta
se nSo procura traduzir a fé por obras vivas, como também ninguém chega
á fé por té-lo merecido mediante obras boas.

Em suma, o livro é valioso e importante como instrumento de estudo.

Dogma e Anunclacao, por Joseph Ratzinger. Traducáo do Pe. Antonio


Steffen S. J. — Ed. Loyola, SSo Paulo 1977, 140 x 210 mm, 341 pp.

Joseph Ratzinger é hoje o Cardeal-arcebispo de Munique (Alemanha),


renomado teólogo, discípulo de Karl Rahner S. J. O presente livro enfelxa
o texto de artlgos, sermáes e palestras radiofónicas da autoría de Ratzinger;
tenta, pois, transmitir ao grande público algumas verdades da fó atinentes
& própria maneira de pregar, assim como a Oeus, a Jesús Cristo, á Igreja,
á escatologia e ás diversas celebracfies do ano litúrgico... Embora evite
as questSes técnicas da teología, o livro é denso e profundo, procurando

— 140 —
sempre fazer a slntese entre a verdade revelada por Deus e a vida dos
cristaos hoje. Interessa salientar o capitulo referente á "Ressurrelgio e Vida
eterna" (pp. 225-235): o autor al dá por ultrapassada a tese da separagBo
de corpo e alma por ocasiao da morte; julga que o homem, sendo um só
todo, morre por completo e, por isto, ressuscita logo após a morte. O
fundamento desta teoría (hoje assaz propagada) serla o pressuposto de que
a Biblia nao acentúa a dualidade "corpo-alma", mas enfatiza, sim, a duali
dade "Criador — ciiatura" : 4\A Sagrada Escritura dá urna Importancia multo
menor do que a filosofia grega ao dualismo corpo-alma no homem. Na
Biblia, urna outra dualidade é muito mals importante do que estes dols
membros, a saber, a dualidade entre Criador e criatura" (p. 232).

Ora tal embasamento é tenue, pois os escritos bíblicos redigidos em


ambiente helenista (Sb, Mt, por exemplo) conhecem a distingáo nítida entre
corpo e alma (cf. Sb 2-5, Mt 10, 28): esta, portanto, n8o é estranha á
Biblia. Se tal distincSo vem a ser apagada pelos estudiosos, só resta admitir
urna substancia no homem, ¡sto é, a materia — o que redunda em mate
rialismo.

Sugerimos outrossim a troca, no titulo, do vocábulo "AnunclagSo"


por "Anuncio" para traduzir Verkündlgung, visto tratar-se de termo mais
adequado para dizer o que Ratzinger entende.

Estas observapBes, porém, nSo pretendem diminuir o mérito da obra


de Ratzinger, cuja leitura será proficua aos crlstáos de cultura media.
Liberacáo marxista e liberagáo cilstá, por D. Alfonso López Trujlllo.
TraducSo de Eduardo Prado de Mendonpa. — Ed. Agir, Rio de Janeiro 1977,
140 x 210 mm, 271 pp.
O autor é o Secretário-Geral do CELAM (Conferencia Episcopal Latlno-
-Americana) e bispo auxiliar do Cardeal-arceblspo de Bogotá. Escreveu a
sua tese de doutorado em Filosofia pela Universidade de Santo Tomas
(Roma), que agora é publicada em traducio brasileira com o titulo ácima.
O llvro analisa o que é o marxismo e qual o humanismo que deste
resulta- passa em revista o concelto de luta de classes e de messianismo
social 'subjacente ás relvind¡cac3es marxistas. Por fim estabelece o con
fronto entre pontos de vista marxistas e concepcdes cristas, mostrando a
inconsistencia dos primeiros e a incompatibilidade existente entre marxismo
e Cristianismo. Clara amostragem da tese do livro é a passagem segulnte:
"O Cristianismo está ácima de todas as ideologías. Nao se compro
mete com nenhuma délas, se bem que possa recolher sob a forma de
Utopia os valores que possam encerrar. A ideología tem sempre a pretensao
de absoluto. O Cristianismo nao pode aceitar a sua esséncia. O malor perigo
de certos cristSos é o de cair insensivelmente ñas redes de urna Ideología
que suplantará progressivamente seu universo de fé. Malor é o pe rige. e ntre
os sacerdotes, tao acostumados a compromlssos incondiclonais. Acreditaráo
ouvlr a voz do que chama incondicionalmente nos labios de Marx ou de
Castro. O marxismo no Intimo é messlánico. É esta a razio pela qual nSo
é ñor acaso se o marxismo luta contra a esperanga crista, na qual ve urna
competicio direta. Por isso o crlstao sempre se sentirá intranquilo com a
injustica e com a ideología marxista" (pp. 262s).
A obra revela profundo e minucioso estudo da filosofia marxista; é
serena objetiva e alheia a paixáo política. Oferece ao leitor grande apa
rto de erudlgao, que merecerá a estima do estudioso. Por ¡sto louvamos
a Ed. Agir por tal publicagSo, que honra a bibliografía católica.
E.B.
EM TEMPO DE RENOVACÁO QUARESMAL

PERDAO, SENHOR !

EMBORA BEM INTENCIONADO E CHEIO DE BOA VONTADE,


NEM SEMPRE ACERTEI EM MEU RELACIONAMENTO
HUMANO...

EU QUERÍA SER UMA FLOR E FUI UM ESPINHO...

EU QUERÍA SER SORRISO E FUI MAGOA...

EU QUERÍA SER LUZ E FUI TREVAS. . .

EU QUERÍA SER ESTRELA E FUI ECLIPSE

EU QUERÍA SER CONTENTAMENTO E FUI TRISTEZA...

EU QUERÍA SER FOR5A E FUI FRAQUEZA...

EU QUERÍA SER O AMANHA E FUI O ONTEM...

EU QUERÍA SER PAZ E FUI GUERRA...

EU QUERÍA SER VIDA E FUI MORTE. . .

EU QUERÍA SER CARINHO E FUI RUDEZA...

EU QUERÍA SER SOBRENATURAL E FUI TERRENO...

EU QUERÍA SER LENITIVO E FUI FLAGELO...

EU QUERÍA SER AMOR E FUI DECEPCAO...

RECEBE, SENJHOR. EM TUAS MAOS DE MISERICORDIA E


PERDAO INFINITO O GOSTO AMARGO DESTA REVISAO !

Pe. Rafael Lopes C.M.

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