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PADRE FERNANDO AUGUSTO DA SILVA

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A Lombada

a Madeira

PUNCHAL
EDIÇAO DO AUTOR
reaa
B lomhada dos Esme~aldosna h
lIa da Maleira
Trabalhos históricos do autor :

ELUCIDARIO MADEIRENSE (De colaboração com Carlos Azevedo de


Menezes)-2 gr. vol.

P A R ~ Q U I ADE SANTO ANTÓNIO D A ILHA D A MADEIRA


1 vol.

A L O M B A D A DOS ESMERALDOS NA ILHA D A MADEIRA


U m opusculo.

A APARECER BREVEMENTE :

DICIONARIO COROGRAFICO D O ARQUIP&LAGO D A MA-


DEIRA- 1 gr. vol.

A DIOCESE DO FUNCHAL (Subsidios para a sua liistória)


PADRE FERNANDO AUGUSTO DA SILVA
Do6 Arqueologor Portu~ues6r

FUNOHAL
EDIÇAO DO AUTOR
10ba
COMIJOSTO E IICIPRESSO N A S OPICINAS
DO -DIARIO DA MADEIRA*, AVENIDA
DO DR. ANTÓNIO JOSÉ D E ALMEIDA
: : : : : PIINCIIAL : : : : :
A primitiva coloi~isaçãoda Madeira

Deve fixar-se o inicio da colonisação madeirense nos


primeiros anos do segundo quartel do século XV. (1) Os
capitães-donatarios, apesar de se acharem investidos dos
mais amplos poderes de administração, teriam que cingir-se,
quanto á - distribuição das terras virgens, á s instruç8es
emanadas do infante D. Henrique, crendo-se que o sistema
das sesrnarias, já entáo regulado no continente português
por leis especiais @),se houvesse aplicado a Madeira,
embora sofresse a s indispensaveis modificações que as
circunstancias de momento podessem aconselhar e de
harmonia com a s clausulas exaradas nessas mesmas ins-
truçóes. (9
( i ) Na obra Alguns Documentos do Archivo Nacional da Torre do Tombo...,
publicados por ocasião da celebração do quarto centenário do descobrimento da
Aiiiéricn, veiii transcrito o trecho duma carta de doação, feita pelo infante
D. Henrique h Ordetn d e Cristo e com a data de 18 de Setembro de 1460, conce-
bido nos seguintes termos : comecei a povoar a minha ilha da Madeira averá
ora trinta e cinco anos, e isso mesmo a do Porto Santo, e deshi, proseguindo, a
Deserta, das qiiais ilhas que assim edifiquei e novamente achei ...S. Este trecho
dá aproximadamente o ano de 1425 como o do começo do primitivo povoa-
mento d a Madeira,
(9Vid. Gama ~ a k o s História
: da Adnlinistraçdo PYblica em Portugal,
vol. 111, pag. 699 e seg.
(:') As instruçáes, anteriormente concedidas, tiveram sua plena confirmação
nas cartas dos anos-de 1440, 1446 e 1430, em que o Infante D. Henrique faz aos
donatirios Tristão, Perestrelo e Zargo doação das capitanias de Machico, Porto
A amenidade do clima e a notavel feracidade do só10
eram um poderoso incentivo para o amanho e cultivo das
glebas, mas o inverosimil acidentado dos terrenos, de par
com o basto revestimento florestal e ainda outras inevita-
veis condições do meio, tornavam sobremaneira dificil uma
larga exploração agricola, para um tão limitado número de
colonos e povoadores. ('1 Essa deficiencia foi suprida pelo
escravo africano, que durante séculos regou com o seu
suor o torrão madeirense, e cruzando-se com os sesmeiros
continentais, táo profundamente abastardou a pureza nativa
d a raça. Iam surgindo os primeiros núcleos de população
e formando-se as chamadas <(fazendaspovoadas >>, que,
prosperando e desenvolvendo-se, se coristituiam em po-
voaçbes importantes. O principal centro dêstes nascentes
povoados era uma pequena e modesta ermida e em torno
dela se adensava a população, que em breve se transfor-
mava em uma freguesia populosa, com a sua regular cons-
tituição da família e da sociedade. e) Por meados do se-
Santo e Funchal, lendo-se na últitria delas (e o mesmo mutatis mutandis se
leem nas outras) estas palavras : a - E me praz que ele possa dar per siias Cartas
a terra desta parte per ho forall da ylha a quem lhe proilver coni tal1 condiçom
que aquetle a quem der a dita terra aproveyte atee cinco anos e nom aprovey-
tando que Eu a possa dar a outre e depois que aproveytada for a leyxar por
aproveytar atee outros cinco anos que por yso mesnio a possa dar-.. (Satid. da
Terra pg. 454 e seg). Estas disposições foram posteriormente modificadas, con-
cedeiido-se mais amplas regalias aos cultivadores das terras, como o direito à
propriedade das bemfeitorias, a faculdade de poderem aforar e at6 vender a s
mesmas terras, observadas certas clausulas, que não eram tidas por onerosas
o u vexat6rias. Numa carta de sesmaría, de 1503, que concede umas terras em
Santana, a Urbano Lomelino, lê-se u...has possam bender dar doar arrendar
aforar por quanto nos lhas damos para elles e todos seus herdeyros acedentes
e decedêtes.. .*.
(4) Era, na verdade, muito reduzido o número dos primitivos colonisadores,
se tivernios de compara-lo com as dificuldades que assoberbavam os trabalhos
do incipienfe povoamento. As antigas crónicas poucos nomes fixaram dêsses
primeiros pioneiros da colonisação madeirense. Nada se sabe com respeito aos
mais activos e qualificados com anheiros de Bartolomeu Perestreio e Trist%o
Vaz, os primeiros donatários do borto Santo e de Machico, mas conhecem-se os
nomes de Gonçalo Aires Ferreira, João Afonso Correia, Francisco de Carvalhal,
João Lourenço, António Gago, Rui Pais e Alvaro Afonso, como dedicados auxi-
liares de João Gonçalves Zargo, primeiro capitão-donatário do Funchal, sendo
alguns dêles troncos das mais antigas e distintas famílias do arqitipélago.
(5) Como ampliação do assunto esboçado na nota (9, convém acrescentar
que um dos factores, que mais contribuiram para o referido deserivolvimento da
colonisaçiio madeirense, foi o das concessões territoriais feitas pelo sistema das
sesmarías, atraíndo um número consideravel de colonisadores, que activamente
se dedicaram a cultivação das terras, que Ihes eram confiadas. Estabeleceram
estes muitas =fazendas povoadas., em que residiam com a s suas famílias, com.
os seus colonos e escravos, superintendendo directamente nos trabalhos d a
culo xv, já existiam na Madeira algumas paróquias, que
gosavam a independencia duma completa autonomia civil
e religiosa, e que, multiplicando-se, determinaram sem
demora a criaçgo de vários municipios.

Lugar, Freguesia e Vila da Ponta do Sol

Ao iniciarem-se os trabalhos da colonisação desta


ilha, foi o lugar da Ponta do Sol um dos primeiros em que
a monda dos arvoredos e o arroteamento das lombas e
vertentes se não fizeram esperar muito. Entre os antigos
povoadores conhecidos, sobresai o nome de Rodrigo Anes
o Côxo, geralmente considerado como o <<fundador.deste
lugar. Diz o distinto comentador da História Insulana
que descendia da família nobre dos Furtados e que ao
chegar a Madeira <<procurouaquêle lugar despovoado* e
o fez cultivar sem demora. Levantou ali a igreja de Nossa
Senhora da Luz, onde jaz sepultado, junto do altar da
padroeira, como dispôs em seu testamento, aprovado em
Abril de 1468, mandando que na ltipide sepulwal se ins-
crevesse que fôra êle o primeiro que dera principio aquela
povoação. Cresceu rapidamente em irnportancia e no nh-
mero dos seus habitantes, o que determinou a elevação
dêste lugar à categoria de paróquia, criada no alvorecer da
lavoura e arroteamento dos campos incultos. A breve trecho se tornaram se-
iihores das terras e ao regimen das sesmarías sucedeu o da vinculação da pro-
priedade, deixando o exercicio da industria agricola aos escravos e colonos
menos favorecidos da sorte e nascendo então o chamado sistema ou contrato de
colonía que ainda perdura. E, como diz o ilustre anotador das Saudades da Terra
(ed. de 1873), ao sesmeiro rico enfastiou-se da vida campesina, ufanou-se da sua
originfiria fidalguia e apeteceu vivenda de mais aparato e bulicio, desprezou a
terra, vinculou-a e veiu assentar residencia luxuosa e desperdiçada nas povoa-
-ções populosas*. As instituições vinculares multiplicaram-se extraordinariamente,
chegando ,elas a abranger cêrca de duas terças partes das terras araveis da
Madeira. E certo que bastantes colonos se encontravatn numa situaçáo deplo-
ravel, mas o maior numero dêles vivia numa regular medianía, tendo uma parte
consideravel dos .caseiros* e ameeiros*, com a abolição dos vinculos e com
;t divisão fragmentária das grandes propriedades rústicas, passado a sêr os pro-
prietários e senhorios das terras que cultivavam.
.segunda metade do século XV. (9Entre os antigos povoa-
dores destacam-se os nomes de várias pessoas nobres,
nacionais e estrangeiras, tendo algumas delas ou os seus
mais próximos descendentes estabelecido importantes
casas vinculadas, como sejam Rodrigo Anes o COXO,o
%fundador. da primitiva povoação, Rui Gonçalves da Câ-
mara e João Esrneraldo, os primeiros possuidores da Lom-
bada, D. João Henriques, que viveu no sitio chaniado
Pomar de D. João, Pedro Delgado com terras de sesmaria
no Lombo das Adegas, Rodrigo Anes Coelho, no Lombo
de D. João, António Leme, que deu o nome ao sitio dos
Lemes, Diogo Ferreira de Mesquita, com vinculaçáo em
terras do Livramento, e muitos outros, uns ainda conhe-
cidos e um número ainda maior de que já se não conserva
memória. A sempre crescente prosperidade industrial e
agricola desta freguesia, especialmente apreciada pela pro-
dução do açucar, trouxe-lhe tambem uma correlativa im-
portancia social e politica, levando o govêrno da metro-
pole a criação dum rnunicipio, o primeiro estabelecido
nêste arquipélago, além dos das sedes das três capitanias.
Lemos algures que a Ponta do Sol .fÔra sempre mais fertil
e m enxada do que em lanças.. A Carta Régia de 2 de
Dezembro de 1501 elevou o lugar da Ponta do Sol a cate-
goria de vila, desmembrando-o do rnunicipio do Funchal,
com os fóros e previlegios inerentes aos concellios, e
estendendo a área da sua jurisdição desde a ribeira que
atravessa a paróquia até aos terrenos que hoje constituem
a freguesia das Achadas da Cruz. No ano imediato foi,
porém, o novo municipio largamente cerceado na sua su-
(9 Rodrigo Anes fundoti uma pequena capela, dedicada a Nossa Senliora
da Luz, nos principios do terceiro quartel do século XV. Passoti ela por várias
transformações e foi inteiramente reedificada nos primeiros anos do séctilo xvrIr.
O aumento rápido da população determinou a criação dum curato 110 ano de
1589 e pouco depois a d a Colegiada, servida por cinco eclesiásticos. Houve
muitas capelas nesta freguesia, sobresaindo a todas a da Lombada, de que r i o
texto se dará mais atnpla noticia. Tem uin porto de bastante moviniet~to,espe-
cialmente de passageiros, por entestar com a séàe da Comarca e servir de trail-
sito para algunias freguesias circunvisinhas, sendo dotado com uni iiparatoso
cais, mandado construir pela Câniara Municipal no ano de 1848. Esta paróquia
foi visitada pelo Infante D. Luiz, depois rei de Portugal, no mês de Oiituhro de
1858. São distintos filhos desta fre uesia o padre Leão Henriques ( -1589), o
dr. António da Luz Pita (1802-18707, o dr. João Augusto Teixeira (1845-1907) e
o dr. Nuno Silvestre Teixeira (1847-1928), cujos dados biograficos se eticontram
no 2.' vol. do Eluciddrio Madeirense, da nossa co-autoria. O *Censo da Popu-
taqão~de 1920 dií a esta paróquia o número de 6.660 habitantes.
perficie e reduzido a bem mesquinhas proporções, com a
criação da vila da Calheta, e no ano de 1546 passou pelo
vexatório desaire de ser suprimido, por haver a Câmara
desacatado as ordens do poder central, dando-se dois
anos mais tarde o restabelecimento do concelho. O decreto
de 12 de Novembro de 1875 criou a Comarca da Ponta do
Sol, com sede na vila do mesmo nome, que, das comarcas
de segunda classe, é uma das mais importantes de todo
o país.

I11

Lombada da Ponta do Sol ou dos Esrneraldos

Os primitivos povoadores, ao apartarem ás costas


desta ilha, tendo deixado ancorados os navios da expedi-
ção, na baía que posteriormente se chamou do Funchal,
empreenderam sem demora uma exploração sumaria ao
longo do litoral, tomando um rápido conhecimento da terra
ignorada, e assinalando e delineando desde logo os lugares
mais apropriados para o estabelecimento dos futuros n&
cleos de população. Dessa exploração, capitaneada por
João Gonçalves Zargo, deixou-nos Gaspar Frutuoso uma
pitoresca e talvez hiperbólica descrição, ('1 da qual vamos
destacar os periodos referentes ao lugar da Ponta do Sol:
((. . . e cliegou a uma ponta que se faz abaixo huma legoa,
e entra muito no mar; e, porque na rocha que está sobre a
ponta se enxerga de longe e se vê claro huma vea redonda
na mesma rocha com uns rayos que parece sol, deolhe
nome o capitam a Ponta do Sol; onde tambem traçou uma
villa, que depois se fundou, a primeira da sua jurisdição.
Aqui está a nobre e rica fazenda, que se diz a Lombada do
Esrneraldo, tão celebre por nome como por fama , pelos
(') .Saudades da Terras, ed. de 1873, pg. 68.
($) Não deixa de ser cilrioso qiie Gaspar Frutuoso, para enaltecer a Lom-
bada da Ponta do Sol pela sua exuberante fertilidade, se apropriasse da conhecida
frase-Mais celebre por nome que por fama-que Caniões (Est. 5.a, Cant. v)
aplicou ci Madeira, exaltando-a e consagrando-a, frase que, como é sabido, tem
muitos assucares que nella se recolhem, que foi ano em
que deo vinte mil arrobas delle: a qual Lombada o capitam
tomou para seus filhos, e depois correo tais trances, que
agora nenhum delles a possuhe, por se dividirem e a ven-
d e r e m ~ Em outro lugar da mesma obra, refere-se o his-
toriador das Ilhas a Lombada dos Esmeraldos nos seguintes
termos, que merecem sêr aqui arquivados :-c< . . . esta a
Lombada de João Esmeraldo, de nação genoez, a qual
chega do mar a serra, de muitas canas de assucar, e tão
grossa fazenda que já acontece0 fazer João Esmeraldo
vinte mil arrobas de sua lavra cada anno; e tinha como
outenta almas suas captivas, entre mouros, mulatos e mu-
latas, negros e negras, e canarios. Foi esta a mayor casa
da ilha, e tem grandes casarias de aposento, engenho, e
casas de purgar, e igreja. E depois do falecimento de João
Esmeraldo, ficou tudo a seu filho Cristovão Esmeraldo, que
o mais do tempo andava na cidade do Funchal sobre uma
mulla muito formosa, com outo homens detraz de si, qua-
tro de capa e quatro mancebos em corpo, filhos de homens
honrados muito bem tratados : e trazia grande contenda com
o capitam do Funchal sobre quem seria Provedor d'Alfan-
dega d'El-Rey, que he uma rica cousa de renda de Sua
Alteza, e ricas casarias.. ('"1
Por esta, embora exagerada narrativa, se vê que João
Gonçalves Zargo, numa primeira visita de rápida explora-
ção ou em subsequentes visitas, como é mais provavel
que tivesse sucedido, descobriu na Lombada da Ponta do
Sol, mais tarde chamada dos Esmeraldos, os indispensa-
veis requisitos para ser transformada em uma vasta e rica
herdade, reservando-a inteiramente para seus filhos, que
sem duvida a converteriam num dos centros de maior acti-
vidade industrial e comercial, que então existiam em toda a
ilha. É de presumir-se que as condições orográficas e hi-
drograficas daquela Lombada, a sua grande extensão, a
feracidade do seu só10 e a benignidade do clima, tivessem
dado motivo a muitos controvettidos juizos, em que Matiuel Correia (1613),
Faria e Sousa (1619), Garcês Ferreira (1731), José Agostinho de Macedo j1820),
Dr. José Maria Rodrigues (1905), Epifanio da Silva Dias (1908), Alfredo Pimenta
(1931) e ainda outros a comentaram e interpretaram segundo o sabor das suas
opiniões . . .
(O) Saud. pag. €8.

(Ie) Saud. pag. 95.


ferido a atenção dos antigos exploradores, sendo então
concedida a preferencia ao chefe da primeira colonisação
rnadeirense. Estendia-se da orla do oceano até o elevado
planalto do Paúl da Serra, tendo portos de desembarque,
lombas e encostas abrigadas dos ventos, serras de mata-
gais e florestas, dguas cristalinas e abundantes, que lhe
davam os fóros duma propriedade privilegiada e certa-
mente apetecida por um grande número de povoadores.
Compreendia então o sitio que hoje propriamente se chama
a Lombada dos Esrneraldos, o sítio do Jangão e o sítio do
Lugar de Baixo, em que ao presente vivem cêrca de quatro
mil e duzentos habitantes, em casais dispersos e distan-
ciados uns dos outros, cuja vasta área correspondia apro-
ximadamente as duas tercas partes da actual freguesia da
Ponta do Sol, estendendo-se <<domar a serra., no dizer de
vários documentos antigos. Pelo lado oriental tinha corno-
limite a Ribeira da Caixa, na partilha da freguesia- da
Tabiia, e pelo lado ocidental a Ribeira da Ponta do Sol,
confinando, ao norte, como já fica dito, com os acidentados
montes que entestam com a planicie do Paul da Serra e,
ao sul, com as águas do Oceano Atlântico.
Toda a Lombada coube em doação a Rui Gonçalves
da Câmara, segundo filho varáo do capitão-donatirio do
Funchal João Gonçalves Zargo, ficando ao primogenito
João Gonçalves da Câmara a sucessão na donatária com
todos os privilegios que lhe andavam anexos. Embora nos
escasseiem elementos seguros para o afirmar, parece indu-
bitavel que Rui Gonçalves não se dedicou com grande
entusiasmo ao cultivo das suas terras, das quais fez venda
ou antes aforamento ao fidalgo flamengo João Esmeraldo,
como abaixo mais largamente se dirh. Foi êste que pro-
cedeu ali a uma larga exploração agricola, atraindo um
número consideravel de colonos e cultivadores, fundou a s
capelas de Santo Amaro e do Santo Espirito, instituiu os
dois importantes morgadíos do Santo Espirito e do Vale da
Bica e fez construir a primeira casa solarenga da Lombada.
Não repugna acreditar que o grande navegador Cristovão
Colornbo, amigo devotado de João Esmeraldo e de quem
foi hospede na então vila do Funchal, houvesse honrado
este lugar com a sua presença, embora não tivesse ainda
adcluirido o nome ilustre que o havia de imortalisar. Apro-
ximadamente por essa época, ter-se-ia dado o celebrado
rapto de D. Isabel de Abreu, que teve seu epílogo nesta
Lombada, nas casas de João Esmeralda, cunhado da
principal protagonista dessa façanha.
Estes terrenos permaneceram intactos, eni regimen de
vinculação, na posse e usufruto dos sucessivos adminis-
tradores dos dois morgadíos, sendo seus íiltimos senhorios
directos o segundo Conde do Carvalhal, com a Lombada
dos Esmeraldos e o Lugar de Baixo, e o conselheiro Aires
de Ornelas, com o sítio do Jangáo. Os primeiros foram
vendidos em hasta pública, no ano de 1893, a firma co-
mercial do Funchal A. Giorgi & C?, e os segundos cedidos
em 1920, por venda arnigavel, aos respectivos caseiros e
meeiros.
Em 1923 surgiu uma proposta de compra das terras
da Lombada e do Lugar de Baixo, destinada a revenda das
glebas aos colonos e rendeiros delas. Essa revenda, simu-
lada ou ficticia, foi-se realisando pelo pretenso comprador,
vendo-se os proprietários, que eram subditos estrangeiros,
compelidos a recorrer ao govêrno da sua naçáo, para haver
o valor ou a entrega das suas propriedades. O govêrno
português, depois dum prudente e conciencioso estudo do
assunto, resolveu expropriar aquêles terrenos e indenisar
os seus senhorios dos graves prej~iizosque Ihes tinham
sido injustamente causados. Conserva-se o estado na dis-
posição de ceder essas terras, por venda e em condi~óes
favoraveis, aos antigos cultivadores, aguardando-se apenas
o preenchimento de certas formalidades, para a celebração
dos respectivos contratos. Por ocasião dessa expropriação,
o govêrno português cedeu gratuitamente a Junta Geral do
Distrito e à Câmara Municipal da Ponta do Sol alguns
tratos de terrenos, destinados a construçáo de estradas, e
a Diocese do Filnchal, na pessoa do respectivo prelado, a
capela do Santo Espirito para sêr aplicada ao exercicio do
.culto, como sempre o fora em todos os tempos, ficando
reservado ao Ministério das Colónias e para uso das nossas
missões ultramarinas as diversas dependencias que cons-
tituiam o antigo solar dos morgados Esmeraldos. Dos
diversos pontos, sumariamente expostos nêste capítulo,
nos ocuparemos, com o devido desenvolvimento, em ca-
pítulos subsequentes.
Rui Gonçalves da Câmara

Não são concordes as opiniões dos linhagistas com


respeito ao lugar do nascimento de Rui Gonçalves da
Câmara, dando-o alguns como natural do continente por-
tuguês e afirmando outros que foi o primeiro filho de João
Gonçalves Zargo iiascido na Madeira (ll). Não andará muito
distanciado da verdade quem fixar, nos fins do primeiro
quartel do século xv ou nos principios do quartel seguinte
a data aproximada do seu nascimento. Nas nossas lutas
com os mouros, no norte de Africa, tomou parte em vários
recontros com seu irmão João Gongalves da Câmara, çe-
gundo donatario do Funchal, e encontrou-se nos cêrcos d e
Arzila e Tanger, distinguindo-se sempre como valente e
esforçado cavaleiro (12). A sua vida agitada de soldado ou
quaisquer outras circunstancias para nós desconhecidas
não o deixaram entregar-se afanosamente a cultura d a
extensa Lombada, cujas terras virgens, de relêvo muito.
acidentado e quási totalmente cobertas de basto e fechado
arvoredo, exigiam um prolongado e gigantesco esforço,
que mal se compadecia com os minguados recursos de
que poderia dispor-se nos primeiros anos da colonisaçáo
madeirense. Pouco se sabe acêrca da primitiva exploraçáo
agricola emprendida por Rui Gonçalves da Câmara, q u e
era, por certo, homem de mais largas aspiraçbes, cabendo
sem duvida ao seu sucessor o estado de grande prosperi-
dade, que rápidamente atingiu a Lombada da Ponta do Sol.
O segundo capitão-donatário da ilha de São Miguel
(11) O primeiro capitão-donathrio do Fuiichal João Gonçalves Zargo, aú ini-
ciar o povoamento da sua capitania, vinha casado com Dona Constança Rodri-
gues de S i ou de Almeida, trazendo o s filhos mais velhos João Gonçalves da
Câmara, sucessor no govêriio da donatiíria, Helena Gonçalves da Câmara e pro-
vavelmente Rui Gonçalves da C&mara,que alglins nobiliários tambem dão conio
nascido na Madeira.
(I?) Vid. * A Madeira e as Praças de Africa*, 1933, pelo tenente-cororiel
Alberto Artur Sarmento.
João Soares de Albergaria, sobrinho de Gonçalo Velho
Cabral, veiu à Madeira pelos anos de 1470 acompanhar
sua iii~ilherD. Beatriz Godiz, que se achava atacada de
grave enfermidade e que faleceu pouco tempo depois da
sua chegada ao Funchal. Informa-nos o doutor Gaspar
Frutuoso que Soares de Albergaria, em virtude dos .muitos
citstosD que fizera e em atenção aos servic;os que lhe dis-
pensaram o capitáo-donatario da Madeira e seu irmão Rui
Gonçalves da Câmara, resolveu vender a êste a capitania
de Sáo Miguel <<porseiscentos mil reis, seguiido uns, e por
setecentos mil reis e cem mil reis de sócos, segundo o~itros,
tendo-se por mais certo que a compra se efectuou por dois
mil cruzados em dinheiro de contado e quatro mil arrobas
de assuear. Esta venda foi confirmada, a 10 de Março
(13).

de 1474, pela infanta D. Beatriz, como tutora e curadora de


seu filho o duque D. Diogo, grão-mestre da Ordem de
Cristo. Passou-se entáo Rui Gonçalves da Câmara, com
sua mulher, filhos e outros individuos que o quizerarn
acompanhar, a i[ha de São Miguel a assumir o govêrno da
sua capitania, sendo ali donatário no periodo aproximado
de vinte e quatro anos, vindo a falecer em Ponta Delgada
em 1497 ou 1498. Deixou boas tradiçóes na administração
da sua donatária e foi tronco das casas nobres dos condes
da Ribeira Grande, de Vila Franca e ainda outras.
Antes, porém, de abandonar a Madeira fez a João Es-
rneraldo o aforamento perpetuo da Lombada da Ponta do
Sol, como abaixo vamos vêr.
De Rui Gonçalves da Câmara, traça o padre G. Fru-
tuoso este rápido e pitoresco perfil : .Era bem a p e ~ s o a d o ~
grande e grosso, descreto e solicito em fazer cultivar e
povoar a terra, visitando-a pessoalmente muitas vezes, s6,
a cavalo, vestido com uma peliça de martas e uma touca
na cabeça, como naquêle tempo se costumavam.. . e com
um cão grande detraz de s i . . . e algumas vezes andava
em mula . . .>L

(I3) Saudades da Terra, (Ponta Delgada, 1926) Livro IV, Cap. 6õ.
v

João Esmeralda

E sabido que os descobrimentos e conquistas maritimas


iniciadas no alvorecer do século sv despertaram o interesse
e a curiosidade da Europa inteira. Náo faltaram então espi-
ritos ambiciosos e irrequietos, que, deixando o rincáo natal,
se arriscassem aos azares da sorte, procurando nas lon-
ginquas terras descobertas a glória e as vantagens mate-
riais, que a pátria não podia de modo algum dispensar-lhes.
Se a muitos impulsionava apenas o amor da aventura, o
desejo do imprevisto e do desconhecido, o ardor pelas em-
presas e façarilias arriscadas, é todavia indubitavel que a
niaior parte ia atraída pela sede das riquezas, pela con-
quista do vélo cie ouro, qiie mais tima vez ponha em sobre-
salto a s ainbiqões cluin tão grande número de audaciosos
aventiireiros. Sendo a Madeira o mais importante empório
coiiiercial, qiie nos tempos primitivos da colonisaçáo s e
forniou rios iiossos daminios iiltramarinos, foi tambem o
mais apetecido ponto de atracgáo para os forasteiros que
demandavani as novas plagas descobertas ("1.
Uin d2les foi João Esmcraldo. Não gosando os privile-
gios de prirnogenittira, que era o grande apanligio das
casas ilohres, lançou-se rios riscos duma suspirada fortuna
a teiitar litinia ilha afastada, qLie já então mantinha relações
conierciais com a Flandres, especialmente pela exportação
do precioso e apreciado produto, que era o açucar madei-
rensc. Conjecturamos que tivesse aportado ao Funchal por
meados do terceiro quartel do séciilo XV.

(I4) De i~iuilosíiesses estraiigeiros se çoiiservariiili os iioines na Iiistória da


coloriisaçr'io riiadeirerise e alguns dêles foriii~i traticos de distintas famílias,
setidct-llies reconhecidos o s fóros de riohrcz;i de qiie gosavaiii iios seiis p;*tses.
F%tfcnios ~iicncionarSitiiZo Acciiiioli, Jo3o e Heiiriqiie de Heteiicoirrt, Pedro de
Lciiiilliaii;~Hcre.tigiier, Joi7o I>riirnoiid, Aiittiiiio Espiiiolrt, IJrbano Loriielir-io, An-
totiio i,c.ii.ic., jo&) I<otirigiics hilotidrag;io, Jofio Salviítti, J0,70 Valdavesso, Joao
ti;ipiisi;i, K;tf;it.l C;it:trilio, Adrião Espr;iiiger. Aiiclri. Goriqnlves de Friiii~a,Lilcas
S;iIv;tgo, f:r,ir~cisço Soares Sesineiros e aitidn oiitros.
Decorrendo então um dos periodos mais rnovirnenta-
dos da colonisação e povoamento do arquipelago, eram
bem recebidos todos os nacionais e estrangeiros que
viessem colaborar na exploração das terras incultas mas
feracissimas, arrancando pelo trabalho e pela inteligencia a
riqueza e a prosperidade que elas lhes ofereciam. Se a
essas apreciaveis qualidades viiiha juntar-se a condição de
origem fidalga, tão exageradamente apreciada na época,
tinham os novos colonisadores campo aberto para a satis-
fação das suas mais largas aspirações.
Assim teria sucedido a João Esrneraldo. Da sua pro-
veitosa e esclarecida actividade, dão-nos eloquente teste-
munho os importantes haveres adquiridos, dos quais conhe-
cemos o aforamento da Lombada, a instituição dos dois
morgadios, com a sua igreja e solar, a casa apalaçada da
rua do Esmeraldo e a larga exploração agricola, com muitas
dezenas de colonos e escravos, dos vastos terrenos da
Ponta do Sol. Dos seus titulos de nobreza são provas con-
cludentes a concessáo dos fóros de fidalgo, outorgados pela
Carta Regia de 13 de Agosto de 1511, e mais ainda o alvarh
de Brazão de Armas, mandado passar por D. Manuel a 16
de Maio de 1522, ein que se faz referencia a Carta anterior
e etn que se reconhecem e ratificam os privilégios de no-
breza de que gozavam os seus antepassados ('" Tinha no
seu pais de origem o nome de Jeanin Esmeraut, que depois
se aportuguesou no de João Esrneraldo, cujo apelido se
transmitiu aos seus numerosos descendentes, sendo tronco
('9)Dotil Maniiel, por graca de Deus, Rei de Portligal e dos Algarves,
d'aqiiem e d'aldm tiiar eni Africa, Seiihor da Guiné e da Conqtiista Navegação e
Comércio da Etiopia, Arhbia, Pérsia e India, a quanto<; esta nossa carta virem,
fazemos saber que joão Esmeraido, fidalgo da nossa casa e morador na nossa
ilha da içladeir*a,rios fez informação como êle descendia da linhagem e geração
dos Esrneraldos e dos Daliavaigne e da casa Fienes da geração dos de Nodou-
chel, os quais todos rias partes da Picardia, Flandres e Brabante são nobres e
fidalgos da antiga linhagem, pedindo-nos, por mercê, que pela memória clos seus
antepassados se não perder, gouvir e gozar da honra das armas que pelos me-
recimentos de seus serviços ganharani e lhe foram dadas e assini dos privilégios,
honras, graças, mercês que por direito por bem delas lhe pertencem, lhe man-
dassernos dar nossa carta das ditas armas que estavam registadâs em os livros
dos registos das armas dos nobres e fidalgos dos nossos reinos que tem Por-
tugal nosso principal Rei de Armas, a qual informação vista por nós e como nós
somos certos o conteúdo nela sêr verdade por uma carta patente asselada com
o sêio do Império, pendente e assinado por os do seu Conselho e com outra
carta de Armas patente assinada por Tosão de Ouro Rei de Armas, e assetada,
na qual se contem como direitamente êle João Esmeraldo descende das ditas
geraçbes e linhagens, que as suas armas lhe pertencem de direito a s quais lhe
de algumas das mais distintas famílias desta ilha. Parece
ter nascido na provincia da Picardia, que juntamente com
as de Artois, Hanaut, etc. conservavam entáo a denominação
generica de Flandres e desta circunstancia provém o sêr
conhecido pelo Flarnengo. A sua família era aliada com a s
nobres casas de Delavaigne, Fienes, Nedouchel e outras,
possuindo o importante senhorio de Fraxelles.
A Lombada da Ponta do Sol, que começou a chamar-
se do Esmeraldo e depois dos Esmeraldos, era nos fins do
século sv, e continuou a sêr ate os nossos dias, a mais
vasta e rica propriedade rústica de todo o arquipélago,
apesar dos cerceamentos que sofreu em diversas épocas.
Rui Gonçalves da Câmara, o seu primeiro possuidor, náo
se alargou muito, como já ficou acentuado, na expansáo
cultural e fabril do seu latifundio, porque a s naturais ten-
dencias do seu espírito a isso o não compeliam ou porque
dificuldades insuperaveis o impedissem de realisa-lo, ou
ainda porque aspirava as mais altas honrarias, deixando a
outros a activa e fecunda exploração, que essas terras
estavam imperiosamente exigindo.
Rui Gonçalves da Câmara aforou a João Esmeraldo
toda a Lombada, propriedade ainda entáo intacta e compre-
endida entre as ribeiras da Caixa e da Ponta do Sol, alar-
gando-se desde a orla do Oceano até as mais altas
eminencias da serrania. O aforamento realisou-se pela
irnportaiicia de 600.000 rs. e a renda vitalicia anlial de
150.000 rs., o que representava uma soma muito avultada

inandaiiios dar cri1 esta iiossa carta coni seti brrizr?o, eltno e timbre, como em
nieio desta carta são divisadas, e assim cotiio fiel e verdadeiramente se acharam
divisadas e registadas nos livros do dito Portugal Hei de Armas, a s quais armas
são a s seguintes : *O campo esqitartelado, o primeiro de prata com tima banda
preta ; o segundo de azul com uma faxa de ouro carnelea ; o terceiro de prata
com um leão preto e por cima dêle um filete vernielho em banda, de redor dêle
bilhetas pretas; o quarto de azul e iima banda fimbrada de vermelho: Elino de
prata aberto giiarriecido de ouro, paquife de ouro e de azul e por timbre linl leso
preto, o quaI esctido, arriias e sinais possa trazer e traga o dito João Esmeraldo,
assim como as trouxerriin e delas usaram seus antepassados ... queremos e rios
apraz que haja êle e todos seus descetidentes todas a s honras, privilégios e
liberdades, graças, tnercês, isenções e fr;inqiiezas que hão e devein ter o s fi-
dalgos nobres de antiga linhageni ... Dada ein a tiossa e sempre lial cidade de
Evora a dezaseis de Maio. El-Rei o mandou pelo bacharel António Hodrigiies
Portugal seu Rei de Arrnas Principal, Pedro de Utra escrivão dii nobreza a fez.
Ano de Nosso Senhor J c s ~ i sCristo de n i i l cliiinhentos vinte e dois..
(Do *Nobiliirio*, de tlenrique tlcririqite de Noroiihrt, Manuscrito existente
na Hibliotécii Mlinicipal do Fuiichid).
para o tempo. Sendo ponto averiguado que Rui Gon-
(1")

qalves da Câmara transferiu a sua residencia para São


Miguel no ano de 1474, deve supor-se que aquêle afora-
mento se teria realisado antes da sua partida para aquela
ilha, havendo muitas probabilidades que militam a favor
desta hipótese, embora se indiquem outras datas para a
celebração do referido contrato. E esta a opinião do douto
conselheiro Agostinho de Ornelas, sucessor na administra-
ção dum dos vinculos instituidos por João Esmeraldo, que
estudara este caso com o maior interesse e a vista de do-
cumentos existentes no importante cartório da sua casa,
assinalando o ano de 1473 como o do aforamento, que
alguns chamaram venda, feito por Rui Gonçalves da Câ-
rnara a João Esmeraldo
O fidalgo flamengo consagrou-se diligentemente a va-
lorisaçáo das terras aforadas, que na realidade constituiam
uma posse perpetua e incontestada, tornando-as um centro
de grande e produtiva actividade agricola e fabril, com o
largo amanho das glébas incultas, o cuidadoso aproveita-
merito das águas e a montagem de vários engenhos e alça-
premas. O autor das Saudades da Terra, embora hiperbb
licamente e como já fica referido, afirma que Joáo Esrne-
raldo chegou a produzir vinte mil arrobas de açucar em
cada ano, para o que dispunha de oitenta escravos,casas
de fabrico e de purgar, abegoarias e outras indispen-
saveis instalações, sem contar com os muitos cultivadores
e colonos livres, que seriam certamente os seus melhores
auxiliares nesta tão grande e lucrativa empreza. Esmeraldo
comprou ou edificou na vila do Funchal e na rua que tomou
e ainda conserva o seu nome uma grande casa de moradia,
que o cronista diz sêr <<umaposento antigo muito rico, com
casa de dois sobrados e pilares de marmore nas janelas e
em cima seus eirados com muitas frescuras.. Da constru-

(16) Esta renda anual e perpetua de 150.008 rs. ficou encorporada no usu-
fruto do morgadio de Agua de Mel, na freguesia de Santo António do Funchal,
instituido por D. Maria de Betencourt, mulher de Rui Gonçalves da Câmara, na
pessoa de seu sobrinho Gaspar de Betencourt. Na sucessão de vários adminis-
tradores coube esta casa vinculada a D. Guiomar Madalena de Vilhena Beten-
court de Sá Machado, de quem foi universal herdeiro e sucessor João Carvalhal
Esmeraldo de Atouguia e Câmara, décimo administrador do vinculo do Santo
Espirito da Lombada dos Esrneraldos, como adiante se ver&, passando assim
essa renda de 150.000 rs. a fazer parte dos rendimentos deste iiltimo morgadio-
çáo da casa solarenga da Lombada, da edificaçáo das ca-
pelas e da instituição dos morgadíos, devidas a fecunda
iniciativa do fidalgo flamengo, nos ocuparemos em capítulos
especiais. Constituiti família e foi tronco de larga descen-
dencia, ("1 tendo morrido, em idade muito avançada, a 19 de
Junho de 1536 e sido sepultado na capela do Santo Espi-
rito, por êle fundada no ano de 1508.

João Esrneraldo e o futuro


descobridor da América

Existe na cidade do Funchal uma via pública, que


desde séculos conserva o nome de Rua do Esmeraldo. Ate
os principios do ano de 1877, erguia-se nela uma casa
apalaçada, com a arquitectura caracteristica das edificações
do século xv, que era uma ampla construção de dois
andares, encimada por um vasto eirado, e que tinha para o
tempo o aspecto duma suntuosa habitação aristocratica,
destinada a residencia de nobres e opulentos moradores.
Dessa aparatosa construção, que em grande parte se con-
servou até a idade contemporanea, ficaram interessantes
fotografias, inumeras vezes reproduzidas em muitos livros
e revistas, existindo ainda uma caracteristica janela bipar-
tida, em estilo renascença, que hoje se encontra artistica e
devotadamente colocada nos jardins da magnifica Quinta
da Palmeira, na Estrada da Levada de Santa Luzia, pro-
priedade do inteligente e benemérito industrial Henrique
Hinton, que ali conserva com a maior veneraçáo e apreço
(17) João Esmeraldo contraiu primeiras nupcias com D. Joana Gonçalves da
Câmara, neta de Jo%oGonçalves Zargo e filha de Martim Mendes de Vascon-
celos e de D. Helena Gon alves da Câmara, e casou segunda vez com Agueda
de Abreu, filha de joão Jernandee de Andrade, mais conhecido pelo nome de
João Fernandes do Arco, por sêr senhor de muitas terras no Arco da Calhêtai,
ande tinha casa solarenga e ali instituiu itm morgadío. Do primeiro matrimónio
nasceu Jo%oEsmeraldo e do segundo Cristováo Esmeraldo, que foram os pri-
meiros administradores dos vinculos do Vale da Bica e d o Santo Espirito.
aquela preciosa reliquia do passado. Ainda existem con-
temporaneos que viram e conheceram de perto essa casa,
que se levantava entre as ruas do Sabão e do Esmeraldo,
com as suas frontarias para as mesmas ruas e no local em
que actualmente se abre a Travessa ou Rua de Cristovão
Colombo. O flamengo João Esmeraldo foi possuidor e pro-
vavelmente o proprio edificador dessa antiga e nobre resi-
dencia, segundo vários livros de linhagens o atestam, náo
podendo aduzir-se serios árgumentos, que contradigam essa
afirmativa.
Diz uma antiga e ininterrupta tradição, corroborada
pela autoridade do vários escritores, que o futuro desco-
bridor da América foi, nessa histórica casa, hospede de
João Esmeraldo, com quem manteve relações da mais afec-
tuosa estima. O caso vem especialmente tratado, com lar-
guesa e com mestria, na interessante Memória sobre a re-
sidencia de Crisfovâo Colornbo na Ilha dil Madeira, devida
a pena culta e elegante do ilustre madeirense Agostinho de
Ornelas, distinto diplomata e membro da Academia das
Ciencias de Lisboa. Anteriormente a Agostinho de Ornelas,
abundando na mesma opinião e coin a grande autoridade
do seu nome, tambem se ocupou dêste assunto o abalisado
professor e acadernico dr. Alvaro Rodrigues de Azevedo,
o escritor que mais larga e proficientemente se tem ocu-
pado das cousas histhricas dêste arquipélago, de que são
prova incontestada as preciosas e eruditas anotações que
acompanham a ediçáo das Saudadt7s da Terra de 1873,
além de outros valiosos trabalhos.
Quisi todos os autores, que escreveram acêrca da
vida misteriosa e aventureira de Cristovão Colombo, afir-
mam que êle casara com D. Filipa Moniz, filha de Barto-
lorneu Perestrelo, prinieiro capitão-donatário da ilha do
Porto Santo, e que ali nascera, por 1475, o seu filho pri-
mogénito e sucessor Digo Colombo, sustentando tambern
que o navegador tivera uma permaneiicia mais ou menos
demorada na Ilha da Madeira, como é natural que houvesse
acontecido, sendo então, porventura, que estreitaria rela-
ções amistosas com o fidalgo flamengo que deu o nome ii
rua do Esmeraldo. Não ha motivos para engeitar a afirma-
tiva do veneravel bispo D. Bartolomeu de Las Casas, que,
na sua conhecida obra Historia de las Indias, publicada
ha cêrca de ciiicoenta anos, nos diz que Diogo Colombo
nasceu na ilha do Porto Santo, acrescentando que recebera
esta informaçao da própria boca do filho do descobridor
da A~nérica. Muitos outros autores teem sustentado
igiial opii~ião,iiáo sendo para estranhar que a pessoa, que
agora traça estas linhas e quando exerceu um cargo oficial
iiayuela ilha iio iiltimo yuartelo do século X I X , houvesse
recebido vários pedidos da cópia autentica do assento d e
iiascime~itode Diogo Colombo, tão generalisada se tornara
essa plausivel opiniáo.
Conio já atrás fica dito, era a Madeira, nessa época,
náo só o mais importante empório comercial que se for-
mara nas novas terras descobertas e portanto o mais ape-
tecido ponto de atracção para os forasteiros que deixavam
os seus países em busca de ambicionada fortuna, mas
tambem o centro quási forçado a que convergiam todos o s
que afariosamente se entregavam á s explosaçóes maritimas,
tornando-se o Funchal uma verdadeira escola de navega-
cão e onde se podiam colher as mais exactas informações
e as mais detalliadas noticias àcêrca dos mares, ilhas e con-
tinentes, que muitos pretendiam avidamente devassar e
descobrir. É muito de presumir que Cristovão Colombo.
tendo vivido largo tempo em Lisboa e feito o seu tirocinio
de navegador coin marinheiros portugueses, procurasse
tallibem visitar a Madeira, afim de obter novos elementos
para a realisação do gigantesco plano, que certamente ha
muito lhe assediava o espirito.
A data mais provavel da permaiiencia de Colombo
nêste arqiiipélago está compreendida no periodo decorrido
de 1743 a 1745, sendo no primeiro dêstes anos, que João
Esmeraldo aforou ou comprou a Rui Gonçalves da Câmara,
como já fica referido, as terras da Lombada da Ponta do
Sol. Não seri, pois, inteiramente inverosimil aceitar-se a
possibilidade de ter o futuro descobridor da America visi-
tado aquela propriedade, a admitir-se as estreitas relaqões
de amisade, que entre os dois se mantinham, chegando a
afirmar-se que João Esrneraldo dera ao seu seg~indo
filho o nome de Cristovão, como homenagem ao ainigo, que,
ao ternpo. já era o ilustre e festejado descobridor do Novo
Mtitlcl!~.
O rapto de D. Isabel de Abreu

Vários nobiliários e antigas crónicas referem porme-


norisadamente o conhecido episódio do rapto de D. Isabei
de Abreu, a que Gaspar Frutuoso tambem consagrou seis
estiraçadas páginas, (18) o que prova a grande retumbancia
que o caso teve na época, havendo ate sido aproveitado
alguns séculos depois, por poetas e novelistas, para assunto
de diversas composições em prosa e verso (I@).A principal
protagonista dessa cavaleirosa e tomantica façanha foi
D. Isabel de Abreu, irmã de D. Agueda de Abreu e cunhada
de Joáo Esmeraldo, e teve seu epilogo nas terras da Lombada,
que serviram de teatro a essas cenas de puro feudalismo,
que hoje, vistas a luz dos costumes da nossa época, nos
causam tamanha admiração e assombro. Seguindo a
larga descrição das Saudades da Terra, deixámos nas
páginas do Elucidario Madeirense uma breve narrativa
dêsse episbdio, da qual vamos trasladar alguns periodos,
que ponham mais em relevo a acção dramática desse curioso
sucesso, ocorrido a pequena distancia da Idade Media,
época fertiljssima em acontecimentos de semelhante na-
tureza.
D. Isabel de Abreu, que era viuva de Joao Rodrigues
de Noronha, filho do terceiro capitao donatário do Funchal
Simão Gonçalves da Câmara, vivia na sua casa do Arco
da Calhêta, possuidora duma avultada fortuna, quando
Antonio Gonçalves da Câmara, sobrinho do mesmo capitáo
donatrlrio e que ali morava próximo, se introduziu violen-
tamente e a desoras nas casas de D. Isabel, com o fim de
a levar a contrair casamento com ele. D. Isabel conseguiu
convencer António Gonçalves Câmara da inconveniencia
(te) Saud. pag. 197 e seg.
(19)Entre outros, Silva Lial, no vol. 7.' do Panorama, com o titulo de *Bem-
querer e mal fazer..
duma proposta de casamento em tais condições e convi-
dou-o a comparecer no dia seguinte, para se tratar entáo
das formalidades do matrimonio, a que ela de boa mente
acederia. Fez-se António Gonçalves da Câmara acompa-
nhar duma comitiva de cêrca de cincoenta cavaleiros da
Ponta do Sol e Ribeira Brava, dirigindo-se a casa de D. Isa-
bel, que no dizer dum cronista se fez .forte em suas casas
com sua gente que muita tinha, e achando-se António Gon-
qalves zombado, injuriado e afrontado se tornou para sua
fazenda, embarcando-se dali a poucos dias para Lisboa*.
Decorridos alguns anos voltou António Gonçalves da
Câmara a sua casa da Madeira, sem perder de vista o velho
intento de casar com D. Isabel de Abreu. Dirigindo-se esta
a vila da Calhêta, em companhia de alguns parentes, e
passando em frente da moradia de António Gonçalves,
tomou este a s redeas do cavalo em que ela montava e au-
xiliado por gente armada obrigou-a a entrar violentamente
em sua casa. Dado conhecimento do estranho caso ao ou-
vidor do Funchal, por estar ausente o capitao-donatdrio,
compareceu êste com uma numerosa força armada, tendo
esta que defrontar-se com a resistencia que ia op6r-lhe
António Gonçalves, pois se preparava para desobedecer ás
ordens do ouvidor, conservando D. Isabel de Abreu presa
em sua casa. Estava iminente uma encarniçada luta, em
que de ambos os lados havia partidários, parentes e ami-
gos, quando António Gonçalves da Câmara e D. Isabel de
Abreu assomando a uma varanda da residencia declararam
que tinham chegado a um amigavel acordo e que podiam
retirar-se o ouvidor e a força que o acompanhava.
Quando êstes se dispunham a partir, fez D. Isabel de
Abreu sentir ao seu prometido esposo que avindo com o
Ouvidor muitos parentes seus e amigos, não era razáo que
sem comer se tornassem por tão comprido caminho e jii
que tudo estava em paz os convidasse.. Acatando os de-
sejos de D. Isabel de Abreu, mandou António Gonçalves,
que .entrasse o ouvidor com a sua gente, alcaides, meiri-
nhos e juizes de todas as vilas e logares daquela capitania
na sala, e arremeteu D. Isabel e apegou-se a êle dizendo e
queixando-se que António Gonçalves forçosamente a tinha
naquela casa e que lhe valesse com j u s t i ~ a ~Na. companhia
do ouvidor e dos cento e cincoenta homens que compu-
nham a força armada, seguiu D. Isabel de Abreu para os
Funchal, indo, porem, pelo adiantado da hora, pernoitar nas
casas de seu cunhado João Esmeraldo, que ficavam na
Lombada da Ponta do Sol e eram a séde do rnorgadio
do Santo Espirito.
António Gonçalves da Câmara não era homem para
resignar-se a sofrer um novo ludibrio, que êle considerava
a maior das afrontas, por parte da mulher que queria con-
quistar, levado pela violencia do amor, pelo orgulho ofen-
dido ou pela ambição de possuir a sua fortuna. Logo se
preparou para a desforra e desta vez resolvido ás .mais
extremas violencias. Reuniu imediatamente vários parentes
e amigos e muitos homens armados das freguesias visi-
nhas, sem exclusão de ladróes e assassinos que por ali
andavam homisiados, preparado tambem com dois falcões,
que eram peças de artilharia do tempo, afim de atacar as
casas onde se encontrava D. Isabel de Abreu com os 08-
ciais de justiça. Pôs-lhe apertado cerco, ate que, no fim de
oito dias, considerando os parentes de D. Isabel os males
que podiam resultar desta luta sangrenta, resolveram que o
casamento se realizasse, pondo-se dêste modo termo a
uma contenda em que entravam, além de muitos outros,
quatro irmãos, dois de cada lado, prestes talvez a mutua-
mente se darem a morte.
Chegados D. Isabel de Abreu e António Gonçalves
da Câmara, diz Gaspar Frutuoso, a sua fazenda, e rece-
bendo-se ambos, foram feitas grandes festas e bodas, em
que comeram todas aquellas pessoas que os acompanha-
ram. Estavam na sala primeira dos seus paços quatro potes
de prata fina em quatro cantos della, que levaria cada hum
delles tres almudes d'agua, com quatro pucaros de prata,
cada pote com o seu, presos com cadeyas do mesmo : e
toda aquella gente honrada que se achou naquelle ban-
quete, que seriam mais de duzentas pessoas, fóra outras, e
servidores que eram mais de outros tantos, comeram todos
em baixella de prata, sem se entremeter no serviço cousa
de barro, nem estanho, onde se gastaram ricos e exquesitos
manjares de toda a sorte, como os sabem fazer a s delica-
das mulheres da Ilha da Madeira, que além de serem mui
bem assombradas, mui fermosas, e discretas, e virtuosas,
sáo extremadas na perfeição delles, e em todas a s inven-
çbes de ricas cousas que fazem, não tão sómente em pano
com polidos lavores, mas tambem em assucar com deli-
cadas fructas >>.
D. Agueda de Abreu, irmã de D. Isabel de Abreu, não se
conformando com o casamento nem com as violencias que
o precederam, apresentou suas queixas ao monarca, que
mandou a Madeira o desembargador Gaspar Vaz sindicar
do estranho caso, resultando serem alguns condenados A
morte e outros a desterro. Ant6nio Gonçalves da Câmara
homisiou-se e fugiu depois para Canárias, emquanto sua
mulher se recolhia ao convento de Santa Clara. Das Caná-
rias dirigiu-se a Africa e aí prestou valiosos serviços, assi-
nalando-se pela sua bravura e coragem. Isto e mais ainda,
por certo, a interferencia de sua mãi D. Joana de Eça, que
era camareira-mór da rainha, junto do monarca, alcança-
ram-lhe o perdão e p8de voltar a paitria, onde ainda viveu
alguns anos com sua mulher D. Isabel de Abreu.~(9
O estranho e pitoresco episódio, que fica sumaria-
mente narrado, deve ter ocorrido pelo ano de 1531,segundo
as indicaçdes fornecidas por alguns antigos nobiliários
madeirenses. Não sabemos se Joáo Esmeraldo o Velho,
que ao tempo era homem de idade muito avançada, se
encontrava então no seu solar da Lombada, mas algures se
diz que o filho Cristovao Colombo estava ausente, bata-
lhando no norte de Africa, onde se distinguiu como esfor-
çado cavaleiro. E' de presumir que estas circunstancias
aconselhassem D. Isabel de Abreu e os que a acompanha-
vam, naquela arriscada e porventura trágica aventura, a
ceder a brutal imposiçao do orgulhoso e tresloucado pre-
tendente, consentindo-se, por fim, no casamento, que talvez
se tivesse realisado na capela do Santo Espirito, sede e
centro do morgadío na Lombada, ainda posta em apertado
cerco pelas forças aguerridas de Antdnio Gonçalves da
Câmara.

(ao) D.Joana de Eça, mãi de Antúnio Gonçalves da amara, era camareira-


mór da rainha D. Catarina e gosava de grande prestigio e irffiuencia na corte,
tendo sida por sua indicação que o padre Luiz Gonçalves da Câmara, seu pró-
xinio parente, fâra nomeado mestre e aio do rei D. Sebastiao. D. Joana de Eça foi
a restauradora e padroeira do comenta da Esperança em Lisboa,e ainda ha poucas
anos se encontrou nas ruinas da respectiva igreja a pedra que cobria a sua se-
pultura, tendo nela gravado o seu nome com o titulo de padroeira.
A industria sacarina
Embora as vastas e fertilissimas terras da Lombada
náo podessem produzir, no tempo de João Esmeraldo e
ainda mesmo em epoca muito posterior, as vinte mil arro-
bas de açucar de que tão hiperbólicamente nos fala Fru-
tuoso, e todavia indubitavel que a Ponta do Sol, não só foi
um dos primeiros lugares em que mais largamente se pro-
cedeu ao plantio da cana sacarina, como tambem em breve
se tornou um dos maiores centros industriais no fabrico do
açucar, graças ao notavel desenvolvimento que o distinto
fidalgo flamengo soube imprimir a cultura agricola e á s
industrias suas derivadas. As referencias do autor das Sau-
dades veem apenas confirmar a importancia dêsse movi-
mento industrial e fornecer-nos interessantes noticias ácerca
dos meios de que geralmente naquela epoca se lançava
mão para a cultura das terras e outros elementos de colo-
nisação. Haja vista o que posteriormente se deu, em mais
larga escala, com o povoamento e as exploraçbes agricolas
nas terras brasileiras.
Como já atrás referimos, os escravos africanos foram
os melhores auxiliares que tiveram os sesmeiros continen-
tais no amanho das terras que lhes eram coricedidas. E não
admira que chegasse a oitenta o numero desses pobres
negros sujeitos á servidão, existentes nas fazendas da Lom-
bada e de que Esmeraldo se servira para o rêpido desen-
volvimento agricola que elas chegaram a atingir.
Eram muito rudimentares os processos empregados
no fabrico do açucar, quando, por meados do século xv,
se desenvolveu largamente a cultura da cana sacarina.
Umas prensas manuais, construidas de madeira e conhe-
cidas pelo nome de alçapremas, constituiain as primitivas
maquinas em que eram esmagadas as canas e obtidas
as respectivas garapas. Vieram depois os a engenhos. com
cilindros feitos de troncos de til, de dificil e penoso manejo
braçal, a que os fortes musculos dos escravos davam um
vagaroso mas continuado movimento. O primeiro engenho
movido a 5gua data do ano de 1452, em que foi feita a
Diogo Teive uma concessão para o construir (P*) e levan-
tado na margem duma das nossas ribeiras, mas em local
que hoje se desconhece. Havia então o açucar chamado
duma e de duas cozeduras, sendo o primeiro de qualidade
superior ao segundo. No livro do doutor Manuel Constan-
tino, publicado em Roma no ano de 1599, encontram-se o s
seguintes interessantes pormenores : ...a garapa passa
por cinco recipientes sucessivamente, de modo que a pri-
meira a entrar, logo que chega a ferver até um certo ponto
vai sendo baldeada para outros recipientes, onde coze a
fogo brando, separadamente, até chegar aquêle ponto pre-
ciso, que permite a sua condução em recetaculos feitos d e
terra ou barro. A segunda espuma, pois a primeira 6 dei-
tada fóra, que na continuação da fervura ou cozedura vai
aflorando, é guardada em pipas e é muito parecida com o
mel, se bem que um pouco mais liquida e escura. Os ma-
deirenses chamam-lhe *melaço. e dêle se servem apenas
para a engorda de cavalos misturado com farelo e palha.
Os comerciantes franceses e ingleses, porem, exportam-no
para os seus países, usando-o em lugar de mel Era
nas chamadas .casas de purgar. que os açucares se depu-
ravam e recebiam os últimos aperfeiçoamentos de fabrico,
sendo ali convenientemente preparados para o consumo
local e sobretudo para a exportaçáo.
Quando João Esmeraldo, nos fins do século XV, des-
envolveu um grande movimento fabril e agricola nos seus
domiiiios da Lombada, jB teria entao a industria açucareira
atingido um relativo estado de perfeiçao nos seus proces-
sos de fabrico, sendo todavia muito provavel que Esme-
raldo houvesse notavelmente concorrido para que essa
lucrativa ind~istriafosse ainda melhorada e aperfeiçoada
nas qualidades da sua produçáo, se atendermos ao seu
genio empreendedor e ao alto de grau de prosperidade a

(21) Saudades, ed. de 1873, pag. 66!5.


(12) lfistdria da ftha da Madeira pelo Doutor Manuel Constantino, vertida do
latim pelo padre J. Baptista de Afonseca e prefaciada e anotada pelo autor dêste
*pusculo. Funçhal, 19.3.
que soubera elevar a cultura daquelas terras, que então
constituiam a mais vasta e rica propriedade de todo o ar-
quipklago. As <<vintemil arrobas~,que hoje corresponde-
riam a trezentas toneladas, são, sem dúvida, a maneira
hiperbólica de exprimir uma ideia, mas representam, na
reaiidade, uma produção industrial muito abundante, que o
cronista quis fixzr por meio duma frase retóricamente
exagerada . . .

IX

As instituições vinculares
João Esrneraldo, nobre de origem, com fóros de fidal-
guia confirmados pelo rei de Portugal, senhor abastado de
extensos dominios territoriais, quis transmitir êsses direitos
e regalias aos seus descendentes e assegurar-lhes a per-
petuidade dos titulos e bens de fortuna de que largamente
usufruia. As instituições vinculares, com a intacta trans-
missão de haveres inalienaveis em sucessivos administra-
dores e entre membros da mesma família, perpetuavam os
nomes dos seus fundadores e permitiam manter com pres-
tígio e por vezes com brilho os privilégios e honrarias ine-
rentes a essas instituições, tão ambicionadas na 6poca e
que gosavam da maior consideraçáo social, ainda mesmo
acima da virtude, do saber, do talento e da riqueza.
Foi assim que João Esmeraldo, destinando a vincula-
ção as terras da Lombada da Ponta do Sol, que correspon-
dem aos actuais sítios da Lombada propriamente dita, do
Jangao e do Lugar de Baixo, e ainda outros haveres que
possuia, instituiu os dois morgadíos do Santo Espírito e
do Vale da Bica, que foram dos mais importantes que exis-
tiram em todo o arquipélago. Por escritura pública de 12
de Junho de 1522, na presença e com pleno assentimento de
sua mulher D. Agueda de Abreu e seus filhos João Esme-
raldo e Cristovão Esmeraldo, fez João Esmeraldo o Velho,
já entáo assim conhecido, a divisão da Lombada em duas
grandes propriedades, estabelecendo uma linha divisória,
que se estendia do Pico das Pedras, junto do Paul da
Serra, pelo chamado Caminho do Concelho até a Cova
do Pico da Amendoeira e dêste ponto até entestar com a s
gguas do mar. Pela inorte de João Esmeraldo vriam lan-
çadas sortes e caberia a cada filho a parte que os azares
das rnesrnas sortes houvessem de indicar. Esta escritura,
porem, iiao criava ainda a s instituições vinculares, que
foram estabelecidas por iilstrumentos públicos de datas
posteriores, se é que foram, por êste meio, instituidos o s
dois vinculos e não sómente um, como adiante teremos
ocasiáo de dizer. O morgadío do Saiito Espirito teve a sua
fiindação no ano de 1527, por escritura pública de 12 de
Dezembro do mesmo ano, sendo aprovado e confirmado
por carta régia de 28 de Janeiro de 1528, a qual, apezar da
sua grande extensão, vamos transcrever aqui textualmente,
não só pelo particular interesse que oferece ao assunto
desta memória histórica, mas ainda como um subsidio de
informação para o estudo dos costumes e da mentalidade
dos homens dessa época. Trata-se dum manuscrito origi-
ginal, em pergaminho, lançado com bela caligrafia e em
excelente estado de conservação, que s e encontrava no
copioso cartório da casa do segundo Conde de Carvalhal,
ultimo sucessor na administraçáo do morgadio do Santo
Espirito. Ei-10 :
~ D o i nJohã por graça de Ds. Rey de Portugal e dos algarves
daquem e dalein mar em Africa Snôr da Guinee e da conquista na-
vegaçám comercio da Ethiopia, Arabia, Persia e da India a quantos
esta minha carta virem: faço saber que por parte de Joahm smeraldo
fidalgo de minlia casa e Agueda dabreu sua molher moradores na
minlia illia da madeira Me foy apresentado hum p~iuricostormento
de iristituiqirn de morgado que ora fizeram dua parte de seus bees:
no qiial o trelado he o seguinte. Em nome de Ds. Amen. Saibam
quatitos este stormento de instituiçam e vinculaçam de bees assim
dizirneiros como foreiros em fatiota para sempre virem que no ano
do nascimento de nosso Sn6r Jhu Cristo de niil quinhentos e vinte
sete anos em doze dias do mez de dezembro ria ilha da Madeira na
Lombada e assentamento de Joham smeraldo o Velho que he no
termo da cidade do Funchal : sendo elle hi presente e Agueda dabreu
sua inltlher presente mi notario pruuico e testemunhas ao diante
scriptas: estes ambos dixeram que elle Joham smeraldo tinha afo-
rada ri dita lombada em fatiota a Ruy Gonçalves que foy capitam da
ilha de Çam Miguel e a dona Maria de Betancor sua molher: e assi
na Lombada tinhá comprado muita terra outra por carta de compra
que era dizemeira: e mais tinhã dizemeiras outras terras e casas e
cngenlios pegados com a villa lia Ponta d o Sol : E assim tintiã um
niiiito tionrado aponsentametito na cidade d o Fuiichal corri outras
casas pequenas: e que sua vontade fora sempre por serviço d e Ds.
e salvaçam de suas almas: e pelo grande amor que teni a seu filho
Christovam smeraldo lhe fizeram morgado da legitima pte d a fa-
zenda que tem na dita illia assi dizemeira como foreira: e porque lia
tnuitos dias que eles Joliaiii snieraldo e Agueda dabreii sua niolher
tem feita partillia de toda sua fazenda assi forcira como patrirnoniaf
antre o dito Christovam smeraldo e Joliarn smeraldo seus fillios : por
;ião terem outros filhos iiern herdeiros legitimos e naturais : nem OS
speram por via de natureza a ter por serem já velhos, a qual
partilha tem feito antre elles para depois da morte de qualquer
delles sews pais: elles ditos seus filtios lançarem sortes e tomarem
cadaurn seu quinharn que por sorte lhe acontecer da partillia que
eles sews pais tem feita: por consentimento e aprazimento delles
dictos seus filhos a qual partilha Iie confirmada por El-Rey nosso
Snbr segundo milhor e mais cotnpridamente tudo consta no stor-
mento da partilha confirmada pelo dicto Snôr. E porque os pas-
sados deste mundo por memoria de suas boas obras vivem: dei-
xando casas e bees de morgado suas almas podem receber de
seus sucessores obras caritativas porque mereçam : temendo ads.
e querendo-lhe dar gracyas das muitas merces que Ilie tem feitas:
querem ordenar como ordenado tem este morgado: d o qual se
seguem muitos proveitos a seus sucessores: por que quando fica
cabeça nas linhagens se pode inillior conservar a nobresa e o s fidal-
gos e liomeês nobres ainda que em rniiitas fadigas se uissetn : tendo
morgado sempre seus fillios ficaão repairados e seiis parentes tem
abrigo e meltior emparo do que poderiam ter seiido a fazenda divi-
dida por partes : F'orque se viram muitos Iioiiieês de niuito grandes
fazendas e rendas por deixarem muitos filtios e siias fazetidas serem
por eles repartidas o s dictos seus filhns ficarern pobrcs e fenece a
rnemQria dos dictos defuntos e de setis Iierdeiros coelles : e portanto
eles sempre tiveram e tetn voiitade a viriciilar o s ditos bees: para
que etn nenliiini tempo possam ser vendidos trocados escáibados e
sempre andeni em o Iierdeiro legititiio prinio geiiito barrim e seus
descendentes. D o qual rnorgado cóstittieni ao dito Christovam
smeraldo seu fillio ern atnetade de todos (1s bees de raiz que
direitamente lhe pertencem por bem da dita partillia; e que aqueles
bees que acontecerem ao dito Christovam smeraldo seu fiiiio em
sorte e partillia segundo forrna d o stormento das partiliias acima
dicto e relatado: desses diçrram que faziam o dicto morgado: e
aqiiella metade que assi Ilie acontecer nos ditos bees: essa será
a que sempre andará junta e avinculada e em morgado: da maneira
que dito tem e nó outros algiilis. E quanto Iie aos bees d o Arco
que ella Agueda dabreu tem lierdado por tiiorte de seu pay e tnay,
estes ficam de fora para ela Agueda dabreu, delles despoer o que
bem Ilie vier: segundo se contem no dito stormento e contrauto
das partilhas: e por esta causa o melhoram ern parti: de suas terças
alem de sua legitima: segundo s e contem no dicto stormento d e
partilhas. E na socessam d o dicto morgado s e tem a maneira se-
guinte: avendo o dicto Christovam smeraldo fill~osbarões legitimos
d e legitimo matrimonio herdam o primo genita sendo abile e idonio
para isso: porque não o sendo o que Ds. não mande herdará então
o segundo e ficari por primo genito: e emquanto houver filho ma-
cho não herdará femea: e sendo caso que não haja filhos machos
antani herdarA femea a mayor e primo genito sendo abile para casar
porque quando não for abile e idonea para casar o averá a segunda
filha de sorte que o dicto morgado seja possuido e administrado
por pessoas idoneas e autas para isso. E quando hi nõ houver mais
que hum macho e nõ for idoneo e abile para herdar o dicto mor-
gado: querem que em tal caso que venha a femea mayor sendo para
isso abile e quando o não for vira a segunda: e se não ouver se-
gunda entam ficará com o primo genito macho sem embargo de n õ
ser abile e idoneo: porque assi querem que lhe fique sendo caso que
nõ aja senó hum filho. E sendo caso que não seja para isso abile e
idoneo lhe ficará o dicto morgado e sempre andará o dicto morgado
por linha direita de ascendente em descendente de filho a neto ou
neta nó avendo neto como dicto he: E nõ havendo hi descendente
d o dito Christovam smeraldo d e legitimo matrimonio o que Ds. nõ
mande nem queira: sendo elles constituintes falecidos herdar8 o
dicto morgado o parente seguinte em grao pela maneira d a socessam
acima dicta porque querem q avendo hi parente em grao macho nõ
herde femea. E porque nossa vontade he enquanto for possivel que
o dicto morgado ande em nossos descendentes para sempre por linha
direita: sendo caso que o dicto Christovam smeraldo nosso filho n õ
aja filhos ou filhas legitimos de sua molher avendo algum filho ou
filha bastardo de mollier solteira sendo legitimado por El-Rey
nosso Snôr Ihes apraz que o herde tendo-se nelles a maneira d a
sucessam acima decrarada. E querem e Ihes apraz qiie esta maneira
d a sucessarn por eles acima decrarada com todalas clausulas que dictas
tem em seu filho Christovam smeraIdo s e tenha em todos os soces-
sores deste morgado para todo o sempre. E assim querem e mandam
que os socessores do dicto morgado para o averem de herdar s e chame
e nomeem para sempre do apelido e alcunha de smeraldo. Aos quaes
mandam que cumprão e paguem o f ô r ~d a dita fazenda foreira ao
tempo que elles são obrigados paguar segundo forma do stormento
do aforamento: o qual foro pagaram muito bem ao senhorio que
pellos tempos forem da dita fazenda foreira: e mais os socessores d o
dito morgado seram obrigados comprir para sempre os carregos da
capela que elles Joham Esmeraldo e sua molher tem ordenado : se-
gundo se contem no stormento das ditas partílhas. E porque El-Rey
nosso Snôr aprouve dar outorga a este morgado e para milhor de-
claraçam e ordenaçam delle foi necessario declarar o que dito he:
E por que o dicto Christovam smeraldo seu filho ainda nõ tem
filho nem filha a que periodiq na socessam e o dito morgado ser j&
feito e elles Joham smeraldo e sua mulher serem ainda possuidores
de toda a dita fazenda e assi dela senhores como sempre foram e
porque suas vontade he cornprir se esta instituiçam e vinculaçam n o
milhor modo e maneira, que poder ser e por direito mais valer. E
pedem por mercê a sua Alteza que a confirme e a ella dê todo o
poder e firmeza para que sempre seja valiosa e firme e com todas
estas declarações a confirme: E se aqui falecer alguma crasula ou:
crasulas que necessarias sejam para se cumprir e afirmar a dita
instituiçam as aviam aqui por expostas e declaradas: e que sua
Alteza as possa por elles soprir e declarar. E se tambem aqui ha
algii8 ou algiias crasulas que empidam a dicta instituiçam e vincu-
laçam elles as aviam nenhiias nem expressas porque suas tenções
são o dito morgado ficar hiia vez firme e valioso para sempre. E o
dicto Christovam smeraldo que a isso presente estava dixe que era
muito contente de os dictos seu pay e rnay fazerem o dito morgado
da maneira acima dicta e que ainda que no dicto morgado entrassem
os beês e fazenda que elle avia de herdar de sua legitima por morte
dos dictos seu pay e may: elle todavia era contente e lhe prazia que
delles se fizesse o dicto morgado e nisso consentia expressamente e
pormeteo de em todo comprir o neste stormento conthiudo : por si
e por seus socessores decendentes: pede por merce a El-Rey nossa
Snôr que o confirme da maneira que o s dictos seu pay e may o
pedem e requerem. E bem assi a esto presente estava Dona Lionor
datouguia molher do dito Christovam smeraldo: ouvio ler de verbo
a verbo este storrnento; e eu tabaliarn lhe perguntei se consentia ella
e avia por bem o nelle conthiudo e por eila foy dicto que neste caso
nom era necessario seu consentimento : porquanto ella casara com
o dicto Christovarn smeraldo per dote e arras e nos dictos beês que
assi o dicto Joham smeraldo fazia morgado ella nãc avia d e herdar
nem meeyra: porque somente a via daver seu dote e suas arras no
caso em que as vencesse. Porem ella por mais abastança: se seu
consentimento aqui era necessario ella consentia nisso e o aprovava
e avia por bem assi como nelle era conthiudo e queria que se guar-
dasse e comprisse em todo. E em todo o tempo se obrigaram elles
partes ter e comprir este storrnento e condiçõeS delle, e nenhum se
nom arrepender nem afastar a fora per nenhuã razam: sobre obri-
gaçam de todos seus bees moveis e de raiz avidos e por aver que
pera ello obrigaram e em testemunho de verdade mandaram e ou-
torgaram assi ser feito este stormento e pediam cadauu o seu e os
que Ilie cumprissem deste theor. Testemunhas que ao presente foram
Christovam Fernandes crelego de missa seu capeHam e Manuel
Simaáo outrossy crelego de missa stantes na dicta Lombada e Rui
pires moleiro do moinho delles Joáo smeraldo e sua molher: e as
dictas Agueda dabreu e dona Lionor datouguia per s e per suas
&
rnaãos a firmaram por saberem screver e eu Joham liz escorceo
notario pubrico por El-Rey nosso Snôr na dicta cidade e seus termos
que este stermonto de contrauto e instituiçam e vinculaçam de mor-
gado em meu livro de notas notei e delle tirey e escrevi aqui em
dezoito folhas pera o dicto Christovam smeraldo e com o próprio
original concerteí e de meu puuico sinal assinei. Pedindo me por
merce os ditos Joáo smeraldo e Agueda dabreu sua molher que lhes
aprouasse e confirmasse o dicto stormento d e instituiçam de more
gado com todas as crasulas e condições em elle decraradas asi e tarn
inteiramente como em elle se contem: e visto por mim o dicto stor-
mento vendo que a tençam e fundamento dos dictos Joham smeraldo
e Agueda dabreu he justo e honesto e assi mesmo que he muito meu
serviço e dos Reys que pelos tempos ao diante forem Tenho por bem
e Ilie aprouo e confirmo o dicto stormento e instituiçam de morgado
assi e tam inteiramente como em elle se contem e com todalas cra-
sulas e condições em elle conthiudas. E isto nom se dimenuindo as
legitimas doutros herdeiros legimos dos dictos instituidores se os
ouurer. E assi quero e mando que em tudo se cumpra e guarde e
seja firme e valioso sem embargo de quaesquer leis e ordenações
direitos façanhas e oupeniões de doutores e de quaesquer outras
cousas que em contrario nisso sejam e possam ser per qualquer'
guisa modo e maneira que seja e todo ey por reuogado e anulado e
quero que seja nenhum e de nenhum vigor nem força emquanto
contra a dicta instituiçam de morgado forem. E posto que sejam ties
que de feito ou de direito se devesse fazer aqui dellas ou de cada
huua dellas expressa mençarn por que assi como se aqui expressa-
mente fossem decraradas quero que haja lugar esta minha dero-
gaçáo. E porém mando a todos meus corregedores desembargadores
juizes justiças e a todos outros oficiais e pessoas a que esta minha
carta for mostrada e o conhecimento dela pertencer que em todo a
ci~mprã e guardem e façam comprir ter manter e guardar o dicto
stormento de instituição de morgado como se em elle contém sem
duvida nem embargo ne contradiçam algua que a ele seja posto
porqiie assi he minha merce. Dada em a minha villa dalmeirim a
xxbnr das de Janeiro Antonio Godinho a fez de ibcxxb111. E isto
ey por bem e mando que se cumpra pelo modo sobredito nõ preju-
dicando a qualquer direito que os senhorios direitos das terras fo-
reiras que nesta carta de morgado vam metidos nela púderiá ter assi
por rezam do direito dominio como por qualquer outra maneira que
seja e como se neste nó fossem postas ne fosse esta carta por mim
confirmada EZ-Rey S.

Era verosimil e até muito provavel o admitir-se que João


Esmeraldo e sua mulher D. Agueda de Abreu, logo após a
celebração da escritiira de partilha das terras da Lombada
em dois grandes lotes, a favor de João Esmeraldo e Cris-
tovão Esmeraldo, e ainda tambem depois de feita a insti-
tuição dum morgadio na pessoa deste último, se seguisse
a criação doutro rnorgadio, que vinculasse a parte restante
das mesmas terras, as quais sómente por morte dos insti-
tuidores seriam divididas, por meio de sortes, entre OS dois
filhos de João Esmeraldo o Velho. Da instituição vincular,
que teve Cristovão Esmeraldo por primeiro administrador,
deixamos acima transcrita a respectiva escritura e a confir-
macáo do rei, mas do morgadio de que João Esmeraldo foi
o primeiro administrador não temos conhecimento do ins-
trumento público que o instituiu, e até num processo judi-
cial de meados do século xvir, havido entre os morgados
do Santo Espirito e do Vale da Bica, se alega que êste último
náo chegára nunca a sêr criado e que portanto não podiam
&r alegadas a favor dêle as leis que regulavam as insti-
tuiçaes vinculares, no que dizia respeito a sucessão dos
seus administradores. Parece que os senhorios directos dos
terrenos do Vale da Bica se consideravam dentro do regi-
men e dos privilégios inerentes aos morgadíos, porque
tinham a primeira escritura de partilhas feita por João Es-
meraldo na conta e com a força duma verdadeira institui-
@o vincular. Foi esta a doutrina que prevaleceu, apesar da
falta dum documento autentico, que sem vislumbres de
dúvidas provasse a existencia legal dessa criação.

Casa Solarenga

Era sem duvida a mais ampla e aparatosa casa sola-


renga dos campos da Madeira, que ainda situada numa
cidade populosa náo deshonraria a jerarquia dos seus mais
ilustres moradores. A grande e apalaçada frontaria, de as-
pecto nobre e senhoril, os seus três espaçosos pavimentos,
o numero e largueza das suas salas, os vastos pateos e
eirados, a sua invejavel situação sobranceira aos terrenos
circunjacentes, tendo ao lado a rnagnifica capela, tornavam-
na uma suntuosa vivenda de ricos e antigos fidalgos, que
ali ostentassem o fausto e a grandeza da sua opulencia, de
par com o brilho e o aparato dos seus armoriados brazões
e pergaminhos. Volvidos uns tantos anos, como exemplo
eloquente da caducidade das cousas terrenas, vemos a asa
negra da miseria roçar sinistramente por estas paredes, que
foram testemunhas mudas das ilusórias vaidades humanas,
que por ali delirantemente se estadearam . . .
Presume-se que o primitivo solar da Lombada tivesse
sido edificado pelo flamengo João Esrneraldo, em época
coeva da construção da capela do Santo Espirito, isto 6 ,
na primeira década do século XVI. Não seria inicialmente
de proporções tão aparatosas e teria no decorrer dos tem-
pos recebido ampliações e melhoramentos, a medida que a
instituição vincular, por êle criada, fora crescendo em ri-
queza, prestigio e importancia social. No último quartel do
séciilo s v r , ai por 1590, diz o historiador açoreano #que.. .
foi esta a maior casa da ilha e tem grandes casarias de
aposentos, casas de purgar, igreja.. .>),como já atrás fica
referido.
Por essa época, era administrador dos dois vinculos
João Esmeraldo de Atouguia, que conjecturamos ter sido o
que ampliou a casa solarenga, a que alude o doutor Gaspar
Frutuoso. A administraçao dos dois morgadíos separou-se,
mas as casas de habitação ficaram pertencendo a ambos,
com grandes inconvenientes para os dois usufrutuArios, ate
que, no ano de 1679, Luiz Carvalhal Esmeraldo, morgado
do Santo Espirito, trocou, por oito dias de água, a parte
que nas mesmas casas tinha António de Carvalhal Esme-
raldo, morgado do Vale da Bica. A essa troca se refere a
seguinte inscriçáo lapidar, que se encontra no pateo inte-
rior e sobre o limiar da porta, que dava entrada para o
salão nobre :-<<Estas casas reedifcou Luir Esrneraldo de
Atouguia possuidor legitimo do morgado do Santo Espirito
que venceu a primeira demanda por sete votos conformes e
a segunda por três todos confirmaram ser o legitimo su-
cessor e proprietário e de oito dias de rigua ao morgado
da Bica 1679- Troquei por metade destas casas arruinadas
a dita água.. Pelos dizeres transcritos se vê que Luiz Es-
meraldo de Atouguia restaurou a velha casa solarenga, que
então se achava já em adiantado estado de ruina. A inscri-
çáo tambem se refere ao grave e prolongado pleito judicial,
havido entre os administradores das duas casas vinculadas,
com respeito ao direito de administração e sucessão das
mesmas, da qual nos ocuparemos em outro capítulo dêste
opúsculo.
Na porta exterior do solar, que dá acesso ao primeiro
pateo, encontra-se no alto do limiar uma pedra lavrada com
um escudo esquartelado, tendo no primeiro quartel as armas
dos Ciimaras e nos outros tres as dos Esmeraldos e lendo-se
nessa pedra a data de 1672 e o nome de Luiz Esmeraldo.
Junto da inscrição, que se acha sobre a porta que
comunica o salão nobre com o eirado, encontra-se gravada
na cantaria da mesma porta a data de 1780, que parece
recordar a ligação então estabelecida entre o referido eirado
e o sobredito salão, e tambem a realisação de importantes
melhoramentos executados naquela parte do grande solar.
Ficaram na tradição as noticias das deslumbrantes
festas, que em diferentes épocas se realisaram no vasto
solar da Lombada dos Esrneraldos, sobresaindo a todas as
que o segundo Conde do Carvalhal e último administrador
dêste vinculo ali estadeou, com o seu costumado brilho e
aparato, nas rápidas passagens que fazia por estas casas,
pois 6 sabido que o mais tempo vivia no estrangeiro, na
sua casa de Lisboa e ainda no palácio de São Pedro ou na
suntuosa quinta do Palheiro do Ferreiro.
Estas arruinadas casas pertencem hoje (23) ao Minis-
tério das Colónias com a faculdade de cede-las para a ins-
talação duma escola, que eduque e prepare o pessoal mis-
sionário destinado ás nossas colonias ultramarinas.

XI

As Capelas

Deve supor-se que na grande propriedade da Lom-


bada, quando a sua exploração agricola atingiu um apre-
ciavel desenvolvimento e se tornou o fóco dum importante
centro de população, se levantaria sem demora uma pe-
quena capela, como geralmente sucedia nos recintos das
fazendas povoadas, espalhadas em diversos pontos da
Madeira. Teria sido, porventura, Rui Gonçalves da Câmara,
o flamengo Joáo Esmeraldo ou talvez os próprios habitantes
dêste povoado os edificadores da modesta edicula, cuja
existencia remontamos aos primeiros anos do terceiro
(23) A T ~ 8.0-S<?O
.~ cedidas a favor do Ministério das Colónias, para os fins
designados no decreto n . O 12485, de 13 de Outubro de 1926, as ruínas do antigo
solar do Conde do Carvalhal, na Lombada dos Esmeraldos, e a cêrca anexa com
as respectivas águas (Decreto n.O 19268, de 24 de Janeiro de 1931).
quartel do século XV, sendo hoje impossivel determinar
com precisa0 o local em que fora construida e o nome da
sua invocação.
C a p e l a de S a n t o Amaro. Diz-nos o ilustre
anotacior das Saudades da Terra que João Esmeraldo o
Velho instituiu a capela de Santo Amaro antes do ano d e
1500, havendo ponderosos motivos para supôr que esta foi
posteriormente edificada aquela de que acima fazemos men-
ção. Da primeira não restam vestigios e talvez tivesse sido
demolida, afim de erguer-se, no seu próprio local, a igreja
do Santo Espirito, como abaixo mais largamente se dirá. Da
segunda existem ainda uns montões de antigos escombros,
que bem denunciam a sua incontestavel vetustêz. Os restos
de velhas paredes e umas caracteristicas seteiras nelas
abertas indicam-nos a antiguidade destas venerandas rui-
nas. O abandono a que foi votada e a sua quási completa
destruição devem atribuir-se especialmente a construç&o
da igreja do Santo Espirito, na primeira decada do se-
culo xvr, que pela sua situação e largueza oferecia maiores'
comodidades dos habitantes do lugar. Não é para causar
estranheza que havendo Joáo Esmeraldo mandado edifimr
uma ampla e bem ornada igreja, fizesse convergir para ela
as suas mais cuidadas atenções com prejuizo da capela de
Santo Amaro, que anteriormente mandara construir. O
mesmo aconteceu com os diversos sucessores na adminis-
tração do vinculo do Santo Espirito, porque, desde ha se-
culos, não se acha ela consagrada ao exercicio do culto.
Capela do Santo Espirito. Como já deixámos
dito, conjecturamos que tivesse sido, no próprio local da
antiga ermida, que João Esmeraldo levantasse a nova capela,
nos principios do século XVI, que Gaspar Frutuoso, nos fins
do mesmo s ~ c u l o ,chama enfaticamente igreja, e que, na
verdade, como tal poderia ser considerada, se atendermos a
certas condiçbes do meio. O novo templo não recebeu
apenas a ordinária e costumada benção do Ritual, minis-
trada por um presbitero, mas teve a aparatosa sagraç8o
episcopal, o que deve atribuir-se à sua amplidão, à relativa
irnportancia do lugar e tambem, por certo, a categoria social
do seu fundador. Foi o bispo de Tanger Dom Joáo Lobo
que procedeu no ano de 1508 a sua sagração, dizendo-se
algures que viera expressamente a Madeira presidir a cele-
bração dessa ceremónia religiosa, o que nos parece desti-
tuido de todo o fundamento ("1. Numa das paredes inte-
riores da actual igreja, conserva-se uma lápide, porventura
a mesma que se encontrava na antiga construção, onde se
leem as palavras seguintes : Esta Igreja foi consagrada
por D õ Joam Lobo Bispo de Tãiere aos 27 de Agosto
de 1508.. Teve capelão privativo desde o tempo do seu
fundador, como se vê dum documento atrás transcrito,
constituindo a manutenção do seu culto um dos mais obri-
gatórios encargos pios do morgadío do Santo Espirito,
havendo sempre os seus administradores guardado inaltera-
velmente os deveres que lhes eram impostos como pa-
droeiros desta capela.
Decorridos dois séculos, era administrador da institui-
ção vincular Cristovão Esmeraldo de Atouguia e Câmara,
moço fidalgo da casa real e uma das pessoas mais presti-
giosas do meio social madeirense, que resolveu alargar as
proporçbes da pequena igreja e orna-la com o mais apri-
morado esmero, imprimindo-lhe a autentica feição duma
'

capela de antigos paços reais, apesar do isolamento do


lugar e da distancia a que se achava da cidade do Funchal.
Demoliu a velha capela, que foi totalmente reedificada,
dando-lhe maior amplidáo, levantando-se nela cinco altares
e sendo dotada com as mais primorosas decorações inte-
riores no precioso trabalho de talha dourada, nas belas
telas que revestem as paredes, no rico e artistico lambris
de azulejos que cobre o roda-pes do templo e na magistral
esculturaçáo das figuras que adornam os altares. J8 alguem
chamou a esta capela um pequeno museu de arte, e sendo
na verdade um templo da fé cristã, não deixa de sêr tam-
(24) D. João Lobo, bispo de Tanger, era membro qualificado da Ordem de
Cristo, a que pertenciam no espiritual as novas terras descobertas e conquista-
das, em virtude das várias doações feitas pelos monarcas portugueses. Antes da
criação da Diocese do Funchal, aquela Ordem enviava para êste arquipélago os
sacerdotes que aqui exerciam os actos do ctilto, mandando em 1508 o bispo
D. João Lobo desempenhar nesta ilha as funções do ministério episcopal, afim de
satisfazer os instantes pedidos dos habitantes, pois que havia já cêrca de oitenta
anos que se iniciara o povoamento e ainda nenhum prelado viera a Madeira, o
que constituis um grave prejuizo para os interesses religiosos dos seus mora-
dores. No interessante livro do dr. Vieira Guimarães, intitulado A Ordem de Cristo,
lemos:-aja em 1508 para satisfazer os desejos destes reclamantes, o Vi ario de
Tomar (superior eclesiastico da Ordem) Ihes enviou o bispo de anel H>.
Lobo, que foi esperado elo mestre Frei Nuno com toda a cíerezia e lhe fizeram
João
muitas festas*. D. Jogo Lobo demorou-se mais dum ano nesta ilha, percorrendo
todas as freguesias e exercendo solicitamente a s diversas funções do seu cargo.
bem um templo de <<belasartes., em que a pintura, a e$-
cultura, a obra de entalhe e o azulejo teem uma condigna
e artistica representação, como já fica dito.
Os quadros a oleo não são, de certo, assinados por
mestres conhecidos, mas oferecem-nos pinturas artisticas
do mais correcto desenho, duma perfeita modelação e do
mais harmonioso colorido, talvez copias de distintos cul-
tores das escolas flamenga e italiana, tendo algumas delas
sofrido já a profanação de incompetentes restaurações. As
estatuas de São João, São Luiz, Nossa Senhora da Concei-
ção e de Cristo Crucificado constituem irrepreensiveis mo-
delos de escultura sacra, em que insignes imaginários im-
primiram toda a inspiração do seu genio e da sua ardente
fe religiosa. O magnifico lambris de azulejos, de dois
metros de altura, que reveste completamente o fundo das
paredes interiores, é um primoroso trabalho do tempo d e
D. João v, representando, em figuras alegóricas, os cha-
mados Frutos do Espirito Santo, em que as virtudes cris-
tãs da mansidão, da paz, da bondade, da ciencia, da pie-
dade, da sabedoria e da modestia são postas em eloquente
relevo, por expressivos e admiraveis simbolismos, de que
aquelas figuras são portadoras. A obra de talha dourada,
embora executada com esmero e de reconhecido valor
artistico, está trabalhada no decadente estilo barroco, que
tão generalisado se tornou no tempo da construção desta
capela.
A reedificação da igreja do Santo Espirito ter-se-ia
realisado no primeiro quartel do século XVIII, lendo-se no
limiar superior do portico a data de 1720, que parece sêr a
do ano do seu acabamento. Como já dissémos, é de pre-
sumir que o local escolhido tivesse sido o mesmo em que
s e erguia a demolida ermida, nas proximidades do velho
solar e em sítio tão pitoresco e de tão di!atados horisontes,
como aquêle em que, ela se encontra. E possivel que a s
decoraçóes interiores não ficassem então inteiramente con-
cluidas, pois que na face anterior do caro se diz que a
igreja foi pintada no ano de 1768. O primeiro conde do
Carvalhal procedeu ali a varias reparações e os seus ú1-
timos proprietários realisaram tambem importantes traba-
lhos de restauração, que determinaram o lançamento duma
nova benção, como s e vê da inscrição: <<Esta capela tendo
sido reparada foi benzida novamente em 10 de Junho de
1894 com as solenidades do estilo pelo prelado diocesano
D.Manuel Agostinho Barreto~,que se encontra numa das
paredes interiores da mesma capela.
Todas a s instituições vinculares estavam oneradas
com os chamados <<encargospios., a maior parte dêles d e
caracter perpetuo e que principalmente consistiam na cele-
bração de missas e na satisfação de certas obras de pie-
dade e beneficencia, que os instituidores estabeleciam como
sufragio de suas almas e descargo de suas consciencias.
Não faziam excepção a esta regra os morgadios da Lom-
bada. Na capela do Santo Espirito foram impostas certas
obrigações aos seus administradores e tendo o primeiro
Conde do Carvalhal, sucessor na administração dêste vin-
culo, pedido a remodelação e reduçáo dessas obrigações
ao prelado diocesano D. Frei Joaquim de Menezes e Ataíde,
obteve deste, por sentença de 23 de Maio de 1814, que os
encargos pios inerentes a mesma capela consistissem, a
partir desta data, em manter ali um capelão privativo, que
dicesse a missa ao povo em todos os domingos e dias
santificados e na celebração de cento e trinta e tres missas
por várias intenções (25).

Queremos pôr em relevo uma circunstancia digna d e


ponderação. A igreja do Santo Espirito ou do Espirito
Santo, segundo a forma mais comum de linguagem, sómente
é conhecida por esta denominação nos diplomas oficiais,
documentos ou livros que a ela se refiram, dando-lhe em
geral o povo o nome de Capela de São João e tambem da
Conceição ou ainda a maneira mais simplificada de Capela
da Lombada. E bastante antiga a denominação popular de
Sáo João e talvez devida ao facto de celebrar-se nesta

(25) As 133 missas deveriam ser aplicadas pela seguinte maneira : 10 por
alina de Francisco do Couto, 20 por João de Mouia Rolini, 2 por Pedro Ribeiro
Esmeraldo, 1 por D. Maria de Vasconcelos, 1 por Beatriz de Andrade, 20 por
João Esmeraldo o Velho, 10 por D. Guiomar do Couto, 1 por D. Maria da Câmara,
1 por Francisco Manuel Moniz, 2 por Rui Mendes de Vasconcelos, I por Gaspar
de Vascoticelos, 2 por D. Maria Figueiroa, 1 por D.Bernardo d e Betencourt de
Sá Machado, 1 por D. Serafina de Menezes, 2 por D. Guiomar de Moura, 1 por
D. Guiomar de Sá, 10 por João Rodrigues Mondragão, 10 por Manuel Fernandes
Tavares, 8 por D. Isabel Correia, 5 por Afonso Enes, 1 por João de Ornelas e
Vasconcelos, 1 por Baltazar Machado de Miranda, 11 por D. Maria de Beten-
court, 7 por Gonçalo Dias, 1 por Luiz António Esmeraldo Teles de Menezes,
1 por D. Lourença de Mondragão.
capela, com grande brilho, a festa do Percursor do Messias,
ali representado por uma primorosa estátua esculpida em
madeira, objecto de especial veneraçáo por parte dos ha-
bitantes daquelas vizinhanças.
A capela de Santo Arnaro ou antes o montáo de ruínas
que dela resta e a magnifica Igreja do Santo Espirito,
ambas de propriedade particular e pertença do antigo moro
gadio da Lombada dos Esmeraldos, foram cedidas pelo
governo da metropole a Diocese do Funchal, com os seus
respectivos anexos, para o livre exercicio do culto, ficando
sob a direcção imediata do pároco da freguesia da Ponta
do Sol. (-1;)

Capela de Nossa Senhora da Piedade,


É mais vulgarmente conhecida por capela do Jangao,
tomando o nome do sítio em que se encontra edificada. A
parte oriental da grande propriedade constituia o morgado
do Vale da Bica e sendo dêle 8." administrador António de
Carvalhal Esmeraldo, mandou construir, no sítio do Jangão, .
uma capela consagrada a Nossa Senhora da Piedade, nos
primeiros anos do Último quartel do skculo XVII, isto 6,
pouco anteriormente ao ano de 1679, data em que, num
documento autentico, se faz referencia a dita capela, então
recentemente edificada. Em 1777 o morgado Francisco
Xavier de Ornelas de Vasconcelos procedeu nela a várias
reparaçóes, sendo novamente benzida no mês de Agosto
daq~iêleano. No ano de 1879, o conselheiro Agostinho de
Ornelas de Vasconcelos, 15." administrador da casa vincu-
lada do Vale da Bica ou do Jangao, mandou tambem exe-
cutar nela alguns trabalhos de restauração, por se encontrar
e m estado já adiantado de ruina, tendo procedido a sua
benção, no dia 12 de Outubro do referido ano, o arcebispo
de Goa D. Aires de Ornelas de Vasconcelos, irmão do pro-
prietário da capela.
Capela de Santo Antbnio. Os vastos terre-
nos, que constituiam a Lombada da Ponta do Sol, foram
divididos em duas partes distintas, por ocasiáo da institui-
(21;) Art." 7."-São cedidas para exercicio do culto, a favor da diocese d o
Fiinchal, as capelas denominadas Nossa Senhora da Conceição ou Santo Espi-
rito, no sítio da Carreira, na Lombada dos Esmeraldos, Concelho da Ponta do
Sol ; e Santo Amaro, no dito sitio da Lombada com os seus anexos (Decreto
11.'' 19268, de 24-1-1931).
çáo dos morgadios do Santo Espirito e do Vale da Bica ou
Jangao, ficando pertencendo a êste último o importante
sítio do Lugar de Baixo, mas em virtude duma divisão
amigavel feita entre os dois primeiros administradores
daqueles vinculos, passou poucos anos depois a sêr per-
tença do rnorgadío do Santo Espirito. Presumimos que
tivesse sido João Esmeraldo de Atouguia, terceiro adminis-
trador dêste último vinculo, o fundador da capela de Santo
António, no sítio do Lugar de Baixo, pelos primeiros anos
do século xvir. Os últimos proprietários destas terras, a
firma comercial A. Giorgi & C?, demoliram a capela e a
casa adjunta, já então bastante arruinadas, fazendo-as subs-
tituir por uma construção inteiramente nova, com uma
excelente moradia e uma pequena capela anexa, tambem
dedicada a Santo António, que foi solenemente benzida a
25 de Fevereiro de 1906 pelo prelado diocesano D.Manuel
Agostinho Barreto.
Os encargos pios da antiga capela de Santo António
tambem foram reduzidos por sentença episcopal de 5 de
Abril de 1819, ficando os respectivos padroeiros obrigados
a manter o serviço dum capelão permanente, que diria a
missa aos habitantes do sítio em todos os domingos e dias
santos, e h celebração perpetua de quarenta missas con-
forme as intenções exaradas na referida sentença. (27)

XII

A administração dos vinculos


Como já fica dito e repetido, o fidalgo flamengo João
Esmeraldo quis transmitir aos seus descendentes com ca-
racter de perpetuidade os vastos dominios territoriais d e
(27) Seriam as 40 missas celebradas pelas almas de Afonso Enes Coluni-
breiro, António Malheiro o Velho, Francisco Aurélio da Câmara Leme, Pedro
Leme, D. Antónia Maria de Menezes, Sebastião de Morais o Velho, Sebastião de
Morais o Moço, João Gomes de Andrade, D. Antónia de Morais, João Nunes,
f). Mariana de Menezes, D. Catarina Leme, João Gomes da Ilha, D. Catarina d e
Barros, João Lopes, Henrique Moniz, D. Isabel de Andrade, D. João José de S&
e Francisco Fertiandes.
que era possuidor e tambem as honrarias e privilégios de
que gosava como nobre de origem e que o rei de Portugal
confirmara e ampliara nos diplomas atrás referidos e trans-
critos. As instituições vinculares, tão ambicionadas na
época, satisfaziam absolutamente êsses desejos, dando-se
a criação do vinculo do Santo Espirito ou da Lombada e o
do Vale da Bica ou do Jangão, no tempo e nas condiçbes,
que já deixámos descritas em capítulos anteriores.
Tendo João Esrneraldo falecido no ano 1536, logo os
seus dois filhos João Esmeraldo e Cristováo Esmeraldo, em
observancia das disposições paternas, procederam ao sor-
teio dos dois morgadíos, cabendo a João Esmeraldo, filho
mais velho e do primeiro matrimonio, as terras do lado
oriental que confinavam com a Ribeira da Caixa, isto é os
sítios do Jangão e do Lugar de Baixo, e caindo em sorte a
Cristovão Esmeraldo, filho do segundo matrimónio, os ter-
renos do lado ocidental, que tinham como limites a Ribeira
da Ponta do Sol. Por pouco tempo se guardaram a s últimas
vontades do velho João Esmeraldo, com respeito a divisão
dos bens territóriais da Lombada, por isso que a viuva
D. Agueda de Abreu e o filho Cristovão Esrneraldo, consi-
derando-se lesados, persuadiram o enteado e irmão a con-
sentir em uma nova partilha, ficando o importante sitio do
Lugar de Baixo fazendo parte do dote da viuva e fóra dos
bens que constituiarn as áreas dos dois morgadios. Parece
que mais uma vez se repetiu a conhecida partilha da fabula,
em que Cristovão Esmeraldo fez o papel de leão, sendo ma-
nifesta a inferioridade do vinculo do Vale da Bica com
relação ao do Santo Espirito, ainda mesmo antes do cer-
ceamento das terras do Lugar de Baixo. Mas essa inferio-
ridade reveste as proporções duma injusta e violenta extor-
são, se considerarmos a situação, natureza e extensão dos
terrenos que formavam o morgado do Santo Espirito, com-
paradas com a s do Vale da Bica. A este propósito, depa-
rámos com a seguinte interessante informação, que temos
por fidedigna : .. . Cristovão Esrneraldo, já então Provedor
da Fazenda Real e homem prático e positivo levou a part
du lion, deixando ao irmão, homem de genio folgasão e
gastador, uma parte muito menor do que na primeira par-
tilha~.A propriedade do sítio do Lugar de Baixo, por morte
de D.Agueda de Abreu, ocorrida em 1545, foi integrada
no morgadío do Santo Espirito e nêle permaneceu até 6.
abolição das instituições vinculares.
João Esrneraldo, diz-nos o conselheiro Agostinho d e
Ornelas, pouco tempo sobreviveu Bquêle contrato leonino e
deixou uma filha única, D. Antónia Esrneraldo, que o tio
Cristovão Esmeraldo, logo tratou de casar com seu filho
António Esmeraldo, ainda irnpubere. Obtida a necessária
dispensa de Roma, celebrou-.se o casamento em Lisboa no
ano de 1539, sendo o contraente representado por seu pai
como procurador. O rei D. João 3.0 levou muito a mal que
para esta aliança se não pedisse o seu consentimento, man-
dando logo tirar a noiva da casa de seu tio D.Pedro de
Moura, onde se achava, e recolhe-la no Paço, condenando
Cristovão Esrneraldo em duzentos cruzados de multa e dois
anos de degredo para Africa. Este degredo não era então o
que e hoje e cumpria-se servindo o degredado nobre, na
guerra, com todas as honras e liberdades que lhe compe-
tiam. Apesar do poder real, Cristovão Esrneraldo apelou
para Roma e obteve uma Bula, expedida ao arcebispo do
Funchal D. Martinho de Portugal, mandando entregar a
noiva ao marido e tirá-la do poder de quem quer que a
retivesse por mais elevada que fosse a sua jerarquia (2s).
O casamento de António Esmeraldo com sua prima
D. Antónia Esmeraldo, filhos dos dois primeiros adminis-
tradores dos morgadios do Santo Espirito e do Vale da
Bica, determinou a reunião das duas casas vinculadas.
D. Antónia Esrneraldo morreu sem descendencia e nomeou
seu marido António Esmeraldo na sucessão do Vale da
Bica, o qual, falecendo tambem sem geração, teve como
sucessor na administracão de ambos os morgados a seu
irmão João Esmeraldo de Atouguia, que morreu em 1618.
Nêste ano entrou D. Ana Esrneraldo, irmã do precedente,
na sucessão do Santo Espirito e Francisco Gonçalves da
Câmara, sobrinho e genro do mesmo João Esmeraldo de
Atouguia, na administraçao do vinculo do Vale da Bica,
Não tornaram a reunir-se as duas casas, de que nos dois
capítulos seguintes, daremos a relaçao completa dos res-
pectivos administradores.
(28) Informa-nos o conselheiro Agostinho de Ornelas que os documentos
respeitantes a êste interessante caso se encontram no Arquivo Nacional da
Torre do Tambo no Corpo Cronologico, parte lea, maço 62, doc. 12 e seg.
XIII

Administradores do mor~adio u
do Santo Espirito
O primeiro administrador desta casa vinculada foi
Cristovão Esmeraldo, filho do instituidor Joao Esmeraldo o
Velho e de sua segunda mulher D. Agueda de Abreu. Nas-
ceu por 1498, tendo-se afirmado que Joáo Esmeraldo dera
ao filho o nome de Cristovão, como preito de homenagem
e de devotada estima ao descobridor da America, a o tempo
já celebrado navegador, havendo então realisado a sua
terceira viagem as terras do Novo Mundo (*).De Cristovao
Esmeraldo refere pitorescamente o historiador das Ilhas
que < c . . .o mais do tempo andava na cidade do Funchei
sobre uma mula muito formosa, com oito homens detrdz de
si, quatro de capa e quatro mancebos em corpo, filhos de
homens honrados muito bem tratados; e trazia grande
contenda com o capitam do Funchal sobre quem seria Pro-
vedor d'Alfandega d'El-Rey, que he uma rica cousa de
renda de sua Alteza, e ricas casarias.. Segundo nos informa
o Elucidário Madeirense (I- 33) obteve Cristovão Esmeraldo
a nomeação de Provedor da Alfandega no ano de 1550 e
teria certamente moradia no actual e ainda aparatoso e&-
ficio daquela repartição, construido no primeiro quartel do
século s v i e cujo andar nobre era destinado a residencia
dos Provedores, sendo certamente a esta construçiio que
Gaspar Frutuoso, nos fins do século XVI, chamava .ricas
casarias.. Cristováo Esmeraldo casou com D. Leonor de
Atouguia, neta de Luiz Alvares da Costa, fundador do con-
vento de Sáo Francisco. Combateu em Marrocos, distin-
guindo-se como valente soldado. Tentou reunir os vinculos
do Santo Espirito e do Vale da Bica, casando o seu filho
primogenito e sucessor António Esmeraldo, que ainda nao
atingira a puberdade, com sua sobrinha D. Antónia Esme-

(-9) Vid Merndria sobre a residencia de Chrisfovam Colombo na flha da


Madeira por Agostinho de Ornelas, Lisboa, 1892.
raldo, filha herdeira de João Esmeraldo, como fica descrito
no capitulo anterior.
Segundo Administrador: António Esmeraldo, filho d o
precedente, que casou com sua prima D. Antónia Esme-
raldo, filha herdeira e sucessora do administrador do mor-
gado do Vale da Bica, ficando assim reunidas as duas
casas vinculadas. Este casamento, que se realisou em Lis-
boa, provocou um ruidoso processo, como já deixámos
referido. Não houve descendencia.
Terceiro Administrador: João Esrneraldo, irmáo do
anterior, sucedeu nesta administração, tendo tido tambem a
do vinculo do Vale da Bica. Casou cum D. Ana Correia,
filha de António Correia o Grande e morreu sem geraçao
legitima, sendo seu sucessor no vinculo do Santo Espirito
sua irmã D. Ana Esmeraldo.
Quarto Administrador: D. Ana Esmeraldo, irmã dos
dois precedentes, que casou com António Carvalhal, conhe-
cido pelo Sansão madeirense, em virtude da grande força
muscular de que era dotado (m). Tinha muitas terras na fre-
guesia da Ponta Delgada, que vinculou a favor de seus
descendentes e aos quais se transmitiram, sendo o Último
possuidor delas o segundo Conde do Carvalhal. Com este
casamento, entrou na descendencia dos Esmeraldas o ape-
lido Carvalhal, nome pelo qual se tornou mais conhecida
esta antiga e nobre família madeirense.
Quinto Administrador: Pedro Ribeiro Esmeraldo, filho
dos anteriores, cuja posse foi contestada e pleiteada
nos tribunais, seguindo-se longas demandas. Casou com
D. Joana de Noronha, filha herdeira de Francisco Gonçalves
da Câmara.
Sexto Administrador: Francisco Gonçalves da CAmara,
filho do precedente, que casou com a sua parenta D. Isabel
Esmeraldo, filha bastarda do 3." administrador. Não deixou
descendencia e morreu em 1630.
Setímo Administrador: Luiz Esmeraldo de Atouguia,
(:#o) Gaspar Frutuoso, com aquela conhecida prolixidade que ás vezes
dedica a assuntos de pequena monta, ocupa-se com largueza dos actos de
valentia muscular praticados por António Carvalhal, pondo tambem em relêvo aias
acções de generosa liberalidade com que recebia todos os que procuravam a sua
casa, que era então a mais afamada e acolhedora existente em todo o norte &
ilha. Era cavaleiro de Cristo e fidalgo escudeiro, tendo morrido no ano de 1598 e
sido sepultado na Igreja do Senhor Bom Jesus da freguesia da Ponta Delgada.
e Câmara, sobrinho de Francisco Gonçalves da Câmara,
6." administrador, que tomou posse do morgadío depois
de renhidos processos judiciais e a que já nos referimos nq
capitulo Casa Solarenga. Matrimoniou-se com sua prima
D. Isabel Esrneraldo e Câmara.
Oitavo Administrador :Cristováo Esrneraldo de Atou-
guia e Cimara, fidalgo da Casa Real, que nasceu em 1665
e casou em 1697 com D.Helena Teresa de Castro, natural
de Goa e filha de Aires Teles de Menezes, da casa dos
Condes de Vila Pouca de Aguiar. No capitulo referente A
capela do Santo Espirito, já nos ocupamos dêste oitavo
administrador do vinculo, por ter sido o reedificador dessa
capela com a magiiificencia que deixamos descrita.
Nono Administrador: Luiz António Esmeraldo de
Atouguia e Câmara Teles de Menezes, filho dos prece-
dentes. Nasceu no Funchal a 10 de Maio de 1703 e casou
em 1730 com D.Leonor Josefa de Vilhena, filha de Luiz de
Vasconcelos de Betencourt, morgado do Loreto.
Decimo Administrador: João Carvalhal Esmeraldo de
Atouguia e Câmara, filho do nono administrador, tendo
nascido a 3 de Setembro de 1733 e casado com D.Isabel
Maria de Sá Acciaioli, filha do morgado Francisco Aurelio
da Câmara Leme. Foi herdeiro da casa vinculada de sua
tia D. Guiomar Madalena de Vilhena Betencourt de Sá Ma-
chado, possuidora de vdrios morgadios e a mais rica pro-
prietária da Madeira e uma das maiores de todo o país.
Morreu a 7 de Agosto de 1790 e foi sepultado na capela
do Santo Espirito da Lombada dos Esrneraldos.
Décimo Primeiro Administrador: Luiz Vicente de Car-
valha1 Esrneraldo de Atouguia e Câmara, que casou com
D. Ana Inácia Henriques de Vilhena, tendo falecido em
1798 sem deixar descendencia. Lemos a seu respeito, num
livro de linhagens, que foi <<filhoprimogenito e herdeiro na
administração de mais de doze morgados . . . o que consti-
tui o vassalo mais rico de bens patrimoniais de Portugal.>>
Décimo Segundo Administrador: João José Xavier de
Carvalhal Esmeraldo Vasconcelos de Atouguia Betmcourt
Sá Machado, irmao do precedente e primeiro Conde do
Carvalhal da Lombada. Nasceu no Funchal a 7 de Março
de 1778 e morreu na mesma cidade a 1 1 de Novembro d e
1837, sendo sepultado na capela de São JoBo Baptista da
Quinta do Palheiro Ferreiro e tendo sido feita a trasladaçáo
dos seus restos mortais para o jazigo da família Carvalhal
no cemitério das Angustias, pouco depois no ano de 1882.
Em outro lugar deixámos exaradas a seu respeito a s linhas
que vão transcrever-se : Sucedeu na importante casa de seu
irmao Luiz Vicente de Carvalhal Esmeraldo de Sá Machado,
o qual, segundo afirma um distinto linhagista, .era senhor
de mais de doze morgadios grandes, que o constituiam o
vassalo mais rico em bens patrimoniais de Portugal*. O
conde de Carvalhal foi, não s6 o mais abastado proprietliris
da Madeira, mas a sua casa era uma das primeiras do país,
em que se tinham reunido muitos vinculos e morgadios,
possuindo vastas propriedades em quasi todas a s fregue-
sias desta ilha e ainda no continente do reino e nos Açoreq
deixando além disso, por sua morte, mil e tantos contos dt
reis em vdrios estabelecimentos de crkdito ingleses. Num
curioso documento oficial, dirigido pelo corregedor desta
comarca ao governo d a , metropole em 1823, se diz que o
conde do Carvalhal tem <<grandissirnoscabedais no banco
de Londres e em caixa, e um avultadissimo rendimento
anual, que, na presente penúria da ilha, sobe ainda de du-
zentos a trezentos mil cruzados>>,o que para a epoca re*
presentava lima renda verdadeiramente colossal para este
arquipélago.
Vivendo sem fausto nem ostentação, era no entretanto
um homem de animo generoso e liberal, de que deu sobejas
provas, sobretudo por ocasião de algumas crises por que
passou a Madeira, tenda sido uma verdadeira providencia
para esta terra, contribuindo poderosamente para debelar
essas crises com a força do seu prestigio, da sua influencia
e da sua grande fortuna. Arcou por vezes com a ganancia
desmedida dos negociantes de vinho, principalmente es-
trangeiros, que, mancomunando-se, faziam baixar o s preços
dos mostos com grande prejuizo dos pobres lavradores.
Afecto as ideias liberais, teve que emigrar para Ingla-
terra na corveta de guerra inglesa Alligator a 22 de Agosto
de 1828, quando a Madeira foi ocupada pelas tropas mi-
guelistas. Em Londres foi não só o desvelado protector dos
madeirenses ali emigrados, mas socorreu generosamente
todos os compatriotas que a êle se dirigiam, afirmando-se
que nisso dispendera muitas dezenas de contos de reis.
Estabelecido o governo constitucional, regressou a esta
ilha em fins de 1834, e por carta regia de 13 de Setembro
de 1835 foi nomeado governador civil dêste arquipelago,
tendo sido pouco antes, a 5 do mesmo mês e ano, agra-
ciado com o titulo de conde do Carvalhal da Lombada. Os
cuidados da administração da sua grande casa e mais ainda
as doenças de que ha muito sofria, afastaram-no dentro de
poiicos ineses do governo do distrito, que muito violentado
aceitara e únicamente para aceder aos desejos dos princi-
pais proprietários e influentes desta ilha.
Dt;cinzo Torceiro Administrador : João Francisco da
Câmara Carvalhal Esmeraldo de Atouguia Betencourt Sá
Machado, sobrinho do primeiro Conde do Carvalhal, era
filho de D. Ana Josefa da Câmara Carvalhal Esmeraldo,
irmá do mesmo conde, e do morgado João Francisco da
Câmara Leíne. Nasceu êste décimo terceiro administrador a
2 de Julho de 1801 e casou em 1822 com D.Teresa Xavier
Botelho, filha do distinto escritor e governador e capit8o-
general da Madeira Sebastião Xavier Botelho, da casa dos
condes de Sáo Miguel. João Francisco da Câmara Esmeraldo
era oficial do exercito, moço fidalgo da Casa Real, comen-
dacior da Ordem de Sáo Tiago e foi eleito deputado e se-
nador por este arquipelago nos primeiros tempos do cons-
titucionalismo. Morreu no mês de Abril de 1854.
Decirn o Quarto e Ultimo Administrador: Ant óiiio Lean-
dro da Câmara de Carvalhal Esmeraldo Atouguia Beten-
court S i Machado, segundo conde do Carvalhal, que era
filho dos precedentes, nasceu no Funchal a 6 de Abril
de 1831, tendo falecido no Palácio de São Pedro da mesma
cidade a 4 de Fevereiro de 1888. Herdeiro duma das mais
op~ilentascasas nobres de Portugal e das maiores em bens
territoriais, veiu a falecer numa situaçáo próxima da po-
breza, chegando talvez a sentir os primeiros rebates da
indigencia, que se aproximava a passos agigantados. Foi O
último administrador das terras vinculadas do Santo Espi-
rito, que ainda em sua vida foram vendidas em hasta pÚ-
blica, como consequencia duma administração insensata e
ruinosa. Vamos tarnbem transcrever aqui as palavras que
no Efucidíirio Madeirense, da nossa co-autoria, deixámos
consagradas à sua memória: <<Semse notabilisar em ne-
nhum ramo do saber humano, nem se ter evidenciado em
acontecimentos que ficam registados na história, foi con-
tudo, no dizer dum seu admirador e amigo, <<umhomem
que em vida fôra a personalidade mais simpatica e mais
finamente caracteristica da aristocracia madei rense ; cujo
nome fora conhecido lá fora no alto mundo das grandes
capitais entre as personagens mais ilustres, e cuja existen-
cia, ora remansosa e prudente, ora batida das tempestades
e agitada dos desvarios da época, teve sempre a linha cor-
recta da gentileza fidalga, as grandes expansões brilhantes
de um belo espirito, servido por um temperamento de ar-
tista impressionavel, ardente, nervoso generoso e bom. Em
Paris, em Madrid, em Lisboa, nas festas esplendidas, nos
bailes principescos, nas corridas, nos jogos de sport, na
opera, nos gabinetes da Maison Doree e do Café Inglês,
no Bois, no Prado, nos touros, nas premieres, foi êle o cor-
recto e brilhante fidalgo, o infatigavel valsista, o atrevido
sportsman, o prodigo, o aventureiro viveur, levando a vida
a grand train, distinto entre os mais distintos, amavel, ele-
gante e prestigioso. Um dia o pano caiu sobre êsse cenário
deslumbrante. A realidade inexoravel e fatal apagou essa
constelação de prazeres falazes e perigosos. A razão fria e
grave veiu sentar-se sobre as ruínas dessa existencia es-
tonteadora e capitosa do graiide mundo, cheia de ilusões e
de insanias, em que a vida e a fortuna se esvaem como o
-teme fio de água no deserto árido e nu. E aquêle que
fôra o heroi dessa epopeia efemera feita de brilhantismos
fugazes, de ilusbes esplendidas, de loucas prodigalidades,
veiu sentar-se à sombra do lar, até ali mudo e triste,
abandonado e esquecido. Trazia a mesma distii~qãona-
tiva, a mesma elegancia própria, a gentil e cortês fidal-
guia do nome e da condição, mas muita ilusão de menos,
muita decepção a mais e para sempre desbaratada a fortuna
que irreflectidamente arrojára para aquêle vortice enorme e
insaciavel. A realidade pesava sobre ele fatal, terrivel e
desapiedada B.
Para tanto fausto e ostentação, chegando a ocupar um
lugar de destaque naquelas capitais, mal podia acudir uma
renda anual de cem contos de reis, que lhe dava a sua
grande casa. Em Madrid, para assistir ao casamento duma
princesa, mandou construir um carro que custou uma duzia
contos de reis, em Lisboa edificou um teatro junto da sua
casa, onde representaram notabilidades e onde concorria a
primeira sociedade da capital. Em Paris gastou fortunas
com o deslumbramento da sua vida faustosa e perdulária.. .
Ficaram celebres a s brilhantes festas do Palheiro do Fer-
reiro, em que a mais alta e requintada distinção se reuniam
as prodigalidades dum poderoso nababo. O conde do Car-
valha1 veiu expressamente a Madeira para receber o infante,
depois rei, D. Luis, e tanto no palácio de S. Pedro como na
quinta do Palheiro, admirou o futuro rei de Portugal os dotes
de estremada fidalguia e da mais inexcedivel distinção dum
genuino representante da velha aristocracia madeirense.
Na casa Carvalhal tinham-se reunido diversos vinculos
ou morgadíos, sendo o mais importante o do Santo Espi-
rito, na Lombada da Ponta do Sol. Dêste morgado foi o
14.0 e último administrador o 2." conde do Carvalhal,
que tambem herdára a casa vincular instituida na freguesia
da Ponta Delgada por Manuel Afonso Sanha e sua mulher
D. Mecia de Carvalhal nos principias do século xvr, e ainda
os vinculos de Agua de Mel, do Paul do Mar, dos Lemes,
etc., não contando com outros situados em diversos pontos
da illia e tambem nos Açores e no continente do reino.
Possuia vastas propriedades em todas as freguesias da
Madeira, chegando a sêr a casa Carvalhal a segunda ou
terceira do pais em bens territoriais.
O conde de Carvalhal, entre outras comissões de ser-
viço público, exerceu o lcgar de presidente da Câmara
Municipal do Funchal e tinha a gran-cruz da ordem de
Isabel a Católica e outras condecoraçóes estrangeiras.
Casára em 1854 com D. Matilde Montufar Infante, filha
dos marqueses de Selva Alegre, em Espanha, e dêste con-
sorcio nasceram D. Maria da Câmara, que casou com o
conde de Rezende e D. Teresa da Câmara, condessa do
Ribeiro Real,
Depois duma vida tão agitada, vieram a ruína, o infor-
tunio, a saudade e a doença defrontar-se com o heroi de
tantas aventuras. Lutou e lutou nobremente, mas.. . a morte
derrubou-o ainda na idade pujante dos 56 anos.
Bulhão Pato, nas suas Memdrias, e ainda outros escn-
tores contemporaneos do Conde do Carvalhal referem-se
"várias vezes ao ilustre titular e sempre com grande elogio
e com o mais subido apreço.
XIV

Administradores do morgadío do Vale da Bica


Primeiro Administrador: Joáo Esmeraldo, filho do ins-
tituidor Joáo Esmeraldo e de sua primeira mulher D. Joana
Gonçalves da Câmara. Consentindo depois da morte de seu
pai em fazer novas partilhas com sua madrasta D. Agueda
de Abrea e com seu irmão Cristovão Esmeraldo, perdeu a
grande propriedade do Lugar de Baixo, que fazia parte
integrante da instituição vincular do Vale da Bica, ficando
esta num grande plano de inferioridade relativamente a outra,
como já se acha referido noutro capitulo. Distinguiu-se no
norte de Africa como valente guerreiro e dele falam com
louvor Gaspar Frutuoso nas Saudades da Terra, Faria e
Sousa na Africa Portuguesa e Manuel Tomás na Insulanu.
Casou com D. Filipa de Brito, filha de João Mendes de Brito,
herdando de seu pai a administração do importante mor-
gadio da Apresentação, na Ribeira Brava.
Segundo Administrador: D. Antónia Esmeraldo, filha
do anterior, que casou com seu primo António Esmeraldo,
segundo administrador do morgado do Santo Espirito, fi-
cando dêste modo reunidas as duas casas vincttladas. Não
deixou descendencia.
Terceiro Administrador: Antonio Esmeraldo, marido
da precedente, que herdou este morgado por morte de stia
mulher, continuando na administração dos dois vinculos e
morrendo, sem geraqáo, no ano de 1545.
Quarto Administrador : Cristovão Esrneraldo, pai do
anterior, que entrou nesta administração por morte de seu
filho e teve tambem a do morgadio do Santo Espirito.
Quinto Administrador : Joáo Esrneraldo de Atouguia,
filho segundo do precedente, que foi terceiro administrador
do Santo Espirito, usufruindo ambos os vinculos. Entrou
e m 1555 na administração do morgado do Vale da Bica.
Sexto Administrador: Francisco Gonçalves da Câ-
mara, genro e sobrinho do anterior, que casou com D. Isa-
bel Esrneraldo, não deixando descendentes.
Setimo Administrador: Jorge da Câmara Esmeraido,
irmão do precedente administrador Francisco Gonçalves.
A posse de Jorge da Câmara foi impugnada e por esse
motivo correram loiigas demandas, vindo finalmente a su-
ceder nesta administração o seu fillio, que se segue.
Oitavo Administrador: Antonio de Carvalhal Esme-
raldo, filho do anterior, que morreu no ano de 1699, sem
sucessor legitiiiio. Foi êste que construiu a capela de Nossa
Senhora da Piedade, no sitio do Jangão, pouco antes de 1679.
No120 Administrador: Aires de Ornelas de Vascon-
celos (1 677-1 737) sobrinho do precedente, que era o oitavo
administrador do importante morgadio do Caniço, cuja ins-
tituição data dos fins do século XV. Era moço fidalgo da
Casa Real e Patrão-Mór da Ribeira. Casou com D. Cecilia
Maria Madalena de Aguiar França, herdeira duns vinculos
no Porto Moniz e na Calheta. O morgadio do Vale da Bica
entroii na casa vinculada dos Ornelas no ano de 1699.
Décimo Administrador: Agostinho Antbnio de Orneias
de Vasconcelos, (1 71 8-1 774) filho do anterior. Mostrando-
se hostil a politica de Pombal, que tinha como represen-
tante nêste arquipélago o sobrinho do marquês o gover-e
nador e capitão-general João António de Sá Pereira, foi
por este desterrado para as terras do Caniço e ali faleceu
iio ano de 1774, sendo sepultado na capela de Nossa Se-
nhora da Consolação de que era padroeiro.
Dkcimo Primeiro Administrador: Francisco Xavier d e
Ornelas de Vasconcelos, (1 746-1 796) filho do precedente,
que foi pessoa rnuito considerada no meio social madei-
rense pelas suas qualidades de caracter e vasta cultura
iiitelect~ial.
Dc;cimo Scgízndo Administrador: Agostinho de e-
nelas de Vascoiicelos (1774-181 O), sendo filho do anterior
e tendo casado coin D. Luisa Júlia de Castelo Branco.
D~;cimo Terceiro Administrador: Aires de Ornelas,
(1801-1828) filho do anterior e que foi casado com D. Ana
da Câmara Leme.
DPcimo Quarto Administrador : Aires de Ornelas de
Vasconcelos, tio do anterior (1779-1 852).
Décimo Quirzto Administrador: Conselheiro Agostinho
de Ornelas de Vasconcelos, filho do precedente, que nas-
ceu no Funchal em 1836 e morreu na Alemanha em 1901.
bacharel elii direito, deputado, par do reino, diplomata, es-
critor e académico, foi um dos mais distintos madeirenses
do século XIX. Da pequena biografia que dêle deixámos
escrita no Elucidário Madeirense, vamos extratar alguns
periodos: <<Nasua longa carreira como funcionário do Mi-
nistério do Negocios Estrangeiros, deu sempre provas elo-
quentes da robustez da sua inteligencia, da sua grande
ilustraçáo e das raras qualidades de diplomata, que o dis-
tinguiam e o tornavam um verdadeiro homem de estado,
sendo por isso considerado como um dos mais acreditados
membros do corpo diplomatico português.
Tambem trilhou as tortuosas veredas da politica por-
tuguesa. Saíu, porem, incolume e sem mancha dêsse tre-
medal, em que tantos chafurdam a pureza das suas con-
vicções e até a própria dignidade. Foi eleito deputado pela
Madeira para as legislaturas de 1868 a 1869, 1869 a 1870,
1870 a 1871 e 1871 a 1874, sendo por carta regia de 16 de
Maio dêste último ano nomeado par do reino. Distinguiu-se
em ambas as câmaras como parlamentar de grandes meri-
tos, assinalando-se sempre nos seus discursos pela mais
perfeita urbanidade, de par com uma notavel correcção de
forma. Não era, sem duvida, um tribuno que arrebatasse os
ouvintes em catadupas de eloquencia, mas um orador
fluente, correcto e conhecedor dos assuntos que discutia,
sendo a sua palavra sempre escutada com a maior atenção
por toda a câmara. Entre os discursos que proferiu em
ambas as casas do parlamento, alguns se contam como no-
taveis, devendo especializar-se os que pronunciou acêrca
do padroado da India e missões ultramarinas.
Foi, como dissemos, um apaixonado cultor das ciencias
e das letras, sendo na verdade o seu mais constante empe-
nho enriquecer o seu espirito com novos conhecimentos,
hauridos quotidianamente em largos estudos e demoradas
leituras. Tendo uma brilhante inteligencia, servida por uma
assombrosa memória, possuia uma não vulgar erudição
sobre todos os ramos do saber humano, para o que náo
pouco contribuia o conhecimento de várias línguas em que
era versado, incluindo a própria língua latina.
Deu-nos, como literato, provas incontestaveis do seu
valor nos escritos que deixou, mostrando que poderia ter
alcançado um nome honroso na história do seu país, se de
todo se houvera dedicado ii carreira das letras.
A obra prima de Goethe, a famosa tragédia o Fausto,
era pouco menos do que desconhecida entre n6s. O conse-
liieii-o Agostinho de Ornelas abalançara-sa A arriscada em-
preza d& ti+asladar em vernaculo o mais admiravel produto
d n litcrnt~iraalemá. Arduo e dificil trabalho era esse para o
nosso ilustre biografado, que não sendo um poeta quis
traduzir em verso portugues a obra genial do maior poeta
da Alemanha. A versáo ressentiu-se dessa circunstancia, e
força é cniifessar que a forma poetica nem sempre saiu
isenta de irnperfeiqóes. Muitas vezes essas imperfeições
obedeceram ao desejo, elevado ate ao mais apurado escru-
pulo, de traduzir fielmente o pensamento de Goethe, embora
com evidente sacrificio da forma. A traduçiio de António
Feliciano de Castilho, que apareceu mais tarde, é sem
duvida correctissirna e ornada de verdadeiras galas poe-
ticas, inas feita sobre uma imperfeita versa0 francesa e com
os arrojos e liberdades do seu estro de prirnorosissirno
poeta, distaricia-se com alguma frequencia do original ale-
ináo, parece~idoá s vezes, antes uma parafrase do que uma
verdadeira trriduçáo. Niio faltam criticas que prefiram a
vcrsao do conselheiro Ornelas à de Castilho, por sêr feita
sohrc o original alemão e com um inexcedivel escrupulo.
E sem duvida e apesar dos seus defeitos um trabalho de
valor, qiie muito abona os seus meritos literhrios.
Em 1881 publicou-se no Porto um grosso volume inti-
tulndo Obrrrs do D. Ayrc's dc Ornellas de Vasconcellos, que
c0nti.m os diversos escritos do antigo e inolvidavel bispo
dcstn diocese, que era irmão do c»nselheiro Agostinho de
Ornelas. Esses belos escritos veem precedidos de uma
larga e primorosa biografia do ilustre prelado, que ocupa
perto de 200 páginas do livro, e que no dizer dum distinto
escritor e abalizado lente da Universidade, foi escrita com
pena de oitro. Traçou essa biografia verdadeiro modêlo de
linguagem e que tem um acentuado sabor clássico, o con-
selheiro Agostinho de Ornelas.
Em 1892, por ocasiao do centenlirio de Colombo. pu-
blicou uma interessante Memdria sobe a rt3sidrncE;I d~
Christovam Colornbo na Ilha da Madeira, que foi incluida
no volume Memdrias, que u Academia Real das Cieiicias
de Lisboa fez publicar para celebrar aquêle centenário-
Por todos êsses titulos, foi eleito membro daquela Aca-
demia, teiido sido um dos sócios por ela nomeados para
organizar a publicação das citadas Memórias.
Era tambem membro de outras sociedades cientificas
e literárias, tanto nacionais como estrangeiras.
Desempenhou distintamente diversas comissóes de
serviço público de alta importancia, como a de representar
Portugal nas festas do centenário de Colombo em Madrid,
e a de delegado do nosso pais na celebre conferencia da
Haia realizada em 1898.
Tinha, entre outras, as seguintes condecoraçóes : a s
gran-cruzes de Carlos 3.", de Espanha, de S. Gregório
Magno, de Roma, da Corôa de S. Estanislau, da Prussia,
grande oficial da Legião de Honra, comendador e cavaleiro
de S. Tiago, comendador da ordem de Alberto o Valoroso,
da Saxonia, da Aguia Vermelha, da Prussia, da Imperial
Ordem da Rosa, do Brasil, etc.
Morreu a 6 de Setembro de 1901 em Niedervalluf,
Alemanha, quando exercia o importante cargo de ministro
plenipotenciário de Portugal, na Russia.
Ulfimo Administrador: O conselheiro Aires de Ornelas
de Vasconcelos foi o último possuidor das terras do mor-
gadío do Vale da Rica, mas não teve propriamente a adrní-
ilistração dêste antigo vinculo, porque ao tempo da morte
de seu pai já estavam abolidas todas a s instituiçdes vincu-
lares do nosso país. Filho primogenito do décimo quinto
administrador Agostinho de Ornelas de Vasconcelos e
D. Maria Joaquina Saldanha da Gama de Ornelas, filha dos

(31) Menibro duma das niais ilustres famílias madeirenses e irmão do 15."
administrador dêste morgadío do Vale da Bica foi o arcebispo de Goa D. Aires
de Ornelas de Vasconcelos, que nasceu no Funchal no ano de 1837 e faleceu em
Lisboa a 28 de Novembro de 1880. Pelas suas eminentes virtudes, talento su-
perior, vasta cultura e acendrado zelo apostolico era considerado um dos
~ilaioresprelados do seii tempo, não só de Portugal como de toda a cristandade.
Abalisado teologo, distinto poligolota, escritor primoroso, dotado do mais fino e
cativante trato, generoso e hospitaleiro, sempre esquecido dos seus pergaminhos
e da alta jerarquia do sei1 cargo, conquistou em Goa e na India Inglesa as mais
gerais simpatias e admirações, que ainda hoje, passado já meio século, são
relembradas com o maior respeito e carinho no meio das populaç6es indianas.
Reunidos os seus escritos, foram publicados num volume de 538 pag., sob o
titulo de #Obras de D. Ayres de Ornellas de Vasconcellos~,Porto, 1881, e pre-
cedidos dum brilhante estudo bografico, escrito pelo conselheiro Agostinho d e
Or~ielas,irmão do arcebispo, de quem no texto nos ocupamos.
condes da Ponte, herdou todos os bens que constitui&
êste morgadio, tendo sido o último representante da famflia
que os possuia, pois que no ano de 1920 procedeu B venda-
total dêsses mesmos bens aos caseiros e meeiros que os
agricultavam. Nasceu na freguesia da Camacha desta ilha
a 5 de Março de 1866 e faleceu em Lisboa a 14 de De-
zembro de 1930. Seguiu a carreira das armas, em que nota-
velmente se distinguiu, e foi deputado, par do reino, minis-
tro de estado, revelando sempre os fulgurantes dotes duma
inteligencia privilegiada e duma vasta cultura intelectual de
par com as mais firmes e austeras qualidades de caracter.
Deixou vários livros e opusculos, especialmente consagrados
a assuntos militares e coloniais, em que era um mestre con-
sumado. No Elucidario Madeirense, (I1-250 e seg.) deixámos
esboçada uma ligeira biografia do conselheiro Aires de
Ornelas.

A venda das propriedades


Como já ficou ligeiramente esboçado, a casa dos con-
des do Carvalhal da Lombada, apesar de sêr uma das mais
opulentas de todo o país, náo pôde suportar o choque da
vida perdulária e faustosa do seu chefe e mais ainda talvez
os desencontrados embates duma pouco cuidada e escru-
pulosa administraçáo. Recorria-se com frequencia ao em-
prestimo, e a Companhia de Credito Predial Portugues, que
era um grande credor a temer, p6s em praça judicial a
maior parte das propriedades, que aquela grande casa
possuia em quási todas as freguesias da Madeira. Nessa
altura, afirmam-no vários contemporaneos do facto, teria
sido relativamedte facial conjurar a derrocada, se uma
administraçáo mais sensata e esclarecida fizesse sentir a
sua benefica acçao na gerencia dos diversos negocios que
que lhe estavam confiados. As terras que formam os im-
portantes sítios da Lombada dos Esmeraldos e do Lugar
de Baixo foram arrematados em hasta pública, no dia 17
de Dezembro de 1893, pela firma comercial estrangeira da
praça do Funchal A. Giorgi & C.a, por uma quantia pouco
superior a cem contos de reis. Atravessava então o arqui-
pélago uma grave crise económica com grande falta de
numerário e de suficientes créditos na praça, e não tendo
havido o previdente cuidado de evitar que a s propriedades
da casa Carvalhal fossem praceadas em vastas extensdes
de terrenos, poucos poderam aventurar-se a licitação dessas
terras, sendo por isso quási todas vendidas por preços
milito inferiores ao do seu verdadeiro valor. As proprie-
dades da Ponta do Sol, que durante um periodo de tempo
superior a quatro séculos, estiveram na administração e
usufruto dos sucessores de João Esmeraldo transitaram
para a posse de pessoas estranhas, como então aconteceu
com tantas outras terras que os Carvalhais possuiam nesta
ilha, no continente português e nos arquipelagos dos Açores
e das Canárias, sendo caso para recordar o velho proloquio
latino : Sic fransit g!oria mundi.
O conselheiro Aires de Ornelas de Vasconcelos, último
representante da casa vinculada do Vale da Bica ou do
Jangáo, resolveu vender as terras que constituiam o antigo
morgadio, as quais, como as do Santo Espirito, estiveram
tambem durante séculos na posse dos seus antepassados.
Para êsse fim, organisou-se uma sociedade de vários indi-
viduos, que realisou a compra total da propriedade, fazendo
em seguida a revenda das diversas parcelas aos próprios
parceiros agricolas que as cultivavam. O conselheiro Aires
de Ornelas não teve a vida brilhante e aparatosa do se-
gundo Conde do Carvalhal, mas a sua situação especial no
nosso país como Lugar-Tenente do rei D. Manuel, abri-
gando-o a frequentes e dispendiosas viagens ao estran-
geiro, apressou a ruína da importante casa que herdara de
seus maiores e que desinteressadamente pusera a favor da
causa, que êie julgara um indeclinavel dever defender a
todo o transe. Esta inconfidencia, se como tal pode ser
considerada, só serve para honrar e enaltecer a memória
do conselheiro Aires de Ornelas, que ainda os adversários
das instituições monarquias não deixarão de admirar e
respeitar devidamente.
XVI

Uma compra imaginária. . .


Não querendo imprimir ao nosso ligeiro estudo a fei-
são caracteristica dum panfleto, daremos a este último
capitulo o moderado titulo de Compra imaginária.. ., em-
bora esteja êle a exigir uma epigrafe mais expressiva c
mais energica, para classificar com verdade e com justiça
os factos que vamos sumariamente narrar. Delineou-se e
pretendeu-se levar a cabo uma arriscada e temedria èn)i
preza, em que a uma audácia sem limites andoli sem@*
ligado o mais descarado e revoltante cinismo. Nela encon-
tramos, por vezes, traços do genio de Maquiavel, niio ~ d d e
tambem dificil descobrirem-se vestigios duma acentuada
demencia. Teve a projectada façanha, desde a sua origem,
um plano inteiramente preconcebido e esboçado nos ses$
mais detalhados pormenores ? Ou, concebida a ideia inicial,
ir-se-ia a pouco e pouco arquitectando a famosa trama ate
a sua final execução e conforme as circunstancias ocor-'
rentes foram aconselhando ? E mais plausivel aceitar-se a'
última hipotese e admitir-se tambem que vdrios colabora-.
dores houvessem entrado com o seu concurso para a rea-
lisação do famigerado plano.
O importante acontecimento; além dos individuos
a êle se achavam mais ou menos proximamente ligados
por quaisquer interesses, passou quiisi despercebido para
o grande público, tendo a imprensa periodica guardado a
tal respeito um cauteloso e sistemático silencio, e ate o go-
verno central, nas diversas <<demarches. que empreendeu
para dar ao caso uma definitiva solução, julgou acertada-
mente faze-10 com as mais prudentes reservas, como a
gravidade e o melindre da situação entao criada estavam
imperiosamente exigindo.
Realisada a venda das terras que constituiam o vin-
culo do Vale da Bica, vulgarmente conhecido pelo nome de
Jangão, como fica referido no capítulo anterior, surgiu a
ideia da compra total dos sítios do Lugar de Baixo e da
Lombada dos Esmeraldos, que eram os domínios territo-
riais do morgadio do Santo Espirito, com o fim de prece-
der-se a revenda parcial dessas terras aos parceiros agri-
colas, que desde séculos e de geração em geração a s vinham
cultivando no conhecido e generalissdo regimen de colonía.
Um individuo residente na vila da Ponta do Sol, que era ali
empregado de justiça e cotado influente politico, propôs
aos proprietários A. Giorgi & C.a a compra dessas pro-
priedades, tendo êstes feito uma promessa verbal de venda
pela importancia de trezentos mil <<dollaresn,que. deveriam*
ser depositados num banco de Nova Iorque até o dia 31 de
Dezembro de 1924. No entretanto ia o negociador ponta-
solense, realisando, sob palavra, a cedencia de muitos tratos
de terreno e ao mesmo tempo recebendo quantias avul-
tadas, que fizera colocar, em seu nome, numa casa bancairia
do Funchal. Não faltou quem, desde logo, agoirasse mal d o
resultado dessas transaçóes, pelo conhecimento que havia
das pessoas e das coisas, mas a negociata decorria nor-
malmente e sem os protestos dos que nela se achavam
interessados.
Na 6poca aprazada, o dinheiro não deu entrada nos
cofres da casa de crédito dos Estados Unidos e o que se
achava depositado no Funchal continuava A ordem do pro-
ponente da já famigerada compra. Começaram então a cir-
cular insistentemente boatos reveladores de suspeitas e d e
duvidas, acompanhados de asperos e pouco abonatórios
comentários.
Os ingenuos colonos, na fundada esperança de alcan-
çar a posse imediata das terras, lá iam entregando as im-
portancias totais ou parciais das supostas compras, rece-
bendo apenas em troca umas ilusórias quitaçbes, que náo
valiam mais do que o simples papel em que estavam es-
critas. E, a muitos dêles, nem essa fugaz esperança lhes foi
permitido gosar, porque não conseguiram obter um pe-
queno retalho de costaneira com a indicação da entrega dos
pobres escudos, que tão laboriosamente lhes custara a
ganhar.
Começa agora a parte mais interessante da grande fa-
çanha. Esboçada um pouco a medo, mas revestindo logo
um caracter ostensivo e profundamente hostil, inicia-se uma
campanha de descrédito, a que várias pessoas se assocía-
ram, contra os proprietários das terras, criando-se entre os
caseiros e meeiros uma atmosfera de ódios e vinganças,
em que a danificação e a destruição da propriedade se
fizeram largamente notar. Por uma continua e sistemática
propaganda, fez-se acreditar aos colonos que êles ficariam
legitimos possuidores das terras, se dentro do periodo de
cinco anos não pagassem aos actuais proprietários as rendas
e as demedias, que desde todos os tempos nunca tinham
deixado de sêr satisfeitas aos antigos administradores do
morgadio da Lombada.
Por toda a parte se encontra sempre um estado latente
de revolta dos colonos ou rendeiros contra os ~ s e n h o r i o s ~
ou donos das propriedades rústicas, não sendo para estra-
nhar que indivíduos sem escrúpulos descobrissem nus
pobres e rudes camponeses da Ponta do Sol terreno de
facil germinação para as suas ideias, embora se tratasse de
levar a prática os principios mais diametralmente opostos
ao direito, razão e ao bom senso. E essas perniciosas
ideias desenvolveram-se e cresceram rápidamente e ate
largamente frutificaram, produzindo tal perturbação e des-
ordem, que em breve se transformaram na mais completa
anarquia.
Os proprietários da Lombada e do Lugar de Baixo,
como 6 natural que tivesse acontecido e no uso do mais
legitimo direito, recorreram aos tribunais da comarca, que
tem a sua séde, paredes meias, com o fóco do incendio que
alastrava sempre. A sua situa~áoera simplesmente esta:
não realisaram a venda, não recebiam um ceitil das rendas
das suas vastas propriedades e estavam ainda ameaçados
de sêr espoliados da sua posse. Instauraram-se diversos
processos judiciais, que em geral não atingiam um anda-
mento apreciavel ou não tinham execuçao as sentenças
proferidas. r

Ia decorrendo o tempo e os interessados no eficaz


resultado da audaciosa proeza, apoiados na força de três
mil habitantes com centos de homens validos e dispostos
as maiores violencias, julgaram ganha a partida e comi-
deravarn-se jB senhores absolutos das terras dos antigos
morgados Esmeraldos. Era ate certo ponto justificada essa
suposiçtio a vista da impotencia ou fraqueza dos tribunais
e mais ainda dos que superintendem nas cousas públicas
do nosso país . . . A politica mesquinha de aldeia tambem
lançou seu manto protector sobre os insignes negociadores,
que já contavam com a impunidade para a s suas arriscadas
mas lucrativas façanhas. Até chegou a espalhar-se, com
certos visos de verdade, que um ilustre advogado, profes-
sor de leis numa universidade, tinha emitido opinião favo-
ravel a dos supostos compradores da Lombada, podendo
ainda êstes exigir da firma comercial A. Giorgi 6r Coauma
indenisaçáo de mil e quinhentos contos pelo prejuizo rnorat
e material de que ela fora causante ! ! !
Esta situação não podia protrair-se indefinidamente e
lá veiu uma tardia e arrastada ordem de prisão contra o
principal protagonista desta comédia, que se não efectuou,
porque, mais uma vez ainda, a politica local cobriu o s pre-
varicadores com a protectora capa da misericórdia. E certo
que algumas prisóes se fizeram, mas de individuos que
tinham uma responsabilidade muito atenuada nos aconteci-
mentos e que eram apenas instrumentos de ocultos man-
datários, não se tendo mantido tais prisóes e não havendo
contra êsses indivíduos qualquer procedimento criminal,
que correspondesse a um sério correctivo para os des-
mandos praticados. No entretanto receava-se fundadamente
que se dessem novas e mais eficazes tentativas d e encar-
ceramento, seguidas de outras violentas mas necessárias
medidas, que teriam como epilogo as celulas da peniten-
ciiiria, e tomou-se então a resolução heroica de par o cabe-
cilha a salvo e a bom porto, procurando-se em país estran-
geiro um asilo seguro contra a s importunas investidas d o s
beleguins da justiça . . . Assim se fez. Talvez seja desne-
cessário acrescentar que os dois mil e trezentos. contos
depositados numa casa bancaria do Funchal não foram en-
tregues aos donos das terras, não foram restituidas a o s
colonos e caseiros e não foram postos a ordem de qualquer
entidade oficial, como garantia de futuras transaçóes que
viessem a realisar-se. Tudo caiu no insondavel abismo .. ,
da grande proeza, seguindo a marchas forçadas para as
distantes terras de além fronteiras.
Por uma triste ironia do destino, estava o caso solu-
cionado com respeito aos autores da façanha, mas apre-
sentava um aspecto inquietador e sombrio com relacáo aos
proprieiários das terras e aos seus respectivos cultiva-
dores. Esses proprietarios, ainda no uso dum legitimo di-
reito e como bom subditos ingleses que sáo, solicitaram a
interferencia do governo do seu país, depois de esgotados
os meios que as leis portuguesas lhes facultavam para as-
segurar a posse dos seus haveres, que durante largos anos
tinham adquirido e usufruido a sombra das mesmas leis.
O nosso goiieriio, na conjuntura ocorrente, seguiu a lei
do menor esforço como a s circunstancias de ocasião o per-
suadiam. Podia impor o exacto cumprimento das leis, levar
os tribunais a fazer justiça inteira, compelir as autoridades
locais a sustentar o respeito devido pela propriedade alheia
e a restabelecer a tranquilidade e a ordem no meio de po-
pulações assoladas por um vento de anarquia., Como o
estado de espirito, mantido em alta tensáo por vis especu-
ladores, excluia todas as tentativas suasórias e de concilia-
çáo, e como tambern os magistrados judiciais e os repre-
sentantes do poder se consideravam impotentes para de-
belar ou ao menos atenuar o mal, s ó restava ao governo da
metropole o emprego da violencia em p6 de guerra ou a
adopção de medidas suaves, conducentes a assegurar a
posse legitima da propriedade e a restaurar o socego e a
paz, embora estabelecendo algumas sanções para os erros
e desvarios coinetidos, prestigiaiido deste modo a acção
directa do mesmo governo na soluçáo de tão momentoso
assuiito. Foi o que sensata e criteriosamente se fez.
Para a s resoluçúes tomadas pelo nosso governo e para
a liquidaçrío final desta grave e complicada questão muito
concorreu o distinto madeireiise dr. José de Almada, encar-
regado pelas esta~óessuperiores de propor as bases em
que deviam assentar essas resoluções, depois de proceder
a um aturado e consciencioso estudo, tendo-se pdviamente
ouvido as reclamações de todas as classes interessadas. O
ilustre funciontírio, que no desempenho de importantes co-
missbes de serviqo público no estrangeiro e nas nossas
colonias ultramarinas, tem dado sobejas provas duma rara
competencia e do mais atilado criterio, solucionou o caso
da Lombada dos Esrneraldos, dentro dos limites da possi-
bilidade e sem desprestigio algum para o estado, nas con-
diqóes mais favoraveis para todos, sem esquecer o melin-
dre e a gravidade da situação politica, social e económica
do nosso pais. O ilustre ministro dos iiegocios estrangeiros,
o dr. Betencourt Rodrigues, aceitou nas suas linhas gerais
êsses ponderados alvitres, que serviram de fundamento à
redacção definitiva dos decretos que derain por resolvida
essa importante questão.
A reclamação apresentada pelo embaixador inglês em
Lisboa foi considerada e aceita nos melhores termos, adop-
tando-se em principio a expropriação amigavel das terras
pelo governo português e a venda delas aos caseiros e me-
eiros nas condições que seriam posteriormente estudadas
e decretadas. (:j2)

Em virtude das disposições daquêles decretos, que


(12) Considerando que se impõe a expropriação por utilidade pública e ur-
gente das propriedades denominadas do Lugar de Baixo e da Lonibada dos
Esmeraldos, sitas 110 Concelho da Ponta do Sol, distrito do Funchal, perten-
centes a firma A. Giorgi & C.a, conio meio de solucionar as questões a que a
exploração delas tem dado lugar e de realisar, sem prejuizo para o estado e
com a prévia concordancia da firma proprietária, a aspiração dos povos do
concelho de adquirirem as terras que cultivam e que têm valorisado coni o seu
trabalho e capital ;
Considerando que os tramites iisiiais do processo de expropriação iião s e
compadecem com a i~aturezaespecial deste caso, nem com a conveniencia da
siia rápida regularisação ;
Atendendo ao disposto no art.0 2.', n." 2, da lei de 26 de Julho de 1912; .
Usando das faculdades que me confere o n.O 2." do artigo 2." do decreto
n . O 12740, de 26 de Novembro de 1926.
Hei por bem, por proposta das Ministros de todas as repartições, decretar,
para valer como, lei, o seguinte.
Artigo 1.0-E declarado de utilidade pública e urgente a expropriação, pelo
Govêrno Português, das propriedades denominadas Lugar de Baixo e Lombada
dos Esmeraldos, sitas na freguesia e concelho da Ponta do Sol, distrito d o
Funchal, Ilha da Madeira, pertencentes a firma A. Giorgi & C.", com todos os
direitos que lhe são inerentes.
Artigo 2.0-0 Governo Portiiguês tomará imediatamente posse das ditas
propriedades indenizando pelo seu valor a firma expropriada coni dispensa d a s
formalidades e praxes estabelecidas nas leis.
Cj único-O contrato sobre o valor da indenisação será celebrado por es-
critura pública na cidade do Funchal entre um representante do Estado e a
firma expropriada, executando-se a transmissão nêsse mesmo instruniento.
Artigo 3.0-Serão isentos do imposto de sê10 e oiitras quaisquer taxas ou
emolumentos os actos e contratos, documentos ou outras quaisquer formali-
dades necessárias para se efectivar a transmissáo das propriedades mencio-
nadas para a posse imediata do Estado.
Artigo 4.0-0 Govêrno Português poderá alienar em hasta pública as refe-
ridas propriedades, no todo ou em parte, tomando como base minima o custo
da expropriação e tendo preferencia os actuais colonos, rendeiros, meeiros ou
caseiros que tiverem pago a s rendas vencidas.
F
J 1.0-0 Governo poderá estabelecer o pagamento das terras em três
prestações anuais, vencendo juros de 8 por cento ao ano.
$j2.0-As prestações em divida serão garantidas por hipoteca legal.
Artigo 3.0-0 Governo fará avisar todos os colonos, rendeiros, meeiros ou
caseiros para virem pagar nos cofres da Fazenda a s rendas em atrazo, exe-
cutando pelo processo das execuções fiscais, os remivas.
(Decreto n.O 14832, de 26 de Dezembro de 1927).
vieram embora tardiamente restabelecer a ordem, fazer acatar
o direito de propriedade e assegurar os legitimos interesses
de milhares de indivíduos, o governo do nosso pais, depois
dum prévio acordo, procedeu a imediata expropriação ou
compra das terras dos sítios da Lombada e do Lugar de
Baixo, mediante o pagamento de trezentos mil ~ d o l l a r e s ~ ,
quantia esta aproximadamente igual a da promessa de
venda feita em 1923 pelos respectivos proprietários ao ce-
lebre negociador da vila da Ponta do Sol, e mais o valor
das rendas atrazadas e ainda não recebidas.
Na cidade do Funchal e nas notas do tabelião Valentirn
Pires, no dia 26 de Janeiro de 1928, celebrou-se a escritura
pública da cedencia ou venda daquelas propriedades ao
governo português, representado nêste acto pelo dr. José
de Almada, feita pelos seus legitimos possuidores, os mem-
bros da firma comercial A. Giorgi & C.a, realisando-se
então o pagamento daquelas importancias, que ascenderam
à soma de seis milhões e trezentos e setenta e sete mil
escudos.
Estava arrumada a questão diplomática e solucionado
o assunto como relaçáo aos ~~senhorios>> directos das terras,
mas faltava resolve-lo com respeito aos seus colonos e
cultivadores, que tinham ingenuamente lançado na voragem
da celebre negociata quantias superiores a dois milhóes d e
escudos. Era êste o ponto que oferecia maiores dificuldades
e exigia uma mais demorada e ponderada solução, para
não trilhar-se o caminho dos vexames e das violencias, que
convinha por todos os motivos evitar. Diremos a titulo de
informagão, que os sítios da Lombada e do Lugar de Baixo
compreendiam cêrca de dez mil lotes de pequenos tratos
de terreno, cultivados por oitocentos caseiros e meeiros,
tendo iim número dêles superior a setecentos, isto e, quhsi
a totalidade, apresentado mil e cem documentos, passados
pelo chefe das << transações >> de venda, de várias importancias
pagas e destinadas à compra desses terrenos, que deveria
realisar-se na ocasião mais oportuna . . .
0 decreto n." 15174, de 14 de Março de 1928, que vem
acompanhado do respectivo regulamento, foi alterado, em
muitas das s u a s disposições, pelo decreto n." 19268, de 24
d e Janeiro de 1931, tendo êste, por sua vez, sido retificado
e novamente publicado no Dicirio do Gov~rnode 24 de Fe-
vereiro do mesmo ano. Constituem êstes diplomas legisla-
tivos as directrizes que hão-de orientar as diversas enti-
dades oficiais na resolução definitiva do grave problema,
cabendo principalmente ao director de finanças do distrito
do Funchal a execução dessas disposições, que foi iniciada
com o maior acerto e cornpetencia pelo dr. JUlio Gonçalves,
que ao tempo exercia êsse melindroso cargo.
Como actos preparatórios e de segura apreciação, para
realisar a venda equitativa das terras aos colonos, prece-
der-se-ia a um levantamento topografico de todas elas e em
seguida se faria a classificaçáo das suas qualidades produ-
tivas, estabelecendo-se a distinção em terrenos de primeira,
segunda e terceira classe. Realisou-se já nas melhores con-
diçdes o levantamento da carta topografica do Lugar de
Baixo e da Lombada e não tardará que se inicie o trabalho
meticuloso da qualificação das glebas, quanto aos seus ele-
mentos de produção e fertilidade. Seguidamente se prece-
derá a avaliação das terras, segundo a natureza delas, de
cujo resultado se dará inteiro conheciinento aos interessa-
dos, recebendo-se destes as reclamaçóes que entenderem
dever apresentar com respeito a essas mesmas classifica-
qbes e avaliações. Serão então os caseiros e meeiros con-
vidados a comprar, em condições favoraveis de pagamento,
as terras que cultivam, devendo sòmente sêr vendidas em
hasta pública aquelas que esses colonos náo pretenderem
adquirir.
No entretanto foi promovida a venda judicial dos ha-
veres pertencentes ao principal fautor da já decantada
proeza, tendo produzido uma importancia total superior a
quinhentos mil escudos, que o estado arrecadou e ficou
servindo de caução ás rendas atrazadas dos últimos anos,
Essa importancia ha-de sêr proporcionalmente descontada
aos caseiros e rendeiros, quando êstes realisarem a compra
definitiva das terras.
I-A primitiva colonisaçáo da Madeira .................. 7
I I.Lugar. Freguesia e Vila da Ponta do Sol ............ 9
I I I-Lombada da Ponta do Sol ou dos Esmeraldos ...... I1
I V-Rui Gonçalves da Câmara ........................ 15
V- João Esrneraldo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
V I-João Esrneraldo e o futuro descobridor d a América ... 21
V 11-0 rapto de D . Isabel de Abreu ..................... 24
V I I I-A industria Sacarina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
i X-As instituições vinculares ........................... 30
X-A Casa Solarenga ................................. 36
X i- As Capelas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
X I I-A administração dos vinculos ..................... 44
X I I I-Administradores do morgadio do Santo Espirito ...... 47
X I V-Administradores do morgadio do Vale da Bica ...... 54
X V-A venda das propriedades ........................ 59
X V I-A compra imaginária .............................. 61

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