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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESErsTTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
"Origen!"

Os Mandeus?

"Ensaio de ática sexual"


A atual situado da Igraja na U.R.S.S.

Apelo em favor do P. Gleb Yakounine

t bom fazer promestas?

A imagem da Virgem de Guadalupe?

Questoet étieat relativas aos gravemente


enfermos e aos moribundos

"Sobre a morte e o morrer"

"Perguntat e rsspostat
sobre a morte e o morrer"

ANO JUBILAR - Maio-Junho - 1982


PERGUNTE E RESPONDEREMOS MAIO-JUNHO-1982
Publicapao bimestral N9 262
1957 - ANO JUBILAR - 1982
SUMARIO
Diretor-Responsável:
D. EstéVáb Bettencourt OSB A NOVA EVA 157
Autor e Redator de toda a materia
publicada neste periódico Um livro de valor informativo:
"ORIGENS", por R. Leakey e R. Lewin. ... 158
Diretor-Administrador: O quarto Evangolho taré que ver com
D. Hildebrando P. Martins OSB OS MANDEUS? '66
Um livro-desafio:
Administracáo e distribuicao: "ENSAIO DE ÉTICA SEXUAL".
por Jaime Snoek 175
Edicoes Lumen Christi
Muito em foco:
Dom Gerardo. 40 - 5? and., sala 501 A ATUAL SITUACÁO DA IGRENA NA
Tel.: (021) 291-7122 U.R.S.S !91
Caixa postal 2666 Dirigido a todos:
APELO EM FAVOR DO P. GLEB
20001 Rio de Janeiro RJ
YAKOUNINE 198
Entra as formas de piedada...
É BOM FAZER PROMESSAS? 202
Pagamento em cheque nominal/visado Quem conheee
ou vale postal as: AIMAGEM DA VIRGEN! DE GUADALUPE?. 208
No Ano do AnciSo:
Edicoes Lumen Christi
QUESTOES ÉTICAS RELATIVAS AOS
Caixa postal 2666 GRAVEMENTE ENFERMOS E AOS
20001 Rio de Janeiro RJ MORIBUNDOS 213
Questáo vital:
'SOBRE A MORTE E O MORRER", por
E. Kübler-Ross 233
ASSINATURA ANUAL- 1982 A experiencia do profissional:
"PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE A*
MORTE E O MORRER". por E. Kübler-Ross. 241
Até maio 800,00
Após maio 1.200,00
Após novembro 1.600.00 TEMARIO DO PRÓXIMO NÚMERO
N? avulso 150,00
263 - julho-agosto - 1982
Assinatura cometa no mes da Inscripto
Os perigos de urna guerra nuclear
Renove-a quanto antes A familia crista no mundo de hoje
Igreja, política efe
Os métodos de meditacáo oriental e o
COMUNIQUE-NOS QUALQUER cristianismo
MUDANCA DE ENDERECO "O poder infinito da sua mente"
"Iniciacao á teología"
"O homem á procura de Deus"
ComposicSo e impressSo: "Filosofía da ciencia"
Marques-Saraiva Ainda a confissao sacramental
A NOVA EVA
A piedade católica sempre se voltou reverente para
María SS. Essa piedade pode tomar formas sentimentais, mas
também pode nutrir-se do sólido alimento da S. Escritura.

As primeiras páginas da Biblia apresentam urna mulher


que, juntamente com Adáo, cai no pecado e acarreta para o
género humano a morte. Eis, porém, que, logo ao prometer
a restauracáo da alianga violada, o Senhor Deus dirige-se ao
tentador e lhe diz: «Porei inimizade entre ti e a mulher, entre
a tua descendencia e a déla. E a descendencia da mulher es-
magar-te-á a cabega» (Gn 3,15). É digno de nota que o Senhor
Deus nao diz: «Porei inimizade entre o homem e o tentador»,
mas, sim: «... entre a mulher o tentador». Desta maneira, o
Senhor quis fazer da mulher urna figura de relevo na res-
tauragáo do género humano. Através da mulher e da sua
descendencia viria a salvagáo para o mundo. — A mulher,
no imediato contexto do Génesis, é táo somente Eva, a única
mencionada em Gn 1-3 (alias, observa oportunamente o autor
sagrado que o nome «Eva» significa «máe de todos os viven-
tes»; cf. Gn 3,20). Continuando a folhear a Biblia, verificamos
que a figura da máe que gera um filho portador da salvagáo
em circunstancias especiáis se repete de vez em quando: é
Sara que gera Isaque em condigóes singulares (cf. Gn 21, 1-7);
é a máe de Sansáo (cf. Jz 13, 1-25); é Ana, a máe de Samuel
(cf. ISm 1, 20-28); é ainda Elisabete, a máe de Joáo Batista
(cf. Le 1, 5-25). Em todos esses casos, a Escritura póe em
realce a mulher, e nao apenas o herói masculino, precisamente
para mostrar que a salvagáo é dada ao homem gratuitamente;
a mulher estéril é feita, de algum modo, a máe da vida. Final
mente a fungáo da mulher cujo filho é, por excelencia, a
salvagáo, rcaliza-se em María SS. e em Jesús Cristo. Maria SS.
entáo aparece como a nova Eva, pela qual o Senhor quer dar
ao mundo a salvagáo; e a dá gratuitamente, pois Maria nao
recebe do seu esposo José o fruto de suas entranhas, mas
recebo-o diretamente de Deus Pai; o Filho de Maria é o Filho
de Deus. Deste modo Maria é a mulher por excelencia, a Máe
de todos os viventes, aquela de quem todo cristáo sabe ser
filho extremado. Justamente estas consideragóes explicam que
Jesús pendente da Cruz se tenha dirigido a Maria com estas
palavras: «Mulher, eis aqui o teu filho» (Jo 19,26). O apela
tivo «mulher» no caso alude a Gn 3,15 e apresenta Maria
como a máe de Joáo e a máe de todos os homens!

Salve, Máe de misericordia!


E.B.

— 157 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XXIII — N' 262 — Maio-¡unho de 1932

Um livro de valor informativo:

"Origens"
por Richard E. Leakey
e Roger Lewin

Em síntese: R. Leakey e R. Lewin publicaram "Origens", livro em


que apresentam variado e ¡nteressante documentarlo sobre as origens
dos primatas e do homem bem como a respeito da historia da huma-
nidade. O livro termina chamando a atencao para o falo de que os
homens primitivos sobrepujaram os obstáculos á sua sobrevivencia me
diante colaboracáo e solidariedade.

A leitura do livro suscita algumas questóes filosóficas referentes a


"criacao e evolugáo", ao conhecimento intelectivo e á consciéncia psico
lógica nos animáis infra-humanos... Na verdade, a nomenclatura das
ciencias nalurais nao é a da filosofía. Por isto no artigo abaixo sao pro
postas considerares das quais decorre que 1) criacáo e evolugSo nao
se opóem entre si, 2) somen'.e o homem possui conhecimento intelec
tivo e consciéncia psicológica.

Comentario: Aparcceu rocentemente mais um livro sobre


a origem do género humano, devido á pena de Richard Leakey,
que com seus pais explorou arqueológicamente a África Orien
tal, e Roger Lewin, redator científico do New Scientistl. O
subtítulo da obra expóe mais explícitamente o respectivo con-
teúdo: «O que novas descobertas revelam sobre o aparecimento
de nossa especie e seu possivel futuro». Isto quer dizer que os
dois autores nño consideraram apenas o passado da especie hu
mana com seus fósseis e sua pré-história, mas se interessaram
também por conjeturas sobre o porvir da humanidade, tecendo
a respeito algumas consideragóes filosóficas.

O livro é valioso pela carga de material informativo (ilus


trado por fotografías e gráficos) que apresenta ao leitor; este
é assim posto a par das mais recentes etapas da paleontología
e antropología. Verdade é que os autores assumem posic.óes
um tanto materialistas a respeito do ser humano, pois, como

i Traducao de Maria Luiz da Costa G. de Almeida. RevisSo e notas


de Josó Maria G. do Almeida Jr. — Ed. Melhoramentos/Editora Unlversi-
dade de Brasilia, 1980, 264 pp., 210 x 255 mm.

— 158 —
«ORIGENS»

os pesquisadores da natureza em geral, so consideram os fós-


seis e os dados experimentáis. — Digno de mengáo especial é
o capítulo final da obra, em que Leakey e Lewin se detém
sobre o possível futuro da humanidade.

Ñas páginas subseqüentes, aprcsentaremos alguns tragos


importantes do estudo em questáo.

1. O passatío do cjSnero humano

Os autores apresentam os seguintes dados referentes á pré-


-história:

Os primatas, tronco ao qual pertence o ser humano, teráo


feito sua aparigáo na terra há cerca de setenta milhóes de
anos, na época paleocénica. Deste tronco desenvolveu-se, há
cerca de doze milhóes de anos, o Ramapitheeus, que é o mais
distante ancestral identificável do homem (ou o primeiro ho-
minídeo). O Australopitheeus africano, o Australopitecus
bosei e o homo habilis, dando continuidade e evolugáo ao tron
co, teráo surgido há cerca de tres milhóes de anos; prepara-
vam rudimentares instrumentos de pedra para a caga de ani
máis e a coleta de raizes e frutas. Há um milháo de anos apro
ximadamente, teve origem outro tipo mais evoluido dito homo
erectas. Mais recentemente, ou seja, por volta de 120.000 anos
atrás, apareceu o homo neanderthalensis, ao qual, há dez mil
anos, sucedeu o homo sapiens sapiens.

Os autores da obra em foco reconhecem a enorme dificul-


dade encontrada por todo arqueólogo que deseje concatenar
entre si os diversos fósseis e assim reconstituir a pré-história
da nossa especie; aguardam-se novos fósseis para poder tentar
reconstituir melhor a seqüéncia dos diversos tipos que prece-
deram o homem moderno. «Nossa tarefa nao ó diferente da
tentativa de juntar as pecas de um quebra-cabega tridimensio
nal com muitas pecas perdidas, e com aquelas poucas que te
mos á máo, quebradas! O quebra-cabega é multidimensional,
porque contra um fundo da evolucáo física de nossos ancestrais
estamos tentando também construir urna imagem de seus pa-
dróes comportamentais e sociais» (p. 84).

— 159 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

Leakey e Lewin discorrem outrossim sobre a origem da


linguagem, sobre a consciéncia psicológica, sobre a consciéncia
moral e outras facetas da especie humana através dos séculos.
A documentagáo aduzida será muito útil ao leitor. Interessa-
-nos neste contexto voltar a atencáo especialmente para os
aspectos filosóficos da dissertagáo em pauta.

2. Questoes suscitadas peto livro

Vém ao caso duas questoes importantes.

2.1. Cr¡a(6o e evolu;5o

Quem estuda as etapas percorridas pelo homem a partir


do primata primitivo do qual ele descende, poderia dar-se por
descrente do relato bíblico, que parece ensinar a criagáo do ho
mem por parte de Deus a partir do barro (cf. Gn 1, 26-28).
Haveria, pois, que escolher entre criagáo (mensagem da Biblia
e da fé) e evolugáo (tese da ciencia contemporánea).

O problema tem sido mais de urna vez abordado em PR.


Será de novo considerado em breves termos.

Na verdade, nao há dilema entre o relato bíblico e as con-


clusóes da ciencia, pois aquele nao pretende enunciar alguma
proposigáo de ordem científica; apenas apresenta verdades de
ordem religiosa. Com efeito, a imagem do «Deus Oleiro» é fre-
qüente ñas tradicóes dos povos primitivos; a estes era espon
táneo comparar a Divindade com um oleiro, pois tal artesáo
fornecia tigelas, jarros, potes e outros utensilios de primeira
necessidade para a civilizacáo primitiva; tornava-se um referen-
cial de seus companheiros de tribo ou clá. O autor bíblico ado-
tou, pois, a imagem comum entre os seus contemporáneos e,
assemelhando Deus Criador a um oleiro, quis apenas enunciar
urna proposigáo ou quis dizer que, assim como o oleiro está
para o barro, assim Deus está para o homem. E qual o rela-
cionamento do oleiro para com o barro? — O oleiro dispensa
ao barro carinho, benevolencia, sabedoria, providencia, maes
tría, dominio... Ora, tais predicados, Deus os exerce em rela-
gáo ao homem: é o Grande Artífice a cujo amor o homem deve
a existencia. Tal proposigáo filosófico-religiosa concilia-se fácil
mente com qualquer tese científica que admita ser Deus o au
tor do composto humano. Na realidade, é mister distinguir

— 160 —
«ORIGENS»

entre corpo (material) e alma (espiritual) do homem: aquele


pode provir da materia viva preexistente por via de evolucáo,
como descrevem os paleontólogos, ao passo que a alma huma
na, sendo espiritual, nao se origina da materia, mas é criada
diretamente por Deus para cada individuo. Deus é o autor da
materia tanto como da alma humana; fica, porém, livre ao es
tudioso admitir que Deus tenha criado a materia caótica inicial
e Ihe haja dado o potencial evolutivo que se foi desabrochando
aos poucos na historia da humanidade até chegar ao grau de
organizacáo que é próprio do corpo humano. Para um paleon
tólogo, cujo objeto de estudos sao os fósseis, esta tese filosófico-
-religiosa fica fora do ámbito de pesquisa; ele nada tem a Ihe
opor. Precisamente pelo fato de só estudarem vestigios arqueo
lógicos, os paleontólogos dáo a impressio de cair no materia
lismo; as suas afirmacóes, porém, hao de ser completadas pelas
reflexóes filosóficas ácima, como se dá no caso do livro que
estamos analisando.

2.2. Conheeimento intelectivo e consciénda psicológica

A leitura da obra «Origens» dá a entender que nos ani


máis infra-humanos existem consciéncia psicológica e inteli
gencia.

Eis alguns textos extraídos do livro em foco:

"Verifica-se que os chlmpanzés Invadem aínda um outro dominio


que se acreditava exclusivo do homem: a consciéncia do eu. Costu-
mava-se dfzer que muitos animáis sabem, mas que apenas os humanos
sabera que sabem. Pelo menos para os chlmpanzés, Isto é sem dúvida
urna injustica. Num sentido humano, saber é ser autoconsciente. Na sua
forma extrema, a autoconsciéncia se expressa em nocóes tais como alma,
mas em sua forma simples significa apenas ser consciente de si próprio,
como um Individuo entre os outros. O psicólogo americano Gordon Gallup
demonstrou que os chlmpanzés sao conscientes de si mesmos, mediante
o simples expediente de colocar um chimpanzé em frente de um espe-
Iho Logo se tornou claro, gracas a alguns testes criteriosos, que o
animal reconhecia a si mesmo. E isso seria Impossfvel, a menos que o
animal estivesse plenamente consciente de que existe o eu. Na ver-
dade, nunca podemos saber o que se passa na cabeca de um chimpanzé.
como nunca podemos saber com exatidao o que se passa na mente de
qualquer outro ser humano" (p. 189 b).

— 161 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

A propósito convém observar: a terminologia da psicolo


gía experimental e das ciencias naturais geralmente difere da
nomenclatura da filosofía. Em conseqüéncia, os estudiosos das
ciencias naturais falam de inteligencia e consciéncia psicológica
nos animáis infra-humanos em sentido diverso daquele que a
filosofía atribuí a estes vocábulos.

Para a filosofía aristotélico-tomista, inteligencia e cons


ciéncia psicológica se prendem á espiritualidade da alma; esta
é distinta do corpo, pois é incorpórea; é, por si mesma, imortal
e constituí o grande fundamento da dignidade humana; a alma
espiritual unida ao corpo constituí a pessoa humana, a qual se
atribuem direitos indevassáveis ou os chamados «direitos hu
manos». Ora tal ordem de coisas póe o homem ácima dos de-
mais animáis nao apenas por uma diferenga de graus na mes
ma escala, mas, sim, por uma diferenga de escala.

Procuraremos demonstrar melhor que a espiritualidade e,


por conseguinte, a inteligencia e a consciéncia psicológicas sao
próprias do ser humano.

O fato de que o homem, e somente o homem, possui uma


alma espiritual, dotada das propriedades ácima, deduz-se do
seguinte raciocinio.

2.2.1. Conhecimento intelectivo

O conhecimento intelectivo apreende objetos nao mate-


riais ou imateriais. Com efeito,

a) a inteligencia conhece seus objetos, abstraindo de


todas as determinacóes que a materia lhes comunica: exten-
sáo, cor, figura, circunstancias de espago e tempo... Assim
conhecemos o triángulo como tal (independentemente do tama-
nho e da localizacáo do mesmo), o ser humano (independente
mente de sexo, idade, peso, altura...).

b) A inteligencia também conhece objetos que nao co-


notam corporeidade alguma: a honra, o dever, a beleza, a jus-
tiga, Deus... Quais seriam a cor, o peso, a extensáo, a forma
do dever, da honra, da beleza, da justiga, de Deus...?

— 162 —
«ORIGENS»

c) A inteligencia também conhece relagóes... como a


relagáo de igualdade ou identídade (2a -f- 2a = 4a). Tal rela-
cáo nao tem cor, nem peso, nem tempo próprio nem espago
circunscritivo; a inteligencia, porém, a percebe e apreende.
Pode-se destruir com bombas um edificio ou uma ddade; to-
davia nenhuma bomba pode destruir a equagáo; 2a + 2a = 4a
ou o teorema de Pitágoras ou alguma relagáo de verdade ou
falsidade. Nao obstante, a inteligencia capta tais relagóes ou
tais objetos — o que significa que a inteligencia nao é corpórea
como as bombas, e por isto pode apreender objetos incorpó
reos.

O mesmo se diga no tocante as relacóes de meio para fim,


de modelo para artefato..., que regem a técnica e o progresso
humano. O homem, quando deseja chegar a um objetivo, prevé
aquilo que aínda nao existe, e em relagáo áquilo que aínda nao
existe (mas que ele quer que exista) estuda os meios adequa-
dos e concebe o respectivo modelo. Por isto nao é casualmente
que só o homem progride, á diferenca da abelha, do castor ou
do macaco: só o homem tem inteligencia capaz de captar as
relacóes abstraías (indispensáveis ao progresso).

d) Somente a inteligencia humana conhece a morali-


dade, isto é, as relagóes que intercedem entre cada ato humano
e a finalidade suprema da vida humana; se há correspondencia
entre o ato humano e tal finalidade, o ato é moralmente bom;
se há incoeréncia, o ato é moralmente mau. Ora tais relagóes
nada tém de corpóreo ou material; nao obstante, a inteligencia
humana as conhece.

Estas observagóes até aqui propostas significam que a


própria inteligencia humana (faculdade que conhece relacóes
e objetos imateriais) é imaterial ou espiritual. Por conseguinte,
também é imaterial ou espiritual a alma humana, sujeito pró
prio da inteligencia; a alma humana nao pode ser material,
porque, se o fosse, nao seria apta a atingir o imaterial como
objeto de seu conhecimento.

Mais: o animal irracional é incapaz de conceber nocóes


abstratas, perceber relagóes de ordem imaterial, calcular, es-
tabelecer proporgóes entre meios e fim, progredir em seu
modo de viver (criando sua «civilizagáo»)... Por isto deve-se
dizer que o animal racional tem um principio vital ou uma alma
que ó material; o objeto do conhecimenlo desta sao apenas as
realidades materiais, concretas, dimensionais, extensas...

— 163 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

2.2.2. Consciénda psicológica

Ter consciénda psicológica significa, para mim, saber que


sei ou conhecer-me a mim mesmo. Este conhecer-se a si mes-
mo supóe que a inteligencia se volte para si mesma, isto é, seja
simultáneamente sujeito que conhece, e objeto que é conhecido.
Tal operagáo só pode ser realizada por urna faculdade nao ex
tensa, nao orgánica, ou por urna faculdade incorpórea, espiri
tual. Com efeito; toda faculdade orgánica é extensa e conhece
de modo extenso: urna de suas partes pode-se por diante de
outra (urna se torna sujeito, e a outra objeto), mas o todo
nunca se póe diante de si mesmo, nem urna parte diante de si
mesma x.

Por conseguinte, verifica-se, mais urna vez, que o homem


é dotado de alma espiritual, sede da faculdade intelectiva, que
é espiritual.

Na verdade, o animal infra-humano nao goza de reflexáo


sobre si mesmo ou de consciéncia psicológica. Nao há experien
cia que o comprove apodicticamente. A alegacáo de que um
chimpanzé reconhece a sua própria imagem num espelho, nao
quer dizer que ele tem consciéncia psicológica, mas significa
apenas que a associa^áo de imagens o leva a perceber que a
imaeem apresentada pelo esoelho tem os tragos do seu próprio
corpo. Tal ausencia de autoconhecimento se deve ao fato de
que o principio vital dos infra-humanos é material ou nao es
piritual.

3. O futuro da humanidade

Os autores do livro «Origens», considerando a pré-história


do género humano, afirmam que os antropóides e os homens
primitivos só puderam evoluir e aperfeigoar-se cultivando a
solidariedade entre si. Houve, sem dúvida, agressividade no
decorrer da historia da humanidade; esta agressividade, po-

10 que dizemos pode ser ilustrado pela ¡magem da serpeóte que


se volta para si mesma; a boca morde a cauda, mas o todo da serpente
nao morde o todo da serpente. Esta última hipótese só poderia reali
zar-se se a serpente nao fosse corpórea ou extensa.

— 164 —
«ORIGENS»

rém, nada tem de congénito: «De modo geral, a nogáo de


que os homens sao agressivos por natureza é insustentável.
Nao podemos negar que os humanos do sáculo XX demons-
tram urna boa dose de agressividade, mas nao devemos apon-
tar para o nosso passado evolucionarlo, seja para explicar as
origens da agressáo, seja para desculpá-la» (pág. 221). A
guerra nao decorre dos genes do ser humano (pág. 243).
Os dois dentistas também mostram que o conceito de
ragas é relativo; portante nao justifica a discriminacáo e os
conflitos entre os homens:
■'Sem dúvlda, a discriminagSo entre os assim chamados brancos e
os assim chamados negros tem gerado urna das mais serias ameacas á
paz duradoura no nosso mundo. A parte os argumentos esteréis e vazlos
sobre a suposta disparidade intelectual entre brancos e negros, a divi-
sáo da humanidade nessas rígidas categorías é, em si mesma, total
mente sem sentido. Na reaüdade, nao há pessoas verdadeiramente negras
ou verdadeiramente brancas. Sem dúvida, o grau de pigmentario da
pele difere ñas populacdes das diferentes partes do mundo. A funcáo da
pigmentacáo, como protecfio contra os raios ultra-violetas do sol, exige
que assim seja; á medida que se caminha para o equador, aumenta a
invasáo de raios ultra-violetas, exigindo maior protecao. Portanto é de se
esperar que as populacdes estabelecidas, há longo tempo, perto do equa
dor sejam mais pigmentadas do que aquelas que vivem longe dele. Isto
entretanto produz diferentes tonalidades de marran, nao apenas de preto
e branco" (págs. 240s).
Na base destas verificacóes, Leakey e Lewin julgam que
a humanidade contemporánea deveria voltar a cultivar o espi
rito de solidariedade e colaboracáo que assegurou aos seus
remotos antepassados a Dossibilidade de vencerem a luta em
prol da subsistencia e criar sua civilizacáo. Caso estes senti-
mentos nao ressurjam dentro dos homens contemporáneos, a
humanidade estará a caminho da sua autodestruicáo; ela
mesma utilizará sua inteligencia e seus talentos para por fim
á sua historia após 50.000 anos de existencia — o que quer
dizer: em idade de crianga, segundo as perspectivas da biología.
Afirmam ainda os autores que o futuro da humanidade
depende de dois fatores: o relacionamento solidario dos homens
entre si e o relacionamento dos mesmos com o meio ambiente
(cf. pág. 254). Com efeito, a natureza tem sofrido dolorosa
depredacáo inspirada pela ambigáo desordenada dos seus habi
tantes; ém vez de pensar no bem comum e ñas geragóes vin-
douras, muitos e muitos se preocupam exclusivamente com a
conquista egoísta do mundo.
Vé-se, pois, que o passado remoto da especie humana é
rico nao somente em documentos pré-históricos e históricos,
mas também em ensinamentos de valor ético. Assimilá-los e
pó-los em prática vem a ser questáo de vida ou morte para a
humanidade.
— 165 —
O quarto Evangelho terá que ver com

Os Mandeus?

Em sintese: Os mandeus (ou nazarenos ou sebeus) constituem


urna seila de origem obscura; tal vez proceda de um núcleo iraniano pré-
-cristáo. No decorrer dos séculos parece ler assimilado concepc6es dos
crístSos e dos gnósticos. Os seus llvros só chegaram á forma definitiva
no século Vil, depois do surto do islamismo, pois neles se nota influencia
do linguajar muculmano. As doutrinas professadas pelos mandeus, devidas
á evolucSo histórica da seita, constituem um amalgama confuso, om
que se percebem o dualismo Iraniano e gnóstico, o monoteísmo cristáo,
assim como diversos conceitos fantasistas e místicos.

Dada a afinidade literaria de certas passagens dos escritos mandeus


com os do IV Evangelho, alguns autores cristSos críticos tentam estabe-
lecer a dependencia deste em refació aqueles. Tal tese é Inconsistente,
pois se baseia em conjeturas, tentativas de reconstrucfio de textos e de
episodios, postulados pré-concebidos..., que tiram os foros de probabi-
lidade a tal teoría.

Comentario: O tema «Mandeísmo» é assaz complexo e


obscuro. Tem importancia, para os cristáos, porque, segundo
alguns historiadores, os escritos mandeus poderiam ter pontos
comuns com o quarto Evangelho, atribuido a S. Joáo. A crítica
liberal moderna, encabezada por Lidzbarski, Reitzentstein,
Bultmann..., chega a afirmar a dependencia deste em relagáo
aqueles. Eis por que, ñas páginas subseqüentes, proporemos
algo sobre: 1) o histórico e os escritos dos mandeus; 2) rela-
góes com o IV Evangelho.

1. Histórico e escritos dos mandeus

1.1. Histórico1

Ñas regióes meridionais da Babilonia (fraque de hoje)


habitavam, no inicio da era crista, os membros de um agru-
pamento religioso pequeño que, no plano da doutrina, parece
ter ficado entre o Cristianismo nascente (monoteísta) e o

1 Se o leitor nao dispuser de lempo, passe logo para o subtí


tulo 1.2.

— 166 —
QUEM ERAM OS MANDEUS? 11

dualismo gnóstico (rico em concepcoes fantásticas, personifl-


cagóes de objetos e outros produtos da imaginacáo). Hoje estáo
reduzidos a poucos milhares, também chamados «Sabeus» ou
«Dositeus» ou «discípulos de S. Joáo (Batista)» ou aínda,
como preferem os próprios interessados, «Nazoreus» (Nasu-
raiia).

A designagáo mandeus vem do aramaico manda (= conhe-


cimento ou gnose); mándeos, portante, seriam es conhecedores
ou gnósticos. É este apelativo que prevalece na linguagem dos
estudiosos recentes; significa a vinculacáo de tal grupo reli
gioso com os gnósticos dos sáculos n/m, que afirmaram ter
exclusivamente o conhecimento dos segredos do mundo
invisível.

A origem do mandeísmo é assaz obscura. Conhecemos a


seita através de seus escritos, redigidos em dialeto aramaico,
entre os quais sobressaem o Ginza (Tesouro) ou Sidra rabba
(= o Grande Livro) e o Livro de Joáo ou Sidra de Jahja, que
contém um diálogo de Jesús com Joáo Batista. A compilagáo
dos livros sagrados dos mandeus data do inicio do imperio is
lámico ou do ano de 700 d.C. aproximadamente; muitas secgóes
desses escritos contém alusóes a Maomé e á difusáo da sua
mensagem — o que significa que sao posteriores ao apareci-
mento do Isla. A historia das tradicóes mandéias anterior a
700 é objeto de conjeturas e teorías incertas K Há estudiosos
que admitem ser possível acompanhar tais tradicóes até o
comeco da era crista ou mesmo mais recuadamente. É preci
samente por causa disto, e em tal contexto, que se discute a
questáo das relagóes do mandeísmo com o IV Evangelho.

As conjeturas mais ousadas partem do nome Sabeus, que


no Coráo serve para designar os membros da seita mandéia.
Saben quer dizer propiciamente «aquele que batiza». — Ora
S. Epifánio (t 403) menciona os Sebouaioi (Sebeus) como
sendo sectarios da Samaría anteriores ao Cristianismo; tais
sectarios parecem identificar-se com os hemerobatistas ou
batizadores quotidianos, que, segundo antigos autores cristáos
de língua grega, batizavam ñas regióes do Jordáo antes de
Cristo. Até mesmo a tradicáo judaica talmúdica refere-se a
esses «batizadores matinais». Mais: os antigos autores cristáos

i Deve-se notar aínda que nenhum manuscrito dos livros mandeus


hoje existentes é anterior ao século XVI.

— 167 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

mencionam também os masbotous, cujo nome hebraico deri


vado de tsabá também quer dizer «batizadores». Seriam os
próprios sebeus ou hemerobatistas ou batizadores matinais,
segundo conjeturas dos mais recentes estudiosos. A tradicáo
menciona outrossim os moughtasUas, cujo nome árabe signi
fica «batizadores» e que se encontravam na Mesopotámia por
volta do ano 200; os moughtasilaá davam-se por discípulos de
um certo ElchasaL

Como se vé, nos escritos dos decenios anteriores e poste


riores a Cristo há mengáo de varios grupos de «batizadores»,
designados por diversos nomes. É nesse conjunto de correntes
religiosas caracterizadas pela administragáo do Batismo que
os pesquisadores modernos querem descobrir as origens do
mandeísmo. Em verdade, porém, nada se pode afirmar de se
guro a respeito. A data de aparecimento dos mandeus como
seita autónoma nao pode ser indicada com precisáo, visto o
emaranhado de noticias isoladas, um tanto lacónicas, que en
contramos na tradigáo crista e nao crista sobre grupos «ba
tistas» ou «batizadores».

Os livros mandeus hoje existentes revelam certa evolucáo


no pensamento religioso da seita — o que mostra que só aos
poucos este se foi cristalizando. Eis as etapas que bons autores
assinalam na formagáo do sistema mandeu:

1) Estágio babilónico e sirio, influenciado por crengas


da india, em que predominava o politeísmo pré-cristáo;

2) Estágio semicristáo: elementos do Novo Testamento


se mesclam aos do politeísmo; a nomenclatura dos personagens
mitológicos se enriquece com numerosos nomes biblicos;

3) Contagio persa e parsista: aos tragos de politeísmo


primitivo, aos quais sobreveio o monoteísmo do Novo Testa
mento, se acrescenta o dualismo persa (haveria dois principios
antagónicos: o do Bem e o do Mal);

4) Estágio em que passa a predominar a figura do Rei


da Luz. Tal parece ser a forma ortodoxa do mandeísmo, apre-
goada pelos grandes tratados do Ginza;

5) Monoteísmo, com a invocagáo de Allaha; é a forma


recente do mandeísmo, inspirada nitidamente pelo islamismo.

— 168 —
QUEM ERAM OS MANDEUS? 13

1.2. Doutrina

Quem lé os escritos dos mandeus, verifica que fundem


entre si concepgóes teológicas, mitos, normas éticas, preceitos
rituais e narragóes, cujo valor histórico é altamente discutível.
Precisamente por causa da evolugáo por que passou o roan-
deísmo, carecem de unidade doutrinária e consistencia: nao
apresentam nem monoteísmo coerente nem dualismo exato;
predominam, porém, os tragos de dualismo (haveria dois prin
cipios antagónicos entre si: o do Bem e o do Mal) semelhante
ao dos maniqueus da Pérsia.

Em síntese, segundo os mandeus, existe um reino da luz,


chefiado pelo «Grande Rei da luz» ou a «Grande Vida». Há
também um reino de trevas, governado por Ruha d'Kudsha
(= o Espirito Santo) e seus filhos, que sao os planetas e os
demonios do Zodíaco. O mundo presente é o campo onde sé
chocam estes dois reinos.

O Demiurgo (ou plasmador) do mundo pertence ao reino


da luz, mas tem algo de louco e temerario. Com a permissáo
dos seres da luz, fez do caos primitivo de trevas o nosso
mundo, que tem elementos de luz, mas que Buha e seus filhos
constantemente perturbam," prejudicando a obra da luz. A
alma do homem é enviada do reino da luz a este mundo pela
Grande Vida; o corpo é formado pelos filhos das trevas. Assim
a alma no corpo e no mundo é prisioneira atormentada pelos
poderes das trevas. Só poderá Iibertar-se mediante a morte.
Mas aínda assim tem que lutar após o desenlace para conse
guir chegar ao reino da luz; com efeito, ao deixar o corpo
morto, a alma tem longa caminhada a percorrer, durante a
qual passa por urna serie de prisóes (Mattaratha); em cada
urna destas há um demonio a espreita para prendé-la; trata-se
de urna especie de fiscal, que só a deixa passar caso esteja
totalmente isenta de culpas.

Só pode passar incólume por esses fiscais a alma que de


antemáo tenha sido preparada. Essa preparagáo consiste essen-
cialmente na administragáo de um batismo ritual e na revela-
gáo de um mito portador de salvagáo.

— 169 —
14 <PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

O batismo é ministrado em agua viva (corrente); é fre-


qüentemente repetido, pois somente por meio dele a alma se
torna ou se conserva pura das manchas da materia e é pene
trada pelo poder da luz. A pessoa batizada veste uro traje
branco que simboliza as vestes luminosas trajadas pelos seres
celestiais.

O mito revelado ao iniciado é o seguinte: existe um per-


sonagem chamado Manda d'Hayyo (= Conhecimento da Vida),
filho da Grande Vida, que desceu do reino da luz para este
mundo e conseguiu voltar para aquele, atravessando as pri-
sóes do espago, e vencendo os respectivos guardas demoníacos.
Para poder vencer, esse divino ser, antes de sua descida, rece-
beu o batismo, a veste, a coroa, o cetro e o aperto de máo
cerimonial dos cidaáos do mundo da luz; assim preparado,
desceu sem medo e retornou incólume a patria da luz. Ora o
batismo mandeu é concebido como repetifiáo do rito que
assegurou a vitória ao ser divino Manda d'Hayye; comunica
ao iniciado a forca para obter semelhante vitória. A descida e
a subida de Manda d'Hayye ocorreram antes que o homem
existisse.

Ao narrarem a historia do mundo, os mandcus mencionam


o primeiro casal — Adáo e Eva. Um dos descendentes deste,
chamado Nbu (Hermes, o planeta Mercurio) ou também
Cristo, se revelou como «Jesús o Salvador» e declarou: «Eu
sou Deus, o Filho de Deus» (Ginza 1.200s). Veio «vestido de
fogo», caminhava em forma corpórea, embora nao tivesse
corpo verdadeiro; curou doentes, e ressuscitou os mortos.

Contemporáneamente a Jesús viveu Johana, filho do velho


Zacarías, que batizou Jesús Cristo. Houve, porém, oposicáo
entre Jesús e Johana, pois, como dizem os mandeus, aquele
deturpou as palavras do Batista e alterou o batismo no Jordáo.

Como se vé, estes dados tém sua afinidade remota com


tragos dos Evangelhos canónicos. Daí as perguntas: como se
relacionam entre si os escritos mandeus e os livros do Novo
Testamento? Existe dependencia entre uns e outros? Em caso
positivo, como entendé-la?

Para responder a estas perguntas, alguns críticos propóem


a teoría exposta a seguir.

— 170 —
QUEM ERAM OS MANDEUS? 05

2. Urna tentativa de interprétaselo

2.1. A teoría

M. Lidzbarski, R. Reitzenstein e R. Bultmann formulara


a seguinte explicagáo dos dados literarios:

O mandeismo, com suas variadas afirmagóes e facetas, se


reduz a um mito ligado com o antigo misterio iraniano da
redengáo: o dualismo, ou seja, o antagonismo entre o espirito
e a materia, juntamente com a tese da libertagáo do espirito
preso á materia, seriam de origem iraniana. Tal mito é pré-
cristáo; estaría no cerne da doutrina crista, principalmente
como é exposta pelo quarto Evangelho e as correntes gnósticas
dos séculos n/III K Joáo Batista, filho de Zacarías e Elisabete,
terá tido partes importantes na formacáo da doutrina mandéia
a partir do mito iraniano.

O ritual dos mandeus, que muito valoriza o batismo,


também terá sido promulgado por Joáo Batista. Este haverá
dado origem a urna seita joanita e batista mencionada em
At 18,24-19,7; nesta passagem, com efeito, há mengáo de dis
cípulos esparsos pela Asia Menor por volta de 55-57 d. C, que
só conheciam o Batismo de Joáo. Os mandeus, que aparecen)
nítidamente através de escritos cujos últimos retoques se
devem ao século VIH, seriam os continuadores da seita dos
joanitas. Por sua vez, o Cristianismo terá sido oriundo da seita
batista dos joanitas; seus membros eram chamados «nazare
nos», nome que os mandeus atribuem a si próprios ñas suas
escrituras. Jesús, discípulo de Joáo, terá assumido esta desig-
nagáo e a haverá conferido ao grupo de seus discípulos. Por
conseguinte, joanitismo-mandeísmo e Cristianismo seriam duas
correntes afins entre si (este derivado daquele), mas rivais;
tais rivalidades transpareceriam no quarto Evangelho, onde se
percebe a intencáo de mostrar a inferioridade de Joáo Batista
em relagáo a Jesús: cf. Jo 1, 6.15.30; 3,22-27.30.

De modo especial, para Bultmami, o quarto Evangelho é


urna versáo crista do mito existente na seita batista (nazarena
ou mandéia); nessa versáo Jesús aparece como o Mensageiro

1 Note-se que as correntes gnesticas nao se deri/am exclusiva


mente do Cristianismo, mas sao um amalgama dualista constituido por
doutrinas orientáis, gregas e bíblicas.

— 171 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

Divino que desee do céu e de novo sobe para a salvagáo dos


homens. O núcleo de idéias originarias do IV Evangelho seria
mais primitivo do que a mensagem dos sinóticos, que, no caso,
sao tidos como produto da reacáo judaica ao mito iraniano-
mandeu. — Em confirmacáo de sua tese, Bultmann cita: 1)
as afirmares do IV Evangelho que tencionam afastar do pri-
meiro plaoo Joáo Batista numa atitude tida como polémica;
2) certa afínidade de linguagem entre o IV Evangelho e a
literatura mandéia; 3) varias afirmagóes sobre Jesús no IV
Evans;elho que podem ser comparadas eom semelhantes afir-
magóes sobre as figuras divinas do mandeísmo.

Pergunta-se:

2.2. Que dizer?

Varias observacóes se devem fazer a tese crítica exposta:


1) Antes do mais, note-se que os escritos mandeus re-
sultam da evolugáo de um cerne de doutrinas cuja origem é
obscura e cujo curso difícilmente se pode reconstituir.

Os críticos, para formular suas teorías, baseiam-se sobre


hipóteses e conjeturas quanto á historia das idéias iranianas,
gnósticas, mandéias.... quanto as datas dos textos aduzidos e
quanto aos próprios dizeres de tais textos. Referindo-se a
Reitzenstein de modo especial, nota C. H. Dodd:
"Todo o processo de reconstrugáo é urna obra-prima de engenho-
sidade característica, mas depende de suposicóes por demais arbitra
rias... é preciso ter sempre em mente que estamos comparando com
os Evangelhos nio um documento existente, mas um texto reconstruido,
do qual já íoram eliminadas as provas de origem tardía. A reconstrucao
é especulativa demais para fomecer urna fonte fidedigna de Informacáo
histórica" (A interpretacáo do quarto Evangelho, págs. 1658).

2) Urna vez suposto que haja semelhanga de dizeres


entre os documentos mandeus e o quarto Evangelho, nao se
segué que este seja dependente daqueles. Sabe-se que os es
critos mandeus nao podem ser atribuidos a urna só data, mas
á evolucáo que perpassa séculos (até o sáculo VIÜ).

De modo especial pergunta-se: o quarto Evangelho atribuí


enorme importancia ao Espirito Santo e á Encarnagáo do
Logos; como poderá depender de urna fonte na qual o Espirito
Santo é principio do mal e a Encarnagáo um absurdo?
Na verdade, como se verá adiante, sao os escritos mandeus
que parecem depender do Cristianismo.

— 172 _
QUEM ERAM OS MANDEUS? 17

3) Se Joáo Batista estava ligado aos mandeus, como


grande mestre desta seita, e se algo dos escritos mandeus data
da época de Joáo Batista, é de estranhar que nestes nao se
encontrem mais dados biográficos referentes ao Batista; na
verdade, os livros mandeus apenas referem parte do que os
Evangelhos narram a propósito: o nascimento de Joáo B. e o
ministerio batismal; fora destes dados, nao há um relato
mandeu que contribua para se conhecer melhor a biografía e
a figura do Batista; nem a morte do Batista narrada pelos
Evangelhos é descrita nos relatos mandeus.

4) Digno de nota é o nome do Batista ocorrente ñas


escrituras mándelas: traz a forma árabe Jahja, com a qual
Joáo é designado no Coráo. Ora este fato sugere que muitas
das alusóes a Joáo, particularmente no livro de Joáo, perten-
cem ao período islámico (sáculo vn/VIII). Donde se deduz a
suposigáo de que a proeminéncia de Joáo B. nos escritos man
deus se deve a acréscimos tardíos. Estes se explicam do se-
guinte modo: os conquistadores mugulmanos consideravam
como pagaos os homens que nao pudessem apresentar um
livro sagrado e um profeta. Ora os judeus apelavam para o
Antigo Testamento e Moisés; os cristáos, para o Novo Testa
mento e Jesús; em conseqüéncia, os mandeus compilaram os
seus escritos sagrados e apresentaram Joáo B., que é citado
com venaracáo no Coráo, como seu fundador. Neste caso as
informagóes sobre Joáo, com excegáo do que se assemelha
a contos fantasistas, teráo sido extraídas do Novo Testamento.
Observe-se que é principalmente no Livro de Joao que o Batista
assume o seu lugar como profeta e mestre dos mandeus e é
neste mesmo livro que a forma árabe Jahja ocorre constan
temente junto com Johana,

5) Quanto ao rito do Batismo, era táo amplamente


difundido e usual na antiguidade pré-cristá que difícilmente se
pode dizer que o Batismo cristáo seja estritamente inspirado
pelo Batismo de Joáo ou dos iranianos.

Mais: o Batismo mandeu era freqüentemente administrado


á mesma pessoa. Ao contrario, o Batismo de Joáo era rito
escatológico1 e único, pois proporcionava a entrada na comu-
nidade dos que se preparavam para o juízo de Deus sobre os
homens.

i Era rito assoclado á expectativa de ¡mínente Irrupfáo do Reino de


Deus.

— 173 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

Note-se ainda: a única prova, fora do mandeísmo, para


demonstrar a existencia de tuna seita especifica dos seguidores
do Batista é o texto de At 18,24-19,7; ora nesta passagem nao
há indicio de que Apolo ou os doze homens de Éfeso adminis-
trassem o batismo repetidamente, em vez do batismo único.
Sabe-se, porém, que a repetigáo do batismo era importante
para os mandeus. Donde concluí Dodd:
"Em vista destas considerares, a conexao entre Joio e os man
deus comeca a revelar-se frágil. Com efeito, nao há necessidade de
recorrer a um fundador individual para explicar o rilo batismal mandeu.
Lustracdes rituais freqüentes eram comuns em muitas religioes antigás,
inclusive no judaismo" (ob. cit., p. 169).
Ponderadas estas proposigóes, pode-se dizer, com os
estudiosos mais abalizados de nossos dias, que «os pretensos
paralelos extraídos do conjunto literario mandeu nao tém
valor nenhum para o estudo do quarto Evangelho a nao ser
que possam ser reforcados por provas mais primiti
vas» (p. 177).]
O quarto Evangelho hoje em dia é profunda e amplamente
estudado, de modo a ser reconhecido como obra da escola do
Apostólo S. Joáo; supondo longa tradigáo oral, a mensaeem
do quarto Evangelho chegou & sua forma definitiva em fins
do século I. Esta data tardía permitiu ao evangelista levar em
conta nao somente os frutos de prolongada experiencia de vida
crista, mas também certos traeos característicos do ambiente
da Asia Menor do século I. Assim o quarto Evangelho tem
suas notas bem peculiares, que se podem e devem compreender
como auténtico eco da pregacáo de Jesús também consienada
pelos sinóticos. A interpretado a partir do mande'smo vem a
ser artificial e despropositada, elém de carecer de fundamento
adequado.
A o»¡sa de bibliografía:
BALLARINI. T. Introduc3o a Biblia, vol. IV, Petrópolis 1972.
BULTMANN. R. Zeltschrift fuer neutestamentliche Wissenschaf* XXIV
(1925). nágs. 100-146.
BURKITT. F n. The Mandaeans, em Journal of Theologlcal Sludies 29
1927s, págs. 224-235.
DODD. C. H. Interpretado do Quarto Evangelho. Sao Paulo 1977.
LIDZBARSKI, M., Das Johannesbuch der Mandáer. Giessen 1915.
ÍDEM. Glnza, der Schatz oder das grosse Buen der Mandaer.
Leipzia 1925.
REITZENSTEIN, R., Das manaische Buch des Herrn der Grosse, em
SHzungsberichte der Keldelberger Akademle der Wissenschaft 1919.

1 O autor observa em nota que o estudo do racionalista Loisy, Le


Mándeteme et les origines chrétiennes (1934) chega a conclusSo seme-
Ihante.

— 174 —
Um livro-desafio:

"Ensaio de Ética Sexual'1


por Jaime Snoek

Em síntese: O Pe. Jaime Snoek publicou um ensato..., ou seja,


um livro cujas sentengas sao oferecidas ao público para discussüo e
debate.

O presente artigo tenia aponlar o que tal livro tem de positivo e o


que aprésenla á discussáo dos estudiosos. O principio básico, do qual
se deduzem as conclusSes mais "avanzadas" da obra, é considerado
atentamente: dá margem a certo subjetivismo ético ou a urna ética da
situacSo, que nao se coaduna com os principios da Moral católica.
Conclusdes aberrantes sao deduzidas do subjetivismo ético que inspira
o livro.

Comentario: O Pe. Jaime Snoek, professor de Ética


Sexual na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), lancou
em 1981 um livro que tem despertado a atencáo dos estudio
sos x. Aborda, de maneira assaz erudita, os assuntos atinentes
a sexualidade, propondo sentencias novas, assaz diversas das
da Moral católica tradicional. O livro resulta do estudo de
ampia bibliografía recente sobre o assunto; é, pois, altamente
informativo. Nao pretende chegar a conclusóes definitivas; por
isto tem o título de «Ensaio...» (cf. p. 287).

Abaixo apresentaremos urna síntese do livro, á qual se


seguirá urna apreciacáo crítica.

1. O livro: aspectos positivos

Pode-se dizer que a obra compreende duas partes. A pri-


meira exoóe o modo como a sexualidade tem sido considerada
através dos sáculos (págs. 16-44); depois do que aborda os
aspectos biológicos (pp. 45-52), sociológicos (págs. 53-74),
psicológicos (págs. 75-103), religiosos (págs. 105-116) e filo-

1 Ensaio de Ética Sexual, por Jaime Snoek. — Ed. Paulinas, SSo


Paulo 1981, 298 págs., 120 X 200 mm.

— 175 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

sóficos (págs. 117-136) da sexualidade. A segunda parte é


propriamente de índole ética, voltando-se para as diversa»
facetas da problemática sexual: homossexualismo, relac.5es
pré-matrimoniais, masturbagáo, etc.

Em sua primeira parte, a obra tem passagens interessan-


tes, por apresentar a sexualidade no contexto das ciencias
humanas — o que nao acontece sempre nos manuais de Ética.
Por exemplo, merecem realce

1) as ponderagóes sobre o pudor ou a defesa da intimi-


dade pessoal (págs. 158-161); o autor mostra que esta é
natural e espontánea ao homem, de modo que qualquer cam-
panha nudista violenta o ser humano:

"Creio que o homem difícilmente abandonará o uso da veste. Um


excesso de estímulos costuma provocar urna Inibicao do respectivo centro
sensorial. A monotonía do som provoca o sonó. Excesso de estímulos
eróticos também causa inibicao... Urna das funcoes da veste é, por-
tanto, criar urna certa distancia e conservar urna salutar tensio entre os
sexos... (A veste) é sempre um sinal do estar-em-relacSo... o que é
o dinamismo mesmo da sexualidade" (p. 161).

2) Também sao dignas de nota as reflexóes sobre a táo


propalada necessidade de sexo:

"Observou-se que nem a conduta sexual dos animáis se explica


so pelo instinto, pelo mecanismo Estlmulo-Resposta: há (atores exógenos
em jogo, algo de ImitacSo e aprendizagem.

— É impossível sustentar que a necessidade sexual é única. Se é


verdade que existem maniacos sexuals, Casanovas e Oom Juans, n§o é
menos verdade que a vida de Buda, de Sócrates, de Jesús de Nazaré,
de Ghandi, de Che Guevara, tinha outra fonte inspiradora. Explicar isto
como simples 'sublimacSo' é ridículo.

— Alias, a sexualidade nem ó necessidade. Como já disseinos:


nlnguém morre por falta de sexo. Pode morrer por falta de afeto. Marc
oraison afirma que o sonho erótico nüo tem sua origem num excesso de
liquido espermátlco, mas em estímulos exógenos, gravados durante o dia.

— A influencia exerclda por hormón ios ou outros estímulos endógenos


sobre o desejo sexual humano é muito reduzlda, como foi demonstrada
por Lederberg (Premio Nobel de 1958). Quase Independe deste -.¡eca-
nlsmo. Muito mals determinantes sao os estímulos exógenos. Existem
culturas muito erotizadas como a nossa hoje, e outras pouco erotizadas,
como a dos Dani, pesquisada recentemente por Karl Heider: nao há sexo
pré-matrimonial nem extra-matrimonial, tam pouco se relacionam scxual-
mente os parceiros nos primeiros dois anos de casamento, nem duranto
os seis anos posteriores ao parto. Apesar disto, é um povo dcscon
traído e alegre (TIME, 2/08/1976). Conclusdes: se e enquanto existe
necessidade sexulal, ela resulta de condícionamento pessoal e/ou cultural.

— 176 —
«ENSAIO DE ÉTICA SEXUAL» 21

A analogía com a fome nao procede. Há muita diferenca entre 8


fome e o desejo sexual. Aquela provém da deficiencia de determinados
elementos químicos no sangue; esta, se e enquanto endógena, de um
acréscimo hormona); na fome o individuo procura livrar-se de urna tens&o,
no sexo procura exatamente a tensáo em vista do relax orgástico; a
fome se mata somente com alimentos reals, ao passo que no sexo cabe
um papel importante á ¡maginacSo e aos estímulos simbólicos" (p. 67s)

Esta passagem é de valor.porque dissipa um equívoco


muito disseminado na sociedade contemporánea: o uso do sexo
seria obrigatório para a conservacáo da saúde física e mental.
Nao, diz o autor, baseado em pesquisas fidedignas: a necessi-
dade do sexo provém muito mais do ambiente com seus estí
mulos provocadores e erotizantes do que de exigencias do
próprio organismo. Se muitas pessoas cedem ao imperio do
sexo, estáo simplesmente cedendo a preconceitos incutidos por
falsas teorías e pela propaganda «sexy» que «bombardeia» o
cidadáo contemporáneo.

3) Merece outrossim referencia positiva a explanacáo


que o Pe. Jaime Snoek faz de «sexo-eros-ágape»: considera
assim «tres etapas na trajetória da humanizacáo do amor,
sucessivamente a etapa da atracáo anónima, a da afinidadc
psicossomática e a da identificagáo existencial» (p. 150). C
autor apresenta assim o amor que quer bem á pessoa do par-
ceiro, e nao apenas ao corpo do outro.

4) O autor defende. a instituicáo do matrimonio, pois


esta confere objetividade ao amor dos consortes, emanci-
pando-o dos fatores meramente subjetivos e individualistas
(simpatía pessoal, fatores económicos, razóes de familia...);
qualquer tipo de uniáo baseada sobre elementos meramente
subjetivos é ameacada pela instabilidade. As instituicóes consti-
tuem «as formas criadas pelo homem que tornam concreto o
elemento psíquico material submetido a flutuacóes» (p. 72).

5) O celibato é valorizado do ponto de vista sociológico,


pois permite aos celibatários urna atuacáo mais livre e profunda
na sociedade: «Seja qual for a motivacáo, o celibato, principal
mente quando institucionalizado, exerce influencia importante
na sociedade. Aponta para valores1 transcendentais. Em certos
ambientes o asceta-celibatário, como homem de Deus, c o líder
natural da comunidade (o pope na Rússia)... Um clero celi-
batário, com sua mobilidade, a servico de um poder central,
nao deixa de ser lambém um fator sociológico impor
tante» (p. 65).

— 177 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

Nao se deve esquecer, porém, que a motivagáo, por


excelencia, do celibato consagrado a Deus provém da men-
sagem da fé: o Reino de Deus, mediante a vinda de Cristo,
foi inaugurado neste mundo, de tal modo que ao cristáo
interessa estar, o mais possível, livre de vínculos dispensáveis,
para dedicar-se inteiramente ao Reino e as suas exigencias na
térra. Cf. ICor 7,25-35.

O leitor descubrirá, no livro em pauta, ainda outras pá


ginas interessantes, que revelam a profundidade com que o
autor aborda o tema. Todavia nao é possível deixar de apontar
os aspectos menos válidos ou mesmo inaceitáveis do ensaio
em pauta. Alias, o próprio arcebispo metropolitano de Juiz de
Fora, D. Juvenal Roriz, observa ao apresentar a obra:

"É possfvel que alguém se sinta chocado ao ler o llvro. É capaz que
muitos discordem dele. Mas é para isso mesmo que ele foi escrito, para
ser contestado, criticado, para assim ajudar a descobrir novas pis
tas" (p. 7).

Vejamos, pois, os pontos controvertidos da obra em foco.

2. Aspectos discutíveis

Apontaremos dez pontos merecedores de reviaáo.

2.1. O terceiro principio básico

Ao iniciar a segunda parte ou o estudo da Ética sexual


propriamente dita, o autor propóe cinco principios básicos da
moralidade sexual:

1) Existe obrigacáo geral de crescer para a maturidade


afetivo-sexual, em abertura e reciprocidade.

2) O ato sexual encontra na situacáo conjugal, e so-


mente nela, condigóes ideáis para a sua realizacáo.

3) Se bem que a situagáo conjugal represente o ideal


ético, isto nao quer dizer que formas imperfeitas de linguagem
sexual nao possam ser humanizantes e, portante, moralmente
boas, desde que tentem expressar o melhor que o sujeito aqui
e agora consegue alcangar, por causa dos seus condiciona-
mentos e limitagóes.

— 178 —
«ENSAIO DE ÉTICA SEXUAL» 23

4) É imoral qualquer forma de «pornéia» (sexo por


divertimento, por dinheiro, sexo sem compromisso, sem amor).

5) É imoral toda quebra de fídelidade conjugal.

Precisamente o terceiro principio, como reconhece o


autor, «abre caminho para a revisáo de algumas normas
mais concretas» (p. 146).

Examinemos atentamente como se dá tal abertura; para


tanto, consideraremos o ponto de partida dessa abertura e as
conclusóes que daí tira o autor.

2.2. Lei natural ou concepteo personalista?

O Pe. Snoek rejeita o conceito clássico de lei natural. Esta


seria a lei do próprio Criador e obrigaria a pessoa humana a
respeitar sempre a natureza e suas funsóes características.
Em conseqüéncia da lei natural, estáo condenadas as praticas
homossexuais, a contracepcáo, a masturbacáo, as relacóes
sexuais fora do matrimonio. Os adversarios da lei natural
alegam que as normas éticas daí decorrentes sao fisicistas,
fixistas, essencialistas...

Em contra-posigáo, o autor defende urna ética persona


lista. Julga que a pessoa humana é urna possibilidade que pede
realizacáo, um esboco que deve ser elaborado, contornos que
háo de ser preenchidos... «O empenho pessoal, a intenciona-
lidade, a subjetividade, o existencial sao indispensáveis. É
impossível definir o bem e o mal de qualquer comportamento
concreto sem referencia ao sujeito» (p. 144). Em conseqüéncia,
o autor propóe urna ética teleológica, isto é, inspirada pela
dinámica da tendencia e um telos ou um objetivo a ser alean-
gado. A ética teleológica deduz «normas a partir da insergáo
existencial do agir na realidade concreta, com toda a seqüela
de efeitos (conseqüencialismo)» (págs. 144s).

Destas premissas se segué que muitas das posigóes firmes


da ética clássica se tomam mutáveis, porque a tendencia da
pessoa ao seu telos é algo de evolutivo. Eis alguns dos pontos
que, de modo especial, sao abalados na nova perspectiva.

— 179 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

2.3. Homossexualismo

O homossexualismo é nítidamente considerado como


anomalía (cf. págs. 277. 285). Nao obstante, de acordó com
as suas premissas, Jaime Snoek julga que «as pessoas ho-
mossexuais nao procedem mal se, dentro das suas limitagóes,
tentam dar á sua estrutura irreversível urna- expressáo ade-
quada, com dignidade o respeito» (p. 285).

A justificativa de tal posicáo é a seguinte:


"Nao resta dúvida de que a sexualidade só alcanza sua plena
expansao em reciprocidade com um parceiro do outro sexo. Mas onde
este ideal, por forca malor, nSo é possfvel, onde o celibato é ¡mpratl-
cável — a própria estrutura homossexual, que nao encontra nenhuma
ldentificag§o na cultura, torna o desejo sexual mais incontrolável — onde
concretamente a alternativa é entre contatos epidérmicos, degradantes,
ou urna relagio amorosa na qual se pode atinqir pelo menos um certo
grau de humanidade, alguma companhia na solidao, algum sentido para
a vida e para o trabalho, este relacionamento passa a ter um sentido
positivo. Evidentemente, nao é o perfeito, é um balbuciar. Mas, afínal,
estSo fazendo o que podem, do melhor modo possfvel. — £ bem pos
sfvel que a llnguagem erótica entre Jo§o e José, que sio homossexuais.
seja mais comunicativa do que entre Pedro e Margarlda, que constituem
um casal normal. Masters e Johnson constataran! que entre eles existe
multas vezes, mais ternura do que entre ele e ela" (p. 284).

2.4. Relagóes sexuais pré-cerimoniais (RSPC)

RSPC sao as que ocorrem entre noivos decididos a se


casar entre si, mas ainda nao comprometidos pelo cerimonial
sacramental e jurídico do casamento. Jaime Snoek distingue
tal tipo de relacóes sexuais daquelas que ocorrem entre namo-
rados e outras pessoas que ainda nao estejam fírmente dis
postas a se casar; este outro tipo é chamado «relacóes sexuais
pré-matrimoniais» (RSPM).

As RSPC sao tádas como legítimas pelo Pe. J. Snoek,


ficando a cargo dos noivos «ponderar se realmente o adiamento
das relagóes sexuais os prejudica tanto que devam passar
além da norma». Por conseguinte, o valor moral das RSPC
dependerá da avaliacáo subjetiva das pessoas interessadas; em
alguns casos tal comportamento será legítimo; em outros nao.

Quanto as RSPM, o autor as rejeita, porque «relagóes


sexuais, na fase de namoro, além de representaren! urna espe
cie de mentira existencial, por significarem urna doagáo total
que na realidade ainda nao é possível, expóem os parceiros,
sobretudo ela, ao risco de perderem a identidade» (p. 250).

— 180 —
>ENSAIO DE ÉTICA SEXUAL» 25

Merece apoio a rica e seria argumentado que o Pe. Snoek


apresenta para dissuadir do relacionamento sexual os ñamo-
rados; vejam-se as págs. 248-252, dignas de ser lidas atenta
mente. Apenas desejamos levantar urna pergunta: o Pe. Snoek
afirma que ñas relagóes sexuais pré-matrimoniais os parceiros
«sao obrigados a excluir radicalmente o filho, privando assim
o ato do seu elemento mais altruista, mais significante, qual
seja o anseio criador» (p. 251). Ora nao se dá o mesmo entre
noivos? Será que os noivos nao excluem artificialmente a
possibilidade de prole quando tém relagóes sexuais entre si?
Por que entáo o Pe. Snoek nao rejeita outrossim as RSPC?

2.5. Masturbosóo
"Propomos a seguinte formulafáo: enquanto a masturbagáo, como
expressáo apropriada de determinada fase evolutiva, contribuí para o
amadurecimento afetivo sexual, é moralmente boa, aínda que imperfeita"
(p. 266).

Verdade é que Snoek reconhece que a masturbacáo pode


também significar fixagáo e regressáo; perdería seu caráter
evolutivo teleológico, para se tornar um ato portador da sua
própria justificativa; seria entáo antinatural, prejudicial e
anti-ética; tal se dá «quando adultos praticam a masturbagáo
habitualmente, a nao ser que sofram de alguma anomalía
mais seria» (p. 268).

2.6. Fantasías sexuais

As divagagóes conscientes e voluntarias da fantasia pelo


setor do erotismo sempre foram pela clássica Moral conside
radas pecaminosas, pois sao aptas a excitar sexualmente o
sujeito, provocando tentacóes, remotas ou próximas, ao pecado.
Ora o Pe. Snoek propóe outra sentenga: na medida em
que a imaginagáo erótica possa contribuir para o amadureci
mento afetivo da pessoa, é moralmente boa. A integracáo da
sexualidade se faz também pelo devaneio da imaginacáo, desde
que submetido a certa vigilancia, para que nao redunde em
fuga da realidade.

Análogo é o juizo a respeito da pornografía, que vem a


ser um fator excitante da fantasia. Se as imaginagóes eróticas
nao sao más, o recurso aos livros e panfletos que alimentam a
imaginacáo também nao será mau, desde que controlado para
nao implicar escapismo. «Na busca honesta de integragáo norma
alguma poderá substituir o discernimento pessoal» (p. 176).

— 181 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

2.7. O uso de anticoncepcionois

O autor é contrario á encíclica Humanae Vltae de Paulo VI,


que, embora tenha reconhecido a necessidade do planejamento
familiar, só quis admitir meios naturais ou a continencia
periódica para executar tal intento. O documento de Paulo VI
significaria «um retrocesso para urna visáo biológica da
sexualidade e da lei natural» (p. 210). Poderá mesmo, se
gundo certos autores (que Snoek cita sem objegáo alguma),
haver motivos serios para que um casal exdua por completo
a procria^áo — o que contraria o Código de Direito Canónico
(can. 1086, § 3): se tal exclusáo antecede o contrato matri
monial, diz o Código, o matrimonio assim contraido é nulo.
Cf. p. 212.

Na prática do anticoncepcionismo, Snoek admite a própria


esterilizacáo cirúrgica em muito serios casos, consciente de
que a S. Congregagáo para a Doutrina da Fé se opós explíci
tamente a tal intervencáo.

Q DIU (dispositivo intra-uterino) é tolerado pelo autor:


«nao se deve condenar aquelas que usam o DIU» (p. 228).

Com respeito á pílula anticoncepcional, Snoek menciona


os seus efeitos negativos no plano da saúde, embora nao a
condene do ponto de vista ético; cf. p. 221. Poder-se-ia mesmo
admitir que certos Governos «fornecam meios anticoncepcio-
nais para garantir a paternidade responsável» (p. 206).

2.8. Fecúndamelo artificial

No tocante á fecundagáo artifidal homologa ou insemi-


nacáo artifidal com esperma do próprio marido (IAM), o
autor observa: «Estamos chegando a um pensamento bastante
comum entre os moralistas em aceitar a viabilidade ética da
IAM» (p. 230). Quanto á fecundacáo artificial heteróloga ou
com esperma de doador (IAD), que supóe a participacáo de
um terceiro, Snoek se recusa a tomar posicáo: «Nao é hora
nem de fechar nem de abrir o sinal. Até se esclarecer melhor,
há de se ficar bem no amarelo» (p. 231).

Com referencia á fecundagáo in vitro ou ao bebé de pro


veta, observa Jaime Snoek:

— 182 —
«ENSAIO DE ÉTICA SEXUAL» 27

"Concluiría o seguinte: Existe urna certa convergencia no pensa-


mento científico e ético-religioso. Resume-se numa atltude de expecta
tiva e de cautela. A tendencia é de nao condenar o processo a prior!.
Embora se concorde em principio, sente-se o perigo de derrapagem. Por
isso recomenda-se multo cuidado" (p. 233).

2.9. Indissolubilidade do matrimonio

O autor aceita a legitimidade do divorcio em certos casos,


como se depreende da secgáo abaixo:

"A lei deve proteger a estabilidade do casamento do melhor modo


posslvel. A exclusáo total do divorcio nem sempre é a melhor prote-
clo... Certa concessao ¿s limita?5es humanas é quase inevitável, e
nao há nenhum mal nlsto. O problema é que, urna vez existindo as
mallias da lei, multa gente val passar por elas. Contudo este risco,
que é real, representa um mal menor" (p. 185).

Todavia o autor acrescenta: «Quanto ao divorcio na Igreja,


isto é um outro problema» (p. 185).

Esta observagáo final é ambigua, na mais suave das


qualificagóes: supoe que o matrimonio nao seja indissolúvel
por sua própria índole ou pela natureza mesma do contrato —
o que contradiz as teses da filosofía clássica.

2.10. Outras formas de uniáo

Snoek menciona o «casamento incompleto», isto é, a


uniáo que, por algum motivo, nao seja legítima perante a
Igreja: «Ou se trata de simples ausencia de oficializacáo, em
geral por motivos de pobreza ligada á ignorancia e indolencia;
ou a oficializacáo é positivamente recusada por desprezo á
instituicáo; ou entáo a oficializacáo é impossível por causa de
um impedimento canónico» (p. 194).

Diante de tais situagóes, a Igreja tem apregoado zelo


pastoral, pedindo aos sacerdotes e seus colaboradores, acom-
panhem as familias que assim se constituem, a fim de que nao
percam a fé nem o contato com a Igreja. Isto, porém, nao quer
dizer que se devam reconhecer tais unióes como legítimas,
facilitando aos respectivos parceiros o acesso aos sacramentos.
Esta reserva é explícitamente afirmada pelo S. Padre Joáo
Paulo II em sua Exortacáo Familiaris Consortio n» 84 de
22/11/1981. — O Pe. Snoek, contudo, tende a interpretar am-
plamente demais a atitude pastoral da Igreja como se as

— 183 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

unióes nao sacramentáis já fossem legítimas: «A maneira de


auxiliar estas situagóes, que já vinha sendo propagada ñas
bases da Igreja, teve agora urna cháncela oficial» (p. 195).
O autor nao é claro e sujeita o leitor a mal-entendidos, como
se fosse lícito ao católico aceitar qualquer tipo de uniáo
«conjugal».

Mais estranha ainda é a posigáo do Pe. Snoek frente á


chamada «vida comunal», ou seja, diante de comunas em que
o relacionamento emotivo/sexual é livre, podendo haver rela-
góes sexuais dentro de um trio ou de um grupo maior. Snoek
cita a opiniáo de Rogers e outros estudiosos que julgam difícil
o desenvolvimento de amor auténtico e duradouro dentro de
tais comunas... Mas acrescenta: «O importante é que nem
eles nem Rogers fecham a questáo. É pelos frutos que a curto
e longo prazo se conhece a árvore. Na busca da norma ética
é necessário deixar margem para experimentacáo. Ainda que
pessoalmente nao acreditemos muito na viabilidade a longo
prazo destas comunas, nem por isso podemos condenar toda
tentativa honesta como necessariamente (intrínsecamente)
antiética» (p.197).

Esta é, sem dúvida, urna das opinióes mais estranhas


professadas em todo o livro focalizado! Embora sustente tal
opiniáo, o autor, logo a seguir, condena o sexo livre, pois este
significa apenas «compensagáo e passa-tempo». Na verdade,
pode-se crer que quem rejeita o casamento monogámico estável,
professa urna premissa da qual se pode deduzir a legitimacáo
de qualquer forma de uniáo sexual, seja comunal, seja livre.

Outros pontos portadores de novidade se poderiam ainda


catalogar no livro em foco. Os que foram levantados, porém,
já nos permitem passar a urna avaliagáo crítica das posigóes
do livro em foco.

3. Urna avaliocao crítica

Antes do mais, proporemos urna observagáo de índole geral.

3.1. Observajóo geral

Verifica-se que o criterio evocado pelo Pe. Jaime Snoek


para julgar o comportamento sexual e suas facetas é a realiza-
S afetiva da pcssoa, ou a integragáo da sexualidade no

— 184 —
«ENSAIO DE ÉTICA SEXUAL»

conjunto dos valores do ser humano. É criterio dito «dinámico»


e nao estático ou fisicista; a pessoa humana com seu potencial
evolutivo parece assim mais respeitada.1 Cf. págs. 144. 197.
A propósito ponderamos:

Nao se duvida de que a consideragáo da pessoa e das suas


sucessivas fases evolutivas seja imprescind.íyel na avaliagáo
moral do comportamento humano. A Ética clássica ensina que
a moralidade de um ato se deriva tanto do objeto como da
finalidade visada pelo sujeito (finis agentis) e das circunstan
cias do ato (quis, quid, ubi, quibus auxiliis, cur, quomodo,
quando — quem, o qué, onde, com que meios, por qué?, como,
quando). Todavia podemos dizer que o Pe. Snoek vai longe
demais na ponderaeáo das situacóes, arriscando-se a cair num
certo relativismo ético ou na ética da situagáo. Com efeito, se
as situagóes evoluem sempre, a avaliagáo moral do comporta
mento seguirá sempre criterios evolutivos e mutáveis. É o que
o próprio autor reconhece ao dizer: «Formas imperfeitas de
linguagem sexual podem ser... moralmente boas desde que
tentem expressar o melhor que o sujeito aqui e agora conse-
gue alcangar por causa das suas limitagóes» (p. 146).

Quem aceita tal principio, verifica que a fronteira entre


o bem e o mal moral se torna turva ou indistinta; o que para
uns é mau, para outros será bom. Dai a legitimagáo, ao menos
em certas circunstancias, da masturbagáo, do homossexualismo,
das relagóes sexuais pré-cerimoniais (o que significa: pré-
matrimoniais), do divorcio no plano civil, da vida comunal (ou
do casamenta em trio ou em grupo), etc. Se o criterio é o
presumido «desenvolvimento da personalidade», caímos num
terreno extremamente subjetivo, em que tudo pode ser «enver-
nizado» ou legitimado, até as maiores aberragóes, sob o pre
texto de que concorrem para o presumido amadurecimento da
personalidade de tal ou tal sujeito. Este pode tornar-se vítima
das suas ilusóes; julgando estar atendendo ao ritmo da evo-
lucáo de sua personalidade, poderá estar condescendendo
«molemente» com os seus instintos animalescos. A nova Ética,
em vez de ajudar o ser humano a se tornar mais «gente»,
poderá contribuir para torná-lo ainda mais joguete de suas
paixóes instintivas e infra-racionais.

Por isto eremos que há absoluta necessidade de criterios


objetivos para se discernirem o bem e o mal éticos. Esses
criterios objetivos háo de ser os ditames da natureza ou a lei
natural. Esta ensina que o homossexualismo é urna aberragáo

— 185 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

e, por isto, praticá-lo consciente e voluntariamente é mal


moral; a masturbagáo é urna forma de narcisismo ou de uso
do sexo a sos, o que também é antinatural e, por isto, peca
minoso ... E assim em outros casos.

Observemos bem: para levar em conta os elementos


pessoais que caracterizam o comportamento de alguém, nao é
necessário renegar a objetividade e a perenidade das normas
moráis; sim, todo ato é em si, ou objetivamente falando, bom
ou mau do ponto de vista ético. Subjetivamente falando, porém,
considerando-se a pessoa que age, e suas intengóes, o mesmo
ato pode admitir outra qualificagáo moral. Assim masturbaf-se
é, em si ou objetivamente falando, um ato moralmente mau;
todavia num adolescente que ignore tal qualificagáo do ato
ou mima pessoa obcecada, esse ato, em si mau, poderá nao
ser tal (porque, no caso concreto, terá faltado ou o conheci-
mento de causa ou a vontade deliberada).
Nao há, pois, como condescender com práticas antinatu-
rais, embora isto custe sacrificio e renuncia, tornando a Ética
mais severa. Alias, note-se que Ética severa nao é Ética
dualista, masoquista, contraria ao prazer e ao sexo. Urna Ética
severa pode afirmar que o sexo com seus prazeres é legitimo,
desde que praticado segundo os ditames da natureza. O Fe.
Snoek caricatura um tanto a Ética clássica como se fosse
avessa ao prazer; todavia o próprio Pe. Snoek bem sabe que
é possível seguir urna Ética inspirada pela lei natural, sem
recusar o sexo e o prazer legítimo.

É de se observar outrossim que a renuncia se torna im-


prescindivel num programa de vida ética ou virtuosa... Nao
somente a renuncia imposta pelas circunstancias da vida, mas
também a renuncia procurada voluntariamente: a ascese há
de ser praticada espontáneamente. Com efeito; se alguém
sempre diz Sim aos seus impulsos, por mais legítimos que
sejam, difícilmente dirá N3o a um impulso ilegítimo, como al
guém que nao freia á distancia nao consegue frear quando
colocado diretamente diante de sinal vermelho. Por isto mere-
cem revisáo as palavras do autor á p. 116: «A própria vida
se incumbe de proporcionar ocasiócs para a cruz e a renuncia.
Nao há necessidade de procurá-las». Afirmamos, ao contrario,
que existe, sim, tal necessidade dentro das possibilidades de
saúde de cada cristáo, como para o atleta existe a necessidade
de treinar mesmo auando nao está jomando «para valer»; se ele
nao treina, perderá certamente diante do primeiro adversario
com que se defrontar.

— 186 —
«ENSAIO DE ÉTICA SEXUAL» 31

Alias, de maneira geral os moralistas concordam em afir


mar que o fim (bom) nao justifica ios meios (inaus). Se assim
é, nao posso dizer que, em vista de um fim bom candidamente
almejado (como é o amadurecimento de minha personalidade),
me é lícito praticar atos em si maus ou aberrantes (como a
masturbacao ou a prática homossexual); tais atos antiéticos
nao se'tornam, como tais, éticos pelo fato de serem praticados
por quem se acha ainda a caminho ou na dinámica da forma-
cáo de sua personalidade K

As ponderacóes até aqui propostas levam-nos a rejeitar


as sentengas «revolucionarias» do livro em foco recenseadas
sob o título 2 deste artigo. Expusemo-laa objetivamente sem
desfigurar a mente do autor. Vemos, porém, que nao podem
ser sustentadas nem mesmo a título de ensaio de estudo.

Urna vez considerado o principio básico do livro em foco,


detenhamo-nos ainda sobre alguns pontos particulares da obra.

3.2. Alguns tópicos particulares

Deter-nos-emos ainda sobre dois pontos importantes.

3.2.1. O conceito de castidade

Diz o autor muito sabiamente: «Castidade é sensualidade


integrada no nivel de pessoa. Longe de ser mutilagáo, a cas
tidade representa plenitude da sexualidades (p. 154). Esta
definicáo merece aplausos desde que bem entendida: castidade
vem a ser o uso do sexo dentro dos parámetros legítimos,
estabelecidos pelas leis da natureza, ou seja, em termos hete-
rossexuais e dentro do consorcio matrimonial legítimamente
sancionado pela instituicáo religiosa.

Observa-se, porém, que o Pe. Snoek tende a aproximar


castidade na Tradigáo crista e dualismo; assim quando se
refere a S. Agostinho (p. 25) e S. Jerónimo (p. 25)... — O
avanco da devogáo mariana terá pago algum tributo a corrente
maniqueista (cf. p. 30)... Ora nao queremos negar que a

»Está claro que atos, em si pecaminosos, podem nao ser peca


minosos no caso de um sujeito que os cometa sem saber que sao atos
maus ou sem vontade deliberada.

— 187 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

filosofía grega, mediante o platonismo e o estoicismo, tenha


influenciado pensadores cristáos. Mas, doutro lado, nao pode
mos esquecer que já Sao Paulo, como intérprete singularmente
abalizado da mensagem evangélica, preconizava a vida una ou
celibatária a partir de premissas genuinamente cristas: o tempo
se fez breve, dizia o Apostólo, pois a eternidade e os valores
definitivos entraram nos moldes do tempo; em conseqüéncia,
todo tempo é pouco ou nao há mais tempo para atender á
presenga do Eterno presente; por isto é preciso que o cristáo
concentre a sua atengáo ñas coisas de Deus e, se possível
(com a graga do Senhor), viva a vida una para nao se dis
persar entre os afazeres da vida conjugal; cf. ICor 7,25-35.
Esta motivagáo, totalmente nova no ano de 56, em que foi
proferida pela primeira vez, forneceu a inspiragáo as virgens
e aos celibatários que desde os tempos do Apostólo se fizeram
tais por amor do Reino dos céus. Nada traz de dualista ou
maniqueu, mas brota da consciéncia que o cristáo tem, de
estar vivendo a última hora da historia da salvagáo.

Ainda a propósito lembramos que há diferenga entre


dualismo e dualidade. Aquele afirma o antagonismo entre
duas partes postas em confronto; assim o bem e o mal, a luz
e as trevas constituem dualismos. Ao contrario, dualidade
supóe distingáo e separabilidade, nao, porém, conflito ou anta
gonismo entre dois termos: assim corpo e alma, homem e
mulher constituem dualidades, nao, porém, dualismo... Ora
o livro em foco parece nao observar bem tal distingáo; posso
afirmar distingáo entre corpo e alma e a necessidade de que
a inteligencia e a vontade rejam os sentidos, sem cair no
maniqueísmo dualista; cf. p. 215.

3.2.2. Leí natural: sim ou nao?

A mais importante objecáo contra a lei natural afirma que


o apregoado respeito á natureza e as leis naturais implica atre-
lar a pessoa humana, que é dotada de inteligencia e criativida-
de, as leis cegas da biología. Verifica-se precisamente que hoje
em dia a inteligencia humana altera o curso natural do seu meio
ambiente, ou seja, os leitos dos ríos, as faixas do litoral, as
elevagóes montanhosas... E isto, com aplausos, as vezes, por
parte da própria consciéncia crista. Como entáo nao lhe seria
lícito dominar o curso das suas fungSes sexuais, subordinando-
-as a um planejamento racional?

— Em resposta, observamos:

— 188 —
«ENSAIO DE ÉTICA SEXUAL» 33

O termo «natureza» é, na verdade, polivalente. Em nossos


días, assume freqüentemente sentido materialista, «coisista». A
natureza é, para muitos, o conjunto do mundo material, bruto,
regido por leis cegas, no qual o homem está imerso; em
conseqüéncia, opóem á natureza o homem, que é um ser
original inteligente, livre, criativo, imprevisível. A natureza vem
a ser entáo a contraparte do espirito, da razáo, dá liberdade...
Falar de lei natural, no homem, seria ignorar a índole específica
espiritual da liberdade e, por conseguinte, da moralidade. Seria
cair numa Moral «coisista» ou materialista.

Ademáis o homem de hoje, impregnado de mentalidade


tecnicista, sente-se distante da natureza. Esta, para ele, vem
a ser o indómito, o transformável, que está em seu poder e
que nao lhe pode ditar leis; ele é que lhe imprimirá as normas
concebidas pela sua inteligencia.

Sao estas premissas que tornam difícil ao homem de hoje


a compreensáo do respeito pela natureza e pelas leis naturais.
Eis por que nos compete explicar que a Moral crista, ao
preconizar o valor das leis naturais, nao tenciona subordinar
o ser inteligente a leis cegas ou á trama de elementos infra
humanos.

Com efeito. Quando a Ética crista apresenta a natureza


humana como criterio de comportamento, tem em vista a es-
séncia do homem, esséncia que é permanente, sempre igual a
si mesma, nao só composta de espirito, mas também de ma
teria ou de corporeidade. A pessoa humana nao é um valor
que se opóe á realidade corpórea; ao contrario, ela só subsiste
na realidade corpórea do homem. Disto se segué que os valores
humanos e pessoais, para se afirmar, nao necessitam de negar
os aspectos fisiológicos do ser humano, mas, ao contrario, os
assumem, enobrecendo-os. Ora tal enobrecimento só é possível
se há respeito as leis próprias da. fisiología humana.

Por conseguinte, aqueles que tendem a opor natureza e


pessoa, natureza e liberdade, natureza e espirito, de certo modo
cedem ao dualismo, que opóe materia e espirito como se
fossem antagónicos entre si. A auténtica nocáo de pessoa
humana implica aceitacáo humilde da corporeidade e das
leis fisiológicas.

— 189 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

Ve-se, pois, que o homem nao pode considerar o seu


corpo como considera os demais corpos da natureza física. Se
o homem trata estes últimos a seu bel-prazer, removendo
montanhas, desviando rios, aterrando baías, nao lhe é lícito
tratar o seu corpo simplesmente como bem lhe parece. Na
verdade, o corpo humano nao é como os demais corpos; ele é
parte integrante de um todo, que é a pessoa humana. O corpo
faz parte da personalidade e traz a esta as suas características
próprias. Ele nao é mero instrumento de urna pessoa pura
mente espiritual. Verdade é que a parte mais nobre da pessoa
é a alma espiritual, mas a pessoa só subsiste mediante a uniáo
de corpo e alma.

Vé-se, pois, que a sexualidade, embora seja eomum ao


homem, aos animáis irracionais e aos vegetáis, assume no
homem dignidade e significado novos; a sua estrutura biológica
e fisiológica nao é destruida nem contraditada, mas, devide-
mente respeitada, é posta a servigo da plena realizacáo da
pessoa humana.

Em conclusáo, diremos: o livro do Pe. Jaime Snoek em


pauta sugere materia para ampias ponderagóes. Temos que
nos limitar, verificando mais urna vez que se trata de ensaio
proposto ao público para ser debatido, e nao da última palavra
da Ética crista a respeito de sexualidade. — Possa o público
compreender este caráter de ensaio da obra e lé-la com o olho
critico que ela requer, a fim de nao se deixar iludir como se
as proposigóes do Uvro formulassem todas a última e auténtica
palavra da Moral católica!

Ulteriores ponderacóes sobre os diversos assuntos do livro


poderáo ser encontrados em PR segundo o quadro abaixo:
Homossexualismo: 196/1976, págs. 139-150
207/1977, págs. 107-119;
236/1979, págs. 332-344.

MasturbacSo: 110/1969, págs. 71-81;


196/1976, págs. 139-150.

Retacees pré-matrímonfais: 167/73, págs. 468-474; 167/1973. pági


nas 468-484;
196/1975, págs. 139-150;
230/1979, págs. 71-81.

Divorcio: 166/1973, págs. 462-464;


214/1977, págs. 429-442; 443-449;
236/1979, págs. 320-331.

Engenharia genética: 226/1978, págs. 407-422;


122/1970, págs. 51-58.

— 190 —
Muito em foco:

A Atual Situacáo da Igreja na U.R.S.S.

£m síntese: O texto em foco atesta, de um lado, o descrédito em


que vai sempre mais caindo a ideologia marxista na U.R.S.S. e, de
outro lado, o interesse pela Igreja, como sendo a sociedade que em sua
doutrina se conservou isenta de qualquer contaminacáo ideológica. É a
Igreja que representa a germina alma russa, da qual nunca se conseguiu
extirpar o senso religioso. Falsos profetas procuram responder á demanda
do transcental que move o povo russo; todavia é evidente que prof.óem
aberragSes quando querem apregoar a proximidade do fitn do mundo.
— Tal situadlo constituí um verdadeiro desafio para os cristáos na
U.R.S.S.: teráo a coragem necessária para corresponder ¿ expectativa
dos seus concidadáos? — O autor, que escreve clandestinamente alravés
do samizdal, termina fazendo votos para que a tenham realmente.

Comentario: É oportuno que periódicamente os cristáos


ocidentais tomem consciéncia da situacáo religiosa da U.R.S.S.
Com efeito, sabe-se que o regime ateu ai implantado em 1917
ainda nao conseguiu erradicar o senso religioso do povo russo,
apesar da intensa propaganda desenvolvida. Nota-se mesmo,
nos últimos anos, um ressurgimento da fé dentro das fronteiras
russas — o que leva muitos observadores a pensar sobre o
intrigante fenómeno.

Precisamente para alimentar esta reflexáo, publicamos ñas


páginas subseqüentes um relatório de ocorréncias na U.R.S.S.
Está datado de 20/11/1981 e deve-se a autor desconhetído,
que o publicou através do samizdat (rede clandestina de divul-
gacáo de noticias para dentro e para fora da Rússia Soviética).
Chegou á Franca em meados de dezembro 1981, sendo entáo
publicado em francés pelo S.O.P. (Service Orthodoxe de Presse
et d'Informatíon) n» 64, de Janeiro 1982, págs. 13-16. Desta
fonte o artigo, foi traduzido para o portugués a fim de ser
oferecido aos leitores de PR. O autor anónimo analisa as
razóes do interesse que atualmente a Igreja suscita na U.R.S.S.
e chama a atencáo para a responsabilidade que em conseqüén-
cia pesa sobre os fiéis cristáos.

* Neste artigo e no seguinte, tém-se em vista sempre os cristáos


ortodoxos, que estüo separados de Roma por efeito do cisma bizantino
de 1054.

— 191 —
35 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

Julgamos que o assunto é de valor também para os lei-


tores brasileiros, que se poderáo inspirar de tal leitura para
apreciar ainda melhor o dom da sua fé e a preméncia das
exigencias desta.

A Igreja na URSS.

«Sem dúvida, o interesse manifestado pela l.greja nunca foi tao


intenso quanto hoje. Paradoxalmente, este fato inquieta principal
mente os ateus. Quanto aos fiéis, consideram este fenómeno com
tranqüilidade, ou mesmo com indiferenca; por conseguíate, é princi
palmente a estes que se dirige este breve ensaio. Tentemos exa
minar as razoes do vasto interesse atualmente registrado em torno
do fenómeno religioso.

Urna das principáis razóes é indiscutivelmente de ordem mís


tica: o sangue dos novos mártires da Igreja russa já dá os seus
frutos; foi urna sementé que comecou a germinar e cujas espigas
se formam diante dos nossos olhos. Entre as causas de tao alentó
interesse, ha também as de índole terrestre: a mais manifestó é o
enfraquecimento cada vez mais notorio da ideología oficial do país.
Todos aqueles que vivem na U.R.S.S. estao bem conscientes distoi
a ideología do marxismo morreu e nao pode responder á demanda
¿aqueles que estao á procura de valores espirituais. Toda ideo-
logia imposta pela forca suscita protesto e recusa. Os contatos com
o Ocidente, reforea dos nos últimos vinte anos, possibilitaram um
confronto entre os dois sistemas, de tal modo que as conclusoes
desta comparacüo evidentemente nao sao favoráveis ao marxismo.

Já ninguém pensa ñas promessas de urna vida de bem-estar s


gezo feitas no 219 e no 22* Congressos do Partido; a situaeáo é
como se nunca tivessem sido formuladas. O esvaziamento da ideo-
Icgia oficial incita as pessoas a procurar na estrutura social de
país algum grupo que nao este¡a impregnado dessa ideologia. Ore
a Igreja aparece como sendo tal. Nela tudo atrai aqueles que pro-
curam. . .: a imutabilidade das tradicoes de outrora, a riqueza dos
ritos, o misterio dos icones, a profundidade insondável do Evange-
Iho, totalmente desconhecida do homem soviético.

Familiarizando-se com a historia recente e ainda oral da Igreja


russa, o homem soviético que procura, senté simpatia para com
esta Igreja, que tanto sofreu e continua a sofrer; observando a
situacáo social, verifica as pressóes e discriminacoes constantes que
as autoridades exercem sobre ela — o que também contribui para
o surto de calorosa simpatia.

— 192 —
A 1GREJA NA U.R.S.S. 3?

Atualmente nada há no país que se possa comparar com a


Igreja. Ontem, porém, ela aínda tinha um rival — o Movimento
Democrático. Com efeito, o período de 1965 a 1980 pode, a justo
título, ser chamado 'época do Movimento Democrático*. Agora,
ultrapassado esse período, pode-se proceder ao atento estudo do
mesmo. Todavía aquí contentar-nos-emos com o exame dos aspec
tos que direlamente se referem ao nosso assunto>

As melhores foreas da sociedade russa, no decorrer desses


quinze anos, participaran!, de um modo ou de outro, no Movi
mento Democrático. Um dos principáis méritos deste é que provocou
o despertar e a formacao de urna tomada de consciéncia nacional,
a qual substituíu aos poucos a ideología oficial. E um dos princi
pios fundamentáis des:a filosofía nova é o postulado seguinte: o
homem nao é materia da construcao social; a personalidade hu
mana é um bem precioso em si; ela nao deve ser sacrificada em prol
dos interesses das geracoes futuras ou mesmo das atuais. £, por
conseguinte, ¡nestimável mérito do Movímento Democrático ter feito
aparecer e ter determinado os interesses do individuo-. E, embora
o Movimento tenha sido aniquilado, a tomada de consciéncia nova
arraigou-se firmemente nos espíritos de toda a intelllgentzia ativa.
Será doravante impossível deter essa tomada de consciéncia a nao
ser mediante o aniquilamento físico das pessoas.

No decorrer da década -de setenta, o Movimento Democrático


exerceu também influencia sobre os ambientes religiosos; mas mui-
los cristños foram decepcionados pelas falhas do Movimento: a
heroica filosofía do individualismo levado ao extremo..., a atitude
negativa da maioria dos membros do Movimento em relacao ao
trabalho e á adaptacao social, a libertinagem das relacoes sexuais,
a vaídade e a tendencia a excessiva loquacidade.

Mas, do seu lado, a lgre¡a também influenciou o Movímento:


muitos membros deste, familiarizando-se com o Cristianismo, con-
verteram-se. Desde o inicio da década de setenta, o Movimento
contava ñas suas fileiras muitos dissidentes religiosos: Krasnov-
-Levitíne, o Pe. Sergio Jeloudkov, o Pe. Gleb Jakounine, o Pe. Ni-
colau Echilman, Lev Regelson, Víctor Kapitantchouk, o Pe. Dimitri
Doudko, Eugenio Baraba nov. £ interessante notar que o próprio
termo 'dissidente' é tirado da historia da Igreja e significa 'aquele
que nao pertence á confissao reconhecida como Religíao do Estado
de determinado país' (Dicionário da língua literaria russa contem
poránea ).

— 193 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

O aparecimenlo de dissidentes nos ambientes religiosos merece


alencao especial. A consciéncia religiosa, á diferenca da consciéncia
social, nunca foi sufocada mesmo durante os mais penosos anos do
slolinismo: disto dá testemunho o considerável volume de escritos
do samizdat religioso dos anos anteriores á guerra assim como os
numerosos textos apócrifos que circulam ainda hoje em grande parte
da populacao.

Desde a época do patriarca Ticon, a Igreja nunca deu a


zonhecer oficialmente, «x cathedra, a sua opiniáo a respeito dos
grandes problemas contemporáneos. Esta opiniao se manifestou
pela primeira vez em 1965, sob a forma de urna carta de cfois
sacerdotes, os padres Gleb Yakounine e Nicolau Echliman. Essa
carta fez que assumissem, de maneira totalmente insólita, o papel
de intercessores e defensores da Igreja ru:sa. A repressao que se
soguiu, obrigou-os a guardar o silencio durante os cinco anos sub-
seqüentes. Mas foi entáo que ressoaram as vozes de Krasnov-Levi-
tinc e do padre Sergio Jeloudkov; por meio destes, a Igreja fez-se
ouvir nao só no samizdaf, mas também no cenário •ntornacional. No
inicio da década de setenta, [untaram-se-lhes os padres Gleb Ja-
kounine e Dimitri Douclko. Manifestavam-se arsim certas mudancas
na tomada de consciéncia religiosa.

Nao obstante, nao é possível pensar na realizacáo de um


Concilio, embora esta seja a fórmula mais segura e comprovccJci
de avivar a Igreja. Um Concilio nao seria possível por causa da
oposicao das autoridades governamentais e da atitude amedron-
lada do episcopado... Os anos de regime soviético deram origem
a novo tipo de bispos — político: e administradores —, ao passo
que o bispo nao deve tanto ser um administrador: a sua tarefa
essencial é ensinar. Em sua carta a Tito, o Apostólo Paulo, falando
das funcóes do b¡;po, escreve que este deve ser fortemente adé
rente as verdades da fé, tais como Ihe foram ensilladas, a fin de
que se¡a capaz de exortar segundo a sa doutrina e de convencer
aqueles que se opóem a esta (cf. Tt 1,9).

Ora o falo de que nenhum Concilio se tenha reunido desde


1917 teve por resultado o fracionamento da consciéncia religiosa.
Na vida social da lgre¡a, isto se traduz pela fragmentaedo em paró-
quias; em conseqüéncia, dá-se urna deformacóo do clássico prin
cipio: onde está o bispo, ai está a Igreja. Paradoxalmente este
principio hoje reza: onde há um sacerdote, ai está a lgre¡a. Ora
o sacerdote que com o seu bispo só tem contatos místicos ou admi
nistrativos, orienta-ce muitas vezes, em desespero de causa, ou para
as questóes sociais ou para o poder.

— 194 —
A IGREJA NA U.R.S.S. 39

Mais do que nunca faz-se sentir ho¡e a influencia dos falsos


profetas ou, simplesmente, de loucos. Diante dos nossos olhos
oinda se desenrola o carreira do falso profeta Félix Kareline, que
calculou repetidamente a data do fim do mundo e arrastou, de
cada vez, para a montanha nao somente leíaos, mas também ecle
siásticos, e que demonstra atualmente a identidade de objetivos do
Cristianismo e do comunismo. A atual orientacao da sociedade
repercute sobre a orientacao das comunidades eclesiais. Se a comu-
nidade é ativa, ela se parece com urna seita. Como em toda seita,
oí dominam a intolerancia em relacño aos heterodoxos e o feeha-
mento sobre si mesma.

As personalidades mais marcantes da década de 70 foram os


Padres Dimitri Doudko e Gleb Yakounine: tinham-se tornado os
auténticos defensores dos fiéis, a esperanca destes, um símbolo ds
coragem. Parecía que, após meio-século de sufocada pela recusa
da justica, a l.greja havia encontrado de novo o direito de se
defender abertamente. A críacáo, por parte de Gleb Yakounine, do
Comité de Defesa dos Direitos dos Crentes enquadrou a atividade
desse sacerdote dentro do Movimento Democrático. O Comité ten-
tou combinar os principios religio:os e os que haviam sido definidos
pela Conferencia internacional de Helsinki, embora alguns cristaos
se sentis:em perplexos diante da contradicao entre a defesa dos
direitos humanos e a oitava bem-aventuranca: 'Bem-aventurados
seréis quando os homens vos amaldicoarem e perseguirem e disse-
rem colunias contra vos por mirtha causa...1

As confissoes públicas do Pe. Dimitri Doudko, de Lev Regelson


e de Victor Kapitantchouk ' ofastaram da Igreja muitos daqueles
que estavam á procuro da verdade, o que fez aparecer os motivos
teai; do inferesse que eles tinbam pela religiao: esta os tinha atraído,
antes do mais, como antípoda do regime, como estrutura desem
barazada da ideología oficial; nao eram motivados por profunda
necessidade de fé. E de novo, como na década de cinqüenta, a
Igreja pareceu ser o setor do conformismo e da pusilanimidade.

Entrementes faziam-se ouvir outras vozes, que caracterizavam


nítidamente a díferenea entre a Igreja e os renegados: 'O fato de
que os neófitos modernos abjuraram a fé sem mesmo ter entre-

«Os tres cristios citados foram submetidos pelo Governo soviético


a processo coercitivo, do qual resultou a retratacáo pública de suas
atividades anteriores, como se tivossem sido nocivos á patria russa.
Cf. PR 256/1981. págs. 210-220 (o caso de Dimitri Doudko).

— 195 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

visto os instrumentos de tortura, mostrou ao mundo inteiro que eles


nao tinham concebido a verdadeira fé' (G. Pomerantz, O preso
da renegacfio). A conduta dos dissidentes religiosos evidencia que
urna afitude aberta de tal oposicáo é impossível num regime tota
litario.

Nao obstante, apesar da renegacao de tres dissidentes reli


giosos, a Igreja permanece no centro de intenso ¡nteresse da parle
de numerosos grupos sociais. De novo, como nos anos de a.pós-
-guerra, as pessoas esperam reencontrar na Igreja a razáo de ser
da existencia. O número de fiéis vai aumentando — fato este reco-
nhecido mesmo pela imprensa oficial. Podemos hoje falar do des
pertar do interesse pelo Cristianismo nao só entre os jovens, mas
também entre os membros das geracoes precedentes.

Consciente disto, a Igreja, na pessoa dos seus bispos, sacer


dotes e dos leigos chamados a exercer o seu 'sacerdocio regio',
deve perguntar a si mesma se ela está em condicoes de res
ponder á demanda dos contemporáneos ou se, como no período
de após-guerra, os cristaos faráo falencia, incapazes de se tornar
a fonte de 'agua viva que jorra para a vida eterna'. Será que a
Igreja tem consciéncia de toda a responsabilidade que sobre ela
pesa hoje em día? Contentar-nos-emos com celebrar passivamente
os Oficios religiosos, esquecendo que a obrigacao de formar cris
taos conscientes é também urna das funcoes essenciais da Igreja?
Na historia da Igreja nao faltaram casos em que leigos, mesmo
abandonados por seus bispos, conseguiram perseverar na fé.

Sabemos que a moda nunca é duradoura. O vivo ¡nteresse


pela Igreja de nossos dias diminuirá sem demora. Saberemos res
ponder dignamente á procura daqueles que tém sede de verdade,
ou contentar-nos-emos com cerimónias de Batismo coletivo, que até
agora deram resultados contrarios aos que esperávamos e dos quais
disse o Senhor: 'Ai de vos, escribas e fariseus hipócritas, porque
percorreis o mar e a térra para fazer um prosélito, e, depois que
se fez tal, vos o tornáis digno do inferno duas vezes mais do que
vos1 (Mt 23, 15)?»

BREVE REFLEXÁO

O texto em foco é assaz interessante porque atesta, de


um lado, o descrédito em que vai sempre mais caindo a ideolo
gía marxista na U.R.S.S. e, de outro lado, o interesse pela
Igreja, como sendo a sociedade que em sua doutrina se con-

— 196 —•
A IGREJA NA U.R.S.S. _J1

servou isenta de qualquer contaminagáo ideológica. É a Igreja


que representa a genuína alma russa, da qual nunca se con-
seguiu extirpar o senso religioso. Falsos profetas — fantasistas
procuram responder á demanda do transcendental que o
povo russo apresenta; todavía é evidente que propóem aberra-
góes quando querem apregoar a proximidade do fim do mundo.
Tal situagáo constitui um verdadeiro desafio para a Igreja
na U.R.S.S.: os seus filhos teráo a coragem necessária para
corresponder á expectativa dos seus concidadáos? Ou deixar-
-se-áo intimidar pela pressáo do Governo, que tudo faz para
fraccionar as forcas religiosas da nagáo, criando distancias
entre bispos e bispos, entre bispos e sacerdotes e controlando
as atitudes dos fiéis em geral? — É de esperar que os cristáos
russos tenham a forca necessária para viver a sua vocacáo de
sal da térra e luz do mundo (cf. Mt 5,13s) ou de agua viva
que jorra para a vida eterna (cf. Jo 7,37-39). É com estes
votos que o autor do artigo termina as suas ponderagóes.
Para os fiéis católicos do Brasil, tal relato é importante
porque os ajuda a tomar nova consciéncia do valor inestimável
e insubstituivel da sua fé e da vivencia religiosa. Muitas vezes
só se aprecia devidamente determinado bem depois que este é
subtraido ou sufocado. O perigo que ameaga os cristáos, é
sempre o da acomodacáo; os mais valiosos tesouros, dentro da
rotina de cada dia, parecem tornar-se pálidos e insuficientes
para quem nao procure avivar constantemente a consciéncia
do que realmente sao. É, pois, para desejar que nao só na
Rússia, mas também no Brasil, os fiéis vivam intensamente a
sua vocagáo crista, pois assim estaráo dando aos seus irmáos
incrédulos a possibilidade de captarem a única resposta cabal
para os seus anseios.
«Lembra-te de que multas vezes tu és o único Evangelho
que teu irmáo pode ler!»

(Continuagio da pág. 244)


A lula e a Eucaristía, por varios autores. Traducáo de Pe. Guido
Piccoli. Ed. Loyola. Sao Paulo 1980, 137 X 207 mm, 142 págs.
Este livro resulta de encontros de intelectual ocorridos em Assis
(Italia) onde o Centro Cittadella é promotor de intenso movlmento de
estudos e pesquisas. O livro reúne colaboradores de renome como o
Senador Lelio Basso, o Prof. ítalo Mancini, a docente universitaria e
iornalista Lidia Menapace, o militante político e professor Roger Garaudy.
o escritor Ernesto Balducci, o Dr. Enzo Bianchi, presidente da Comuni-
(Continua na pág. 207)

— 197 —
Dirigido a todos:

Apelo em Favor do P. Gleb Yakouníne

Em sintese: O padre ortodoxo Gleb Yakounine é o fundador do


Comité cristSo para a Defesa dos Direitos dos Crentes na U.R.S.S.;
encontra-se preso na regiao de Perm; sofreu a perda da sua Biblia e dos
seus livros de oracfio, que Irte foram retirados pela administracio do
campo de concerttracSo. O sacerdote, em protesto, dirigiu-se ás autori
dades soviéticas; além do que empreendeu a greve de tome. Nao obti-
vera resultado algum, quando em outubro de 1981 um monge ortodoxo
de Moscou — o Ir. Innokenty — houve por bem redigir um Apelo ao
mundo inteiro em favor do injusticado Pe. Yakounine.

Comentario: Fundador do Comité cristáo para a Defesa


dos Direitos dos Crentes na U.R.S.S., o Pe. Gleb Yakounine,
que se enoontra preso na regiáo de Perm, comegou no dia
16/09/81 urna greve de fome para conseguir a restituigáo da
sua Biblia e dos seus livros de oragáo que lhe haviam sido con
fiscados pela administragáo do campo de concentragáo na base
do artigo 52 da Constituigáo da U.R.S.S., que instaura a
separacáo da Igreja e do Estado («o campo de concentragáo
sendo um estabelecimento do Estado, a posse de livros religio
sos por parte dos condenados nao é prevista pela lei», respon
derá por escrito o delegado responsável pela aplioagáo das
penas). Alimentado á forga a partir de 26/09 e hospitalizado
aos 15/10, sabe-se, por fonte geralmente bem informada, que
ele manteve a greve de fome, o que leva a crer nao tenha
recuperado o uso da sua Biblia.

Um monge ortodoxo de Moscou — o Ir. Innokenty _—


houve por bem redigir a propósito um Apelo a todos os crislaos
do mundo, datado de outubro de 1981. Tal documento chegou
ao Ocidente por obra do Comité de Defesa dos Direitos dos
Crentes. Chama a atencáo para «a situacáo trágica na qual se
encontra o Pe. Gleb» e pede a intervengáo de todos os cristáos
e de «todos os homens de boa vontade».

O documento nao deixa de ter seu significado também


para os leitores brasileiros, a quem presta nao somente infor-
magóes, mas também a ocasiáo de reflexáo. Eis por que vai,
a seguir, transcrito em tradugáo portuguesa.

— 198 —
APELO EM FAVOR DE YAKOUNINE 43

APELO A TODOS OS CRISTÁOS DO MUNDO

«No mes de agosto de 1981 completou-se um ano desde que


teve logar em Moscou a 'farca judiciária1, tramada contra um dos
mais eminentes defensores dos direitos do homem em norsos tem-
pos, o sacerdote ortodoxo Gleb Yakounine.

Sabe-se atualmente que, após a sua chsgada num dos nume-


ro.os campos de trabalho, de regime severo, na regiao de Perm,
onde havia que cumprir pena nao merecida, o Pe. Gleb teve que
sofrer que Ihe levassem a Biblia assim como o livro de oracoes e
o Missal. Tal medida ilícita e totalmente arbitraria cuscitou a incom-
preensao e a indignacáo legítimas do Comité de Defesa dos Direi
tos do Homem de nosso país.

Sabe-se, porém, que, depois de ter sido detido, quando se


ochava aínda na pris5o de Lefortovo, o Pe. Gleb recebera a auto-
rizacáo de utilizar, nesse famoso cárcere comunista, a Biblia, o seo
livro de oracóes e o seu Missal. Nisfo nada há de ilegal, visto
que a famosa legislacáo comunWa referente á liberdade de cons-
ciéncia nao proibe oficialmente o uso da Biblia ou de um livro de
oíacoes, mesmo em lugares de detencáo.

Contudo verifica-se que a proclamacao comunista relativa á


liberdade de consciéncia nada significa e nada diz de concreto.

Urna eoisa é proclamar a liberdade religiosa e outra coisa,


muito diferetne, é aplicá-la ou oferecer as condicoes para que se
exerca na vida de cada dia. E, quando se vé como, um pouco em
toda parte, a liberdade de consciéncia e os direitos religiosos seo
violados e conculcados de modo permanente, chega-se á conclusco
seguinte: a liberdade religiosa, tal como a concebem os legisla
dores comunistas, é apenas palavras v3s; nao tem vigor nem reper-
cussao. O fato de que tenham retirado do Pe. Gleb os seus livros
religiosos atesta, de modo persuasivo, que a letra da legislacáo
comunista a respeito da liberdade de consciéncia nao corresponde
aos falos. Assim, pois, na prisco 'modelo' de Lefortovo, é licito
usar a Biblia, o livro de oracoes e o Missal, mas no campo de
¡nternacao de Perm, isto é proibído, pois a administracáo do campo
está «cima da lei; ela nao observa a lei, que ela n5o considera
soberana. Por isto pode livre e grosseiramente violar a lei sem
sofrer alauma conseqüéncia.

— 199 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

Repetidamente, o Pe. Gleb dir¡g¡u-se á administracao do campo


a fim de que Ihe restituissem os livros confiscados. Mas, como o
mostrou a experiencia, em váo o Pe. Gleb se dingiu á adminis-
tracao, que nao conhece nem lei nem Moral. A seguir, o Pe. Gleb
voltou-se para diversas instancias do Ministerio público, esperando
encontrar justica. Na verdade, o Ministerio público tem por mis-
sao controlar severamente a observancia e o cumprimento incon
dicional da lei formulada especialmente no artigo 52 da Consti-
luicáo da U.R.S.S.: «é .garantida a liberdade de coníciéncia acs
cidadaos da U.R.S.S.». Mas as respostas burocráticas do Minis
terio público, com o seu refrao categórico «Inadmissível», apenas
confirmam o velho principio: é inútil procurar a ¡ustica onde ela
ti5o existe nem ¡amáis existiu, onde se praticam a perseguicáo e a
condénacao em nome da mesma, onde reinam a violencia e a
arbitrariedade.

Como se pode verificar, o Pe. Gleb nada pede de extraordi


nario ou de inviável. Exige apenas o que Ihe é garantido pela
Constituicáo comunista, ou seja, poder dispor, nesta trágica e dolo-
rosa fase da sua vida, da Biblia, do seu livro de oracóes e do
seu Missal.

Para maior clareza, acrescentaremos que a Biblia, o livro de


oracóes e o Missal confiscados nao foram editados na clandestim-
dade nem no estrangeiro, mas entre nos, na Uniao Soviética, em
tipografías comunistas, e com a autorizacao de representantes do
Partido. Por isto o uso de tais livros nao pode em absoluto ser
considerado como atividade antigovernamental ou como propa
ganda. Em conseqüéncia, sob nenhum aspecto, a confisoacao dess&s
escritos encontró fundamento legal. Entño pergunta-se: por que
proibir de maneira categórica ao Pe. Gleb, como a muitos outros
sacerdotes e cristños internados em campos de concentracáo, que
disponham de urna Biblia? Para esta pergunta, há urna só resposta,
resposta simultáneamente precisa e sucinta: a verdade incute medo
aqueles que nao estao em boas relacóes com ela!

É evidente que, se o Pe. Gleb tivesse pedido, por exemplo,


urna 'Biblia para crentes e incrédulos', coletánea atéia cheia de
mentiras e falsas ¡nformacóes, sem dúvida alguma o seu pedido
teria sido ¡mediatamente atendido. Mas nao esquecamos que o
Pe. Gleb é sacerdote ortodoxo e ficará sendo tal, mesmo na pri-
sño. E, como sacerdote, ele consagrou toda a sua vida ao servico
da Verdade e do Amor divino, ao servico da paz e da fraterni-
dade. Por isto a Biblia é o seu livro de cabeceira. Eis por que,

— 200 —
APELO EM FAVOR DE YAKOUNINE 45

quaisquer que sejam as circunstancias, a sua vida nao tem sentido


sem a Biblia. A Biblia é, para ele, a Palavra de Deus, o livro da
Verdade e do Amor eternos, o livro que tem 'as palavras da Vida
Eterna'.

Pode-se fácilmente imaginar em que situacao trágica se acha


o Pe. Gleb como sacerdote. Além de acabrunhado pelo trabaiho
forcado de cada día, está extremamente abolido por se ver pri
vado de todo alimento espiritual. O duríssimo regime do campo
em que se acha o Pe. Gleb nao Ihe permite contato algum com a
Igreja: está afastado de toda celebracáo litúrgica. O uso da Biblia
e do seu livro de oracoes, portante, era o único meio, para ele,
de se reabastecer espiritualmente e de satisfazer ás suas aspiracoes
religiosas.

E eis que este último fio espiritual, esta ponte vivificante de


coragem Ihe sao cínica e cruelmente arrancados por aqueles que
violam a leí.

Em sinal de protesto contra este ato bárbaro e ilegal, o Pe. Gleb


iniciou urna greve de fome, que prosseguirá até que os seus livros
(he seiam restituidos. Nao há dúvida, este gesto suscitará ampia
tomada de consciénda internacional da desgrasa que experimen-
tam o Pe. Gleb e todos aqueles que sofrem ñas cámaras de tor
tura dos cáreeres comunistas, os que combatem pela ¡ustica, pelos
direitos religiosos e pela liberdade.

Da nossa parte, ¡ulgamos ser obrigacao dos cristáos tornar


mais e mais conhecida a sanha anti-religiosa que impera em nosso
país; ao mesmo tempo pedimos a todos os homens de boa von-
tade desaprovem enérgicamente a arbitrariedad» anti-religiosa e
sustentem a legítima exigencia do Pe. Gleb».

O conhecimento deste depoimento nao pode deixar de


avivar no leitor cristáo a alegría imensa de possuir a Biblia e
os seus livros sagrados e deles dispor a fim de se revigorar
espiritualmente. Vé-se que muitos e muitos irmáos na fé tudo
dariam para utilizar tais recursos sem que isto lhes seja
facultado.
«Bem-aventurados os vossos olhos porque véem e os
vossos ouvidos porque ouvem. Em verdade, vos digo: muitos
profetas e justos desejaram ver o que estáis vendo e nao o vi-
ram, e omir o que estáis ouvindo e nao o ouviram!» (Mt 13,16s).

— 201 —
Entre as formas de piedade...

É Bom Fazer Promessas?

,Em sínlese: O presente artigo analisa a prátlca das promessas


feitas a Deus ou aos santos por pessoas desejosas de obter alguma grasa.
Tal prática tem fundamento na própria Biblia (cf. Gn 28,20-22; 1Sm 1,11).
Todavia verifica-se que os autores bíblicos faziam advertencias aos fiéis
no sentido de nSo prometerem o que nSo pudessem cumprir (cf. Ecl 5,4).
No Novo Testamento Sao Paulo quis submeter-se ás obrigacdes do voto
do nazireato (cf. At 18,18: 21,24). Estas ponderac.6es mostram que a
prática das promessas como tal nao é má. E corto, porém, que as pro
messas nao movem o Senhor Deus a nos dar o que Ele nao quer dar,
pois Deus já decretou desde toda a eternidade dar o que Ele nos dá
no tempo, mas as promessas contribuem para afervorar o orante, exci
tando neste maior amor. Acontece, porém, que multas vezes os cristáos
nao tém nocáo clara do porqué das promessas ou prometem práticas
que eles nao podem cumprir. Dal surgem duas obrigagóes para quem
tem o encargo de orientar os IrmSos: 1) mostre-lhes que as promessas
nada tém de mágico ou de mecánico, nem se destinam a dobrar a
vontade de Deus, como se o Senhor se pudesse deixar atralr por pro
messas, á semelhanga de um homem; 2) procure íncutir a nogáo de
que o cristao é filho do Pal e, por isto, nao precisa de prometer ao Pai;
o amor filial com que o cristáo reze a Deus, é mais eloqüente do que
a linguagem das promessas, que podem ter um sabor "comercial" ou
multo pouco filial.

Comentario: Entre os fiéis católicos nao é raro fazerem-


-se promessas a Deus ou a algum santo,... promessas de algum
ato heroico a ser cumprido caso a pessoa receba a graga que
deseja. Era conseqüéncia, fala-se de «pagar promessas». Nao
raro os fiéis que prometem, depois de atendidos, nao tém con-
digóes físicas, psíquicas ou financeiras para pagar as suas pro
messas. Sentem-se entáo angustiados, pois receiam que algo de
mau ou um castigo lhes sobrevenha da parte de Deus por nao
cumprirem as suas «obrigagóes». O problema é tormentoso e
merece ser analisado desde as suas raizes, ou seja, a partir do
conceito mesmo de piedade que os fiéis cristáos devem alimen
tar. É o que vamos fazer ñas páginas subseqüentes, examinan
do: 1) a fundamentagáo bíblica, 2) a justificativa teológica das
promessas, 3) a casuística ocasionada, 4) urna conclusáo final.

— 202 —
É BOM FAZER PROMESSAS? 47

1. Funcfamentacao bíblica

O costume de fazer promessas ou, segundo lingua-


gem mais bíblica, votos tem origem na piedade popular ante
rior a Cristo. É documentado pela própria Biblia, que nos mos-
tra como pessoas, em situagóes difíceis necessitando de um
auxilio de Deus, prometeram fazer ou omitir algo, caso fossem
ajudadas pelo Senhor. Foi, por exemplo, o que aconteceu com
Jaco, que, ao fugir para a Mesopotámia, exclamou: «Se Deus
estiver comigo, se me proteger durante esta viagem, se me der
pao para comer e roupa para vestir e se eu regressar em paz á
casa de meu pai,... esta pedra... será para mim casa de Deus
e pagarei o dízimo de tudo quanto me concederdes» (Gn 28,
20-22). Ana, estéril, mas futura máe de Samuel, fez a seguinte
promessa: «Senhor dos exércitos, se vos dignardes olhar para
a afligáo da vossa serva e... lhe derdes um filho varáo, eu o
consagrará ao Senhor durante todos os dias de sua vida e a
navalha nao passará sobre a sua cabeca» (ISm 1,11). Alguns
salmos exprimem os votos ou as promessas dos orantes de Is
rael; assim os de número 65. 66. 116; Jn 2,3-9.
A própria Escritura, porém, dá a entender que, entre os
membros do povo de Deus, houve abusos no tocante as pro
messas: algumas teráo sido proferidas impensadamente: «É
melhor nao fazer promessas do que fazé-las e nao as cumprir»
(Ecl 5,4). Havia também quem quisesse cumprir as suas pro
messas oferecendo o que tinha de menos digno ou valioso em
vez de levar ao Templo as suas melhores posses; é o que
observa o Senhor por meio do profeta Malaquias: «Trazeis o
animal roubado, o coxo ou o doente e o ofereceis em sacrificio.
Posso eu recebé-lo de vossas máos com agrado?... Maldito o
embusteiro, que tem em seu rebanho um animal macho, mas
consagra e sacrifica ao Senhor um animal defeituoso» (MI 1,
13s). Com o tempo os mestres de Israel procuravam restringir
a prática das promessas, pois podiam tornar-se um entrave
para a verdadeira piedade. No Evangelho Jesús supóe que cer-
tos filhos se subtraiam ao dever de assistir aos pais, alegando
que tinham consagrado a Deus todo o dinheiro dispomvel:
-Vos por que violáis o mandamento de Deus por causa da vossa
tradicfio? Com afeito, Deus disse: 'Honra leu pai e tuai mae" e Aquete
que maldisser pai ou m§e. certamente oeve morrer. Vos. PWém, dizels.
'Aquele que disser ao pai ou á mae: Aquilo que de mlm poderlas rece
be? fol consagrado a Deus, esse nao está obrigado a honrar pal ou
maé1. Assim Invalidastes a Palavra de Deus por causa da vossa tradicSo
(Mt 15,3-6).

— 203 —
48 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

Todavía nao consta que o Senhor Jesús tenha condenado


o costume de fazer promessas como tal; ao contrario, os es
critos do Novo Testamento atestam a prática de S. Paulo, que
terá sido a dos cristáos da Igreja nascente e posterior:

"Paulo embarcou para a Siria... Ele havia rapado a cabeca em


Cencréla por causa de um voto que tinha feito" (At 18,18).

"Dlsseram os judeus a Paulo: 'Temos aquí quatro homens que íize-


ram um voto... Purifica-te com eles, e encarrega-te das desposas para
que possam mandar rapar a cabega. Assim todos saberlo que sao fal
sas as noticias a teu respeito, e que te comportas como observante da
Leí'" (At 21,23s).

Em síntese, a praxe das promessas nao é má, pois a S. Es


critura nao a rejeita, mas, ao contrario, torna-se objeto de
determinagóes legáis, como se depreende dos textos abaixo:

Lv 7,16: "Se alguém oferecer urna vitima em cumprimento de um


voto ou como oferta voluntaria, deverá ser consumida no dia em que
for oferecida, e o resto poderá ser comido no dia ¡mediato".

Nm 15,3: "Se oferecerdes ao Senhor alguma oferenda de combus-


ISo, holocausto ou sacrificio, em cumprimento de um voto especial ou
como oferta espontánea...11.

Nm 30,4-6: "Se urna mulher fizer um voto ao Senhor ou se Impu-


ser urna obrigacáo na casa de seu pai, durante a sua juventude, os seus
votos seráo válidos, sejam eles quais forem. Se o pai tiver conheci-
mento do voto ou da obrigacáo que ela ¡nipos a si mesma e nada
disser, toda a obrigacSo que se impós a si mesma será válida. Mas,
se o pai os desaprovar, no dia em que deles tiver conhecimento, todos
os seus votos ... ficarSo sem valor algum. O Senhor perdoar-fhe-á,
porque seu pal se opós".

Dt 12,Ss: "So Invocareis o Senhor vosso Deus no lugar que Ele


escolher entre todas as vossas tribos para af firmar o seu nome e a sua
morada. Apresentareis ali os vossos holocaustos,... os vossos votos..."

Verifica-se, porém, que a prática dos votos nem sempre é


salutar, merecendo por isto advertencias da parte dos autores
sagrados.

2. Qual a justificativa das promessas?

É certo que as promessas nao sao feitas para atrair Deus


como se atrairia um homem poderoso, capaz de ser aliciado
por dádivas e «pagamentos»; Deus nao muda de designio; desde
toda a eternidade Ele já determinou irreversivelmente dar-nos
o que Ele nos concede dia por dia. Todavía, ao determinar que

— 204 —
É BOM FAZER PROMESSAS? 49

nos daría as gragas nécessárias, Deus quis incluir no seu de


signio a colaboragáo do homem que se faz mediante a oragáo;
com outras palavras: Deus quer dar..., e dará..., levando
em conta as oragóes que Lhe fazemos. Sobre este fundo de cena
as promessas tém valor nao tanto para Deus quanto para nos,
orantes; sim, as promessas nos excitam a maior fervor; sao o
testemunho e o estímulo da nossa devogáo; supóe-se que quem
promete e cumpre a sua promessa, exercita em seu coracáo o
amor a Deus; ora isto é valioso. Por consegrante, quem vive a
lnstituigáo das promessas em tal perspectiva, pode estar fa-
zendo algo de bom, pois concebe mais amor e fervor. Diz o
Senhor no Evangelho, referindo-se á pecadora que lhe lavou
os pés com as lágrimas: «Porque demonstrou muito amor, seus
muitos pecados lhe estáo perdoados» (Le 7,47). Paralelamente
diríamos: se a pessoa que faz urna promessa exprime grande
amor, pode estar-se abrindo mais plenamente á misericordia e
á liberalidade do Senhor Deus.

3. E a casuística das promessas?

Há pessoas que, depois de receber o dom de Deus, se véem


embaragadas para cumprir as suas promessas, porque nao tém
condigóes de saúde, de tempo ou de bens materiais para exe-
cutar o que prometeram.

Que fazer?

— Antes do mais, afastem a hipótese, as vezes comuni


cada por religióes nao cristas, de que, se nao «pagarem as
suas obrigacóes», estaráo sujeitos a graves desgragas; na ver-
dade, Deus nao é vingativo nem é policial que pune contraven-
góes, mas é Pai..., de tal modo que pensar em Deus deve des
pertar no cristáo sentimentos de paz, confianga e alegría. Isto,
porém, nao quer dizer que o cristáo despreocupadamente deixe
de cumprir as suas promessas. Quem nao as pode executar,
procure um sacerdote e pega-lhe que troque a materia da pro
messa. Esta solugáo condiz com os textos bíblicos que, de um
lado, exortam a nao deixar de cumprir o prometido (cf. Ecl
5,3), e, de outro lado, prevéem a insolvencia dos fiéis e a pos-
sibilidade de comutagáo dos votos (ou promessas) por parte
dos sacerdotes:

— 205 —
50 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1932

"Se aquele que flzer um voto nfio puder pagar a avaliacSo, apre-
sentará a pessoa diante do sacerdote e este fixá-la-á; o valor será fixado
pelo sacerdote de acordó com os meios de quem fizer voto" (Lv 27,8;
Cf. Lv 27,13s.18.23).

Poderá acontecer que, em certos casos, o padre julgue


oportuno dispensar, por completo, de certa promessa o fiel
cristáo.

A propósito convém incutir que, se alguém quer fazer urna


promessa, evite propor certas práticas que sao um tanto irra-
cionais (como ocorre na peca «O pagador de promessas»);
procure, ao contrario, prometer práticas nao sonriente exeqüí-
veis e razoáveis, mas também úteis á santificagáo do próprio
sujeito ou ao bem do próximo. Nao tem sentido prometer algo
que outra pessoa deverá cumprir, como é o caso de pais que
prometem vestir o seu filho «de Sao Sebastiáo» no dia da festa
do Santo; esta prática como tal nao fomenta o amor a Deus
e ao próximo. Quanto aos ex-voto (cabecas, bracos, pernas...
de cera), que se oferecem em determinados santuarios, podem
ter seu significado, pois contribuem para testemunhar a mise
ricordia de Deus derramada sobre as pessoas agraciadas; assim
levaráo o povo de Deus a glorificar o Senhor; mas é preciso
que as pessoas agraciadas saibam por que oferecem tais obje
tos de cera, e nao o fagam por rotina ou de maneira incons
ciente. Entre as práticas que mais se podem recomendar, apon-
tam-se as tres clássicas que o Evangelho mesmo propóe: a
oragáo, a esmola e o jejum (cf. Mt 6,1-18). Com efeito, a S.
Missa é o centro e o manancial, por excelencia, da vida crista,
vida crista que se nutre outrossim mediante a oragáo; a es-
mola e a colaboragáo com o próximo recobrem a multidáo dos
pecados (cf. lPd 4,8; Tg 5,20; Pr 10,12); o jejum e a mortifi-
cagáo purificam e libertam das paixóes o ser humano, possi-
bilitando-lhe mais frutuoso encontró com Deus através dos
véus desta vida. Se a prática das promessas levar o cristáo ao
exercicio destas boas obras, poderá ser salutar. Requer-se, po-
rém, que os pastores de almas e os catequistas instruam devi-
damente os fiéis a fim de que compreendam que as promessas
nada tém que ver com as «obrigagóes» dos cultos afro-brasi-
leiros, mas háo de ser expressóes do amor filial e devoto dos
cristáos ao Senhor Deus.

— 206 —
É BOM FAZER PROMESSAS? 51

4. Conclusfio
Como se vé, a prática das promessas pode ser funda
mentada na própria Biblia. Verifica-se, porém, que já os au
tores sagrados lhe faziam certas restrigóes. Hoje em dia nota-
-se que freqüentemente alimenta urna mentalidade religiosa
«comercial» ou amedrantada e doentia, gerando fácilmente o
escrúpulo mórbido. Muitas pessoas se sobrecarregam com pro
messas e mais promessas que elas nao conseguem cumprir;
em vez de fomentar a vida crista, as promessas a prejudicam
nao raras vezes. Por isto é de sugerir que os cristáos reconsi-
derem tal costóme, que de resto parece mais fundado numa
concepcáo antropomórfica de Deus (concebido como o Grande
Banqueiro, cuja benevolencia é preciso cativar) do que na au
téntica visáo que o Cristianismo tem de Deus. Este é Pai,
Aquele que nos amou primeiro, antes mesmo que O pudésss-
mos amar (cf. Uo 4,19.9s; Rm 5,7s); por conseguinte, somos
seus filhos, certos de que o amor do Pai é irreversível ou nao
volta atrás, cientes também de que, antes que Lhe pecamos
alguma coisa, Ele já decretou dar-nos tudo o que seja condi-
zente com o nosso verdadeiro bem; diz Sao Paulo: «Aquele
que nao poupou o seu próprio Filho, mas O entregou por todos
nos, como nao nos terá dado tudo com Ele?» (Rm 8,32).

(Continuacáo da pág. 197)


dade Cenobítica Interconfessional de Bose (Italia), o Proí. Dalmazio
Mongillo, presidente da Associacao dos teólogos moralistas italianos, o
Prof. Nicola Negretti, doutor em ciencias bfblicas e o ensaista Arturo
Paoli. Esses autores abordam assuntos como a Juslica no Mundo, o
diálogo entre cristáos e marxistas, a Eucaristía e a sua repercussáo na
militancla profesional e política do crlstáo (é desta terceira temática
que se deriva o titulo da coletánea: A luta e a Eucaristia). Em síntese,
a preocupacfio dos autores é a de colocar o cristáo diante dos desalios
socio-políticos do mundo contemporáneo. Como toda obra de debates,
esta aprésenla poslcóes díscutiveis, formuladas pelos respectivos autores
para provocar a reflexSo e o aprofundamento de lemas atuais. O fato
de se tratar do texto de debates explica que nem todas as páginas do
lívro sejam clara e lógicamente concatenadas como se pcderia desejar.
Chama a atencao o artigo "Urna poética do Cristo", de Roger Garaudy,
que fala urna linguagem crista sem desuses, mas vm tanto metafórica
(págs. 70-78).
O livro é certamente denso de conteúdo, portador de interessantes
ponderacoes sobre a candente e triturada problemática sócio-polltica;
enriquecem-no valiosas citacdes de textos de filósofos e pensadores
notáveis. Será útil para favorecer e alimentar a reflexSo de um leltor
do certa formacio teológica o política.
(Continua na pág. 212)

— 207 —
Quem conhece

A Imagem da Virgem de Guadalupe?

Bu sínlese: O presente artigo refere experiencias recém-realizadas


em torno da imagem da Virgem de Guadalupe, das quais resulta tratar-se
de fenómeno inexpllcável á luz das lels da natureza. Nenhum pintor teria
efetuado tal imagem, por mais fina e esmerada que fosse a sua arte.

É de conhedmento geral, entre católicos e nao católicos,


a existencia de famoso santuario consagrado a Nossa Senhora
de Guadalupe no México. De resto, é o santuario da padroeira
da América Latina, cuja festa é celebrada a 12 de dezembro.
Ora há fatos inexplicáveis recém-descobertos no tocante a tal
santuario e á imagem que contém. Tais fatos se tornam indi
cios de real intervengáo dos céus ñas origens desse lugar de
oracáo. A fim de melhor informar os nossos leitores, e em
vista de sugestáo trazida por amigos a PR, transcreveremos,
a seguir, em traducio portuguesa o artigo de Torcuato Luca
de Tena que expóe a seqüéncia dos acontecimentos notáveis
concernentes ao santuario de Guadalupe.

INEXPLICÁVEL

As assombrosas descobertas científicas que recenlemenle se


fizeram, e aínda conlinuam a ser feitas, em torno da imagem mexi
cana da Virgem de Guadalupe deixam literalmente estupefatos a
todos que as conhecem.

BREVE RETROSPECTO

Para entender a importancia de tais eventos, é preciso fazer


breve retrospecto do que antiga e piedosa historia narra acerca
da milagrosa confeccao da imagem, nao pintada por raáo de
homem — segundo esta tradicao —, mas, sim, milagrosamente im-
pressa na túnica de um indio chamado Juan Diego em 1531. O
relato que conta este sucesso, está escrito em náhualt (a língua
dos aztecas) com caracteres latinos, e foi editado em seu idioma

— 208 —
A IMAGEM DA VIRGEM DE GUADALUPE 53

original e em espanhol em 1949, aproximadamente un século após


sua primitiva redacao, por iniciativa de um tal bacharel Luis Lasso
de la Vega. Refere esta historia que Juan Diego insistiu repetidas
vezes com o primeiro Bispo do México, o franciscano Frei Juan de
Zumárraga, para exprímir-lhe um desejo que Ihe havia manifes
tado a Mae de Oeus em diversas aparicoes: María SS. pedia a
edificacao de urna ermida no lugar denominado Cerro de Tepeyac.
Para desvendlhar-se do visionario sem o magoar, ó afável Bispo
pediu ao indio que Ihe levasse urna prova convincente de que
dizia a verdade. E que, em caso contrario, nao o molestasse mais.
Alguns días mais tarde retornou Juan Diego levando como prava
urna porcao das chamadas «rosas de Castilla», que nao podiam
florescer naquela estacao do ano (mes de dezembro) e que ele
afirmava Ihe haviam sido entregues pela própria Virgem a fim de
que as mostrasse ao Bispo. O ¡ovem trozia as flores na túnica ou
tilma milagrosamente estampada do indio Juan Diego. Este é o
relato, sumarissimamente narrado, escrito em língua náhualt no
tempo em que ainda vivia Hernán Cortés.

A explosao devota que desde os primeiros tempos da padfi-


cacáo do México se produziu fo¡ tao inusitada, e tao notáveU as
peregrinacoes espontaneas de indios que acudiam de toda a parte
para render culto á imagem, que o evento nao pode deixor de
íer mencionado por Bernal Díaz del Castillo em sua magna crónica
da conquista de Nova Espanha.

E chegamos a nossos días — ou melhor, a nosso século —,


em que se constituiu urna Comíssáo de estudos para investigar nao
poucos fenómenos inexplicáveis da famosa tilma de Juan Diego.

OS EXAMES CIENTÍFICOS

1. Em primeiro lugar, chama a atencao dos peritos téxteis a


singular conservacao do rude tecido. Hoje em dia está protegido
por cristais. Mas durante séculos esteve exposto, sem maiores cuida
dos, aos rigores do calor, da poeira e da umidade, e todavía sua
tessítura nao se desfibrou nem tampouco se Ihe desvanesceu a
admirável policromía.

A materia física sobre a qual a imagem ficou estampada, é


recido confeccionado com fibra de ayate, da espéde mexicana
«agave potule zacc», que se decompóe por putrefacáo aos vinte
anos aproximadamente, como se provou com varias reproducóes

— 209 —
54 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

feitas de propósito. Em coníraposicao, a túnica do contemporáneo


de Cortés ¡ó dura quatrocentos e anquento anos sem se rasgar
nem decompor, e, por causas incompreensfveis para os mencionados
peritos, é ¡muñe a umidade e á poeira.

Atribuiu-se esta virtude ao tipo de pintura que cobre a tela e


que poderío muíto bem atuar como poderosa materia protetora; em
conseqücncia do que, enviou-se urna amostra para que fosse ana-
Usada pelo dentista alemáo e premio Nobel de Química Richard
Kuhn, cuja resposta deixou perplexos os consultantes. Os corantes
da imagem guadalupana — respondeu o sabio alemáo — nao
pertencem ao reino vegetal, nem ao mineral nem ao animal.

Pensou-se que talvez a tela estivesse tratada por um procedi-


mento especial. As grandes pinturas da antigüidade puderam che-
gar até nos por estarem os tecidos que as recebiam (ou os para
mentos dos «frescos») previamente «preparados», cobertos por
urna cola ou estuque especiáis. De que notável consistencia sería
esta preparacao para que a pintura pudesse aderir e conservar-se
incólume sobre materia tao frágil e perecível, como ó o ayate?

Confiou-se a dois estudiosos norte-americanos (o doutor Calla-


gan, da equipe científica da NASA, e o professor Jody B. Smith,
catedrático de Filosofía da Ciencia no Pensacolla College) a tarefa
de submeterem a imagem guadalupana á análise fotográfica com
raios infra-vermelhos. As suas concluoes foram as seguintes:

Prímeira: O ayate — tela rala de fio de maguey — nao


possui preparacao alguma, o que torna inexplicável, á luz dos
conhecimentos humanos, que os corantes impregnen! fibra tao ina-
dequada e nela se conserven!.

Segunda: Nao há esbocos previos, como os descobertos pelo


mesmo processo nos quadros de Velázquez, Rubens, El Greco e Ti-
ciano. A imagem foi pintada diretamente, tal qual a vemos, sem
esbocos nem retificacoes.

Terceira: No há pinceladas. A técnica empregada é deseo-


nhecida na historia da pintura. É inusitada, incompreensível e
irrepetível.

2. Paralelamente a isso, conhecido oculista, de nome hispano-


-francés, Torija Lauvoignet, examinou com um oftalmoscópio de
alta potencia a pupila da imagem e observou, maravilhado, que

— 210 —
A IMAGEM DA VIRGEM DE GUADALUPE 55

na iris se vía refletida urna mínima figura que parecía o busto de


um homem. E este foí o antecedente ¡mediato para promover a
¡nvestigacao que passo a explicar: a «digilalizacáo» dos cihos da
Virgen» de Guadalupe.

Sabemos que na córnea do olho humano se reflete o que a


pessoa está vendo no momento. O doutor Aste Tonsmann fez foto-
grafar (sem que ele estivesse presente) os olhos de urna filha sua,
e, utilizando o procedimento denominado «processo de digitalizar
imagens», pode, sem mais, averiguar tudo quanto via sua filha no
momento de ser fotografada. Este mesmo dentista, cuja profissáo
atual é a de captar as imagens da Térra transmitidas no espago
pelos satélites artificiáis, «digitalizou» no ano passado (1980) a
imagem guadalupana e os resultados comecam agora a ser conde
cidos. Consiste o procedimento em dividir a imagem em quadrí-
culas microscópicas até o ponto de, numa superficie de um milí
metro quadrado, caberem vinte e sete mil setecentos e setenta e
oito ínfimos, mínimos quadradinhos. Urna vez feito isto, cada mini-
quadrícula pode ser ampliada, multiplicando-se por dois mil, o que
permite a observando de pormenores impossíveís de serem captados
a olho nu. Ora os pormenores que se observaram na iris da ima
gem guadalupana sao: um indio no ato de desdobrar sua tilma
perante um franciscano; o próprio franciscano, em cu¡o rosto se vé
escorrer urna lágrima, urna pessoa muito jovem, tendo a mSo sobre
a barba com ar de consternacáo; um indio com o torso desnudo em
atitude quase orante; urna mulher de cábelo crespo, provavelmente
urna negra, servical do Bispo; um varáo, urna mulher e urnas crian-
cas com a cabeca meio-raspada e mais outros Religiosos vestidos
com hábito franciscano, isto ó... o mesmo episodio relatado em
náhualt por um anónimo escritor indígena na primeira metade do
século XVI e editado em náhualt e em espanhol por Lasso de la
Vega em 1649, consoante já mencionei!

Atua(mente estudos iconográficos estáo sendo feitos a fim de


comparar estas figuras com os retratos conhecidos do Arcebispo
Zumárraga e de pessoas de seu tempo ou do lugar. O que é radi
calmente ¡mpossível, é que num espaco táo pequeño como a cór
nea de um olho, situada numa imagem de tamanho aproximado
ao natural, um miniaturista tenha podido pintar aquilo que foi
necessário ampliar em duas mil vezes para que pudesse ser per-
cebido.

— 211 —
56 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

CONCLUSAO
O advogado e professor Luís Fernández Hernández, antigo
colaborador na Espanha da Editorial Católica, solidtou-me que Ihe
prefaciasse um livro escrito para celebrar o 450° aniversario dos mis
teriosos eventos da colina de Tepeyac, que tiveram como protago
nistas o indio Juan Diego e o Bispo espanhol Freí Juan de Zumárraga.
Os dados por mim aquí apresentados, tomei-os deste livro, de próxima
aparicao.
«Inexplicávell», exclamaram os membros da Comissáo de Es-
Judos quando conheceram o veredito do sabio germánico Richard
Kuhn segundo o qual a policromía da imagem guadalupang nao
procedía de corantes minerais, vegetáis ou animáis. «Inexplicável!»,
declararam por escrito os estudiosos norte-americanos Smith e Calla-
gan ao verem por meio dos raios infra-vermelhos que a «pintura»
nao apresentava pinceladas, e estova isento de toda preparacáo o
miserável ayate da tilma de Juan Diego. E o doutor Aste Tonsmann,
ao mencionar em numerosas conferencias o achado de figuras huma
nas de tamanho infinitesimal na iris da Virgem, nao se cansa de
repetir: «Inexplicável! Radicalmente inexplicávelb
(Extraído do jornal ABC, edicBo internacional, n<? 1657, de 6/10/1981).
* • •

(ContinuacSo da pág. 207)


Compromisso da (é, pelo Pe. Humberto Nlenhuis. — Ed. Loyola,
SSo Paulo 1981, 140 X 210 mm, 115 págs.
Precisamos de compendios da doutrina da fé para a formaefio reli
giosa e teológica do povo de Deus. Ora o Pe. Humberto, após longos
anos de dedicacáo á catequese, brinda o público com um manual da
mensagem católica, que nao se dirige a criancas, mas a jovens e adultos.
O teor dessa obra é, em parte, aceitável; redigida em estilo claro e
sucinto, tem páginas Interessantes. O que se Ihe pode objetar, é que
ás vezes se aprésenla incompleta ou também um tanto superficial. As-
sim, por exemplo, ao talar de "Vida além da morte" (págs. 171-76),
n§o menciona nem o purgatorio nem o Inferno — o que é grave. A p. 93,
na quarta linha de balxo para cima, faltou a preposiefio nSo, que é
decisiva; lela-se, pois: "Esta cruz nao pode ser pretexto para se modi
ficar as leis do casamento que tém sua origem no mesmo Deus". A
p. 94 sugerimos que em próxima edigáo se diga: 'O contrato civil
entre fiéis católicos apenas estabelece direltos e deveres que podem
ser anulados pelo divorcio". Na verdade, o casamento é urna instituicSo
natural que por si mesma é ¡ndissolúvel; todavía para os fiéis católicos
essa instituicao é elevada á ordem sacramental, de modo que dois cató
licos que n3o se casem sacramentalmente, mas apenas no foro civil,
nSo estao casados diante de Deus. A p. 75 pode-se perguntar por que
a expressSo "dez virgens" foi substituida por "dez mocas". As virgens,
no Evangelho e na espiritualidade crista, tém significado próprlo. A p. 74
o argumento contra a reencarnado é fraco; outras razSes mais sólidas
poderiam ser aduzldas.
É o que observamos com respeito e estima pelo autor.
E.B.

— 212 —
No ano do Anclao:

Questoes Eticas Relativas aos Gravemente


Enfermos e aos Moribundos

Em síntese: O Pontificio Conselho "Cor Unum" publicou urna serie


de normas que visam a tornar mais humano o tratamento dos enfermos
e moribundos. Entre outras coisas, lembra que estes nio apenas preclsam
de medicamentos e cuidados profissionais, mas também da presenta
afetiva da parte dos familiares e enfermeiros. O documento repete, além
disto, as conhecidas teses da Moral católica referentes á eutanasia, ao
uso de analgésicos e a questoes afins, procurando fundamentá-las com
amplidáo e solidez.

O Pontificio Conselho Cor Unum tem em mira a promogáo


humana e crista de todos os homens. Fundado por Paulo VI
aos 15/07/1971, acha-se atualmente sob a presidencia do
Cardeal Bemardin Gantin. Últimamente Cor Unum reuniu
urna comissáo interdiscipliriar de estudiosos para se debruca-
rem sobre as mais recentes questoes langadas á consciéncia
crista no trato com os enfermos e moribundos: eutanasia,
analgésicos, morte do cerebro, acompanhamento dos agoni
zantes, responsabilidade dos familiares e do pessoal sanita
rio... Deste trabalho resultou importante documento, que vai
abaixo publicado em tradugáo portuguesa 1.

Estamos certos de que a reflexáo sobre tais problemas


será útil ao público brasileiro, que em escolas e em ambientes
governamentais debate a eutanasia e assuntos correlatos.
Ademáis estamos no Ano Internacional do Anciáo...

i Esta se baseia no texto italiano do documento publicado por


II Regno/DOcumenti, n« 450, 1<? de novembro 1981, págs. 602-608.

Se alguém Julgar o documento demasiado longo, lela apenas a sín


tese proposta ás págs. 231 s.

— 213 —
J8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

I. O TEXTO

1. Introdúcelo

1.1. O grupo de trabalho

Dentro das suas incumbencias de coordenar as aHvidades reali


zadas no mundo católico com relacao á saúde, o Pontificio Conselho
Cor Unum reuniu, de 12 a 14 de novembro de 197ó, um grupo de
trabalho que se voltou para afumas questoes éticas concernentes
aos gravemente enfermos e aos moribundos. Era um grupo interdis-
ciplinar constituido por quinze pessoas: teólogos, médicos, membros
de Congregacoes Religiosas dedicados aos doentes, enfermeiros,
capelaes.

1.2. O tema

Os recentes progressos da ciénda repercutem em escala crescente


sobre a praxe médica, em particular no .que diz respeito qo entendí-
mentó dos gravemente enfermos e dos moribundos. Este estado de
coisas levanta problemas de ordem teológica e ética, a respeito dos
quais as pessoas interessadas na área de saúde desejam ser escla
recidas de maneira abalizada. Tal exigencia é experimentada por
profissionais cristáos que trabalham em ambiente cristáo, e mais
ainda por aquetas pessoas que, embora trabalhem em ambiente nao
cristao, devem inspirar a sua atividade nos principios da fé para
dar testemunho desta.

A área da Ética médica é, para muitos, objeto de especulacao,


de informacóes imprecisas e de concepcoes erróneas: todos estes ele
mentos criam grande confusao. A tarefa de Cor Unum nao é, por
cerro, a de elaborar um vasto programa de pesquisas doutrínárias
ou científicas, pois isto toca a organismos superiores e mais compe
tentes. O encargo confiado ao grupo de trabalho eia rnois modesta
mente o de analisar as nocoes básicas, por em evidencia algumas
distincoes imprescindíveis e formular respostas práricas para as in-
terrogacóes oriundas da pastoral e do trato dos moribundos.

1.3. A Sagrada Congregacáo para a Doutrina da Fé

Aos 5 de maio de 1980, essa Congregacáo publicou urna De-


claracáo sobre Eutanasia que expunha abalizadamente os principios
doutrinarios e moráis concernentes a este grave problema, que des-
pertou o interesse da opiniáo pública; em conseqüéncia de alguns

— 214 —
ÉTICA MÉDICA E GRAVEMENTE ENFERMOS 59

casos particulares, mas famosos, do chamado 'encarnicamento tera


péutico1, as consoiéncias comecaram a conceber suas ¡nterrocjacóes.
A Decíaracfio em paula, após ter recordado o valor da vida humana,
trata da eutanasia, e oferece ao cristao alguns principios teóricos e
prátícos para enfrentar o problema do sofrimento e do uso dos
analgésicos, assim como o da uKlizacáo dos meios terapéuticos.

1.4. A publicacáo de «Cor Unum»

O estudo do grupo de irabalho de 1976 é, antes, de ordem


pastoral e responde a algumas perguntas precisas e concretas levadas
a Cor Unum por sacerdotes, médicos e enfermeiros. Depois da De
claracao sobre a Eutanasia, promulgada pela S. Congre.gacao para
a Doutrina da Fé, o Pontificio Conselho Cor Unum foi solicitado a
publicar o relatório preparado pelo seu grupo de trabalho; este fato
Ihe oferece a ocasiáo de agradecer a todos aqueles que integraram
o grupo com grande competencia e experiencia.

2. Questoes fundamentáis

2.1. A vida

2.1.1. Significado cristao da vida

A vida é dom do Criador ao homem; este dom é concedido em


vista de urna missáo. Por conseguinte, o primeiro ponto a por em
evidencia nao é o 'direito á vida'; tal direito é decorrente da dis-
posicao de Deus, que nao tenciona dar a vida ao homem como um
objeto do qual possa dispor á vontade. A vida é orientada para
um objetivo para o qual o homem tem a responsabilidade de dirigir a
sua perfeicao própria e pessoal, de acordó com o plano de Deus.

O primeiro corolario desta afirmacáo fundamental é que renun


ciar á vida, por escolha pessoal, significa renunciar a urna finalidade
da qual ninguém é senhor. Todo homem é chamado a fazer uso da
sua própria vida, de modo que nao Ihe é lícito destruí-la com as
suas mSos. Incumbe-lhe o dever de cuidar do seu corpo, das suas
funcoes, dos seus órgáos e de fazer o possível para tornar-se mais
capaz de chegar até Deus. Este dever implica renuncia a coisas que,
como tais, sao boas; chega por vezes a exigir o sacrificio da saúde
e da própria vida, que, na verdade, nao é lícito antepor a valores
superiores. De modo semelhante, os cuidados para manter a saúde
e conservar a vida devem ser proporcionados tanto aos bens supe
riores que possam estar em ¡ogo como as condicoes concretas ñas
quais o homem vive c sua existencia própria.

— 215 —
80 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 262/1982

2.1.2. Nao é lícito dispor da vida aJheia

Se nao é lícito a quem quer que seja dispor da sua vida, isto
vale, com mais razño ainda, .quando se trata da vida de outrem.
Em particular, nao se pode fazer de um doente o objeto passivo de
deásoes que a ele compete tomar ou, se ele nao está em condic5es
de tomá-las, que ele nao poderia aprovar. A pessoa humana, prin
cipal responsável por sua própria vida, deve ser o centro de qualquer
intervencao ou cuidado assistencial; os acompanhantes Ihe estáo pre
sentes para ajudá-la, nao para se substituir a ela. Isto, porém, nao
quer dizer que os médicos e os familiares nao se vejam, por vezes,
em situacáo de ter que decidir em lugar do paciente, incapacitado
de fazé-lo, a respeito de cuidados e terapias a Ihe serem aplicados.
A esses, porém, mais do que a outras pessoas, se aplica absoluta
proibicáo de cometer um atentado contra a vida do paciente, ainda
que o fizessem por compaixáo.

2.1.3. Direitos prímordiais da pessoa

O grupo de trabalho estabelece este principio como base das


suas consideracóes. Nao pretende silenciar as ¡mensas dificuldades
de dar significado á vida e a morte experimentadas por aqueles que
nao compartilham a nossa fé ou nao alimentam conviccáo alguma a
propósito da vida postuma. Quanto <aos cristaos, afirmam que a sua
posicdo nao é elemento específico da sua fé. O que está em causa,
é a defesa dos direitos prímordiais da pessoa humana; nao é licito
transigir a este propósito, .principalmente quando tais direitos sao
ameacados por motivos políticos e por leis injustas. A fim de con
vencer a quem ¡ulga que tudo acaba com a morte e, por isto, nao
respeita nem a sua vida nem a vida alheia, o argumento mais eficaz
consiste em apontar as conseqüéncias decorrentes, na sociedade, da
falla de observancia dos direitos da vida.

2.2. A morte

2.2.1. Sentido cristáo da morte

A morte do homem vem a ser a cessacao da sua existencia em


condicáo somática. A morte poe fim á fase da vocacao humana que
consiste no esforco de tender, no tempo, á perfeicáo integral; para
o cristao, o momento da morte é o da uniao definitiva ccm Cristo.
Em nossos dias, torna-se mais do que nunca oportuno recordar esta
concepcao religiosa e cristológica da morte, que há de ser acom-

— 216 —
ÉTICA MÉDICA E GRAVEMENTE ENFERMOS 61

panhada pelo sentimento muito vivo da ccntingéncia da vida corporal


e pelo nexo existente entre a morte e a nossa condicáo de pecadores.
Quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor (Rm 14,8). A
nossa atitude diante de quem está para morrer, há de se inspirar
nesta concepcáo da morte, e jamáis deverá reduzir-se a um simples
esforco da ciencia para afastar o mais possível o momento do
desenlace.

2.2.2. Direito a morte digna

A propósito os membros do grupo de trabalho proveniente do


terceiro mundo exprimiram o desejo de se enfatizar a importancia
de que o ser humano termine a sua vida, na medida do possível,
observadas as características de sua personalidade e respeitadas as
relacoes que a vinculam ao seu ambiente e, antes do mais, á sua
familia. Entre os povos tecnológicamente menos desenvolvidos, mas
também menos sofisticados, a familia cerca o paciente que está para
morrer, e este reconhece como urna necessidade e um direito essencial
o fato de estar assim acompanhado pelos seus. Em vista das condi-
póes exigidas por certos tratamentos que impóem total isolamento
ao enfermo, nao é fora de propósito recordar .que o direito de morrer
como pessoa humana e com dignidade comporta esta dimensáo social.

2.3. O sofrimento

2.3.1. Significado cristo© do sofrimento

Nem o sofrimento (suffering) nem a dor (pain), que sao dis


tintos um do outro, sao um fim em si mesmos. Em nivel científico
reina ainda grande incerteza a respeito dos elementos constitutivos
da dor. Quanto ao sofrimento, só tem valor aos olhos do cristáo por
causa do amor que nele se exprime e por causa dos efeitos de puri-
ficacao que possa ter; como observou Pió XII no seu discurso de
24 de fevereiro de 1957, um sofrimento demasiado intenso pode im
pedir o dominio que há de ser exercido pelo espirito. Por conse-
guinte, nao se há de crer que todo sofrimento e toda dor devam
ser suportados a qualquer cusió ou .que, com espíriio estoico, nada
se deva fazer para procurar atenuá-los ou acalmá-los. A este pro
pósito o grupo de trabalho julga que o melhor alvitre consiste em
remeter ao texto de Pío XII.

2.3.2. Efeitos do sofrimento e da dor

A capacidade de sofrer varia de acordó com os individuos. Toca


á equipe sanitaria, ao médico, ao pessoal de enfermagem, sem es-
quecer o capelao, averiguar os efeitos do sofrimento e da dor sobre

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62 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

a situacáo espiritual e psicológica do paciente e proceder conse


cuentemente ao se tratar de aplicar ou nao determinada terapia; é
preciso também colocar-se em condicoes de perceber, ouvindo pa
cientemente o enfermo, qual se¡a a realidade do seu sofrimento, do
qual o paciente é o primeiro juiz. Nao há dúvida, o médico poderá
julgar que ao doente falta um pouco de coragem e que o mesmo é
capaz de suportar mais do que acredita, mas a última escolha toca
ao paciente.

2.4. Os meios terapéuticos

2.4.1. Meios ordinarios e meios extraordinarios

O grupo se deteve sobre a distincao entre meios ordinarios e


meios extraordinarios, que tém sua aplicacao nos tratamentos mé
dicos. Se, na terminología científica e na praxe médica, o uso
destas expressoes tende a ser superado, elas ainda tém valor aos
olhos do teólogo para dirimir questoes moráis da maior importando,
desde que o termo «extraordinario» qualifique meios aos quais nunca
há a obrigacao de recorrer.

Tal distincao permite explorar mais a fundo algumas realidades


complexas e exerce assim um papel de mediagáo. A vida no lempo
é um valor primordial, nao, porém, absoluto; por isto torna-se ne-
cessárío definir os limites da obrigacao de manter-se em vida. A
distincao entre meios ordinarios e meios extraordinarios exprime esta
verdade e ilumina a aplicacao da mesma aos casos concretos. O uso
de termos equivalentes, em particular o da expressao 'cuidado; pro
porcionáis', exprime a questáo da maneira que parece maiy satisfatória.

2.4.2. Criterios

Sao muiros os criterios para distinguir dos ordinarios os meios


extraordinarios; serao aplicados de acordó com os casos concretos.
Alguns criterios sao objetivos, como, por exemplo, a natureza dos
meios, o seu preco de custo, algumas consideracoes de ¡ustica na
aplicacao de tais meios e ñas escolhas que esta implica. Outros cri
terios sao de ordem subjetiva, como a necessidade de evitar, em
determinado paciente, choques psicológicos, situacóes de angustia,
de mal-estar, etc. Em todo e qualquer caso, para decidir a respeito
dos meios a ser aplicados, procurar-se-á sempre estabelecer a pro-
porcao entre o meio em pauta e o objetivo a ser atingido.

texto se acha na publicacSo "A palavra do Papa" n? 2,


págs. 45s (Ed. Lumen ChristI, Rio de Janeiro 1981). — Nota do tradutor.

— 218 —
ÉTICA MÉDICA E GRAVEMENTE ENFERMOS 63

2.4.3. Importancia do criterio da qualidade de vida

Entre todos os criterios, atribuir-se-á peso especial ao tipo de


vida a ser salva ou conservada pelo tratamento. A carta do Cardeal
Vi I lo t ao Congres:o da Federacao Internacional das Aisociacoes Mé
dicas Católicas é explícita neste particular:

'É preciso enfatizar que o valor sagrado da vida é o que proibe


ao médico matar e, ao mesmo tempo, Ihe impóe o dever de empenhar-se
com todos os recursos da sua arte na luta contra a morte. |sto, porém,
nao signuca esteja obrlgado a utilizar todas as técnicas de sobrevivencia
que Ihe sejam oferecidas por urna ciencia incansavelmente crialiva. Em
muitos casos, nSo seria tortura inútil impor a reanimagáo vegetativa na
última tase de urna doenca incurável?' (La Doctunentation Catholique
1975, p. 963).

Como quer que seja, o criterio da qualidade de vida nao é o


único a ser levado em consideracño, pois, como dissemos, também
algumas ponderacoes de ordem subjetiva devem influir na formacao
de um ¡uízo prudente sobre a acao a empreender ou a omitir. O
que permanece fundamental, é .que a decisao se¡a tomada na base
de argumentacao racional; esta deverá levar em conta os diversos
elementos da situacao, inclusive a sua incidencia sobre o ambiente
familiar.

Por conseguinte, o principio reza que nao há dever moral de


recorrer a meios extraordinarios e que, de modo especial, o médico
deve dobrar-se diante da vontade do doente que recusa tais meios.

3. A eutanasia

3.1. Imprecisáo do termo 'eutanasia'

Histórica e etimológicamente, a palavra 'eutanasia' significa


'urna morte suave e sem dor'. No uso corrente de nossos días, o termo
indica urna acao ou omissao que tenha em vista abreviar a vida do
paciente. Esta accepcao comum nao deixa de causar, ñas discussoes
sobre a eutanasia, considerável confusáo que é urgente dissipar. Al-
guns textos, como os que recentemente foram promulgados por certas
assembléias parlamentares, dáo-nos a ver quao dañosos efeitos pode
produzir a atual falta de precisao. Por outro lado, os progressos da
medicina contemporánea também tornaram ambigua e provavelmente
supérflua a distincáo entre eutanasia ativa e eutanasia passiva, dis-
rincao á qual sería preferivel renunciar.

— 219 —
64 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

3.2. Atos e decisoes que nao entram no setor da eutanasia

Por conseguinte, o grupo é do parecer de que, ao menos nos


ambientes católicos, predomine urna linguagem que nao recorra, em
absoluto, ao termo eutanasia

para indicar os cuidados termináis (terminal core) destinados


a tornar mais suportável a fase final da molestia (reidratacao, tra-
tamentos de enfermagem, massagens, intervencóes médicas paliativas,
presenta junto ao doente...);

— nem para indicar a decisáo de renunciar a certas intervensoes


médicas que nao parecem adequadas á situacao do enfermo (na
linguagem tradicional, 'decisáo de renunciar aos meios extraordina
rios'). Neste caso, nao se trata da decisáo de fazer morrer, mas de
manter a medida diante dos recursos técnicos, de nao agir de maneira
desarrazoada e de comportar-se segundo os ditames da prudencia;

nem para indicar urna ¡ntervencáo destinada a aliviar os


sofrimentos do enfermo, talvez com o risco de abreviar- Ihe a vida.
Este tipo de intervencáo faz parte da missao do médico, que nao é
apenas a de curar ou de prolongar a vida, mas, de modo mais geral,
a de tratar do doente e dar-lhe alivio caso sofra.

3.3. Significado estrilo do termo

Seria necessárío reservar o termo eutanasia ao ato de por fim


aos dias do enfermo. E neste sentido que a eutanasia, como repele
Pío XII, ¡amáis é lícita (discurso de 24/11/1957; La Documentation
Catholique, p. 1609).

Se bem que na prática as distincóes ácima sejam, por vezes, de


difícil aplicacáo, parecem aptas a conferir ao termo eutanasia ura
significado nao ambiguo, e assim oferecer referenciais ao médico,
que deverá tomar a sua decisáo após haver consultado a equipe
sanitaria (especialmente os enfermeiros e as enfermeiras), o capeláo
e a familia do enfermo. Ao decidir, o médico deverá levar em conla
o fato de que os principios moráis ou os valores inerentes á pessoa
sao intocáveis e, por conseguínfe, ¡amáis pode ser contaminado por
arbitariedade o ¡uízo sobre o que é preciso fazer ou nao fazer, con
tinuar, cessar ou empreender.

— 220 —
ÉTICA MÉDICA E GRAVEMENTE ENFERMOS 65

4. O uso dos analgésicos na fase final

4.1. Metas diversos para aliviar o sofrímenlo

O uso dos analgésicos centráis aprésenla o risco de efeitos


secundarios: acáo sobre as funcóes respiratorias, alteracáo da cons-
ciéncia, dependencia e rotina. Por isto é sempre preferível nao os
utilizar quando se pode com outros meios aliviar o sofrimento do
enfermo.

Os outros meios sao múltiplos (remedios como a aspirina, a


imobilizacáo de certas partes do corpo, radioterapia, também ope-
racoes cirúrgicas..., e principalmente a luta contra a solidáo e a
angustia do doente mediante urna presenta humana). Estño sendo
lancadas também algumas técnicas que fazem apelo ao dominio do
próprio corpo por parte do paciente.

4.2. Uso dos analgésicos centráis

Em muitos casos, porém, o alivio de sofrimentos graves, por


vezes intoleráveis, exige, no atual estado dos nossos conhecimentos
e das nossas técnicas, o recurso a analgésicos centráis (como a mor
fina) associados a outras drogas.

Nao há motivo para recusar a utilizacao de tais drogas, tanto


mais que os seus efeitos secundarios podem ser grandemente re-
duzidos desde que de tas se faca uso sensato (doses adequadas a
intervalos convenientes). O recurso a drogas eficazes contra a dor,
mantendo-se, na medida do possível, a consciéncia do paciente,
requer um conhedmento perfeito de tais produtos, do seu uso, dos
seus efeitos secundarios e das suas contra-indicagóes. Quando se
tomam decisoes a tal respeito, a funcao do farmacéutico na equipe
de saúde, e as vezes ao lado do enfermo, se revela importante.

4.3. Necessidade de urna presenca humana

E necessárío nos acautelemos contra a tentacao de ver em tais


drogas o remedio que por si baste para combarer o sofrimento. O
sofrimento humano traz consigo urna dimensao de angustia e de
medo diante do desconhecido representado pela doenca grave e pela
proximidade da morte. Esta angustia pode ser atenuada, mas geral-
mente nao é eliminada por completo, mediante as drogas. Somente
urna presenca humana, discreta e atenta, que permita ao doente
exprimir-se e encontrar um reconforto humano e espiritual pode con
seguir tranquilizar o paciente.

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66 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

4.4. é lidio imergir o doente no seu inconsciente?

Somos agora levados o considerar a questao: será licito, ao


aproximar-se a morte, utilizar drogas que ¡mergem o paciente num
estado de inconsciencia? Em alguns casos, o uso destas impóe-se e o
Papa XII reconheceu a legitimidade das mesmas em certas condicóes
(discurso de 24/02/1957).

Todavía é forte a tentacáo de recorrer sistemáticamente a tais


drogas, muitas vezes, sem dúvida, por compaixao, mas freqüentemente
também mais ou menos deliberadamente, para evitar a todos os que
abordam o doente (enfermeiros, familiares...) o relacionamento,
nao raro, difícil e cansativo com um ser humano próximo da morte.
Em tais casos já nao se procura o bem da pessoa enferma, mas a
protecao dos sodios no interior de urna sociedade que tem medo da
morte e foge desta por todas as vias postas á sua disposicao. Priva-se
assim o doente da possibilidade de 'viver a sua própria morte', de
chegar a urna aceitacao serena, á paz, á relacáo, muitas vezes, in
tensa que pode surgir entre um ser humano reduzido a grande
pobreza e um interlocutor privilegiado. Priva-se assim o doente da
possibilidade de viver a morte em comunhSo com Cristo, se o mori
bundo é cristao.

£ preciso, portanto, contestar a reducáo sistemática dos gra


vemente enfermos á inconsciencia e, antes, convidar médicos e en
fermeiros a receber a formacao necessáría para que possam ouvir o
moribundo; faz-se mister que médicos e enfermeiros se apoiem uns
aos outros na abordagem dos moribundos e ajudem os familiares a
acompanhar o enfermo na última fase da sua vida.

4.5. Narcose e decisáo do enfermo

No estudo da materia em foco,, o principio fundamental foi posto


por Pió XII no ¡á citado discurso: a dedsao compete ao enfermo.
'Seria evidentemente ¡líalo praticar a anestesia contra a explícita
vontade do moribundo (quando este se acha sui iuris) *. Ainda que
graves razoes militem em favor da anestesia, será preciso lembrar que
ao moribundo nao será lídto submeter-se á mesma, se nao tiver
cumprido certos deveres que sao obrigatórios, no fim de urna vida*
(ver abaixo, 6.1.1). O médico solidtado pelo doente a recorrer á
narcose, 'principalmente se é cristao, nao se prestará a tal inter-
vencao sem o ter convidado pessoalmente ou, melhor ainda, mediante
outros a cumprir previamente os seus deveres' (1. cit.). Pío XII observa
que, se o enfermo recusa, e insiste no seu pedido de narcose, ao
médico é lícito praticá-la: 'o médico poderá consentir, sem se tornar

— 222 —
ÉTICA MÉDICA E GRAVEMENTE ENFERMOS 67

culpado de colaboracao formal, na omissáo verificada. Esta, em


verdade, nao se deverá á narcose, mas á vontade imoral do pa
ciente; tome ou nao os analgésicos solicitados, o comportamento do
enfermo ficará sendo o mesmo: ele nao cumprirá o seu dever' (1. cit.).

5. A morte cerebral

5.1. A definicáo é de competencia da ciencia médica.

No discurso de 24 de novembro de 1957, Pío XII diz que 'toca


ao médico... dar urna definicáo clara e preciso da morte e do
momento da morte. E certo .que nao se pode esperar da ciencia
médica alga mais do que urna descricao de criterios que permitam
afirmar que a morte ocorreu, mas o que o Papa intenciona dizer é
que este julgamento compete á medicina e nao á Igreja. As razSes
aduzidas por Pió XII para ¡lustrar a sua afirmacáo acrescentam-se
hoje as que se ¡mpoem para o transplante de órgaos: é necessário
que os interessados possam averiguar a morte do doador antes de
retirar o órgáo a ser transplantado.

5.2. Dificuldades inerentes a tal definicao

Formular urna definicáo médica da morte é tarefa que se com


plica pelo falo de que, no atual estado dos nossos conhecimentos, a
morte nao parece consistir na paralisacao instantánea de todas as
funcoes do organismo, mas, antes, numa serie progressiva de parali-
sacoes definitivas das diversas funcoes vitáis. Em primeiro lugar, de
saparece a funcáo mais complexa, aquela que rege o conjunto do
organismo e reside no cerebro; em segunda instancia, sao afetados
pela necrose os diversos sistemas (sistema nervoso, s. cardiovascular,
s. respiratorio, s. digestivo, s. uro-genital e s. locomotor) e, por último,
os elementos celulares e subcelulares. Todavia em nossos dias ainda
é preciso sejamos prudentes, pois subsistem numerosas incertezas a
propósito de urna definicáo médica da morte.

Nao obstante, verifica-se um consenso crescente na sentenca que


considera morto o ser humano no qual se comprove falta total e
irreversivel de atividades do cerebro (morte cerebral). Diversos espe
cialistas redigiram urna lista de criterios, nao idénticos entre si, mas
convergentes, para fornecer um conjunto de indicios, ao menos alta
mente prováveis. Atualmente estáo em vigor (ou estáo em via de
elaboracáo) acordos-convenios e atos administrativos que visara a
permitir a redacáo do atestado de óbito quando estáo presentes
todos os elementos exigidos e, conseqüentemente, para proceder á
retirada de órgaos em vista de um transplante.

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68 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

5.3. A Igreja é interpelada

Da parte das familias, nota-se urna resistencia crescente para


autorizar a retirada de órgáos. Em conseqoéncia, como foi referido
a este grupo de trabalho, certos ambientes médicos muito abalizados
exprimiram o desejo de que a l,gre¡a publique urna declaracáo oficial
sobre a validaeJe da afirmacáo de que a morte é real desde que se
tenha averiguado a morte cerebral. Este grupo de trabalho ¡ulga que
tal iniciativa é de competencia de organismos superiores; nao obstante,
ele a assinafa as autoridades a cutas máos deverá chegar o presente
estudo. Mesmo que o pedido fosse levado em consideracáo, segundo
os nossos teólogos, á Igreja nao tocaría satisfazer-lhe tornando sua
urna afirmacao de ordem científica e, menos aínda, defíníndo criterios
para discernir a morte cerebral. Quondo muito, a Igreja poderá re
cordar as condicoes ñas quais é legítimo dar crédito ao ¡uízo prudente
daqueles a cuja competencia específica toca determinar o fato da
morte.

5.4. Cuidados médicos nos casos de morte aparente

No tocante aos cuidados a prestar nos casos de morte aparente,


como disse Pió XII, é dever do médico esforcar-se com todos os meios
ordinarios para restaurar as funcoes vitáis. Contudo chega um mo
mento em que a morte há de ser considerada como um fato consumado
e, por conseguinte, deve-se por fim as tentativas de reanimacáo sem
incorrer em falta de ordem profissional ou moral (Pío XII, discurso
de 24/11/1957).

6. Comunícaselo com os moribundos

6.1. O direito á verdade

6.1.1. Preparacáo para a morte

O relacionamento com os que estao perto da «norte, póe para a


Moral o problema do seu direito á verdade; também suscita para
os agentes de pastoral e para os profissionais da saúde o problema
do comportamento que a pessoa gravemente enferma tem o direito
de esperar daqueles que a cercam. Os que estáo para morrer e, mais
amplamente, todos os que sao afetados por doenca incurável, tém
o direito de ser informados sobre o seu estado. A morte representa
um momento importante demais para que a sua prospectiva se¡a
evitada. Para quem eré, a aproximacSo da morte exige preparacáo

— 224 —
ÉTICA MÉDICA E GRAVEMENTE ENFERMOS 69

especial e determinados a los praticados em plena consciéncia; para


todo homem, a aproximacao da morte traz consigo a responsabilidade
de cumprir certos deveres concernentes ao relacionamento com a
familia, á solucao de eventuais questSes profissionais, á atualizacáo
da contabilidade, as dividas, etc. Verdade é que a preparacáo para
a morte comeca muito antes da aproximacáo desta, ou seja, quando
a pessoa aínda goza de boa saúde.

6.1.2. Responsabilidades dos acompanhantes

Toca aqueles que estáo mais perto do gravemente enfermo


esclarecé-lo a respeito do seu estado. A familia, o sacerdote e o
pessoal sanitario tém papel especial a exercer em tal situacáo. Cada
caso tem as suas exigencias, em funcao da sensibilidade e das capa
cidades das pessoas, em funcao do relacionamento com o enfermo
e do seu estado de saúde; em previsáo das eventuais reacáes deste
(revolta, depressáo, resignacSo, etc.), as pessoas se prepararáo para
enfrentar o enfermo com calma e com habilidade. £ oportuno deixar
ao paciente um raio de esperanca e nao Ihe apresentar a prospectiva
da morte como ¡nelulável, contanto que nao se silencie totalmente
a possibilidade ou urna seria probabilidade de desenlace.

6.1.3. Missáo do sacerdote

A assisténcia constante do sacerdote durante todo o decurso da


doenca é de capital importancia. A missáo do padre confere a este
urna funcao privilegiada na progressiva preparacáo da morte. Sem
dúvida, permanece até o último momento o dever de crer na eficacia
ex opere operato dos sacramentos1 (reconciliacáo, viático, sacra
mento dos enfermos) e da administracao dos sacramentos sob condi-
cáo nos casos previstos 2. Todavía o aparecimento repentino do padre
nos últimos instantes de um enfermo torna muito difícil e, ás vezes,
impossível, o exerctcio do seu ministerio. Por isto, o capelSo do hos
pital procurará criar um clima de confianca através de constantes
contatos com os enfermos, principalmente em ambiente de católicos

1 Os sacramentos oferecem a graga desde que validamente admi


nistrados por aquele a quem compete, é esta eficacia que se chama
ex opere operato (por efeito do próprio rito).

2 Quando já nao se tem certeza de que o paciente ainda está em


vida, podem-se-lhe administrar a absolvicio sacramental e a Unció dos
Enfermos sob condicio: "Se estas vivo, eu te absolvo..."

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70 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

pouco praticantes ov indiferentes. Sem esconder injustamente a


verdade, cuidará de nao precipitar a revelacáo da mesma. Além disto,
nao é supérfluo insistir para que ao menos os hospitais católicos e o
pessoal sanitario católico deixem o devido espaco ao sacerdote, seja
em vista da sua participacáo ñas decisoes da equipe de saúde, seja
em vista das suas relacóes com o paciente.

6.2. Atitude da sociedade diartíe da morte

6.2.1- No Ocidente

A sociedade ocidental conhece hoje a fuga generalizada diante


da morte; os médicos, o pessoal dos hospitais a*sim como as familias
dos doentes nao estfio isentas de tomar tal atitude. No interior do
grupo de Trabadlo, a representante do Comité para a Familia levou
alguns testemunhos impressionantes a respeito da orientacao da fa
milia diante da morte no espaco de trinta anos: aceifacao da morte
de urna máe por parte de todos os membros da familia, incluidos os
mais ¡ovens. em torno de 1930; na década de sessenta, fuga diante
da morte, silencio frente aos fílhos, abandono de esposa moribunda.
Ora, enquanto há encarnicamento para afastar o momento da morte
fisiológica e a tendencia a acalmar as dores com medidas farmacéu
ticas, oeram-se a angustia e os mais graves sofrimentos moráis no
paciente, que na maioria dos casos é mais consciente da gravidade
do seu estado do que se imagina em torno dele. O enfermo experi
menta tristeza, sentimento de culpa, ansia, medo, depressSo. . .. tudo
isto acompanhado de dores físicas. A coisa DÍor para ele é o isola-
mento, a solidáo. que exerce o influxo mais qrave sobre o seu estado
psícossomático. A tendencia a isolar o paciente, antes do mais, da
sociedade, a seguir, também da familia e, por fim, dos outros internos
do hospital, priva-o de toda possibilidade de comunicagao na sua
angustia. No entonto havería varios modos de quebrar a «ua solidáo
sem agravar o sofrimento físico do paciente: a expressáo de um
rosto, o contato de urna maol Urna presenca silenciosa é muita-s vezes
tudo aue ele pede, . . . e pede com o mais intenso ardor.

A praxo dos hospitais ocidentais exige, a propósito, urna revi-


vi'So radical. O pessoal do hospital, por motivos fundamentados,
tende a proteger-se contra o contato obessivo com a morte. Por isto
evita ficar junto dos moribundos; todavía a angustia destes pede um
reconforto. Será tarefa de urna boa equipe de trabalho (médicos,
enfermeiro<¡, capeláo) zelar para que os moribundos nao se¡am
privados deste apoio.

— 226 —
ÉTICA MÉDICA E GRAVEMENTE ENFERMOS 71

ó.2.2. Em oulras sociedades

Ao contrario, ourras sociedades nos dao notável exemplo de


respeito ao direito do enfermo a ser assistido pelos seus e ao direito
das familias a acompanhar os seus doentes. A familia militas vezes
preferirá levar de novo para casa o paciente, a fim de assegurar-lhe
o conforto da sua presenta e, se tem fé, a comunhao com o enfermo
na oracáo. Sem dúvida, ás vezes será preciso saber por um limite a
certas exigencias da familia e ás suas pretensSes de tudo decidir no
tocante ao tratamento do enfermo (a menos que se trate de enancas'
subordinadas á jurisdicSo paterna), e isto no ¡nteresse do próprio
enfermo. Mas nem por isfo se favorecerá urna tendencia, muito di
fundida, a abstrair da familia, da sua presenca, e, em particular, dos
seus justos pedidos de informaedo.

7. Responsabilidade do pessoal da saúde

7.1. Necessário conhecimento da deontotogia

É evidente que os aspectos científicos da profissáo médica nao


se podem fácilmente separar dos teus aspectos éticos. Se o desen-
volvimento dos estudos fornece ao médico novos instrumentos e re
cursos terapéuticos, muitas vezes em conseqüéncia o médico é colocado
diante de problemas moráis sempre mais complexos. Já dissemos que
toca ao médico preparar a sua decisao levando em con la criterios
moráis objetivos; por isto deve conhecé-los e estar apto a aplicá-los
ás siliieicóes concretas. Os ensinamentos da Moral e e dos códigos
deontológicos devem, pois, constituir parte integrante da formacáo
do pessoal médico e sanitario. Tais enfinamentos nao podem ser
considerados pelos professores e pelos estudantes como materia nao
fundamental, pela qual se interessa quem tenha a curíosidade. Nos
países regidos pela tradicao do Comtnon Law, os futuros médicos sao
obrigados a conhecer as exigencias da deontoloqia profissional pelo
fato de que urna infracáo da mesma tem conseqüéncias penáis. Mas
a nenhum futuro médico é lícito ignorar os ínferesses essendai<i do
paciente, defendidos pela Moral e em vista dos quais foram rediaidos
os códigos deonfológicos. Quanto á maneira de ministrar tais ensina
mentos, por vezes seráo objeto de cursos particulares, como também
por vezes serao incluidos no conteúdo das aulas de teor científica.

7.2. Escolha de tratamento

Como regra geral, e apesar do que dá a crer certa imprensa,


o médico dianfe do paciente nao está sujeito á alternativa: 'fazer
morrer1 ou 'nao fazer morrer'. A sua decisao tem em mira um trata-

— 227 —
72 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

mentó e as suas indicacóes e contra-indicac5es — o .que exige a


consideracao de diversos fatores. A avaliacáo de tudo isto ocorre a
luz de determinados principios moráis, como também de urna serie
de elementos científicos: daí o interesse, para o médico, de saber
fazer entrar uns e outros na sua reflexao sobre o que é feito e o
que é omitido, sobre o momento de recorrer a meios extraordinarios
e o de renunciar a estes,... por quais motivos e por qual duragáo.
Acontece muitas vezes ho¡e que, quando se chega a questionar a
continuagao de urna terapia, se pergunta simplesmente se era opor
tuno comegá-la. Pois há motivos moráis para prolongar a vida, mas
também há motivos moráis para nao resistir á morte mediante o
'encarnicamento terapéutico'.

7.3. Terapias intensivas e escolha dos pacientes

Entre as questoes éticas despertadas pelo recurso a terapias


intensivas .que comportam instrumentos e técnicas altamente sofisti
cadas e dispendiosas, póe-se a da selecao das pessoas as quais se
há de aplicar um tratamento que nao possa ser oferecido a todas as
vítimas da mesma doenga. £ legitimo aproveitar ao máximo dos re
cursos da técnica médica em favor de um só paciente, quando tantos
outros aínda estáo privados dos cuidados mais elementares? Tem-se
o direito de colocar esta pergunta. Se alguns ¡ulgam que tais consi-
deracóes sao contrarías ao progresso, os cristaos tém o dever de
levar em conta tais ponderac5es.

7.4. Os enfermeiros e as enfeimeiras

7.4.1. Importancia da sua responsabilidade

Os enfermeiros exercem a funcao fundamental de intermediarios


entre o médico e o paciente, aínda que muitos médicos tendam a
considerar a sua funcao como meramente auxiliar. Também eles estáo
sujeitos ao risco de evitar o paciente na fase final da sua doenga.
NSo se pode esquecer, porém, a importancia capital de que muitas
vezes se. revestem as suas iniciativas, como, por exemplo, a de chamar
o médico diante de imprevisto agravamento do estado do paciente,
ou a de aplicar ou nao o calmante que o médico tenha deixado ao
alvitre dos mesmos, etc. Hoje em día, em muitas tnstituic.óes tende
a prevalecer um auténtico espirito de equipe entre médicos e enfer
meiros; a sua estrita colaboragao é essencial para aliviar e socorrer
adequadamente «o paciente.

— 228 —
ÉTICA MÉDICA E GRAVEMENTE ENFERMOS 73

7.4.2. Conseiéncta e colaboracóo

O enfermeiro, principalmente se trabalha em instituicoes ou a


servico de médicos nao cristfios, vé-se por vezes diante do dilema
suscitado pela ordem de um médico cuja execucao prejudica prove
niente ou mesmo atenta diretamente contra a vida do paciente.

Em tais casos, deverá observar a proibicáo absoluta de realizar


qualquer ato que por sua natureza equivalha a matar. Nem prescri-
cao do médico, nem pedido da familia nem súplica do paciente isen-
tam o enfermeiro da responsabilidade que Ihe toca. Outro é o caso
quando o enfermeiro efetua por obediencia atos que, como tais, nao
produzem a morte, mesmo que saiba que tendem a resultados ¡lícitos
(por exemplo, abreviar os días do enfermo, suspender um tratamento
que nao possa ser tido como extraordinario, privar da consciénda
um doente que nao tenha tido condicSes de cumprir seus deveres... J.
Ao enfermeiro nao é lícito tomar a iniciativa de tais intervencoes;
nao poderá dar senSo urna colaboracáo material ¡ustificada pela ne-
cessidade do momento; esta necessidade será avaliada levando-se
em conta a gravidade do ato, o grau de participacao do enfermeiro
no processo global e na obtencao do efeito imoral, os motivos que
levaran? o enfermeiro a obedecer... Na medida em que a sua
condicao Iho permita, o enfermeiro que se vé assim envolvido em
práíicas que a sua consciéncia condena, procurará, apesar de ludo,
testemunhar as seas convicepes.

Os sacerdotes e os médicos católicos tém a obrigacáo de ajudar


os enfermeiros a enfrentar devidamente tais difíceis sifuacoes.

7.4.3. Formacáo ética nos escolas de enfermagem

Tudo o que fo¡ dito no n* 7.1 a propósito da necessidade de


formacáo ética do pessoal médico e sanitario vale também para as
escolas de enfermagem. As escolas católicas tém o direito e o dever
de defender, no seu ensinamento, os principios éticos conformes á
doutrina da Igreja, principalmente naquelas áreas que tocam o
exercício da profissao: valor da pessoa humana, respeito á vida, moral
conjugal, etc. Incumbe-lhes o dever de informar a respeito de tal
orientacao ética os seus alunos e tém o direito de exigir destes a
odesdo a tais principios e a parricipacao nos cursos de Ética pro
fesional. Os alunos deveráo convencer-se de que se trata de ele
mento essencial, de condicao sine qua non da formagao iniegral de

— 229 —
74 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

um enfermeiro responsável. Doutro lado, o ensino nao será limitado


á apresentacSo de casuística, mas faz-se mister procurar criar urna
profunda familiarídade com as nocóes de base, que sao as de vida,
morte, vocacao do pessoal sanitario, etc.

7.4.4. Relacionamerrto com os gravemente enfermos

O processo de familiarizacáo do pessoal sanitario com as exi


gencias impostas pela morte e pelo trata mentó dos gravemente en
fermos nao se realiza apenas em nivel intelectual. O encontró com
o sofrimento, com as ansiedades dos enfermos, com a morte, pode
ser muilo angustiante. É este um dos principáis motivos que levam.
ho¡e urna parte do pessoal sanitario a evitar entrar em relaciona-
mento pessoal com os doentes incuráveis e a abandoná-los á sua
solidáo. Por conseguinte, a formacao ética e deontológica há de
ser acompanhada por urna concreta formagao ao relacionamento e,
em particular, ao relacionamento com os gravemente enfermos. Sem
isto, o ensino da Etica arrisca-se a nao ter alcance real.

8. Responsabilrdade da familia e da sodedade

8.1. Educacao para o sofrimento e a morte

A conviccao de que vida e morte estao intimamente relacionadas


entre si, atenuou-se de tal modo que, ao menos em nossa sociedade
ocidental, a morte, aos poucos, perdeu todo o seu significado.

A familia e a sociedade que a cerca, tém a sua responsabilidade


nesta situacao reconhecida como eminentemente danifica. £ urgente
urna educacao para o sofrimento e a morte. Esta é talvez a chave ou,
pelo menos, urna das vías para chegar á solugao dos numerosos
problemas que hoje se poem a propósito da morte e dos gravemente
enfermos.

8.2. Questóes imperiosas

A familia deve interrogar-se:

— para ver se o sofrimento, a morte, a quebra estao presentes


ou ausentes nas suas prospectivas educacionais, desde os primeiros
anos de vida;

— para avaliar o espato que reserva aos enfermos, aos defi


cientes, aos acidentados, aos andaos, aos moribundos.

— 230 —
ÉTICA MÉDICA E GRAVEMENTE ENFERMOS 75

Sem tal tipo de educacáo e sem partilha do sofrímento em fa


milia, tem um estilo de vida familiar que testemunhe c amoi e a fé
no valor de toda pessoa humana, como se pode esperar criar a táo
desejada comunicacao entre os gravemente enfermos e a sua familia
nos últimos instantes da sua vida?

8.3. A sociedade e a familia. Legislacao

Também a sociedade deve questionar a si mesma a respeito do


que ela oferece de válido á familia para que esta cumpra a sua
missao educativa, no seu ambiente de vida, no do trabalho, no plano
da saúde, no dos problemas que surgem no trato dos enfermos e
dos anclaos.

£ também de recear que a solidariedade da familia com os


seus membros sofredores — em qual.quer nivel — seja gravemente
cmeacaáa por certos ticos de legislacoes contemporáneas, como a
do divorcio, e da contracepcao, a do aborto e talvez amar.ha a da
eutanasia».

II. REFLETINDO. . .

Para facilitar o aprofundamento da doutrina do documento


em pauta, poremos em relevo alguns dos seus tópicos mais
importantes.

1) É reafirmado o valor da vida humana, de tal modo


que a ninguém é licito dispor da própria vida ou da vida
alheia (2.11; 2.1.2).

2) A morte significa a uniáo definitiva com Cristo (2.2.1).


Deve implicar na consumagáo da peregrinaeáo terrestre (2.1.1.).

3) Para conservar a vida, o homem tem sempre a


obrigagáo de empregar os recursos ordinarios como soro,
transfusáo de sangue, injegóes, alimentagáo... Todavía nao
há o dever de aplicar recursos raros e dispendiosos cuja pro-
babilidade de éxito seja exigua (meios desproporcionáis).
Cf. 2.4.2-4.

4) O uso de analgésico é lícito. Contudo é preciso que


os médicos e acompanhantes propiciem ao enfermo a oportu-
nidade de cumprir as suas últimas obrigacóes antes de morrer

— 231 —
76 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

(reconciliem-se com os adversarios, pecam e déem o perdáo,


fagam seu testamento material e o espiritual...). Pelo que
nao se devem mergulhar os enfermos em estado de incons
ciencia que os impega de satisfazer a tais deveres (4.4 e 5).

5) Entre os meios que aliviam o sofrimento do enfermo,


ocupa lugar importante a presenga de pessoas que lhe assistam
na solidáo, a qual multas vezes a doenga o confina. A sociedade
como tal e as pessoas em particular tendem a fugir da morte
e dos gravemente enfermos — o que requer educagáo para
acompanhar os doentes e moribundos (6.2).

6) O enfermo, principalmente o que sofre de doenga


incurável, tem o direito de ser informado do seu estado de
saúde periclitante, a fim de que possa «viver a própria morte»,
unindo-se a Cristo (se é cristáo). Cf. 6.1.1-3.

7) Para que o enfermo possa ser devidamente informado,


requer-se esteja afeito á realidade da morte vindoura, de tal
modo que esta nao o assuste quando próxima. «A preparagáo
para a morte comega muito antes da sua aproximagáo, quando
a pessoa goza de boa saúde» (6.1.1).

8) Em conseqüéncia, é necessário, desde o lar, educar


para o sofrimento e a morte (8.1-2).

9) Aos enfermeiros nao é licito cometer um ato que


atente diretamente contra a vida humana. Faz-se mister apren-
dam es normas de Ética que regem a sua profissáo (7.4.2-3).

O documento em pauta há de merecer atento estudo da


parte de todos os cristáos, visto que todos indistintamente se
defrontam com a morte alheia e a própria morte.

— 232 —
Questao vital:

"Sobre a Morte e o Morrer"


por Elizabeth Kübler-Ross

Em síntese; O presente livro, da lavra de famosa psiquiatra norte-


-americana, analisa as reafóes da pessoa humana diante da perspectiva
de doenga grave e morte próxima. Assinala cinco estáglos sucesslvamente
atravessados pelo paciente: recusa da notfcia de morte próxima, revolta,
barganha, depressao, aceitacáo. A esperanca, apesar de tudo, perpassa
esses estágios conforme a autora (o que parece um tanto contraditório).
O llvro tem valor porque refere a experiencia de urna profissional que
durante dois anos e meló se dedicou a pacientes desengañados; revela
multas facetas da psicología do enfermo que geralmente nao sao levadas
em consideragSo. Propoe normas válidas para os familiares dos pacien
tes, que nfio deverlam ocultar a estes a gravidade do seu estado e pre-
cisam de aprender a ler sinais nao verbais (olhares, gestos de míos,
espanto, lágrimas...) da linguagem dos enfermos.

É de notar que a autora se limitou aos horizontes da psicología.


n§o considerando o papel da fé e da graca de Deus no homem posto
diante da ameaca de grave enfermldade e morte próxima. Na verdade,
um paciente sustentado pela fé pode subverfer todas as categorías da
psicología e tomar atitudes totalmente diversas daquelas que a autora
assinala.

Comentario: Elizabeth Kübler-Ross é médica psiquiatra


norte-americana que adquiriu notoriedade por se dedicar a
doentes desengañados, procurando compreender as suas ati
tudes diante da ameaca de morte próxima. Durante dois anos
e meio realizou entrevistas com os mais diversos pacientes e
seus familiares, a fim de entender melhor os enfermos e tentar
ser-lhes útil. Destas investigacóes resultaram dois livros tradu-
zidos para o portugués: «Sobre a morte e o morrer» 1 e «Per-
guntas e Respostas sobre a morte e o morrer». Tais obras
tém chamado a atencáo do público brasileiro, pois a morte é
a única certeza que todo homem tem; o tema nao pode deixar
de interpelar toda pessoa que nao queira ser leviana; médicos,
enfermeiros e pacientes tém comentado e questionado tais

1 TraducSo de Thereza Liberman Kipnis. Edart Livraria Editora Ltda., em


colaboracáo com a Universidade de Sao Paulo, S. Paulo 1977, 182 x 210 mm.
172 págs.

— 233 —
78 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

livros, que oferecem copioso material (reflexóes, entrevistas,


dados de experiencia...) ao leitor. A autora nao professa
explícitamente algum Credo religioso, mas respeita a religiao
e o Cristianismo de modo particular.

Ñas páginas subseqüentes, apresentaremos ao leitor as


duas obras em pauta.

1. «Sobre a morte e o morrer»: conteúdo

Oito capítulos do livro merecem especialmente a nossa


atengáo.

1.1. Perante o medo da moite: atitudes (ce. 1 e 2)

E. Kübler-Ross comeca lembrando as reagóes negativas


que geralmente a doenga grave e a perspectiva da morte sus-
citam ñas pessoas enfermas e em seus familiares. Esta atitude
de repulsa tem-se agravado nos últimos tempos por motivos
diversos, dos quais a autora saliente dois principáis:

1) a medicina, pelo seu progresso mesmo, vai-se tor


nando cada vez mais tecnicista e impessoal; médicos e enfer-
meiros preocupam-se muito com a aparelhagem, as normas e
regras a ser aplicadas
ao paciente e menos importancia parecem
dar ao que a pessoa do paciente traz em si de intimo e secreto:

"Nossa concentracSo em equlpamentos, pressáo sanguínea, etc. n3o


seria urna tentativa desesperada para negar a morte próxima que nos é
táo apavorante e desagradável a ponto de concenlrarmos todo o nosso
conhecimento ñas máquinas, urna vez que estas nos afetam menos do
que a face sofredora de um outro ser humano, que nos recordarla urna
vez mais de nossa falta de onipoténcia, nossos próprios limites e fainas
e, finalmente, mas nüo menos Importante, de nossa próprla mortalldade?
Talvez tendamos que propor a segulnte pergunta: Estamo-nos tornando
mais humanos ou menos humanos?" (p. 17).

"Que fatores... contribuem para urna ansiedade crescente em reía-


c5o á morte? Que acontece na medicina, onde temos que nos perguntar
se ela deve permanecer urna profissao humanitaria e respeitada ou tor-
nar-se urna nova e despersonalizada ciencia, destinada a prolongar a vida
em vez de diminuir o sofrimento humano? Onde os estudantes de medi
cina tem urna possibllidade de escolha entre dezenas de conferencias
sobre RNA (ANR) e DNA (ANO) e menos experiencia no simples reiaclo-
namento médico-paciente, que costumava ser básico para todo médico...?
Que acontece em urna sociedade que coloca maior énfase em Ql (coefi
ciente de Inteligencia) e padrees de classe do que em questdes de tato,

— 234 —
«SOBRE A MORTE E O MORRER» 79

sensibilidade, percepcáo e bom senso no trato com os que sofrem? Que


ocorre numa sociedade profesional onde o jovetn estudante de medicina
é admirado por seu trabalho laboratorial e de pesquisa durante os prf-
meiros anos de Faculdade, ao mesmo tempo que prescinde das paiavras
necessárias quando um paciente Ihe faz urna pergunta simples?... Que
será de urna sociedade que dá maior énfase aos números e cifras do
que aos individuos? Onde as Faculdades somente procuram aumentar
suas classes? Onde a tónica está afastada do contato professor-aluno,
que é substituido pelo enslno por circuito fechado de televisao, grava-
cóes e filmes, os quais podem ensinar um número maior de alunos,
porém de maneira despersonalizada?" (p. 19).

Cremos que tais interrogagóes sao justificadas e merecem


a consideragáo do público que elas interpelam.

2) A atenuacáo ou a extingáo do senso religioso em


muitas pessoas... A fé em Deus suscita a esperanga na vida
eterna. A crenga na vida postuma está intimamente relacio
nada com a crenga em Deus e vice-versa. Se desaparece o ele
mento religioso, o sofrimento e a morte vém a ser elementos
meramente negativos; cortam a vida, arrancam o paciente sem
Ihe oferecer compensagáo alguma: «Já desapareceu, há muito
tempo, a crenca de que o sofrer aqui na térra será recompen
sado no céu. Ó sofrimento perdeu a sua significagáo e razáo
de ser» (p. 21).

A observagáo, realista como é, mostra mais urna vez que


nao se pode entender a vida do homem na térra se nao se
admite a sua continuagáo postuma. A vida terrestre seria au
téntico absurdo, marcado por injustigas e frustagóes, se nao
tivesse seqüéncia num Além de justiga e amor.

Posto isto, a autora descreve cinco atitudes que o pa


ciente assume sucessivamente diante da perspectiva de doenga
grave, talvez mortal: negagáo, ira, barganha, depressáo,
aceitacáo.

1.2. Negado (c. 3)

A primeira reagáo de um enfermo, ao ser informado de


que a morte o ronda de perto, é freqüentemente a da recusa
da situagáo: «Nao, nao eu. Nao pode ser verdades.. Eis como
a autora exemplifica tal reagáo:
"Urna de nossas pacientes descreveu um extenso ritual em suas
próprlas palavras para apoiar a sua negagao. Ela eslava convencida de
que as chapas de raio X tinham sido trocadas. Ela pediu confirmacfio
do seu relatório patológico. Nao poderia ter retornado muito rápidamente
e o relatório de outro paciente ter sido marcado com o seu nome, por

— 235 —
gO «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

engaño? Quando nada disto pdde ser confirmado, ela pediu para delxar
o hospital, procurando oulro médico na esperance va de conseguir me-
Ihor explicacao para os seus problemas. Esta paciente (ol de médico em
médico, alguns dos quais Ihe deram respostas confortadoras, e outros
confirmaram as suspeítas anteriores" (p. 34).

1.3. Ira (c. 4)

Quando o paciente verifica que nao houve engaño no


diagnóstico, fácilmente se deixa levar (segundo refere Kübler-
-Ross) por sentimentos de ira, revolta, inveja e ressentimento,
como expóe a própria autora:

"A pergunta lógica é: 'Por que eu?' Como um de nossos pacientes,


o doutor G, observa: 'Acho que a maioria, em meu lugar, olharia para
outra pessoa e diría: Bem, por que nao podia ter sido ele? E isto tem
passado por minha mente diversas vezes... Um velho, que confieso
desde minha meninice, vlnha pela rúa. Ele tinha 82 anos de idade e,
como nos moríais dizemos, nao servia para mais nada. Ele é reumático,
encarqullhado, o tipo exato de pessoa que vocé nao gostaria de ser.
E o pensamento atlngiu-me fortemente: por que nao podia ter sido o
velho George em vez de mlm?" (p. 43).

Essa revolta se exprime de maneiras diversissimas:

"Os médicos nao sao bons, nao sabem que exames pedir e que
dieta prescrever. Eles mantém os pacientes por lempo demasiado no
hospital ou nao respeitam seus anseios por privilegios especiáis... As
enfermelras sao, até mais freqüentemente, alvo da sua ira. O que quer
que toquem, nao está certo. Logo que saem do quarto, a campainha
toca de novo. A luz (do quadro) está acesa no exato momento em que
fazem seu relatório para a equipe de substituicáo. Quando afofam os
travesselros e endireitam a roupa de cama, sao acusadas de nao delxar
os pacientes em paz. Quando os deixam em paz, a luz do quadro se
acende, e pedem para que arrumem a cama mais confortavelmente.
A familia é recebida com pouco entusiasmo, o que torna a visita um
evento doloroso. Esta reage entáo com pesar e lágrimas, culpa ou pena.
ou evitam futuras visitas..." (págs. 43s).

1.4. Barganho (c. 5)

Depois de se revoltar contra a sua molestia, umitas vezes


o paciente pensa em «entrar em acordó com Deus» para tentar
adiar o desfecho final. Entáo o enfermo «negocia» com o
Senhor: pede-lhe a graga de voltar mais urna vez a tal ou tal
festa, a de ir a urna pega de teatro, a um Congresso Interna
cional...; julga que, rezando muito e fervorosamente ou até
prometendo alguma coisa a Deus, poderá ser atendido. Tal

— 236 —
«SOBRE A MORTE E O MORRER» §1

atitude lembra a da crianca, que também sabe barganhar


com a sua máe, quando, por exemplo, esta lhe proibe iraura
cinema porque nao foi bem comportada; dirá entáo a crianga:
«Se eu ficar boazinha a semana inteira e lavar os pratos todas
as tardes, vocé me deixará ir?» (p. 61).

Como se compreende, o cristáo nao barganha nem negocia


com o Pai do céu; Este nao precisa de ser atraído por pro-
messas, pois é a própria Bondade e o Primeiro Amor. Basta
pedir com afeto filial; e o Pai do céu atenderá; mesmo que nao
conceda o objeto preciso que o filho Lhe pede, dar-lhe-á outro
melhor ou mais condizente com o verdadeiro bem de quem ora.

1.5. Deprecsóo (c. 6)

A medida que a doenga se vai agravando, o paciente ex


perimenta cada vez mais a fraqueza física e a magreza pro-
gressiva, que lhe suscitam um sentimento de grande vazio ou
perda; a resistencia moral e o ánimo para a luta se lhe abatem.
«Urna mulher com cáncer no útero pode sentir que nao é mais
urna mulher» (p. 63). O pai de familia que se percebe incapa
citado de trabalhar como antes ou que vé os filhos distribuidos
entre os parentes, porque a máe acompanha o pai enfermo no
hospital, também pode julgar-se destrocado na vida. As econo
mías acumuladas no decorrer de anos se esvaem rápidamente
para custear as elevadas -despesas de tratamento médico.
Ocorre entáo a fase depressiva da doenca, a qual afeta geral-
mente os familiares. Tal fase, porém, tende a ser superada
pela seguinte.

1.6. Aceitajño <c. 7)

Dado que o paciente atravesse os estágios anteriores


recebendo algum apoio de seus familiares e amigos, deixa de se
sentir irado ou deprimido, e póe-se a considerar o fim próximo
com tranquila expectativa:

"Ele está cansado e... fraco... Tere necessidade de cochilar e


dormir com freqüéncia e a curtos intervalos... o que corresponde a
urna necessidade gradual... de aumentar as horas de sonó, multo seme-
Ihante áquela do recém-nascldo, porém em sentido inverso. É como se a
dor tlvesse terminado, os esforcos superados e chega um momento para
o descanso (Inal antes da longa jornada, como afirmou um paciente...
A medida que o paciente moribundo consegue urna certa paz e aceita-
cao, seu circulo de interesses diminuí. Ele deseja ser deixado só ou,

— 237 —
g2 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

pelo menos, nao ser excitado por novidades e problemas do mundo exterior.
Os visitantes nio sSo desojados e, se vém, o paciente nio está com
dlsposicao para conversar... Pode ser que o paciente faca apenas um
gesto com a m§o para convidar-nos a sentar um pouco. Pode ser que
apenas segure nossa mao e nos peca para ficarmos sentados em silencio"
(p. 79s).

É de notar, a esta altura, que a autora nao menciona a


aceitagáo e a paz decorrentes da fé crista e do amor a Deus,
que é Pai. Limita-se ao plano meramente psicológico, o que,
aos olhos do cristáo, empobrece a sua descrigáo. É claro que
um cristáo encontra na fé e na entrega a Deus o grande e
insubstituível manancial de sua paz interior, paz que nao é
capitulado, pois o cristáo sabe que a vida nao lhe é tirada,
mas, sim, transfigurada (cf. Liturgia dos morios).

1.7. Esperanza (c. 8)

Durante todos os estágios anteriores, diz a autora, per


siste a esperanca. Se perguntássemos á Dra. Kübler-Ross que
tipo de esperanga ela tem em vista, respondería: a esperanca
de cura física:

"Ao ouvlr nossos pacientes desengañados, ficamos sempre ¡mpres-


sionados pelo fato de que até mesmo os mais conformados, os mais
realistas, delxavam aberta urna possibilidade para alguma cura, para a
descoberta de nova droga... É este fio de esperanga que os mantém
por días, semanas ou meses de sofrimento" (págs. 93s).

Pergunta-se, porém: esta esperanca sempre presente atra-


vés dos estágios da doenca é compativel com a revolta, a
depressáo, a recusa da realidade?

Registramos também o silencio da autora no tocante á


esperanca ou a certeza de urna vida postuma. Nao há dúvida,
a esperanca de cura costuma persistir em quase todos os pa
cientes; é, porém, esperanca precaria, se comparada com a
esperanca-certeza da vida eterna, que todo homem pode e deve
nutrir dentro de si. A Dra. Kübler-Ross nao nega a sobrevi
vencia da alma humana (cf. p. 242 deste fascículo), mas infeliz
mente nao faz uso desta convicgáo ao analisar os estágios da
doenga grave.

— 238 —
«SOBRE A MORTE E O MORRER» 83

1.8. A familia do paciente (c. 9)

Kübler-Ross valoriza grandemente a fungáo dos parentes


e familiares de cada enfermo. Tooa-lhes procurar acompanhar
o paciente com firmeza e magnanimidade até o fim, oferecendo-
•lhe o que nenhum remedio pode proporcionar: estímulos para
a confianga e a coragem.

Dois sao os pontos que a autora propóe á consideracáo


dos familiares de um enfermo:

1) É oportuno que o paciente seja informado a respeito


do seu estado de saúde, principalmente se há serio perigo de
morte. A arte dos acompanhantes há de se esmerar por des-
cobrir a maneira de dizer-lhe a verdade:

"A pergunta nao deveria ser: 'Devenios contar?', mas sim: 'Como
compartilhar isto com meu paciente?'" (p. 29).

Sem dúvida, cada paciente tem sua maneira própria de


reagir diante da perspectiva da morte; toca aos médicos e fa
miliares analisar caso por caso, a fim de aproveitar todas as
oportunidades deixadas pelo enfermo para que se Ihe revele
a gravidade do seu estado de saúde.

Kübler-Ross nao justifica tal medida mediante razóes


filosófico-religiosas. Estas, porém, sao obvias: o ser humano
deve poder encerrar o seu curso de vida terrestre de maneira
humana, isto é, inteligente, rematando conscientemente o livro
que diariamente ele escreve através dos seus atos: possa pedir
perdáo e perdoar; possa fazer seu testamento no plano ma
terial e no espiritual.

2) É preciso que os familiares aprendam a perceber as


comunicacóes nao verbais dos seus pacientes; saibam ler os
gestos ou os mínimos sinais dos enfermos, em conseqüéncia de
urna sintonía afetiva com os mesmos:

"Se este livro nio servir a outro propósito senáo sensibilizar os


membros da familia de pacientes desengañados e o pessoal hospitalar
para as comunicacóes implícitas de pacientes moribundos, terá atingido
plenamente a sua finalidade" (p. 93).

Sao estas as grandes linhas da mensagem que a Dra.


Kübler-Ross transmite aos seus leitores num livro respeitávei.
A experiencia da autora é outrossim comunicada aos leitores
ñas numerosas entrevistas que a ilustre médica reproduz em
seu livro.

— 239 —
84 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

2. Breve aprectagáo

O livro de Kübler-Ross tem seu valor, pois procede da


vivencia concreta de urna profíssional que se dedicou denoda
damente aos seus pacientes. A realidad© viva parece espelhar-
-se ñas páginas de Kübler-Ross; muitas facetas intimas e pro
fundas da vida de um enfermo, geralmente ignoradas, vém á
baila na obra em pauta. Seriam para desejar ainda outros
livros que levassem o público a pensar concretamente no tema
«morte», cuja importancia é capital.

Apenas observamos que a autora, restringindo-se ao plano


meramente psicológico, deixou de consignar muitos outros
aspectos reais na trajetória de um enfermo. A fé em Deus e a
graga do Senhor podem alterar ou revolucionar o esquema de
estágios apresentado pela Dra. Kübler-Ross. Para o cristáo, «o
viver é Cristo e o morrer é lucro» (Fl 1,21); partir para estar
com Cristo é muito melhor do que permanecer neste corpo
mortal (cf. Fl 1,23). A consciéncia destas verdades pode sus
citar no cristáo uma atitude de expectativa ansiosa e alegre
ao perceber os sinais de morte próxima; tal foi o caso de
S. Teresinha de Lisieux, que se alegrou quando teve a sua
primeira hemoptise, pois reconheceu que estava chegando a
grande hora do encontró face-a-face com a Beleza Infinita.
S. Teresa de Ávila (t 1582), por sua vez, dizia ao Senhor na
ansia de morrer: «Senhor, é tempo de nos vermos!»

O cristáo aprenderá no livro em foco a conhecer as


reagóes de crentes e nao crentes diante da morte; encontrará
ai a confirmacáo do imenso valor da oracáo pra favorecer a
paz e a alegría interiores (cf. págs. 118s. 99). Todavía nao
poderá cingir-se a uma visio meramente psicológica do fato
«doenca-morte»; deverá rever a caminhada proposta por
Kübler-Ross numa perspectiva de fé e na consciéncia de que
há outra vida, da qual a presente é a ante-cámara.

— 240 —
A experiencia do profissional:

"Perguntas e Respostas
Sobre a Morte e o Morrer"
por E. Kübler-Ross'

Elizabeth Kübler-Ross é urna psiquiatra (cf. p. 153) que


muito se tem ocupado com o problema da morte e do além-
-túmulo. Neste livro publica as respostas dadas a pessoas que
a consultaran! sobre a maneira de tratar enfermos próximos
a morte bem como os respectivos familiares. Interessa-se
também pelo apoio a ser dado a familias enlutadas, a pessoas
idosas, as equipes de enfermagem, etc.

O livro repete algumas vezes as mesmas teses. Em geral,


segué orientagáo sadia, embora a autora nao fale diretamente
em nome da fé e da religiáo, mas tencione ficar táo somente
no setor da psicología.

1. Em sintese, E. Kübler-Ross julga qua é importante


preparar os pacientes para o desenlace final, evitando que
morram sem se ter devidamente disposto para tanto. A autora
afirma isto consciente de que está falando a urna «sociedade
essencialmente renegadora da morte» (p. 28), isto é, avessa
a pensar na morte. Digna de nota, entre outras, é a seguinte
observacáo:
"Creio que tal preparado (para a morte) deveria comee,ar bem
mais cedo2 e que devertamos ensinar nossas criangas e jovens a enca-
rarem a realidade da morte. Vive-se numa qualidade diferente de vida
quanto se defronta com as próprias HmitacSes" (p. 15).

A autora refuta mesmo urna seria objecáo levantada


contra a sua tese:

Como se vé, E. Kübler-Ross fala de «alentó» a ser minis


trado aos pacientes gravemente enfermos. Nao explana o tipo

1 E KÜBLER-ROSS, Pergunlas e respostas sobre a morte e o morrer.


TraducSo de W. Dias da Silva e Teresa Liberman Kipnis. — Livraria Martins
Fontes Ed. Ltda., SSo Paulo 1979. 140 x 210 mm, 176 págs.
2 Isto é, antes da internado em hospital. (Nota do traduior).

— 241 —
86 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

de alentó que tem em vista, mas, pelo que se depreende de


outras passagens do livro, a autora eré na imortalidade da
alma e no enorme valor da fé para ajudar a enfrentar a morte
com serenidade. É interessante o testemunho de sua «conver-
sáo» á tese da imortalidade:

"Antes de comecar a lidar com pacientes moribundos, nao acraditava


numa vida depois da morte. Agora acredito sem sombra de dúvida"
(p. 173).

_ O valor da fé para enfrentar a realidade da morte é en-


fatizado nos seguintes termos:

"As pessoas verdaderamente religiosas, com profundo e sólido rela-


cionamento com Deus, acharam muito mais fácil encarar a morte sere
namente. Nao as vemos com freqüéncia, pois nao sao problemáticas;
nao necessitam, portanto, de nossa ajuda" (p. 167).

Nao raro em seu livro a autora se distancia da atitude


de médicos e enfermeiros que, por principio, fogem a dizer ao
paciente a verdade1 sobre o seu estado de saúde, mormente
quando este é grave. Recusa o que se chamaría «fingimiento»
no trato dos enfermos (cf. p. 17).

2. A respeito da eutanasia, diz E. Kübler-Ross:

"Sou absolutamente contra qualquer tipo de morte de misericordia,


mas sou favorável a que se permita que o paciente morra sua própria
morte sem prolongar artificialmente o processo de morrer" (p. 83).

A autora, logo a seguir, explica melhor o seu pensamento:

"Nao acho que devamos manter pessoas artificialmente vivas quando


nao sSo mais seres humanos ativos. Isto talvez signifique querer bancar
Deus, mas pensó que é dever de todo médico manter alguém vivo em
condicóes funcionáis... Oponho-me a manter vivas pessoas que con-
tinuam vivendo puramente como sistemas orgánicos gracas a algum equi-
pamento que a elas está ligado" (p. 3).

Tal posigáo coincide com a da Igreja:

1) A ninguém é lícito matar alguém aplicando-lhe meios


ocisivos, aínda que seja por compaixáo.

2) Quanto á aplicacáo dos meios que conservam a vida,


distinga-se:

— 242 —
«PERGUNTAS E RESPOSTAS...» 87

a) a ninguém é licito subtrair ao paciente os meios


ordinarios de conservagáo da vida, como soro, sedativos,
massagens...;

b) quanto aos meios que exigem ingentes sacrificios


de pessoas, tempo, dinheiro sem oferecer resultados propor
cionáis a tais sacrificios ou sem a probabilidade de éxito cor
respondente aos esforgos envidados, nao há obrigagáo moral de
aplicá-los aos pacientes.
Em conclusao: o livro oferece linhas de deontologia de
enfermagem válidas aos olhos da consciéncia crista. Apenas
observamos que sao inspiradas pela filosofía racional mais do
que pela fé. Esta é aceita, mas nao suficientemente utilizada
para ilustrar situagóes e conduta do (a) enfermeiro(a). Quem
procura na fé a motivagáo para enfrentar a morte com sere-
nidade e lucidez, tem o mais valioso e sólido dos embasamentos
necessários. É bem possível que E. Kübler-Ross assim proceda
porque faz as vezes de psicóloga que responde a consulentes
ateus ou indiferentes do ponto de vista religioso. Deve-se
realzar, porém, que a autora pessoalmente manifesta sua fé, que
ela muito valoriza no exercício da profissáo.
Estóvalo Bottencourt O.S.B.

* *

livros em estante
Leitura do Erangelho segundo Mateus, por varios autores. TradugSo
de Benoni Lemos. Colecto "Cadernos Bíblicos" n? 12. — Ed. Paulinas,
Sao Paulo 1982, 155 x 230 mm, 100 págs.
A colecto "Cadernos Bíblicos" tem a finalidade de transmitir para o
grande público as teses da exegose científica. É o que ocorre precisa
mente com o volume ácima citado, que pretende oferecer urna introducto
e comentarlos ao Evangelho segundo Mateus. Pode-se dizer que a fina
lidade foi atingida pelos varios autores que colaboraram na obra. Apenas
desejamos deter-nos em duas passagens do livro:
A p. 89 lé-se breve comentario da parábola dos vinhatoiros homicidas
(Mt 21,33-48). O autor, seguindo o método da historia das formas, ana-
lisa o texto da parábola e julga que Jesús a encerrou no v. 41, dizendo
que a vinha seria transferida para outros vinhateiros. As comunidades
cristts, relendo esta parábola, teráo compreendido que ela se referia á
morte de Jesús e á infidelidade de Israel; em conseqüéncia, os cristáos,
numa auténtica interpretacao do pensamento de Cristo, ieráo atribuido a
Jesús as palavras: "Nunca lestes ñas Escrituras:... SI 117, 22s?" (v. 42).
Mateus, por sua voz, também Interpretando genuinamente o pensamento
do Senhor, terá acrescentado: "Por isto... o reino de Dgus vos será
tirado e confiado a um povo que produzirá seus frutos" (v. 43). — Esta
exegese do texto poderá desconcertar o leitor. Ela nada tem de dogmá-

— 243 —
88 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 262/1982

tico; é conjectural; o leitor pode julgá-la ousada, hipotética, inoportuna


e rejeitá-la; o autor da conjectura foi movido pelo toor pascal ou pelo
tipo teológicamente evoluldo da linguagem usada nos versículos 42 e 43;
terá Jesús pregado em linguagem táo teológicamente elaborada? Isto nSo
é fmpossfvel; mas deixa margem a que exegetas duvidsm... NSo tencio-
namos optar por alguma resposta no caso, nem o eremos importante...
O que realmente importa, é notar que os Apostólos o os primeiros pre-
gadores do Evangelho quiseram transmitir-nos fatos históricos que ser-
vissem á catequese; por isto puseram "• m relevo o sentido catequético e
teológico dos episodios que eles narravam. Quando os evangelistas con-
signaram tais explicitagóes, procederam sob o carisma da inspiracio
divina, dando-nos a conhecer assim o auténtico pensamento de Cristo.
Por conseguinte, o autor do comentario oferecido pelo livro em foco
nao está cedendo ao racionalismo, mas está propondo urna teoría cuja
consistencia pode ser discutida, mas que nao fere os principios da fó
nem a credibilidade dos Evangelhos. Estes sao sempro a Boa-Nova e a
mensagem genulna de Jesús Cristo.
O procedimento exegético em pauta nao é raro nos livros moder
nos; o leitor saberá entender de que se trata, evitando generalizar a
tática ou tomar como teses definitivas as proposicoes que sao meras
conjecturas.

A p. 46 o texto admitie que talvez um día "os progressos dos estu-


dos permitam á Igreja ver mais claro" no tocante ao divorcio. — Per-
guntamo-nos: que significa essa frase lacónica? Em qualquer hipótese,
deve-se observar que a indissolubilldade do matrimonio ratum et consum-
matum (contraído e carnalmente consumado) é de fé; a afirmacao de
que "a indissolubilldade no sentido estrito sempre fol inantlda pela Igreja
latina, mas houve autorizacao de novo casamento entre os séculos IV
e XII" é genérica demais; deveria citar exemplos ou casos concretos
que pudessem ser devidamente analisados.

Leitura do Evangelho segundo Lucas, por A. George. Traducío


de Benóni Lemos. ColecSo "Cedernos Bíblicos" tfi 13. — Ed. Paulinas,
Sao Paulo 1982, 155 X 230 mm, 91 págs.
Este fascículo da Colecao "Cadornos Bíblicos" segué o estilo do
anteriormente mencionado (n? 12) nesta seceáo. é concebido para um
público ampio, ao qual o autor quer transmitir um comentario sucinto,
mas substancioso, das principáis perfeopes do torceiro Evangelho. Ao
contrario, porém, do fascículo referente a SSo Mateus, o de A. George
é claro em suas posiedes exegóticas; noia-se especial respeito pelo
misterio de Jesús Cristo, por exemplo, ao abordar a vida de oracáo do
Senhor (págs. 55s), os títulos e os aspectos característicos de Jesús
em Le (págs. 53s). O Evangelho da Infancia (Le 1-2) é considerado,
como deve ser, qual portador do profunda mensagem teológica, sem
que se esvazie o conteúdo histórico das respectivas narracóes (cf.
págs. 15-23). Alguns quadros sintéticos e panorámicos ajudam o leitor
a penetrar na mensagem do evangelista ás págs. 11. 16-18. 53s...
Muito valiosa é a observacáo "Falar sobre Deus e nunca (alar com Deus"
á p. 72. — É o que nos leva a agradecer ao autor e ás Edicoes Pau
linas a publicacao da obra em portugués. Alias, nao podemos deixar
de elogiar de modo geral a colegáo "Cadernos Bíblicos", que consi
dera diversos aspectos da S. Escritura em estilo do divulgacao, via de
regra, seria e recomendável.

(Continua na pág. 197)

— 244 —
COLETÁNEA de homilías, discursos e alocucSes do Santo Padre Joio Paulo II,
pronunciadas por ocasiSo de suas viagens apostólicas, além de Documentos da Santa
Sé, sob o título geral

APALAVRADOPAPA

Vol. 1 - Joáo Paulo íleo espirito Beneditino Gt $ 280,00


Vol. 2-0 Corpo Humano e a Vida (Eutanasia, Escatologia) Cr$ 150,00
Vol. 3 - Vida e missao dos Religiosos: Ac9o e Contemplado Cr$ 280,00
Vol. 4 - Joáo Paulo II aos Jovens (AlocucSes em 10 países) Cr$ 250,00
Vol. 5 — Liturgia das Horas (Instrucüo Geral sobre a Liturgia das Horas,
Congr. para o Culto Divino, Paulo VI, 1971), Nova impressao Cr$280,00

NOVIDADE:

LITURGIA DAS HORAS (Rito monástico), para uso coral nosmosteiros beneditinos.
I tomo: ADVENTO, NATAL, EPIFANÍA
lltomo:TEMPOCOMUM
III tomo: QUARESMA, TEMPO PASCAL
IV tomo: PRÓPRIO E COMUM DOS SANTOS (em preparacáo).

O SALTERIO (formato 21x14), contendo os 150 salmos, 53 Cánticos do Antigo Tes


tamento e 22 do Novo. Edicáb bilingüe e só em portugués, para uso nos mosteiros be
neditinos. Texto latino da novíssima Vulgata aprovada por Paulo VI e promulgada
por Joáo Paulo II. a sair brevemente.

III Livro do Tombo do Mosteiro de Sao Bento do Rio de Janeiro (1783-1829) - 3?


vol. de urna Serie de Documentos Históricos. Formato 28x19. Aberto em 26 de feve-
reiro de 1793, pelo Juiz de Fora Dr. Balthazar da Silva Lisboa, contém 146 documen
tos, ou escrituras, abrangendo o período dessa data até 19 de Janeiro de 1829. O II
Livro (1688-1793) no prelo. O I Livro foi destruido pelos invasores franceses em
1711.Cr$4.000,00.

EDICÓES LUMEN CHRISTI


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"RIQUEZAS DA MENSAGEM CRISTA"


por D. Cirilo Folch Gomes OSB, 2? ed, 1981,689 págs.

A edició acha-se consideravelmente modificada, com atualizacSo da bibliografía e varias noches


novas em seus 12 capítulos. Trata-se de um Comentario ao CREDO DO POVO DE DE US, no
qual, após 90 págs. de Teología Fundamental que estudam a Fé e as razfies de crer, o Autor
passá a analisar os artigos do Credo. A linguagem procura ser amena e acessfvel a pessoas que se
iniciam na Teologia. Ao mesmo tempo sao fomeddas, em numerosas notas de rodapé, as
referencias para aprofundamento ulteriores. Na apreciacáo de um recensor espanhol (G. Gino-
nés), estamos ante "urna das mais acabadas sínteses da teologia dogmática de nossos días". Já
alias a 1?ed. ti vera diversas recensóes muito favorávais. Preco: 1.500,00.

Do mesmo Autor:
"A DOUTRINA DA TRINDADE ETERNA", 1980,400 págs.
Esta obra compreende 3 partes. Na 1? estuda a problemática moderna quanto á doutrina trini
taria. Na 2? examina os dados bíblicos, documentacSo do Magisterio, a reflexao escolástica. Na
3a partedefende a conveniencia do uso, em nossos dias, da expressüo "tres Pessoas", que alguns
autores pretenderán» criticar. Conforme apreciacSo de A. Perego (em "Divus Thomas:1), "a
obra é de viva atualidade, porque trata de modo sereno e documentado urna doutrina sempre se
gura" Preco: 850.00

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