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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
/ visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
SL vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabal no assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
responileraiws
SUMARIO
<

< Profecías... Calamidades...

[2 "Casamentos que nunca deveríam ter existido"


"P Direito de escolha da escola
j£ Batizar criancas mortas?
j? "O nome da Rosa" (filme)
-, "A Missao" (filme)

00 Parábola do nosso tempo


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o. —^———

ANO XXVIII - AGOSTO - 1987 303


PERGUNTE E RESPONDEREMOS., AGOSTO -1987
Publicacáo mensal
N9 303

Oiretor-Responsável: SUMARIO
Estéváo Bettencourt OSB
PROFECÍAS.. . CALAMIDADES 337
Autor e Redator de toda a materia
publicada neste periódico
Resposta para mu ¡tos:
Diretor-Administrador "CASAMENTOS QUE NUNCA DEVERIAM

D. Hildebrando P. Martins OSR TER EXISTIDO" por Jesús Hortal S.J. . 338

Administrado e distribuicáo. Questáo Candente:


DIREITO DE ESCOLHA DA ESCOLA . 358
Edicóes Lumen Christi
Dom Gerardo. 40 - 5" andar, S/501
Nova praxe pastoral?
Tel.:{021) 291 -7122
BATIZAR CRIANCAS MORTAS? 362
Caixa postal 2666
20001 - Rio de Janeiro - R J No cinema:
"O NOME DA ROSA" (filme) 367
"MARQUES SARAtVA"
GBArcos
Premio Osear:
"A MISSÁO" (filme) 373

PARÁBOLA DO NOSSO TEMPO 381

ASSINATURA EM 1987: NO PRÓXIMO NUMERO:

A partir de Janeiro de 1987 C/S ?00.()0


304 - Setembro - 1987
Número avulso: C/S ?0.00

Por que a Igreja? Por que a fé? — O caso


Queira depositar a importancia no B<nu:n
Marcinkus. — Um homem macaco em prove
do Brasil para crédito nn Conta Corrente
ta. — "O horóscopo da sua vida" (Mauro
n° 0031 304-1 em nomo do Mostuiro <lr>
Ferrero). — Por causa da fé perseguidos. ■
Sao Bento do Rio de Janeiro, pagável na
Agencia da Prafa Mauá (n? 0435) ou en
viar VALE POSTAL paciávcl na Atjñncui
Central dos Corrcios do Rio rlc Janeiro.
COM APROVAQÁO ECLESIÁSTICA

RENOVÉ QUANTO ANTES COMUNIQUE-NOS QUALQUER


A SUA ASSINATURA MUDANCA DE ENDERECO
Profecías... Calamidad es...
Tém-se propagado noticias de flagelos a se desencadear sobre a Térra
nos próximos meses. Em conseqüéncia, muitas pessoas se sentem perplexas e
apavoradas.

A situacao exige urna reflexao serena:

1) Trata-se de revelagoes particulares, que nao se impoem á fé. O fato


de que os respectivos ¡mpressos tém a autoriza?ao eclesiástica, nao quer d¡-
zer que o seu conteúdo tenha o abono positivo da Igreja, mas significa ape
nas que nao se opoe ás verdades do Credo.

2) 0 teor de tais predicóes é muito minucioso: trevas durante tres dias


e tres no ¡tes, tempestade de fogo durante setenta horas, pestilencia, tres
quartos da humanidade atingidos pela morte... Ora, notam os teólogos que
as profecías bíblicas (que certamente sao auténticas) se caracterizan! pela so-
briedade, até mesmo por certa obscuridade; ver Is 7,14; Mq 5,1-3; On 7,13s;
9,24-27. . .(os exegetas debatem o seu sentido exato). — Ao contrario, as
profecías nao bíblicas sao geralmente pormenorizadas e muito vivazes; esta
i'ndole nao é do estilo de Oeus, mas parece, antes, decorrer de urna necessi-
dade da mente humana, sempre propensa a desvendar o futuro e imaginá-lo
segundo as categorías do vidente. Em conseqüéncia, bons teólogoschamam
a atencao para o caráter espurio que parecem ter as revelares particulares
minuciosas.

3) Sao JoSo da Cruz, o grande Doutor Místico, admoesta insistente


mente os seus leítores contra a tendencia ao "maravilhoso"; é preciso que o
cristao viva estritamente da fé e só reconheca o portentoso quando Deus o
credencia com toda a clareza. Eis palavras do Santo:

"Oeste número (de impostores) foram os que profetizavam e publica-


vam as visoes da sua fantasía, ou aquetas que tinham por autor o demonio.
Este, com efeito. explora ¡mediatamente a disposifio desses homens afeita
dos aos favores extraordinarios; fornece-lhes abundante materia neste vasto
campo, exercendo as suas malignas influencias sobre todas as suas acoes"
fSubida do Monte Carmelo ///, XXI,4).

4) Das muitas noticias que se vém espalhando, urna coisa há de se con


cluir sem hesitapao alguma: é necessário praticar orapao e penitencia ou con-
versao. Esta é a primeira e constante mensagem do Evangelho (cf. Me 1,14$).
Que os cristaos a vivam com fervor, mas em paz e confianza: "Deus é um
Deus de paz" (1Cor 14,33). O apavoramento a nada serve; ao contrario, im
pede a lucidez de raciocinio e agao. O que os cristaos podem e devem fazer
pelo mundo de hoje, é santificar-se, tornando-se mais sal da térra e fermento
na massa, poís eles bem sabem que "urna alma que se eleva, eleva o mundo
inteiro"!
E.B.

337
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
Ano XXVIII - N? 303 - Agosto de 1987

Resposta para mu ¡tos:

"Casamentas que nunca


deveriam ter existido"
por Jesús Hortal S.J.

Em sfntese: O Pe. Jesús Hortal discorre em estilo pastoral e claro sobre


os vinte e cinco fatores que podem tornar nulo o matrimonio sacramental;
explica o teor de cada qual de tais cláusulas existentes no Código de Direito
Canónico, abrindo horizontes e citando casos concretos que os sacerdotes e os
leigos nao podem ignorar. Bis por que o artigo abaixo, baseando-se no livro
citado, procura transmitir o conteúdo da legislacio canónica sobre os impe
dimentos matrimoniáis. — A segunda parte da obra em foco expoe a manei-
ra como se deve instaurar um processo de nulidade de casamento e qual a
sua tramitació.

* * *

O Pe. Jesús Hortal S.J. é o Oiretor do Instituto de Diceito Canónico da


Arquidiocese do Rio de Janeiro e o Chefe do Departamento de Teología da
PUC-RJ. Colaborou na redacao do atual Código de Direito Canónico, que
ele comentou brevemente em sua edicao brasileira. Valendo-se de sua longa
prática nos Tribunais eclesiásticos e de variada experiencia docente e pasto
ral, entrega ao público um livro referente aos casamentos nulos no foro
eclesiástico': em estilo fácil apresenta os impedimentos que tornam inválido
o matrimonio religioso e a maneira como devem proceder os que, baseados
em razóes canónicas, desejam obter a declaracio de nulidade (nao a anula-
cao) do seu matrimonio religioso. Tal livro é de utilidade nao somente aos
casáis infelizes, mas também aos pastores, que precisam de conhecer exata-

1 JESÚS HORTAL S.J., Casamento» que nunca deveriam terexistido. Urna


solucao pastoral. - Bd. Loyola. Sao Paulo 1987, 137x208 mm, 92 pp.

338
"CASAMENTOS QUE NUNCA..

mente a legislapao da Igreja para poder ajudar os seus fiéis. — Em vista disto,
transmitiremos abaixo o conteúdo do livro (e, conseqüentemente, do Códi
go de Direito Canónico) relativo as causas de nulidade do casamento religio-

1. A doutrina da Igreja

Já segundo o direito natural (que está gravado na natureza do homem


criada por Oeus), o matrimonio é instituicáo monogámica e indissolúvel,
pois vem a ser a entrega mutua e total de dois cdnjuges, que contraem uma
comunháo de vida total, ordenada ao bem de um e outro e á geracao e edu
carlo da prole.

Quando os esposos sao cristáos, a uniao matrimonial é elevada a um


plano superior, pois se torna sacramento. Segundo a doutrina católica, o ma
trimonio sacramental validamente contrai'do e consumado (isto é, completa
do pela cópula sexual) só pode ser dissolvido pela morte; nunca é anulado.

Pode acontecer, porém, que, apesar das aparéncias, nunca tenha havi-
do um auténtico matrimonio. Por qué? - Por ter faltado alguma condicáo
essencial á validade do casamento; assirfi, por exemplo, quando alguém con-
trai matrimonio ameacado de morte, nao se casa realmente, pois o consenti-
mento matrimonial, para ser válido deve ser livre. Em tal caso o matrimonio
é nulo ou nunca existiu. Aos interessados compete pedir nao a anulacáo,
mas a declaracao de nulidade desse enlace por parte da autoridade eclesiásti
ca.1

Pergunta-se agora:

2. Como pode resultar nulo um casamento?

Há tres tipos de fatores que podem provocar a nulidade de um casa


mento: 1) fal has do consentimento, 2) impedimentos dirimentes, 3) falta de
forma canónica na celebraclo do matrimonio.

1 Nótese bem: anulacao significa fazer que aquílo que tem existencia legi
tima, deixe de a ter; o casamento válido perdería o seu valor jurídico. — Ao
contrario, declaracao de nulidade significa tornar público o fato de que o ca
samento, em tal ou tal caso concreto, nunca teve existencia, apesar das ceri-
mónias realizadas.

339
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 303/1987

Esquemáticamente podem ser assim enunciados:

1. Falhas do consentimento

1.1. Falta de capacidade para consentir:


1.1.1. Falta de inteligencia "teórica"
1.1.2.Falta de inteligencia "prática"
1.1.3. Falta de dominio de si no campo matrimonial
1.2. Ignorancia
1.3. Erro:
1.3.1. Erro sobre as propiedades do matrimonio
1.3.2. Erro sobre a identidade da pessoa com quem alguém se casa
1.3.3. Erro sobre certas qualidades da pessoa com quem alguém se
casa

1.3.4.Erro maliciosamente provocado (doloso)


1.4. SimulacSo:
1.4.1. Total
1.4.2. Parcial
1.5. Violencia ou medo
1.6. Condicao nao cumprida

2. Impedimentos dirimentes

2.1.ldade
2.2. Impotencia
2.3. Vfnculo
2.4. Disparidade de culto
2.5. Ordem sagrada
2.6. ProfissSo religiosa perpetua
2.7. Rapto
2.8. Crime
2.9. Consangüinidade
2.10. Afinidade
2.11. Honestidade pública
2.12. Parentesco legal, por adopao

3. Falta de forma canónica na celebracao do casamento

Como se pode ver, há nada menos do que vinte e cinco causas diferen
tes que podem provocar a nulidade de um casamento. Muitas délas, porém,
raramente aparecerao num processo de declaracáo de nulidade, porque já
teráo sido canceladas, se necessário, mediante a dispensa, antes do casamen
to. Contudo pode-se perceber que o problema dos matrimonios nulos nao é
nada simples.

340
"CASAMENTOS QUE NUNCA..."

Examinemos cada fator de per si.

3. Falhas ou vicios do consentimento

Para contrair matrimonio válido, os nubentes devem consentir livre-


mente em unir suas pessoas numa comunháo de vida definitiva e irrevogável.
Tenha-se em vista o canon 1057 do Código de Direito Canónico:

"Canon 1057 - § 1. O matrimonio é produzido pelo consentimento


legítimamente manifestado entre pessoas jurídicamente habéis; esse consen
timento nao pode ser suprido por nenhum poder humano.

S 2. O consentimento matrimonial é o ato de vontade pelo qual o ho-


mem e a mulher, por alianca irrevogável, se entregam e se recebem mutua
mente para constituir matrimonio".

O consentimento matrimonial pode ser prejudicado ou impossibilitado


por: 1) falta de' capacidade para consentir; 2) ignorancia; 3) erro; 4) simula-
gao; 5) violencia ou medo; 6) condicáo nao cumprida. Passemos em revista
cada qual destes seis elementos.

3.1. Falta de capacidade para consentir (canon 1095)

Tres sao as modalidades desta falta de capacidade: 1) falta de inteli


gencia "teórica"; 2) falta de inteligencia "prática"; 3) falta de dominio de si
no campo matrimonial. É o que decorre do canon 1095, formulado na base
da jurisprudencia dos dois últimos decenios:

"Canon 1095 — Sao incapazes de contrair matrimonio:

1?os que nao tém suficiente uso da razáo;

2?os que tém grave falta de discricao de jufzo a respeito dos direitos e
obrigacoes essenciais do matrimonio, que se devem mutuamente dar e rece-
ber;

3? os que nao sao capazos de assumir as obrigacoes essenciais do matri


monio, por causa de natureza psíquica".

O n? 1 do canon 1095 considera as pessoas que nao tém o desenvolví-


mentó psíquico suficiente (retardados mentáis) ouque seachamhabítualmen-
te privadas do uso da razao ("loucos") ou aínda as pessoas que, por alguma
causa especial (alcoolismo, drogas...), ficam transtornadas transitoriamente.
— Tais situacoes sao chamadas "falta de inteligencia teórica".

341
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 303/1987

O n? 2 do mesmo canon tem em mira as pessoas que podem entender


teóricamente o que significa o matrimonio, mas nao conseguem compreen-
der a profundidade e o alcance das obrigacdes que o matrimonio implica e
que se resumem ñas palavras: comunhao de vida total e definitiva. — As difi-
culdades de compreensao sao motivadas por causas assaz freqüentes hoje em
dia: os me ¡os de comunicacáo social e os modelos que eles propagam, a men
tal idade do "provisorio", que provoca atitudes altamente irresponsáveis, a
instabilidade e a imaturidade psicológica decorrentes do modo de vida da so-
ciedade contemporánea. . . Note-se que, no caso, nao se trata de "nao que
rer" assumir, mas de "incapacidade" de assumir derivada da incapacidade de
avahar corretamente a seriedade da comunhao de vida que é o matrimonio.
Tal incapacidade se chama "falta de inteligencia prática". — Sabemos que o
matrimonio goza sempre do favor do direito (é sempre tutelado pelo Direi-
to); em conseqüéncia, na dúvida sobre a existencia da incapacidade, o matri
monio nao pode ser proibido e, urna vez contraído, nao pode ser declarado
nulo pelo tribunal correspondente, sem que se demonstre com plena clareza
que, de fato, existia a incapacidade num dos dois ou em ambos os nubentes.

O n? 3 considera as pessoas que conhecem claramente o que é o matri


monio e até chegam a pesar bem as obrigacdes que dele decorrem, mas so-
frem de um desvio de personalidade tal que agirao de maneira incompatível
com a comunhao de vida matrimonial. Sirva como exemplo o caso de al-
guém que possui urna personalidade verdadeiramente doentia, de caráter
anti-social; é incapaz de conviver pacificamente com outra pessoa. Esse in
dividuo pode ter o desejo de se casar (sem ignorar as responsabilidades con-
seqüentes), mas nao á capaz de cumprir o que promete no casamento, pois
nao agüenta urna auténtica comunhao de vida. — Neste contexto podem-se
assinalar outros desvíos de personalidade como o homossexualismo invete
rado, o lesbianismo, o masoquismo, o sadismo, a ninfomanía (tendencia exa
gerada aocoito)...

Vejamos agora o item

3.2. Nulidade por ignorancia (canon 1096)

Suponhamos que alguém tenha plena capacidade para dar consentí-


mentó matrimonial válido. Poderá acontecer, porém, que ignore os pontos
essenciais do compromísso conjugal. Reza o canon 1Q96:

"Canon 1096 — § 1. Para que possa haver consentimento matrimonial,


é necessário que os contraentes nao ignorem, pelo menos, que o matrimonio
é um consorcio permanente entre homem e mulher, ordenado a procriacao
da prole por meio de alguma cooperacao sexual.

342
"CASAMENTOS QUE NUNCA..."

§ 2. Essa ignorancia nao se presume depois da puberdade".

Este canon exige que os nubentes saibam, ao menos, que o matrimo


nio é

— um consorcio, ou seja, urna común¡dade de vida e interesses;


— permanente, isto é", estável;
— entre um homem e urna mulher, isto é, tal que exctui un ¡oes para
lelas (aínda que transitorias) e requer necessariamente pessoas de
sexo diverso;
— ordenado á procriacfo, embora esta nem sempre aconteca de fato;
— por meio de alguma cooperacao sexual, sem que os contraentes co-
nhecam necessariamente todos os pormenores do processo fisioló
gico da reproducao. Presume-se que, após a puberdade, rapazes e
mocas conhecam as nocoes fundamentáis de tal processo (cinon
1096 §2).'

3.3. Nulidade por erro

O erro distingue-se da ignorancia, pois esta significa ausencia de no-


coes, ao passo que o erro implica presenca de nocoes nao verídicas ou falsas.
Ora pode-se conceber que os nubentes tenham concepcóes erróneas no to
cante ao que assumem. Verdade é que nem todas as concepcóes erróneas in-
validam o matrimonio: as mais graves o tornam nulo, pois quem dá seu con-
sentimento na base de um erro decisivo, dá-o a algo que nao existe; por con-
seguinte, nao contrai matrimonio.

Quais seriam, pois, as modalidades de erro que tornam o casamento


nulo?

3.3.1. Erro a respeito do próprio matrimonio (canon 1099)

O matrimonio sacramental é urna comunhao de vida monogámica e ¡n-


dissolúvel, elevada por Cristo a urna dignidade singular. Quem tem concep
cóes falsas a propósito, incorre no que se chama "erro de direito".

Sabemos que em nossos dias mesmo os fiéis católicos nao estío bem
esclarecidos a respeito, especialmente após a ¡ntroducio da lei civil do divor
cio. Muitos talvez se casem pensando em dissolver seu casamento, se nao for

1 Por puberdade entende-se a faixa etária que corresponde á passagem pro-


gressiva da infancia a adolescencia (ver Dicionário de Aurelio, verbete res
pectivo).

343
8 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 303/1987

feliz, a fim de contrair nova uniao. Pergunta-se entao: há, nestes casos, au
téntico consentimento matrimonial?

O problema nao é de fácil solucao. Para encaminhá-la, o Direito Canó


nico distingue entre "pensar" e "querer". Alguém pode pensar que o casa
mento é rescindível, mas talvez nao queira que ele seja dissolvido de fato.
Pode mesmo acontecer o contrario: o nubente julga que o matrimonio é so-
lúvel, mas faz questao de que o seu casamento dure a vida inteira. Ora em tal
caso o consentimento dado é válido. Eis o que diz o canon 1099:

"Canon 1099 — O erro a respeito da unidade, da indissolubilidade ou


da dignidade sacramental do matrimonio, contanto que nao determine a
vontade, nao vicia o consentimento matrimonial".

Para evitar o erro de direito e os problemas daf decorrentes, a Confe


rencia Nacional dos Bispos do Brasil emitiu a seguinte norma:

"Cuidem os sacerdotes de verificar se os nubentes estao dispostos a as-


sumir a vivencia do matrimonio com todas assuas exigencias, inclusive a de
fideiidade total, ñas varias circunstancias e situacoes de sua vida conjugal e
familiar. Tais disposicdes dos nubentes devem explidtar-se numa dedaracao
de que aceitam o matrimonio tal como a Igreja o entende, incluindo a indis-
solubilidade" fOrientacóes Pasturáis sobre o Matrimonio, n?2.15}.

3.3.2. Erro sobre a identidade da pessoaou erro de fato1 (cán.1097§ 1°/

Assim reza o canon 1097 § 1?:

"Can. 1097 — § 1. O erro de pessoa torna inválido o matrimonio".

Para entender esta norma, distingamos entre identidade física e identi


dade moral.

A identidade física refere-se á pessoa como tal. é essencial para a vali-


dade do matrimonio. Se André quer casar-se com Laura e, no momento de
se casar, quem dá o consentimento é Ana, está claro que André nao se casou
com Ana, porque nao era intencao dele unir-se a Ana. Casos semelhantes sao
multo raros. Ao contrario, assaz freqüente sao os que se referem á identida
de moral.

Esta diz respeito á personalidade. Se Jólo quer casar-se com María,


que Ihe parece ter as qualidades moráis necessárias para formar um lar feliz

1 A diferenca do erro de direito, que versa sobre a instituicSo do matrimo


nio como tal, o erro de fato versa sobre tal ou tal matrimonio concreto.

344
"CASAMENTOS QUE NUNCA. .." 9

e, após o matrimonio, verifica que ela carece de tais predicados, o matrimo


nio foi válido? Nio teria cometido um erro de pessoa?

Para responder, devenios observar que todo ser humano está sujeito a
falhas e a causar decepcoes; a nenhum nubente é lícito imaginar que encon
trará a pessoa perfeita que ele deseja. Por conseguinte, uma certa margem de
decepcoes é quase normal no casamento e nao invalida a este. Todavia pode
haver atitudes de cónjuge posteriores ao casamento que revelem uma persona-
lidade fundamentalmente diferente daquela que o outro cdnjuge quis abra
car; caso essa diferenca seja realmente básica ou fundamental, pode-se dizer,
segundo o Pe. Hortal, que houve erro de pessoa,... erro que tornou nulo o
casamento.1 Deve-se reconhecer que é difícil definir os limites entre predi
cados básicos e predicados nao básicos no caso. Deve-se também notar que
as pequeñas decepcoes inerentes a vida conjugal nao sao algo de extraordina
rio ou desconcertante na vida de um crístlo, visto que este, em qualquer vo-
cacao, é sempre chamado a seguir o Cristo portador de sua Cruz em deman
da da vida plena ou da ressurreicáo.

3.3.3. Erro sobre as qualidades da pessoa (canon 1097 § 2)

Eis o teor do canon 1097 § 2?:

"O erro de qualidade da pessoa, embora seja causa do contrato, nao


torna nulo o matrimonio, salvo se essa qualidade for direta e principalmente
visada".

Desta vez nao se trata da pessoa ou da personalidade como tal, mas de


qualidades diretamente e principalmente visadas ou intencionadas.

Tal caso é assaz complexo. Eis alguns exemplos: uma jovem pensa ca
sarse com um rapaz muito zeloso e responsável, mas após o matrimonio ve-

1 Tal é a opiniao que o Pe. Hortal emite em caráter estritamente pessoa/ (o


que quer dizer que o assunto nao é dan e permite sentenca contraditória):

"Quando a personalidade de um cónjuge se revela completamente dife


rente de como era conhedda antes do casamento, pode-se dizer que o con-
sentimento matrimonial do cónjuge que errou, é verdadeiro? Nao acabou
por casar com uma pessoa inexistente, que formou em sua ¡maginacao? Ao
nosso modo de ver, nesse caso, poderia ser invocado, como causa de ñutida-
de, o erro sobre a pessoa de que trata o canon 1097 § 1. O problema está em
determinar o limite entre o que éapenas uma qualidade, masque nao muda
fundamentalmente a personalidade, e a própria personalidade. A dif¡cuida-
de, porém, nao nos deve impedir de reconhecer que pode haver matrimonios
nulos por erro sobre a personalidade do cónjuge" (obra em foco, p. 19).

345
10 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 303/1987

rifica que é vadio e só quer explorar a esposa ou julga que o noivo é aten-
cioso e respeitador, mas toma consciéncia, após o casamento, de que é
grosseiro e violento. V¡ce-versa, um jovem pensaque sua noiva será mié dili
gente, mas observa que nao cuida dos furtos e vive fora de casa;... desejou
casar-se com urna virgem, mas verifica que se enganou. . . Pergunta-se: qual
dessas qualidades visadas, mas nao encontradas na vida conjugal, tornou nu
lo o matrimonio? Onde está o limite entre falhas humanas previsíveis e acei-
táveis e falhas inaceitáveis, que permitem dizerque houve erro sobre as quali
dades da pessoa? — Nao se pode responder de maneira genérica e abstraía,
mas é preciso examinar cada caso concreto de per si. Observa o Pe. Jesús
Hortal: "O Código de Direito Canónico resolve a questao declarando que a
nulidade existe se 'o erro for em relacao a urna qualidade direta e principal
mente visada' (din. 1097 § 2?). Ou seja, quando se faz muita questao de
que essa qualidade exista no parceiro com quem alguém vai unir a sua vida"
(p-19).

3.3.4. O erro doloso (can. 1098)

O Código ainda formula urna norma sobre o erro acerca das qualidades
de urna pessoa:

"Canon 1098 — Quem contrai matrimonio, engañado por dolo perpe


trado para obter o conientimento matrimonial, a respeito de alguma quali
dade da outro parte, qualidade que, por sua natureza, posta'perturbar grave-
mente o consorcio da vida conjugal, contrai-o inválidamente".

Comentando: pode acontecer que alguém nao pense em determinadas


qualidades do futuro cónjuge (seja totalmente sadio, nao seja pai ou mié sol-
teiro-a, nao ten ha crime em cartório...). Tal pessoa, porém, verifica, depois
do casamento, que o cónjuge sofre de grave doenca (sífilis, por exemplo) ou
tem filhos de unioes nao conjugáis; tal cónjuge guardou o segredo a respeito
desses problemas para nao perder o pretendente ou o matrimonio; só depois
deste é que a situacao se revela por completo. Em tal caso, visto que a sitúa-
cao posterior ao casamento é grave e difere esencialmente daquela que o
pubente podia conceber ou imaginar, diz-se que houve erro doloso ou de má
fé, o qual tornou nulo o matrimonio. Dolo é, sim, a vontade deliberada de
induzir alguém ao erro.

Passemos agora a outro tipo de f atores anulantes.

3.4. Simulacao (canon 1101)

Existe um principio do Direito em geral que assim reza: cleve-se supor


que as pessoas dizem a verdade, enquanto nao se pode provar o contrario.

346
"CASAMENTOS QUE NUNCA..." 11_

Em conseqüéncia, estipula o Direito Canónico com referencia ao matrimo


nio: "Presume-se que o consentimento interno está em conformidade com as
palavras ou os sinais empregados na celebracao do matrimonio" (canon
1101 §1?).

Inegavelmente, porém, ocorre a mentira também ao se tratar do con


sentimento matrimonial. É claro que a mentira torna nulo o casamento,
pois é incapaz de produzir urna comunháo de vida total. Assim continua o
canon 1101:

"§ 2. Contudo, se unía da* partes ou ambas, por ato positivo de vonta-
de, excluem o próprio matrimonio, algum elemento essencial do matrimonio
ou alguma propriedade essencial, contraem inválidamente".

Os canonistas dao o nome de simulacao á mentira verificada no pró


prio ato do casamento. E distinguem dois tipos de simulacáo: a total e a par
cial. Em ambos os casos, porém, é necessário que a pessoa mentirosa queira
alguma coisa diferente daquela que os seus labios proferem; nao basta que
pense diversamente daquilo que ela diz.

Na simulaeao total, a mentira recaí diretamente sobre a esséncia do


matrimonio (comunháo de vida, bem dos cónjuges, geracao e educacáb da
prole). Se, por exemplo, um dos nubentes afirma que aceita comunháo de
vida total (a convivencia conjugal) com o outro nubente, mas na verdade
nao a quer assumir {interiormente diz consigo mesmo: "Nao quero!" ),está
fazendo urna simulaeao total, que invalida o matrimonio.

Simulaeao parcial é aquela que exclui urna das propriedades essenciais


do casamento cristao (unidade, indissolubilidade, sacramentalidade). Quan-
do, pois, alguém declara, no ato de casar-se, que aceita a indissolubilidade,
mas na verdade quer poder usar do divorcio, está dando um consentimento
nulo.

É preciso, porém, frisar claramente: nao se trata de pensar que o casa


mento é solúvel, mas trata-se de querer casar-se de tal forma que o nubente
tenha o direito de dissolvé-lo, é esse querer (e nao o pensar ou julgar) que
torna inválido o casamento.

3.S. Violencia ou medo (canon 1103)

O matrimonio é produzido pelo consentimento dos nubentes; ora este


vem a ser um ato da vontade, que é urna faculdade esencialmente livre.
Consentir a forca nao é consentir. Por isto reza o canon 1103:

347
12 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 303/1987

"É inválido o matrimonio contraído por violencia ou por medo grave


proveniente de causa externa, ainda que nSo dirigido para extorquir o con-
sentimento, e quando, para ele se livrar, alguém se veja obrigado a contrair
o matrimonio".

Comentando o canon, vemos que é nulo o casamento produzido por


violencia ou medo, desde que se cumpram as seguintes condicoes:

1) o mal que a pessoa teme, se nao aceitar o casamento, deve ser grave;

2) o medo há de ser incutido por urna causa externa (ameaca de mor-


te, de denuncia, de vinganca. . .). Nao seja mero fruto da imaginacao ou
da sensibilidade de quem se casa. Nao é necessário que o medo ou a violen
cia visem diretamenté ao consentimento matrimonial, mas basta que o nu-
bente, pressionado ou colocado numa situacao embaracosa nao explícita
mente relativa ao matrimonio, julgue nao ter outra saída senao casar-se.

3.6. Condicáo nao cumprida (canon 1102)

Eis outra fonte de falhas de consentimento. Imaginemos que alguém


faca o seu consentimento depender de urna determinada condicao, que aca
ba por nao se cumprir: da parte do rapaz, por exemplo, seria a exigencia de
que a consorte seja virgem; da parte da moca, a condicao de que o noivo nao
tenha tido outra mulher na sua vida. Se, após o casamento, a comparte inte-
ressada verifica que a condicao nao se realizou, esteja certa de que o casa
mento foi nulo.

Nao é desejável que se coloquem tais condicSes antes do casamento.


Por isto o Código prescreve que, para colocá-las, os nubentes precisam da li-
cenca previa da autoridade eclesiástica. — É diverso o caso aqui mencionado
do caso da simulacro: neste existe má fé ou o desejo de engañar, ao passo
que, no caso da condicáb, pode a comparte silenciar um ou outro traco de seu
passado simplesmente de boa fé ou porque nao Ihe ocorre abordar tal assunto.

Eis o teor do canon 1102:

"§ 1. Nao se pode contrair validamente o matrimonio sob condicao de


futuro1.
§ 2. O matrimonio contraído sob condicao de passado ou de presante
é válido ou nao, conforme exista ou nSo aquilo que é objeto da condicao.

1 Isto é, condicao de que isto ou aquilo venha a acontecer: por exemplo,


"o consentimento valerá se meu marido conseguir um bom emprego" ou
"... se minha esposa se formar em Música".

348
"CASAMENTOS QUE NUNCA. ■ ■" 13

§ 3. Todavia a condicáo mencionada no § 2 nao pode licitamente ser


colocada sem a I ¡cenca escrita do Ordinario local".

4. Impedimentos dirimentes

Há pessoas que nao sao jurídicamente habéis para se casar, porque a


lei, em vista das circunstancias pessoais em que se encontram, Ihes prolbe o
casamento sob pena de nulidade. Nesses casos, diz-se que há um impedimen
to dirimente. Este se baseia em dados objetivos, independentes do saber e do
querer da pessoa, a dlferenca das falhas do consentimento, que sao subjeti
vas. Assim, por exemplo, irmao nao se pode casar com irma; suponhamos,
porém, que um rapaz tenha crescido á distancia de sua irma, sem que os dois
conhecessem um ao outro; vieram a se apaixonar e casaram-se. Tal casamen
to é nulo, independentemente da ignorancia do impedimento por parte dos
nubentes.

Há impedimentos que podem ser dispensados, pois aquele legislador


que faz a lei pode extinguir a forca desta; diz-se entlo que há dispensa da
lei. A Igreja sabe que nem sempre I he é possível dispensar, porque alguns im
pedimentos decorrem claramente da lei de Deus. Na prática, se alguém se
quer casar e percebe que há um impedimento canónico, recorra ao seu paro-
co, que fará as diligencias para obter a dispensa, caso esta seja viável.

Vejamos agora quais sao os doze impedimentos canónicos.

4.1. Idade (canon 1083)

O Direito da Igreja prescreve a idade mfnima de dezesseis anos para os


rapazes e de quatorze anos para as mocas, a f im de que possam contrair ma
trimonio validamente. Os Bispos podem dispensar desse requisito, mas raris-
simamente o fazem, como bem se compreende. A Conferencia Nacional dos
Bispos do Brasil, acompanhando o Direito Civil, exige dois anos mais do que
o Código de Direito Canónico para os casamentos no Brasil; esta exigencia,
porém, incide sobre a liceidade, e nao sobre a validade do contrato matrimo
nial religioso. — Eis o teor do canon 1083:

"§1.0 homem, antes dos dezesseis artos completos, e a mulher, antes


dos quatorze também completos, nao podem contrair matrimonio válido.

"§ 2. Compete á Conferencia dos Bispos estabelecer urna idade supe


rior para a cetebracao I (cita do matrimonio".

349
14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 303/1987

4.2. Impotencia (canon 1084)

Por "impotencia" entende-se nao a esterilidade, mas a incapacida-


de de realizar urna auténtica relacao sexual. Ora a impotencia anterior ao
matrimonio e perpetua (incurável) torna nulo o casamento, mesmo que o
outro cdnjuge conheca previamente e aceite tal situacao. Note-se bem: há
pessoas que nao sao impotentes (sao capazes de cópula sexual), mas sao es
teréis (jamáis o seu ato sexual poderá redundar em prole); tais individuos
podem casar-se validamente. Nao há dispensa da Igreja para esse impedimen
to, porque a relacáo sexual, realizada de modo humano, é a consumadlo do
contrato matrimonial. Eis osdizeresdo canon 1084:

"§ 1. A impotencia coeundi antecedente e perpetua, absoluta ou rela


tiva, por parte do homem ou da mulher, dirime o matrimonio por sua pro-
pria natureza.

§ 2. Se o impedimento de impotencia for duvidoso, quer se trate de


dúvida de direrto, quer de fato, nfo se pode impedir o matrimonio nem, per-
manecendo a dúvida, declará-lo nulo.

4.3. A esterilidade nao proibe nem dirime o matrimonio, salva a pres


encio do canon 1098"'.
Impotencia relativa é a que impede relacionamento sexual somente
com alguma ou algumas pessoas. So é impedimento para o matrimonio com
tais pessoas.

É indiferente a causa (física ou psíquica) donde procede a impoten


cia. Compete aos médicos e psiquiatras averiguar se é perpetua ou se há espe-
ranca de cura.

4.3. Vínculo (canon 1085)

Visto que o casamento sacramental é indissolúvel, é inválido o matrimo


nio de quem, validamente casado na Igreja, realiza urna cerimónia de casa
mento com outra pessoa. A invalidade ocorre mesmo quando o cdnjuge er
róneamente pensa que seu consorte já morreu. É preciso que haja provas cla
ras e objetivas do falecimento do consorte; em caso de dúvida, o matrimonio
goza do favor do direito (é tido como real). - Assim reza o canon 1085:

"§ 1. Tanta inválidamente oontrair o matrimonio quem está ligado pe


lo vínculo de matrimonio anterior, mesmo que este matrimonio nao tenha
sido consumado.

1 O canon 1098 já foi considerado é p. 346.

350
"CASAMENTOS QUE NUNCA..."

§ 2. Aínda que o matrimonio anterior tenha sido nulo ou dissolvido


por qualquer causa, nao é lícito contrair outro antes que conste legitima-
mente e com certeza a nulidade ou a dissolucao do primeiro".

4.4. Disparidade de culto (canon 1086)

Distingamos:

1) casamento entre urna pessoa católica e outra nao batizada (judeu,


muculmano, budista. . .). Existe entao a disparídade de culto propriamente
dita;

2) casamento entre duas pessoas batizadas, sendo urna católica e a ou


tra nao católica (protestante, ortodoxa...). Contra tais casamentos háo im
pedimento dito "de mista religiao".

4.4.1. Disparidade de culto propriamente dita (canon 1086)

Os casamentos de disparidade de culto sao nulos, porque a diferenca


de religiao ou de filosofia de vida é táo grande que dificilmente pode entao
haver plena comunhao de vida. Todavia os Bispos podem dispensar desse im
pedimento desde que

— a parte católica declare estar disposta a afastar os perigos de aban


dono da fé e prometa sinceramente fazer tudo para que a prole seja batizada
e educada na Igreja Católica;

— a parte nao católica seja informada deste compromisso do (a) futu


ro (a) consorte;

— ambas as partes sejam instruidas a respeito dosfinse propiedades


essenciais do matrimonio, que nenhum dos contraentes pode excluir.

Eis o teor do canon 1086:

"§ 1. é inválido o matrimonio entre duas pessoas, urna das quais te


nha sido batizada na Igreja Católica ou nela recebida e que nao a tenha aban
donado por um ato formal, e outra nao batizada.

§ 2. Nao se dé dispensa desse impedimento a nao ser que cumpridas


as condicSes mencionadas nos cánones 1125 e 1126.

§ 3. Na ocasiao em que contraig matrimonio, se urna parte era tida co


nmínente como batizada ou seu Batismo era duvidoso, deve-se presumir a

351
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 303/1987

validade do matrimonio, de acordó com o canon 1060, até que se prowe com
certeza que urna das partes era batizada e a outra nao".1

Notemos que o impedimento nao afeta as pessoas batizadas que for


malmente abandonam o Catolicismo para filiar-se a urna comunidade reli
giosa nao católica (crista ou nao crista) ou urna sociedade filosófica de prin
cipios incompatíveis com o Catolicismo (Rosa-Cruz, por exemplo).

Com relagáo a dispensa do impedimento de disparidade de culto, diz


o Código o seguinte:

"Canon 1125 — O Ordinario local pode conceder essa I ¡cenca (a dis


pensa), se houver causa justa e razoável; nao a conceda, porém, se nao se ve-
rificarem as seguintes condicoes:

1?a parte católica declare estar preparada para afastar os perigos de


defeccao da fé, e prometa sinceramente fazer todo o possfvel a fim de que
toda a prole seja batizada e educada na Igreja Católica;

2? informe-se, tempestivamente, desses compromissos da parte cató


lica a outra parte, de tal modo que conste estar esta verdadeiramente cons
ciente do compromisso e da obrigacao da parte católica;

3? ambas as partes sejam instruidas a respeito dos finí e prioridades


assenciais do matrimonio, que nenhum dos contraentes pode excluir".

4.4.2. Mista religiSo (canon 1124)

O casamento entre um católico e um cristao batizado nao católico nao


é nulo, mas ilícito, conforme o canon 1124;

"O matrimonio entre duas pessoas batizadas, das quais urna tenha sido
batizada na Igreja Católica ou nela recebida depois do Batismo e que nao te
nha dala saído por um ato formal, e outra pertencente a urna Igreja ou co
munidade eclesial que nao esteja em plena comunhSo com a Igreja Católica,
é proibido sem a licenca expressa da autoridade competente".

Assim reza o canon 1060:

"O matrimonio goza do favor do direito; portanto. em caso de dúvida,


deve-se estar peía validade do matrimonio, enquanto nSo se prova o contra
rio".

352
"CASAMENTOS QUE NUNCA.. ■" 17

Pode haver dispensa deste impedimento, desde que a parte católica


observe as cláusulas formuladas para a dispensa do óbice de disparidade de
culto (cf. canon 1125).

4.5. Ordem Sacra (canon 1087)

Diáconos, padres e Bispos nao se podem casar validamente. A Igreja o


estipula, segundo antiga tradicao, a f im de que os ministros de Oeus tenham
plena liberdade para se dedicar ao Senhor e aos fiéis. — Tal impedimento po
de ser dispensado pelo Papa exclusivamente; os diáconos difícilmente rece-
bem a dispensa; os padres, mais raramente; os Bispos praticamente nunca a
recebem. O ministro que venha a ser autorizado para se casar, deve renunciar
as suas funcoes sagradas.

Os "diáconos permanentes" podem casar-se antes da ordenapao diaco


nal. Caso se tornem viúvos, só se podem casar de novo após receber a devida
dispensa.

Assim reza o canon 1087:

"Tentam inval idamente o matrimonio os que receberam ordens sacras".

4.6. Profiísao religiosa perpetua (canon 1088)

Nao se pode casar sacramentalmente o Religioso ou a Religiosa que


num Instituto Religioso (Ordem ou Congregacáo) tenha emitido voto perpe
tuo de castidade. Nao é necessário, para criar este impedimento, que o Reli
gioso seja sacerdote; basta que seja Irmao converso:

"Canon 1088 — Tentam inválidamente o matrimonio os que estao li


gados por voto público perpetuo de castidade num Instituto Religioso".

4.7. Rapto (canon 1089)

Urna mulher levada ou retirada pela forca nao se pode casar valida
mente com quem a está violentando dessa mane ira. Só poderá validamente
unir-se em matrimonio, se, posta em liberdade, optar espontáneamente
por tal casamento.

Embora este impedimento possa ser dispensado, nunca o é de fato,


pois é muito mais fácil e lógico pleitear que a mulher seja libertada e escolha
o que quiser. Eis o teor do canon 1089:

353
18 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 303/1987

"Entre um homem e urna muiher arrebatada violentamente ou retida


com intuito de casamento, nao pode existir matrimonio, a nao ser que de-
pois a muiher, separada do raptor e colocada em lugar seguro e livre, escolha
espontáneamente o matrimonio".

4.8. Crime (canon 1030)

Os que matam seu consorte para facilitar um casamento posterior, es-


tao impedidos de realizar validamente esse matrimonio. Da mesma forma, se
um homem e urna muiher, de comum acordó, matam o esposo ou a esposa
de um deles, mesmo que nesse momento nao pensem em casamento, nao se
podem casar validamente entre si.— A dispensa nestes casos está reservada á
Santa Sé. - Eis o que se lé no canon 1030:

"§ 1. Quem, com o intuito de contrair matrimonio com determinada


pessoa, matar o conjuga dessa pessoa ou o próprio cónjuge, tenta inválida
mente esse matrimonio.

§ 2. Tentam inválidamente o matrimonio entre si também aqueles


que, de comum acordó, cooperando física ou moral mente, tiverem matado
o outro conjuga".

A finalidade deste canon é proteger a vida do marido ou da muiher


traídos.

4.9. Consangüinidade (canon 1091)

Sao impedidos de casar-se entre si todos os ascendentes e descenden


tes em linha reta; por conseguinte... pai com filha, avó com neta.

Na linha lateral, o impedimento vai até o quarto grau, isto é, atinge os


irmSos entre si, tio e sobrinha, tía e sobrinho, primos primeiros (ou primos
¡rmaos) entre si, tio-avó com sobrinha-neta ou tia-avó com sobrinho-neto.

O impedimento de consangüinidade em linha ascendente e entre ir-


mSos nunca é dispensado, como se compreende. Entre os outros parantes ci
tados, pode ser dispensado pelo Bispo.

Tal é o teor do canon 1091:

"§ 1. Na linha reta de consangüinidade, é nulo o matrimonio entre to


dos os ascendentes e descendentes, tanto legítimos como naturais.

354
"CASAMENTOS QUE NUNCA..." 19

§ 2. Na linha colateral, é nulo o matrimonio até o quarto grau inclusi


ve.

§ 3. O impedimento de consangüinidade nao se multiplica.

§ 4. Nunca se permita o matrimonio, havendo alguma dúvida se as par


tes sao consanguíneas em algum grau de linha reta ou no segundo grau da li
nha colateral".

"A consangüinidade nao se multiplica".. . Isto quer dizer o seguinte:


as pessoas cuja origem de tronco comum (de um so casal) se pode tragar por
duas linhas diferentes (porque o tronco comum já consta de dois consan
guíneos), nao precisam de referir essa situacao ao pedirem dispensa ao impe
dimento; basta que se ref iram a consangüinidade de grau mais próximo.

4.10. Afinidade (canon 1092)

A afinidade se origina de um matrimonio válido, mesmo nao consuma


do, e vigora entre o marido e as consanguíneas da esposa, e entre a esposa e
os consanguíneos do marido; cf. canon 109.'"A afinidade em linha reta
toma nulo o matrimonio em qualquer grau" (canon 1092).

Em virtude deste impedimento, um viúvo ou urna viúva nao se podem


casar validamente com seus respectivos: sogra, sogro, enteada, enteado, ou
ascendentes e descendentes desta ou deste. Tais casos sao relativamente ra
ros.

Notemos que nao há proibicao de casamento por afinidade na linha


colateral (entre um viúvo e urna viúva e seus cunhados), poistal casamento
pode ser boa solucao para prover a educacáb da prole decorrente do primei-
ro matrimonio.

A dispensa da afinidade compete ao Bispo.

1 "Canon 109 - § J. A afinidade se origina de um matrimonio válido, mes


mo nao consumado, e vigora entre o marido e os consanguíneos da mulher.
e entre a mulher e os consanguíneos do marido.

§ 2. Conta-se de tal maneira que sSo consanguíneos do marido aqueles


que, na mesma linha e grau, sao afins da mulher, e vice-versa".

355
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 303/1987

4.1.1. Honeitidads pública (canon 1093)

Quem vive urna uniáo ¡legítima perante a Igreja, está impedido de se


casar com os filhos ou os pais do seu companheiro ou da sua companheira.
Eis o teor do canon 1093:

"O impedimento de pública honestidade origina-se de um matrimo


nio inválido, depois de instaurada a vida comum, ou de um concubinato no
torio e público; e torna nulo o matrimonio no primeiro grau da linha reta
entre o homem e as consanguíneas da mulher, e vice-versa".

Vé-se que a honestidade pública nao é um parentesco, mas de algum


modo imita a afinidade. O Código Civil Brasileiro chama-a "afinidade ilegí
tima" (cf. artigo 183, II). A principal razio em favor deste impedimento é a
de evitar o escándalo público que se seguiria do matrimbnio entre as pessoas
em questao.

Nao há dificuldade, se nao existe outro impedimento, para que os


amantes ou os supostos esposos se casem entre si; isto é mesmo desejável.

4.12. Parentesco legal (canon 1094)

Nao é permitido o casamento entre o adotante e o adotado ou entre


um destes e os parentes mais próximos do outro; assim existe impedimento
para que alguém se case com seu irmao por adocao. — A dispensa, porém, é
possfvel.

Tal é o teor do cinon 1094:

"Nao podem contrair validamente matrimonio os que estSo ligados


por parentesco legal produzido por adocao, na linha reta ou no segundo
grau da linha colateral".

O último fator que torna nulo um casamento é a

5. Falta de forma canónica na celebracao do matrimonio


(cánones 1108-23)

"Forma canónica" é o conjunto de elementos exigidos para a celebra-


cao ritual do casamento. Requer-se, com efeito, que a cerimonia se realize
perante o pároco do lugar e, pelo menos, duas testemunhas (padrinhos). 0
pároco pode delegar a sua atribuicáo a outro sacerdote, a um diácono ou,

356
"CASAMENTOS QUE NUNCA. .."

em algumas dioceses do Brasil que gozam de especial licenca da Santa Sé,


também a certos leigos.

A forma canónica so obriga os católicos. Basta, porém, que um dos


noivos seja católico para que a forma canónica seja obrigatória, isto é, para
que o casamento deya ser celebrado na Igreja Católica sob pena de ñutida-
de.

Pode haver dispensa da forma canónica. O Bispo tem a faculdade de


concédela quando se trata de um casamento entre um católico e um nao-
católico, especialmente se é um cristao batizado no Protestantismo ou na
Ortodoxia. Em tais casos, porém, o prelado determina qual outra cerimónia
(civil ou religiosa) substituí a católica.

Além disto, há casos em que nao é possfvel encontrar, sem demora,


um padre credenciado para assistir ao casamento sacramental; é o que acon
tece em territorios de missao, por exemplo, pelos quais só algumas vezes ao
ano passa um missionário. O próprio Direito Canónico prevé, para esses ca
sos, a dispensa da forma canónica nos seguintes termos:

"Canon 1116-§1.Se nao á possível, sem grave incómodo, ter o as-


sistente competente de acordó com o direito, ou nao sendo possfvel ir a ele,
os que pretendem contrair verdadeiro matrimonio podem contraMo válida e
licitamente só parante as testemunhas:.

1°em perigo de morte;

2? fora do perigo de morte, contanto que prudentemente se preveja


que esse estado de coisas vai durar por um mes.

§ 2. Em ambos os casos, se houver outro sacerdote ou diácono que


possa estar presente, deve ser chamado, e ele deve estar presente á celebra-
cao do matrimonio, juntamente com as testemunhas, salva a validado do ma
trimonio só perante as testemunhas"

* * *

Acabamos assim de percorrer as vinte e cinco cláusulas que podem


tornar nulo um matrimonio sacramental. O Pe. Jesús Hortal, nos capítulos
IV-X do livro em foco, explica como se deve instaurar um processo de nuli-
dade matrimonial. Desee a pormenores muito úteis e responde a perguntas
que costumam ser formuladas pelos interessados. Oe modo geral, verifica-se
que estamos diante de temática complexa e delicada. Por isto somos gratos
ao Pe. Hortal S.J. por ter exposto a legislacao canónica e a praxe jurídica da
Igreja de modo claro e pastoral. Possa tal obra ajudar eficazmente nossos pá-
róeos e nossos fiéis!

357
Questáo candente:

Direito de escolha
da escola

Em síntese: A escola particular corresponde a um direito dos cidadaos


de qualquer país, especialmente quando este se diz democrático. Fazer que
todas as escolas caiam ñas maós do Governo é próprio da ditadura e do tota
litarismo, pois permite ao Estado moldar as novas geracoes segundo esque
mas ideológicos ou de acordó com os interesses da faccSo governamental. —
O Pe. Miguel Naccarato S.J., Mestre em Educacao pela PUC-fíJ e Diretor
Académico do Colegio dos Jesuítas deJuizde Fora (MG), redigiu significati
vos artigos, que vio abaixo transcritos, pro/etando luz sobre tao discutida
questao.

O país vem sendo sacudido pela luta em tomo da escola particular,


pois se registra urna tendencia (muito contraria ás tradicoes do Brasil) a su
focar ou mesmo extinguir o ensino particular. Em outros países, este encon-
tra nao. só a acolhida, mas também a subvencao do Estado democrático, vis
to que compete ao Governo respeitar a opclo dos pais no tocante á educa-
cao dos filhos; conseqüentemente a escola particular corresponde a um di
reito próprio de todas as familias e merece o apoio das autoridades governa-
mentais. Querer impor um tipo único de educacao ditado pela facclo domi
nante do Estado é síntoma de ditadura e totalitarismo; se todas as escolas de
um país ficam exclusivamente em poder do Governo, este é habilitado a
moldar as novas geracoes segundo esquema predefinido e ideológico, conso-
ante os seus interesses.
É por isto que estudiosos e peritos educadores se vém batendo no Bra
sil em prol da escola particular em qualquer dos seus tres graus. Como porta
voz dessa corrente, que bem corresponde aos principios democráticos, sa-
lienta-se o Pe. Miguel Naccarato S.J., Mestre em Educacao pela PUC-RJ e
Diretor Académico do Colegio dos Jesuítas de Juiz de Fora (MG). Já em PR
283/1985, pp. 158-165 foi apresentado o livro deste autor intitulado "Es
cola Livre e Gratuita". — Visto que o assunto se torna cada vez mais canden
te, vio a seguir transcritos artigos do mesmo educador, redigidos em estilo

358
ESCOLHA DA ESCOLA 23

jornalístico e publicados na "Tribuna de Minas" de Juizde Fora, respectiva


mente aos 13/05 e 05/06 pp., sempre á p. 4.

LIBERDADE DE ESCOLHA DA ESCOLA

Joao da Silva estava preso. Recebeu al vara de soltura. Sentiu-se feliz


e pensou: finalmente estou livre! Mas sua sensacao de liberdade foi logo to-
Ihida: o carcereiro, por julgar impropria a hora ou por algum outro motivo
plausfvel, negou-se a abrir-lhe a cela.
É o que acontece com milhSes de brasileiros em relacao ¿ escola. Exis
te liberdade - teórica - de escolha da escola. Aqueles que sao carentes nao
tém opcao. Ou ficam fora da escola ou sao obrigados a freqüentar a escola
estatal, mesmo que esta nao seja de sua preferencia, e isto se houver escola
ou vaga! Os que nao sao carentes podem optar por escola de livre iniciativa,
mas, de certa forma, com duplicidade de contribuicao, pois já colaboraram
nos impostos que pagam.
Por que será que o dinheiro público, que é dinheiro do povo e, em par
te, de cada cidadao, é aplicado total ou quase exclusivamente na rede estatal
de ensino no nCvel fundamental? Nao seria melhor que esta api ¡cacao possi-
bilitasse a escolha da escola?
Nao se trata de antagonismo entre escola estatal e escola de livre ini
ciativa. É bom que ambas existam e de boa qualidade, mas conseqüente-
rrtente á opcáb livre, democrática, do próprío educando ou de seu responsá-
vel, usufruindo dos recursos do povo...
O que se pretende é exigir que a nova Constituicáo garanta ao estudan-
te e aos pais nao só o direito natural e democrático de escolher a escola de
sua preferencia, seja ela estatal, seja de livre iniciativa, laica ou confessional,
mas também usufruir dos recursos da sociedade, dos quais o poder público é
mero gestor, além de pleitear que o ensino fundamental seja gratuito para
todos em qualquer escola (Cf. Declaracao Universal dos Direitos Humanos,
Art. 26).
Leve-se em conta que essa proposta já é realidade na Bélgica e na Ho
landa. Nesses países, o ensino é gratuito para todos na faixa etária dos 6 aos
18 anos em qualquer escola. Os pais nao precisam pagar semestral idade ou
coisa que o valha. Alias, já pagaram quando contribuiram através dos im
postos nos bens de consumo e de outros bens.
A liberdade de escolher a escola de sua preferencia e de estar usufruin
do para isso dos recursos públicos, que sao de todos, é um ponto de honra
desses povos. Eles tém consciéncia do valor desses principios democráticos.
Conseguiram, após luta secular, fazé-los constar da legislacao e, na Holanda,
da própria Constituicao. Nao se trata apenas de defender, mas de promover
a liberdade de escolha da escola.

359
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 303/19B7

Em nosso livro "Escola Mvre e gratuita", propusemos-nos desenvolver


mais a fundo a temática da liberdade e da gratuidade do ensino. O plano teó
rico é fundamental, mas estéril se nao desemboca no concreto.

Se a nova Constituicáo nao for clara e explícita quanto a aplicacSó de


recursos em funcáo da liberdade de escolha da escola, essa mesma liberdade
continuará sendo frustrada para a maioria de escolarizados ou escolarizáveis.

É direito do cidadao escolher a escola de sua preferencia e usufruir dos


meios que I he pertencem para efetivar sua opcao.

Liberdade sem meios de escolher a escola é liberdade utópica. É a li


berdade do nosso Joao da Silva: declarado livre, continua preso!

ESCOLA LIVRE E ESCOLA ESTATAL, AMBAS GRATUITAS


Educar bem os próprios furtos é um anseio íntimo e co-natural aos
pais, á maioria, pelo menos. Também existem país pouco cuidadosos; nao é,
porém, o caso de Joao da Silva e Dna. Benedita. Ambos trabalham, lutam
por melhorar cada vez mais as condicóes de vida do próprio lar. Nao se inte-
ressam pelo luxo nem por extravagancias. Alimentar seus filhos, vesti-los,
que tenham boa saúde e em breve possam freqüentar urna boa escola, sao
suas preocupacóes primeiras. Vivem mais para os filhos do que para si. Pais
exemplares que, sem muitos raciocinios, compreendem que nao basta gerar
filhos, mas que é preciso esforcar-se para criá-los como convém.

A própria natureza está a dizer que a paternidade tem que ser respcn-
sável pela prole. É urna responsabilidade primeira que antecede qualquer ou-
tra instancia. O dever dos pais de educar os filhos tem como correlato o di
reito de, usufruir dos meios necessários para o cumprimento de sua obriga-
cao. Respeitar este dever-direito, por sua vez prioritario, faz parte de urna
convivencia humana e pacífica.

Negar aos pais esse direito seria, quando menos, urna forma tácita de
violencia "herodiana". Um Brasil democrático e pacífico nao pode ceder á
execrável tentaclo.

Joao da Silva e Dna. Benedita, como pais responsáveis, tém o direito


prioritario de escolher o tipo de educacao que querem dar a seus filhos e,
por conseguinte, a escola que julguem atender melhor aos seus anseios. Esse
direito é internacionalmente reconhecido. Basta lembrar o item 3 do Artigo
26 da DeclaracSo Universal dos Direitos Humanos: "Os pais tém prioridade
de direito na escolha do género de educacao a ser dada a seus filhos".

Se a escola estatal é a única gratuita, Joao da Silva e Dna. Benedita,


como muitos outros pais carentes, nao tém opcao. O seu direito de escolha

360
ESCOLHA DA ESCOLA 25

estará simplesmente cassado quando as "verbas públicas forem sonriente para


as escolas públicas", estas entendidas como escolas estatais. Seria o mesmo
que, numa festa, repartir o bolo apenas para urna parte dos convivas.

Entendemos que "verbas públicas sao verbas do povo", por conseguin-


te de todos os cidadaos. A forma democrática de aplicá-las ou distribuí-las
é procurar atender a todos e nao apenas a urna parcela, ainda que suposta-
mente majoritária, da populacáb.

Os elaboradores e, conseqüentemente, os países signatarios, dentre os


quais o Brasil, da Declaracáb Universal dos Oireitos Humanos, optaram e
prescreveram que "a educacao deve ser gratuita, ao menos no que se refere
ao ensino elementar e fundamental". Em nosso livro "Escola livre e gratui
ta", expusemos que "entendemos a gratuidade nao como decorréncia
intrínseca da obrigatoriedade escolar, mas como opclo voluntaria face á ten
dencia mundial prefixada em normas constantes de Declaracoes e Conven-
cees Internacionais" (p. 15). E manifestamos ainda o nosso entendimento
de que "a gratuidade da escola, quer oficial (estatal), querde livre iniciativa.de-
ve provir da aplicacáo equitativa dos recursos do erario público destinados á
educacáo, como forma de justica distributiva e como forma de propiciar a
todos os pais, carentes e nao-carentes económicamente, a possibilidade de
escolher a escola que julgam mais consentánea com a educacao que desejam
para seus furtos".

Cada educando gratuito constituí um custo-educaclo, porque a escola,


qualquer que seja, mesmo gratuita, é custosa. Há gastos com pessoal (profes-
sores, diretores, orientadores, funcionarios), com manutencao e conserva-
cao, além dos valores aplicados no mobiliario, ñas aparelhagens e no próprio
imóvel. As verbas do povo que se pretendem sejam aplicadas para cobrir este
custo-educando, desde que os gestores das mesmas queiram ser demócratas
e respeitar a liberdade de escolha da escola, nao poderao estar vinculadas a
um único tipo de escola.

A única safda democrática para que o carente possa escolher a escola é


garantir, para ele, que seja gratuita tanto a custosa escola estatal como
custosa escola de livre iniciativa, procurando-se que urna e outra sejam de
boa qualidade.

Joab da Silva e Dna. Benedita, quando seus filhos atingirem a idade de


freqüentar a outra escola que nao a doméstica, sentir-se-So felfees se a nova
Constituicáo Ihes garantir condicóes económicas para que possam livremente
escolher a escola que preferirem. Cortamente será um passo importante e
decisivo, embora outros fatores devam ser levados em conta para que te-
nham sucesso nos estudos.

361
Nova praxe pastoral?

Batizar crianzas mortas

Em tíntese: Existem escritos que propagam a tese segundo a qual sería


preciso batizar crianzas mortas por aborto ou destinadas a morrer por esta via.
Tal Batismo, conforme as explicacoes dadas, deve ser administrado é distancia
e de maneira genérica a todas as criancas vftimas. — Ora essa teoría contradiz
á teología do Batismo: este requer contato da agua sacramental com a pele
da enanca a ser batizada; além do qué, é administrado sempre a pessoas defi
nidas, físicamente vivas, e nao a destinatarios concebidos de modo genérico.
Por conseguinte, a tese é fantasiosa e pode redundar em superstigao. Bons
teólogos ensinam aue Deus tem recursos invisíveis para salvar as crianzas que
morram sem Batismo, de modo que é desnecessárío aplicar tal expediente,
alheio á doutrína e á prática da Igreja.

* * *

A Associacao "Tudo Instaurar em Cristo", com sede em Portugal


(Mem Martins) e em Manaus (AM) tem divulgado aos mi Ihares um livrinho1
que ensina a prática de batizar á distancia criancas mortas e vivas. Este novo
costume dever-se-ia á "vidente María, mae de familia, alma de eleicáb sem
pre pronta ao sacrificio" (nao há indicacSes mais precisas no folheto). -
Como o assunto tem despertado a atencáb de muitos cristaos, vamos, a se
guir, comentá-lo á luz das grandes verdades da fé.

1. A "reveladlo"

Certa noite, María — diz o texto - "viu no firmamento inumeráveis


cabecas de criancas. Disse entao: 'Mas, Senhor, parecem cabecinhas de
anjos!'"

1 A Matanca dos Inocentes. Edicao da Associacao "Tudo Instaurar em Cris


to". Rúa do Moinho 44, Algueirao - 2725 - Mem Martins (Portugal). Filial
em Manaus (AM), Caixa Postal 3106. CEP 69001.

362
BATIZAR CRIANgAS MOR TAS 27

O Senhor I he terá respondido: "María, tu tens urna grande missao a


realizar. Estes pequeninos poderao ir para o céu e ver a Deus. Transmite o
que vou dizer, mesmo aos meus sacerdotes. Encontrarás resistencia, mas
com o tempo compreender-se-á e far-se-á. . ., para a maior felicidade destes
pequeninos.

Vos podéis batizá-los!"

Segue-se o rito do Batismo a ser aplicado:

"Em prímeiro lugar, recita o Credo.

Em seguida, toma agua benta. asperge em todas as direndes, dizendo


estas palavras:

Todos vos, nascidos morios neste día ou nesta noite;


Todos vos que fostes morios no seso das vossas mies;
Todos vos que seréis morios;
Para que, por Jesús Cristo, alcancéis a vida eterna,
Eu vos balizo

(dizei aqui alguns Romes: Antonio, Joao, José, María, Ana, etc. ..)

em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo'.


E eis o inacreditável, eis a promessa do Redentor e Salvador; Deus faz
chegar a agua benta a cabeca das criancas e dá um nome a cada urna délas".

Jesús continua, segundo a vidente:

"Agora presta atencao, e compreende bem o que vou dizer. Sempre


que batizardes — e nunca batizareis em demasía — com a aspersao de agua
benta, de cada vez ser-vos-é concedida a grapa e o dom das alminhas dos pe
queninos a quem abristes assim as portas do Céu.

No fim reza um Pai-Nosso, urna Ave-Maria e um Gloria".

E Jesús explica:

"É meu Amor Misericordioso, é o Amor abundantíssimo de meu Pai


e do nosso Espirito, que se manifesta nestes tempos de desordem e desvario,
e que nos solicita a ser para estas almas dos pequeninos assassinados um
Deus Salvador.

Faze do Credo e das palavras do batismo palavras de Salmos e palavras


de Amor reconhecido.

363
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 303/1987

Eu ajudar-te-ei a fim de que mesmo as almas mais simples possam so


correr estes pequeninos e batízé-los".

EntSo. para mostrar a importancia excepcional desta mensagem e o


grande interesse que tem na sua execucSo, Jesús explicou: "Nota mais uma
vez como Eu desejo que isto se faca" fpp. 5-7).

Quem recebe tal folheto, é convidado a difundi-lo o mais possível - o


que tem sido feito entre nos. Passamos a ref letir sobre tal noticia.

2. Refletindo...

Proporemos quatro pontos:

2.1. Visoes particulares

A nova prática é inspirada por uma revelapao particular. Ora existem


hoje em grande número; muitas vezes nada tém de transcendental, mas de-
vem-se tao somente a ¡maginacáo dos "videntes". Entre os criterios válidos
para julgá-las, está a consonancia da sua mensagem com a doutrina da Igreja.
Sim; Jesús quis garantir á Igreja a sua assisténcia ¡nfalível para que.possam
transmitir aos homens a reta fé. Ora, como se verá, a prática recomendada
pela visio da Sra. María destoa de quanto a Igreja ensina. Por conseguinte,
nao se pode atribuir autoridade a tal "visáo"; é produto de uma pessoa bem
intencionada e fervorosa, sem dúvida, mas pouco instruida a respeito dos
sacramentos e da salvacao eterna. O mesmo se diga a respeito das pessoas
que propagam tal noticia.

2.2. Batismo de enancas

De acordó com os ensinamentos de Jesús, a Igreja ensina a necessida-


de de se batizarem criancas, mesmo inconscientes; cf. Jo 3,5. A razio disto é
que o Batismo nao é mera matrícula da crianca numa associacao estimada
pelos pais, mas é um re-nascer ou um nascer da agua e do Espirito Santo,
que confere uma vida nova e nao apenas um título ou um rótulo; essa vida
nova tem seu sentido e seu valor na criancinha, mesmo que esta ainda nio
possua consciéncia déla; a crianca se torna, e é, furto de Deus, mesmo que
ainda nao se possa comportar conscientemente como tal. A. S. Igreja lem-
brou esta verdade precisamente para incutir a prática do Batismo das crian-
cas numa Instrucfo da Congregado para a Doutrina da Fé datada de
20/01/1980; cf. PR. 255/1981, pp. 131-144.
Por conseguinte, é louvável o anseio de todos aqueles que hoje em día
zelam pelo Batismo das criancas, a despeito de uma corrente que tenciona
adiar o sacramento para idade juvenil ou adulta (esquecendo que o Batismo,

364
BATIZAR CRIANCAS MORTAS 29

antes de ser urna profissao de fé, é um precioso dom de Oeus, que nao é lí
cito postergar). A Igreja apenas zela para que as enancas batizadas recebam a
respectiva instrucáo religiosa logo que disto sejam capazes; daf os cursos de
pais e padrinhos em preparacáo do Batizado das enancas.

Acontece, pocém, que no caso em foco o Batismo seria administrado


de maneira geral, e á distancia, a mangas vivas e mortas, conhecidas e deseo-
nhecidas. Ora isto nao condiz com a teología dos sacramentos.

2.3. As circunstancias do "novo" Batismo

1. O Ritual citado manda aspergir agua benta em todas as direcóes pa


ra atingir todas as enancas ausentes, onde quer que estejam. Ora os sacra
mentos requerem contato físico da materia do sacramento com a pessoa que
a recebe ou, ao menos, exigem a presenca f (sica do destinatario, como no ca
so do sacramento da Reconciliacao (nao é válido ouvir conf issao e absolver
sacramentalmente pelo telefone). Isto se explica pelo fato de que os sacra
mentos sao a continuacao da humanidade de Jesús, que, presente entre os
homens e muitas vezes mediante gestos sensíveis, comunicava a grapa do Pai.
Por conseguinte, lampar agua no ar sem contato físico da agua com o corpo
do batizado nao satisfaz ás exigencias do auténtico rito batismal.

2. Batismo dos mortos... Os teólogos afirmam que se podem adminis


trar os sacramentos condicionaImente ("se estás vivo. . .") a um defunto
recém-falecido, ou seja, urna ou duas horas após constatada a morte clínica.
A razao disto é que, entre a morte clínica e a morte real, há um intervalo do
tempo1. Para que os sacramentos sejam válidos em tal caso, requer-se que a
pessoa ainda esteja viva ou ainda nao esteja em estado de morte real. Os sa
cramento nao atuam sobre os mortos, pois a morte poe termo a peregrina-
cao da criatura e a Igreja nao possui jurisdicao sobre os mortos3. Por isto
nao tem sentido teológico batizar quaisquer criancinhas mortas; isto so
se justificaría se nao estivessem realmente falecidas ou se estivessem entre o
estado de morte clínica e o de morte real.

lA mediana distingue entre morte aparente (coma profundo), morte clí


nica (agüela que o médico verifica guando há os síntomas correspondentes)
e morte real, que só ocorre posteriormente. Por isto sempre se esperam algu-
mas horas, mesmo 24 horas, para sepultar alguém a quem se tenha dado o
atestado de morte clínica.

7 Quando a Igreja reza pelos mortos ou pelas almas do purgatorio, nao esté
absolvendo os seus pecados, mas apenas oferece a Deus a sua intercessao de
Mae em favor dos filhos gue déla necessitam para se livrar das escorias do pe
cado.

365
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 303/1987

Notemos outrossim que a nova prática supoe da parte de Deus a reali


zado de milagres continuos: "Deus faz chegar a agua benta (aspergida em
todas as direcoes) á cabeca das criancas e dá um nome a cada urna délas" (p.
6). Ora a teología ensina que nao devemos fácilmente presLmir ou pressu-
por milagres da parte de Deus. Estes sao recursos extremos da Providencia
Divina, que so os executa quando há razóes realmente imperiosas para tanto.
No caso em foco, veremos abaixo que a Providencia Divina pode realizar seu
plano salvffico sem recorrer a milagres.

Estas ponderacóes levam a concluir que a nova teoría nao leva em con-
sideracao as normas vigentes para a validade do sacramento do Batismo nem
as disposicoes habituáis do Senhor Deus para salvar os homens. Propoe um
rito fantasioso, que, como se dirá adiante, é desnecessário.

2.4. As vias ocultas da Providincia Divina

O Senhor Jesús instituiu o Batismo (cf. Mt 3,13-17; 28,18-20) e o tor-


nou obrigatório a todo homem (cf.Jo 3,5). Por isto os genitores e responsá-
veis de cada enanca tém a obrigacao de providenciar o batizado dos pequen i-
nos sem demora. Tal obrigacao é grave, visto que se trata de comunicar ao
novo ser um principio de f iliacib divina ou o tesouro da grapa santificante.
Todavía, mesmo quando esta obrigacao nao é cumprida (com ou sem culpa
dos adultos), a Misericordia Divina tem recursos para justificar a enanca ou
fazé-la participar da vida da graca; Deus, que nos obriga a receber e ministrar
os sacramentos, nao está sujeito a estes. Por isto hoje em dia bons teólogos
julgam que Deus, levando em conta a oracao universal da Igreja (oracao que
se realiza diariamente sob forma de preces titánicas no Oficio Divino e na Li
turgia Eucarfstica), comunica a filiacao divina ás criancas que morram sem
Batismo1. Estas, portanto. podem gozar da visáo beatífica no céu, mesmo
que nao recebam o sacramento. Quem tem conscíéncia disto, nao há de pra-
ticar um rito exótico, alheio a teología do Batismo, para "de algum modo"
obter a salvacao eterna das criancinhas. Tal rito é* ineficaz e teológicamente
insustentável; aproxima-se da supersticáo, pois atribuí a gestos humanos (ins
tituidos pelos homens) efeitos que muito ultrapassam a eficacia de tais ges
tos.

1 A doutrina do limbo - feliddade natural ou visao indireta de Deus. desti


nado ás crianzas que nSo recebem o Batismo — nunca fot artigo de fé. Con
cebida por S. Anselmo f\i 109), tatsentenca se tornou comum entre os teó
logos, mas nunca foi definida pelo magisterio da Igreja. Por isto pode ser
silenciada em favor da sentenga - hoje mais freqüente - de que Deus, por
recursos invisfveis, aplica as criancas monas sem Batismo os méritos da Re-
dengao de Cristo.

366
No cinema:

"O Nome da Rosa"


(filme)

Em síntese: Vio abaixo apresentados tres comentarios do filme "O


Nome da Rosa", que infelizmente desfigura urna das mais betas instituicoes
da Igreja e da humanidades a vida monástica. Esta, cultivada desde os pri
mordios do Cristianismo, é benemérita da cultura e da espirituafidade, como
reconhecem abalizados historiadores. NSo se poderia imaginar o patrimonio
da cultura clássica em nossos días se nao fosse o Monaquismo.

* * *

Finalmente passou para o cinema crromance de Umberto Eco: "0 No


me da Rosa", provocando alarde e mu ¡tos comentarios. Deve-se ao diretor
francés Jean-Jacques Annaud, produtor de Premio Osear em 1976. Annaud,
desde 1982, tentou quinze roteiros, até chegar á versao atual da película,
que tem aspecto de estória fortemente policial. O produtor procurou trezentos
mosteiros (dizem os comentadores) até encontrar na Alemanha o cenobio ideal
para ser cenário do seu enredo; trata-se de um grande edificio datado de
1145. Também se refere que Annaud leu trezentos livros sobre o sáculo
XIV para reproduzir fielmente o contexto histórico da trama da película.

Apesar de tudo, o filme merece serias restricoes. é tendencioso no sen


tido de que ridiculariza a vida monástica e, de certo modo, a Igreja Católica,
exagerando traeos negativos do enredo de Umberto Eco e acrescentando-lhe
outros (coloridas cenas da Inquisicáo, por exemplo) que o romance nao
apresenta. Pouca coisa bela, nobre e digna aparece no filme: quase tudo e
quase todos ai sao marcados por vicios ou por trapos de infidelidade. Ora a
historia dos homens, se é sempre a de criaturas fal fveis, nunca é meramente
negativa, desonesta, negra... Ao lado do mal, costuma haver sempre algo
(pouco ou muito) de bem; apenas é de notar que o bem nao faz alarde nem
se ostenta; é modesto e delicado; por isto nao vem apontado nem proclama
do pelos homens {por mais heroico que seja), ao passo que o mal geralmente
é objeto de atenpSo e comentarios facéis.

367
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 303/1987

O livro "O Nome da Rosa" já foi comentado em PR 275/1984, pp.


330-340, artigo que procura ilustrar o enredo do filme e a auténtica face da
Igreja no século XVI. - Quanto ao filme, foi exibido em sessao especial,
na sede do jornal O GLOBO, aos professores da PUC-RJ Pe. Fernando Bas
tos de Ávila S.J. (sociólogo) e Pe. Roberto McCown S.J. (especialista em ci
nematografía) e ao redator destas páginas. Após assistirem á película, os tres,
sem ter convencionado o que quer que fosse, escreveram cada qual suas ¡m-
pressoes, que convergirán! para um mesmo teor de avaliacáo.

É esta serie de tres artigos (extraídos do referido jornal em sua edicao


de 24/5/87, 2? Caderno, p.9) que, a seguir, vai oferecida ao leitor, á guisa de
comentario do filme "O Nome da Rosa".

CONSIDERAQOES...

Estévao Bettencourt O.S.B.

"É LAMENTÁVEL A CARICATURA DE VALORES ESSENCIAIS.


POIS TENDEM A SE IMPOR NA MENTE DE QUEM A VÉ.
CONFIAMOS NO BOM SENSO DO ESPECTADOR"

Jean-Jacques Annaud apresenta em filme o famoso romance "O Nome


da Rosa" de Umberto Eco. É fiel ao livro, mas acentúa fortemente os aspec
tos negativos ou negros da obra escrita. O filme dá a impressao de que os
mongas da Idade Media viviam em funcáb de sutilezas que os apaixonavam;
prevaricavam com certa natural idade e atribuíam ao dembnio as desgracas
de que eles eram culpados. Numa apreciacáo objetiva, parece que podemos
dizer: se Umberto Eco desfigurou a vida medieval, muito mais a caricaturou
Jean-Jacques Annaud. No enredo deste, nenhum personagem se salva plena
mente, do ponto de vista ético; todos sao, em grau maior ou menor, defor
mados.

Houve, sem dúvida, fainas entre os monges e cristaos medievais, como


as 'há nos homens de qualquer época. Mas nao podemos esquecer todos os
grandes personagens e os valores da Idade Media: no século XIV, em que se
dá o enredo do filme, viveram Santa Catarina de Sena, Santa Brígida da
Suécia, Sao Vicente Ferrer, o Bem-aventurado Raimundo de Cápua, os mís
ticos Mestres Eckhart, Joao Auler, Hemique Suso, Joao Ruysbroeck, Dio
nisio de Ryckerl.

Nos últimos decenios, os historiadores tém trazido á tona documen


tos referentes á Idade Media que dissipam o conceito obscurantista lancado

368
"O NOME DA ROSA" 33

pela Renascenca sobre os séculos anteriores. Tenhamosem vista as obras da


professora Regina Pernoud, das quais algumas foram traduzidas para o por
tugués. De resto, nao teria sido possível a civilizacáo moderna se nao houve-
ra a Cultura, as Universidades e as facanhas dos medievais. A Historia nao
faz saltos; ela desabrocha orgánicamente através dos séculos.

O filme enfatiza a Inquisicao, apresentando horrendas cenas da mes-


ma. Para entender o fato "Inquisicao", devemos levar em conta o ideal acari
ciado pelos escritores antigos de uma "Cidade de Deus" ou de urna ordem
social em que a religiao e a civilizacáo ou a Igreja e o Estado colaborariam
para formar o Reino de Deus na Térra; este ideal era de enorme alcance so
cial.

Em conseqüéncia, nao havia assunto religioso que nao ínteressasse ao


Estado; as questoes de fé mereciam a intervencao dos Imperadores (tenha-
mos em vista Constantino, Justiniano, Carlos Magno). Por conseguinte, as
heresias nao eram apenas delitos contra a fé, mas eram infracóes da ordem
pública unificada pelos valores religiosos. Daí o entrelacamento do Estado e
da Igreja no combate ás heresias, entrelacamento que, muitas vezes, redun-
dou em preponderancia dos interesses do Estado sobre os da fé (pensemos
nos casos dos Templarios, de Joana D'Arc, como também na Inquisicao Es-
panhola e Portuguesa).

É* lamentável a caricatura de valores fundamentáis, pois ela tende a se


impor sorrateiramente na mente de quem a vé. Dizia Voltaire: "Mentí, men-
ti, porque sempre fica alguma coisa". Cremos, porém, que o bom-senso dos
espectadores saberá reconhecer o que no filme é estilizado e ressaltar os
grandes méritos do monaquisino, que preservou enormes tesouros culturáis
e nos legou o ideal da vida rica em valores definitivos.

Pe. Fernando Bastos de Ávila S.J.

"A VIDA MONÁSTICA, ADMIRAVE L REALIZACÁO DA CULTURA


CRISTA, APARECE COMO UM ANTRO DE CORRUPCÁO;
A CENA ERÓTICA COMO PORNOGRAFÍA"

Quem espera encontrar no filme a expressao, em linguagem cinema


tográfica, dos grandes temas do livro de Umberto Eco f icará decepcionado.
A meu ver. Eco, profundo conhecedor da cultura medieval, elabora, em seu
livro, uma reflexáb sobre tres temas fundamentáis.

369
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 303/1987

No primeiro, ele surpreende a degradacao do realismo escolástico de


um Santo Tomás de Aquino no nominalismo do franciscano Guilherme de
Occam, do qual Frei William teria sido aluno.

Um segundo tema é a sutil insinuapao de que a experiencia amorosa,


na sua inocencia original, confina com a experiencia mística. O encontró, na
cozinha do Mosteiro, do novico Adson com a jovem do povo é descrito no
livro de Eco com versículos do Cántico dos Cánticos, o livro da Biblia que,
precisamente, associa as duas radicáis experiencias.

O terceiro tema, enfim, é o confronto das correntes religiosas medie-


vais subterráneas com a ¡nstituicao eclesial, confronto protagonizado pelos
Fraticelli e a Inquisicao.

Umberto Eco usa o estilo das memorias biográficas para explicitar suas
reflexóes sobre a cultura medieval. O velho monge, Adson, de seu mosteiro
de Melk — que, alias, ainda existe na Austria — conta suas lembrancas do ter-
rível evento de que participara, quando ainda jovem novico, acompanhando
Frei William, chamado para desvendar os sinistros acontecimentos que ocor-
riam num mosteiro da Italia: a morte misteriosa de monges envolvidos com
a leitura clandestina do único exemplar de um segundo volume da Poética
de Aristóteles.

Longe de mim a pretensáo de interpretar o pensamento do autor. Ele


mesmo, entretanto, no seu opúsculo publicado em 1985, com o nome: "Pós-
escrito a O nome da rosa", se encarregou de confirmar a opiniao a que eu
chegara logo após a leitura do romance.

. Umberto Eco é culto demais para fazer um mero romance de suspense


policial; conhece demais o sentido do "ethos" medieval para reduzir sua
obra a urna deturpapüo da grandeza da vida monástica.

Infelizmente, é isso o que o filme faz, com o recurso de excelentes in


térpretes e de um paisagismo fascinante.

A vida monástica, urna das maisadm i ráveis real ¡zacees da cultura crista,
aparece no filme como um antro de perversidade e corrupcao; a Inquisicio
como urna ¡nstituicao movida por um orgulho que ná"o se detém diante de
nenhuma crueldade; a cena erótica é reduzida a um episodio pornográfico.

Umberto Eco cita em seu livro muitas frases latinas que nao traduz,
mas cujo sentido revela logo a seguir. Urna única frase latina ele nao traduz
e é exatamente a última: "Stat Rosa prístina nomine; nomina nuda teñe-

370
"O NOME DA ROSA" 35

mus". É a frase que resume os dois primeiros temas fundamentáis de sua re-
flexao, ácima referidos. "Da Rosa primitiva resta apenas o nome; alias, da
realidade, a mente humana pode apenas reter conceitos vazios, nomes ñus."

O velho monge nunca soube como se chamava aquela jovem da qual se


despede na cena final do filme. Quem sabe se o seu nome era Rosa?

Pe. Roberto McCown S.J.:

DENTRO DE UM UNIVERSO TAO IMPREGNADO DO MAL,


É DIFÍCIL ACHAR UMA PESSOA COM QUEM POSSAMOS
NOS IDENTIFICAR, OU UM SISTEMA DE VALORES"

Abarcando os sáculos transcorridos entre a destruicao do Imperio Ro


mano e o Renascimento, o vasto sistema de mosteiros da Europa central e
ocidental serviu como ponte magnífica de fé e cultura. Muitas de suas con-
tribuicoes nos enriquecen) ainda hoje; a filosofía e a teología escolásticas, a
arquitetura románica e gótica, o canto gregoriano. Grapas, quase exclusiva
mente, ao trabalho dos humildes copistas-das bibliotecas desses mosteiros é
que hoje conhecemos as obras de Aristóteles e Platao e dos oradores, poetas
e historiadores da Grecia e de Roma antigás.

Cada Ordem religiosa, de ambos os sexos, deu sua própria contribuicao


á vida da Igreja e da sociedade em geral, com o devotamente e a operosidade
de seus mosteiros. A contribuicao dos Beneditinos, entretanto, foi a extraor
dinaria beleza e alegría de viver que floresceram dentro de suas casas religio
sas.

Ao mesmo tempo, com seu acumulo de propiedades e de saber, em


meio a urna sociedade em geral analfabeta, as Ordens monásticas algumas ve-
zes tendiam aos abusos e á estagnacao. Em geral, no entanto, reformando-se
constantemente, através de sua longa historia, foram capazes de manter um
alto ni'vel de devotamento e de servicos em prol do bem comum.

Supostamente, é para dentro desse mundo monástico que somos pro-


jetados pelo filme "O nome da rosa", com a chegada do monge William de
Baskerville e de seu jovem companheiro, o novico Adson, num grande mostei-
ro do norte da Italia. Desde o inicio, no entanto, vemos que estamos num
mundo penetrado pelo mal. A grande biblioteca do mosteiro é um covil de
obscurantismo. O canto, ñas devocóes diarias, torna-se grotesco com o efe-

371
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 303/1987

minado desafinamento. A vida intelectual está atolada num debate ridículo


sobre minucias teológicas. A vida da comunidade, por sua vez, encontra
se poluída pela seducao homossexual, seguida de suici'dio. Os miseráveis
camponeses que vivem em torno do mosteiro sao tratados com cruel arro
gancia e desprezo. Nao existe nenhuma fé evidente, nenhuma caridade. Mes-
mo as pedras do mosteiro, seus ruidos e sombras, parecem tresandara perver-
sidade. Em meio a tudo isso surge o supremo mal, o Inquisidor Especial, que
acrescenta urna dose de supersticüo e sádica crueldade.

Dentro de um universo tío impregnado do mal, temos dificuldade em


encontrar urna pessoa com quem nos identificar, ou algum sistema de valo
res em que possamos situar-nos. E esta, eu acho, é a fraqueza do filme e a
origem do tedio que experimentei durante todo o tempo em que foi exibí-
do.

Cortamente, o mal pode prevalecer, mesmo numa vida sob outros as


pectos caracterizada por sua alegría e beleza, como era entfo, e continua
sendo, a vida monástica. Mas, por que nos apresentam urna parodia tao gro
tesca e perversa dessa vida? Será que a resposta está na sugestao de urna pos-
si'vel purificacáb? Essa sugestao é dada através das reflexóes do novico,
Adson, depois de ser seduzido pela jovem camponesa surdo-muda. Será que é
urna sugestao satisfatória? Cabe ao espectador decidir.

* * *

tContínuafSo da pág. 3841.

Em suma, o livro incute urna visáode origem do Cristianismo precon


cebida, que nada tem da objetividade científica de um autentico manual de
historia. Infelizmente, porém, o povo simples nao tem parámetros para ava-
liar o que Ihe é assim oferecido e tende a se adaptar á ideología apresentada.
Realmente a historia é um dos terrenos mais palmilhados pelas escolas filo
sóficas contemporáneas, que nela procuram descobrir, com ou sem razao, os
fundamentos para os seus respectivos sistemas.

E.B.

372
Premio Osear:

"A Missao"
(Filme)

Em sfntese: O filme "A Missao" refere-se a aconterímentos ocorridos


em meados do secuto XVIII na "República dos Guaranis", fundada e dirigi
das pelos jesuítas em favor dos indios. Os missionários constituiam redugoes
ou aldeamentos, que defendiam os aborígenes dos maus exemplos e da cubi
ca escravizadora dos brancos;o regime era comunitario, sob inspiracao estri-
tamente crista. — As ReducBes do territorio de San Sagramento foram vfti-
mas da cobica dos portugueses sob o governo do Marqués de Rombal; tendo
tomado posse de tal territorio, Portugal quis expulsar os indios a os jesuítas,
acusados estes de prepotencia. Os padres resistíram, defendendo os indios,
que nSo queriam voltar para as suas selvas e sua vida pré-civilizada. Os bron
cos entao recorreram ás armas, destruindo as Reducóes e afastando ou ma
tando os jesuítas; em breve, Pombal expulsaría os jesuítas de Portugal e do
Brasil.

0 autor do filme, aprésente o heroísmo dos missionários e sua fidelida-


de aos ideáis do servíco e da caridade; morrem para nio trair a sua missSo e
os indios. O final da película ó muito significativo, pois o representante ecle
siástico de Portugal, no caso, observa que o mundo se tornou um mundo
violento porque os homens o fizeram tal. "Os missionários morreram, e eu
estou vivo, diz ele. Mas na verdade eu é que estou morto, e os missionários
vivemV.

* * *

Fez grande sucesso no Brasil, e no mundo, o filme inglés "A Missao"


(Premio Osear), do diretor Roland Joffé. Alude a fatos reais ocorridos em
territorios do Brasil, da Argentina e do Paraguai, na chamada "República
dos Guaranis", fundada e patrocinada pelos jesuítas nos sáculos XVII/XVIII.
A película é impressionante pela grandiosidade de suas cenas, pois apresenta
os jesuítas em esforco heroico, enfrentando rios, cachoeiras, montanhas...
para entrar em contato com os indios guaranis, aos quais levam a Boa-Nova
do Evangelho e os principios da civilizacao (pequeña industria e comercio

373
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 303/1987

organizado). Apresentaremos, a seguir, o enredo do filme, ao que acrescenta-


remos atgumas consideracóes.

A mesma temática já foi abordada em PR 267/1983, pp. 99s (comen


tario do filme "República dos Guaranis", de Silvio Back).

1. O enredo do filme

O filme comeca mostrando a coragem dos missionários jesuítas, diri


gidos pelo Pe. Gabriel, que, através das mais serias dif¡cuidadas, iam ao en
calco dos indios ñas selvas entrecortadas por ríos e perigosas cachoeiras (Se-
te Quedas do Iguacu). Respondiam ás ameacas dos indios espantados com
a música de flauta e a benevolencia de seu trato humanitario. — Em determi
nado reduto de missao, aparece um escravizador de indios, capitlo Rodrigo
Mendoza, que mata um indio e depois, por motivo de ciúme, mata um
irmáo branco na cidade. Esse homem, violento e magoado, caí na melancolía
e no desespero, mas é visitado pelo Pe. Gabriel, que o reanima e Ihe propóe
faca penitencia pelas graves faltas. .. Mendoza acaba aceitando, e presta du
ra penitencia, carregando pesado fardo através das selvas e sobre rochas es
carpadas. Finalmente Mendoza, convertido a propósitos de vida nova, pede
ingresso na Companhia de Jesús, e lá mesmo, no territorio de missao, se tor
na novico, passando a trabalhar ardorosamente com os jesuítas em favor
dos Guaranis; o Pe. Gabriel o estimula sempre na prática do amor generoso
em relacao á estes irmSos carentes.

A missao se desenvolvía bem, quando apareceu urna delegacao dos reis


de Espanha e Portugal, que acusava os jesuítas de desobedecer aos monar
cas e dominar os indios. Eram funcionarios prepotentes, que tinham ordens,
do Marqués de Pombal, de extinguir a República dos Guaranis, expulsando
os jesuítas e fazendo os indios voltar á sua vida selvagem. Os padres e os
aborígenes se opoem á execucao do projeto; mas o eclesiástico enviado pelo
Marqués é irredutfvel. Daí resulta a guerra no rio e ñas selvas, em que acá-
bam sendo mortos os missionários, incendiadas as casas da Reducao e afu-
gentados os indios. O jesuíta Rodrigo Mendoza, que titubeou quando viu
que teria de sacrificar a vida pela missao, acabou-se recuperando e morreu
juntamente com o Pe. Gabriel (este atingido quando levava processional-
mente o SS. Sacramento acompanhado pelos indios).

O final do filme é altamente significativo: apresenta os delegados das


Cortes vitoriosos em torno de urna mesa de refeicSo. Um deles pergunta se
era necessária tal carnificina; os demais hesitam e acabam respondendo
que sim, pois "o mundo é isso". Retruca, porém, o eclesiástico: "Fomos nos
que fizemos o mundo assim; fui eu que o fiz assim". O mesmo relata os

374
"AMISSÁO" 39

acontecimentos em carta ao Santo Padre o Papa, dizendo: "Santidade, os


vossos padres morreram e eu estou vivo. Na verdade, cíes estao vivos, e eu é
que morri".

Este final bem exprime a tese que transparece algumas vezes no enre
do do filme: o amor é a grande virtude apregoada por Sao Paulo, aquela que
f tcará quando a fé « a esperanca cederem á vi sao face-a-face de Deus (cf.
1Cor 13,12s). O amor vem de Deus, leva a Oeus e constrói os homens, ao
passo que a violencia vem do coracao do homem prepotente e arrogante, e
torna infernal o mundo de Deus. Felizes os missionários quecompreenderam
esta proposipao e a traduziram em prática, pondo em risco a sga vida tem
poral! Em troca desta, receberam a vida eterna, ao passo que os violentos ga
nanciosos experimentaran! a amargura do coracao e a certeza de haver perdi
do o principal dos valores.

O filme é elogioso á Companhia de Jesús, mostrando a reta intencao


dos missionários numa época em que as Cortes européias, a comecar pela
portuguesa, se dispunham a expulsar os jesuítas de seus territorios; a pressao
dos monarcas le varia finalmente o Papa Clemente XIV a extinguir a Compa
nhia em 1773 (nao por causa dos erras desta, pois errar é sempre humano,
mas por causa da contestacao que ela provocava entre os governantes latinos
da Europa na segunda metade do sáculo XVIII).

O enredo do filme nao pode deixar de sugerir algumas consideracoes.

2. Refletindo...

Proporemos tres pontos.

2.1. A uniáo de Igreja e Estado

Um dos pontos que talvez mais impressionem o espectador, é a ambi-


güidade resultante do ent-elacamento do poder civil e da Igreja. Os monar
cas de Portugal e Espanha serviram-se de pessoas e de proposicóes doutriná-
rías da Igreja para melhor atingir e implantar seus objetivos políticos.

Pode-se dizer que as origens desta situacáb se acham no desvirtuamen-


to da nopao, concebida pelos amigos doutores cristáos, da "Cidade de Deus":
esta apregoava que a Igreja e o poder civil cristao colaborassem entre si para
instaurar cada vez mais neste mundo as proposicóes do Evangelho; o monar
ca cristao, f ilho da Igreja, devena ser o primeiro Apostólo do Reino de Deus.
Tal ideal ¡nspirou Papas e reis durante sáculos, muitas vezes com prepotencia
da autoridade civil sobre a eclesiástica. Mesmo após a dolorosa experiencia
do Papa Bonifacio VIII (1294-1303), humilhado pelo rei Filipe IV o Belo

375
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 303/1987

da Franca (1265-1314), manteve-se a uniSo do Estado e da Igreja nos países


católicos. Na era dos descobrimentos geográficos (sáculos XV-XVI), essa
alianca deu origem ao chamado "direito do Padreado": mediante as Bulas
Eximias Dwotionis, Piis fidelium e Universal» Ecclasiae, de 1493 a 1508,
os Papas concederam aos reis de Portugal e Espanha ampias faculdades para
facilitar a evangelizado das térras recémdescobertas: poderiam enviar mis-
sionários, constituir paróquias, cobrar dtomos, indicar Bispos. . . Ás leisda
Igreja tornavam-se leis civis, desde que promulgadas pelo monarca. Esses lar
gos poderes davam origem a urna especie de Vicariato Regio para os Assun-
tos Religiosos no continente latino-americano. A intencao dos Pontífices, ao
fazer tais concessoes aos reis, era boa, pois visava a agilizar o trabalho das
missoes. Todavía nem sempre houve a devida correspondencia da parte dos
reis; estes mais e mais foram-se pravalecendo de tais poderes para promover
os seus interesas políticos ccm a forca e a autoridade que a religiao podia
conferir ás suas ordens. Assim é que se cometeram verdadeiros abusos ou
absurdos em nome da religiao (com a conivéncia freqüente de prelados ou
eclesiásticos). Tenha-se em vista a InquisicSo, manipulada, em larga escala;
pelo poder civil para unificar as populacoes dos seus territorios (onde havia
cristaos, judeus e muculmanos). Seja citado também o papel do Marqués de
Pombal, que, sem romper oficialmente com a Igreja, mas, ao contrario, apa
rentando servir aos interesas do Evangelho, combateu a Companhia de Je
sús, chegando a expulsa-la de Portugal e do Brasil.

No sáculo XIX o Padreado ocasionaría a "Questao Religiosa", ligada a


Maconaria: visto que o veto dos Papas as Lojas Maconicas nao fora confirma
do e promulgado pelo poder imperial no Brasil, parecía a muitos leigos e
eclesiásticos que a pertenca a Maconaria era permitida pela Igreja no Brasil;
quando Dom Freí Vital, bíspo de Olinda, e D. Antonio Macedo Costa, do
Para, replicaram, afirmando a condenacáb da Maconaria por parte da Santa
Sé, foram presos e maltratados pelo poder imperial "católico".

Sem dúvida, o filme "A MissSo" retrata um aspecto da dolorosa sitúa-


cao que para a Igreja se criou por causa dos abusos do Padreado por parte
dos reis de Portugal e Espanha.

2.2. A extincao da Companhia de Jesús

A Companhia de Jesús foi fundada por S. Inácio de Loiola, que aos


15/09/1534 constituíu o seu primeiro núcleo com seis companheiros em
Montmartre (París). Aprovada pelo Papa Paulo III em 1540,a Companhia co-
locou-se á inteira disposicSo da Igreja como forca militante, numa época em
que o protestantismo se alastrava e novos campos de trabalho se abriam ñas
térras de alám-mar recém-descobertas. Os jesuítas desenvolverán! atividades

376
"A MISSÁO" 41

beneméritas no ensino e na educacao, no cultivo da Teología, na direcáo dos


fiéis, na evangelizacao de povos pagaos. . . Em meados do século XVIII a
Companhia era a Ordem Religiosa mais importante por sua irradiacáb, con
tando cerca de 22.600 membros, 669 colegios e 33 Provincias. Todavía, os
jesuítas nao deixaram de ¡ncorrerem falhas. Projetando-se em diversos seto-
res, nem sempre souberam guardar a obediencia ¿Santa Sé (tenha-seem vista
a questáo dos "ritos chineses"); lograram adversarios por causa das suas pro-
posicoes de Moral, tidas como laxistas e ferinamente combatidas por Pasca I
(t 1662) e os jansenistas. O destaque assumido pelos jesuítas fez que entras-
sem na mira especialmente dos racionalistas anticlericais do século XVIII,
que os consideraram baluartes da Igreja Católica. Em conseqüéncia, desenca-
deou-se contra os jesuítas forte campanha ñas Cortes dos países latinos da
Europa, desejosos de exterminá-los.

O primeiro a feri-los foi o Marqués de Pombal (Sebastilo José Pombal


de Carvalho e Mello), Prímeiro-Ministro de D. José I (1750-1777), re i de
Portugal. Pombal foi granjeando grande prestigio. Quis entró instaurar um
regime absolutista. Mas contava com dois adversarios: a alta aristocracia de
Portugal e a preponderancia religiosa e cultural dos jesuítas. Embora se pro-
fessasse amigo destes, aos quais devia a sua rápida carreira profissional, Pom
bal era livre pensador ambicioso e comecou a mover guerra implacável a
Companhia.

Um dos pontos de partida de sua campanha veio a ser o "Estado Jesuí


ta" da América do Sul. Como os indios, apoiados pelos padres, resistissem a
deixar seus territorios, empunhando armas para se defender, Pombal atri-
buiu a responsabilidade da oposicao aos jesuítas como chefes dos aboríge
nes. E pos-se a difamá-los. Assim, por exemplo, acusou-os falsamente de
haver instigado a revolta dos vendedores de vinho do Porto. Em 1757 afas-
tou os jesuítas da Corte, onde exerciam diversas funcoes, inclusive a de con-
fessores da familia real. As numerosas acusagoes difundidas por Pombal con
tra a Companhia impressionaram o público e até mesmo o Nuncio Apostóli
co. O Papa Bento XIV (1740-1758), desejoso de evitar urna ruptura com o
Rei de Portugal, nomeou o Cardeal Saldanha Visitador dos Jesuítas portugue
ses; este, porém, era párente de Pombal, de modo que a posicáb do Primeiro-
Ministro se fortaleceu. Quando morreu o Papa Bento XIV, Pombal aprovei-
tou-se da vacancia da Sé Apostólica para continuar a perseguicao sob a
aparente aprovacao da autoridade eclesiástica em Portugal; proibiu, pois, aos
jesu ítas que pregassem e atendessem a conf issoes.

De resto, o novo Superior Geral da Companhia, Pe. Lourenco Ricci,


embora fosse ornado de virtudes e qualidades de espirito, era pouco enérgi
co para enfrentar o adversario. O novo Papa, Clemente XIII (1758-69), ten-
tou evitar o cisma de Portugal, promovendo conversacoes e recomendando

377
42 "PERGUNTS E RESPONDEREMOS" 303/1987

aos jesuítas silencio, paciencia e oracao. Pombal, porém, nao recuou. Em


1759 houve um atentado ao rei, cuja inspiracSo o Primeiro-Ministro atribuiu
aos jesuítas. Esta e outras acusacóes eram veiculadas sem a mínima prova;
o próprio Cardeal Saldanha, interpelado pela Santa Sé, nao enviou relatório
dos aconteciirtentos solicitado por Roma Finalmente em 05/10/1759, Pom
bal mandou confiscar todos os bens da Companhia e expulsar dos territo
rios de Portugal e coibnias todos os jesuítas. Esta medida era apenas o inicio
de urna serie de providencias contra a S. Igreja: com efeito, Pombal decretou
a partida do Nuncio Apostólico, Mons. Accioli, de Portugal, assim como a
de todos os súditos do Estado Pontificio; proibiu qualquer comunicacáo da
Igreja de Portugal com a Curia Romana e a importacao de mercadorias do
Estado Pontificio; procurava assim tornar a Igreja em Portugal independente
de Roma. Por dez anos ficaram interrompidas as relacoes entre Portugal e a
Santa Sé.

O éxito político de Pombal terminou quando faleceu o rei D. José I


(1777). Os seus ¡nimigos obrigaram-no a renunciar e abriram processo contra
ele. Pombal foi enviado para o exilio, onde morreu. Nos últimos dias de vida
escreveu urna apologia, em que se defendía das acusacóes de peculato e irre-
ligiao, declarando ter sido sempre sinceramente católico (!).

Ora foi precisamente a política anticlerical do Marqués de Pombal que


causou o drama da República dos Guaranis, do qual o filme "A Missao" fo
caliza alguns traeos fináis.

As cortes da Franca, da Espanha, de Ñapóles e Sicilia e de Parma se-


guiram o exemplo de Portugal, suprimindo a Companhia de Jesús em seus
territorios. Diante dos fatos, o Papa Clemente XIV houve por bem extinguí-
la na Igreja Universal.

Digamos ainda algo sobre o que eram

2.3. As "Redupóes" jesuítas

Os missionários foram tomando consciéncia de que muitas vezes os


brancos davam maus exemplos aos convertidos indígenas, além de procura-
rem caca-los para escravizá-los. Daí o interesse, dos jesuítas, de evitar os
contatos entre indios e europeus. Para tanto, fundaram paróquias indíge
nas, as chamadas "doctrinas", distintas das paróquias espanholas, mesmo
nos lugares em que as duas populacoes conviviam juntas. Outra tentativa de
preservacao, ainda mais ousada, foi a das "Reducóes", que tiveram éxito du
rante muitos decenios.

378
"A MISSÁO" 43

As "Redundes" vém a ser urna experiencia singular, que fez correr ríos
de tinta e provccou os comentarios elogiosos até dos filósofos racionalistas
do sáculo XVIII. O seu período áureo durou de 1650 a 1720, quando come-
caram as dificuldades de sobrevivencia, que levariam á extincio tanto desses
aldeamentos quanto da Companhia de Jesús.

Que era propriamente urna Reducción? — Era uma grande aldeia —


houve-as com 5.000 habitantes -, onde só viviam indios sob a direcao de
dois ou tres jesuítas. A planta era sempre a mesma: perímetro quadrado, que
cercava uma praca principal, onde se achavam a ¡greja e a residencia dos pa
dres. Estes eram, ao mesmo tempo, diretores espirituais, chefes no plano
temporal, administradores da fazenda e, quando necessário, capitaes dos in
dios. O regime era comunitario. Cada familia tinha sua casa e seu jardim,
mas o cultivo das térras lavráveis era coletivo; os padres forneciam as semen-
tes, acompanhavam o trabalho, armazenavam os produtos da colheita ouda
safra e distribuiam a cada familia o necessário para o seu consumo cotidi
ano. Havia também um regulamento religioso, que incluia oracao comunita
ria, com os sacramentos da Penitencia e da Comunhao. No domingo, todos
os que podiam, participavam de canto coral, com o acompanhamento de
violao por parte dos jesuítas. Assim viveram em aldeias cristas dezenas de
milhares de aborígenes, tendo seu centro principal no Paraguai, onde mora-
vam os Guaranis.

Como estivessem situadas em regioes nao ocupadas pelos brancos, es-


sas Reducóes gozavam de certa autonomia perante as autoridades espanho-
las; o Bispo e o Governo lá compareciam em visitas protocolares; os jesuítas
cuidavam de que nenhum branco nao credenciado penetrasse ñas mesmas.

As táticas adotadas pelos padres tinham em mira o bem das popula-


coes desabrigadas e expostas a dura exploracao por parte dos colonos euro-
peus. O regime tinha que ser autoritario, pois os indígenas eram ¡ncapazes
de plartejar sua organizado social e sua rede industrial; precisavam de uma
direcao forte e paternal para que pudessem progredir em cultura e civiliza-
gao. Os jesuítas Ihes prestaram isto para garantí r-lhes o bem-estar material e
espiritual, de que realmente desfrutaram.

Todavia as Reducóes, audaciosamente ¡novadoras como eram, acaba-


ram provocando a ¡ntervencao dos brancos. Estes eram movidos ora pelo de-
sejo de controlar tais populacSes, ora pela cobica de mercadores e funciona
rios da Corte, persuadidos de que os jesuítas acumulavam enormes quantida-
des de ouro nos seus aldeamentos, ora pela rivalidade existente entre portu
gueses e espanhóis (que disputavam entre si a hegemonía sobre os territorios
indígenas), ora, finalmente,. . . pela hostilidade crescente contra a Compa
nhia de Jesús. Comenta a propósito Daniel-Rops:

379
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 303/1987

"Era talvez quimérica a iniciativa de querer que inteiras populacoes


vivessem urna especie de Cidade de Deus sobre a térra. Isto só foi possivel
grabas é apatía dos indígenas. Mas está fora de dúvida que, sob a sabia pal
matoria dos padres, os Guaranis foram felizes e cristaos tanto quanto o
podiam" (Veta des grandí craquements. París 1958, p. 163).

Sem querer negar as falhas cometidas pelos jesuítas em seusempreen-


dimentos missionários (falhas a que está sempre sujeita a fragilidade huma
na), deve-se reconhecer que os pontos positivos da apio jesuíta prevalecem
amplamente sobre os seus elementos negativos. É difícil, porém, aos obser
vadores do sáculo XVIII e dos nossos dias acreditar na existencia do amor
fraterno, benévolo, desinteressado... sobre a térra. - Um fenómeno lingüís
tico ilustra esta afirmaclo:

Os gregos clássicos conheciam tres vocábulos para designar o compor-


tamento amoroso de urna criatura em relacao a outra:

éros: amor interesseiro, cobicoso, que, ao amar, procura a sua compen-


sacao. é o vocábulo mais utilizado na literatura pré-crista; foi consagrado
pelo Diálogo de Platao chamado Symposion (Banquete), que elogia o amor-
eros, cobica;

philía: a amizade entre pessoas que tém valores comuns;

agápe! o amor gratuito de benevolencia, que quer o bem do outro por


causa do outro, sem preocupado com retorno ou compensaclo. Tal vocá
bulo era de raro emprego entre os gregos clássicos, talvez porque a vida real
nao desse ocasiao a que fosse utilizado; a benevolencia gratuita era rara...

Ora os escritos do Novo Testamento, para designar o amor de Deus


aos homens, servem-se do termo agápe exclusivamente: Jesús Cristo revelou
aos homens urna estupenda ou incrível modalidade de amor: a benevolen
cia gratuita de Deus para com os homens imersos no pecado e na desordem.
Após o fato cristao ou após Jesús Cristo, agápe é o vocábulo que designa o
amor prescrito aos cristaos: é preciso amar como Deus ama (cf.Mt 5,44-48).
A revolucao lingüística é sintoma de revolucao na historia ou na mentalida-
de e no comportamento dos homens.

Houve realmente nos sáculos cristaos grandes e numerosos testemu-


nhos de agápe. Os santos e justos do Cristianismo o viveram eloqüentemen-
te. Pode-se crer que o heroísmo dos missionários, bem ilustrado pelo filme
"A Missao", é um espécimen desse amor-agápe dos cristaos para com seus
irmaos indígenas. Alguns críticos modernos, ao comentarem tal película,
desmerecen) o papel magnánimo dos missionários, julgando-os prepotentes

380
"AMISSÁO" 45

gananciosos, exploradores dos aborígenes.. . Perguntamo-nos: nSo será di


fícil, no mundo agressivo e hostil em que vivemos, crer que possa haver ou
tenha havido genuínos testemunhos de agápe? Estará a cultura contemporá
nea tao acostumada a presenciar corrupcio e perversao que até as mais no-
bres facanhas do amor cristao sao enquadradas dentro de categorías egoís
tas e malvadas? Custa crer no amor desinteressado e puro ou benévolo? -
O filme "A Missáo" sugere estas interrogacoes e suscita um claráo alvissa-
retro ñas sombras do mundo violento em que vivemos: existiu (e aínda exis
te) o amor verdadeiro, o amor inspirado pelo Evangelho. . . amor, porém,
que, por ser auténtico, nao faz alarde nem espalhafato, mas merece ser re-
conhecido e incentivado para que a humanidade nao seja vítima do seu pro-
prio egoísmo.

Estéváo Bettencourt O.S.B.


* * *

Livros em Estante
Caminhando com Jesús, pelo Pe. Luiz Cechinato. - Ed. Vozes, Petró-
polis 1986,135 x 210 mm, 126 pp.

O Pe. Cechinato já é conhecido como autor de bons livros de cateque-


se. Desta vez, oferece-nos um Catecismo de Perseveranca, com vinte e sete
Encontros para adolescentes, tendo por tema principal: "Jesús nos chama
para participar da Historia da Salvacao, caminhando com Ele e colaborando
em sua Igreja". O conteúdo aborda personagens do Antigo e do Novo Tes
tamento assim como da Historia da Igreja; além disto, apresenta o sentido
de certas fases do ano litúrgico (Advento, Natal, Quaresma. . .). A doutri-
na ai formulada é plenamente ortodoxa. Julgamos, porém, que o programa
é insuficiente para formar um fiel católico habilitado a enfrentar o mundo
de hoje; seria preciso tornar mais denso o seu conteúdo doutrínário, expla
nando melhor as nocoes de SS. Trindade, Jesús Cristo, Igreja... Porconse-
guinte, este Catecismo é instrumento útil, masdeve ser completado pelo es-
tudo de outras obras do mesmo autor como "A quem iremos, Senhor?"
(compendio da doutrina da fé), "A Missa parte por parte", "Conheca me
lhor a Biblia", "Reconciliai-vos"...

Obediencia e Salvacao. Vol. I: Moral Fundamental, pelo Instituto Dio


cesano Missionário dos Servos da Igreja (Diocese de Rio Preto, SP), Rúa Os
valdo Aranha 855, Caixa Postal 55, 15001 Sao José do Rio Preto (SP),
150x210mm, 151 pp.

381
46 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 303/1987

Eis o primeiro volume de um Manual de Teología Moral que abrange-


rá, no segundo volume, o tratado dos Vicios e das Virtudes; no terceiro vo
lume, o dos Sacramentos e Sacramentáis e no quarto, o dos Mandamentos
e Preceitos. A obra traz uma Apresen tacao do Sr. Bispo D. José de Aquí no
Pereira, de Rio Preto (SP), que, juntamente com o Sr. Bispo de Anápolis
(GO), promoveu a elaboracao do Manual. Diz D. José de Aquino: "O pre
sente trabalho inspira-se ñas orientacdes da Igreja a respeito dos estudos
teológicos" (p. 4). Compreende treze capítulos correspondentes á temática
da Moral Fundamental: ato humano, opcao fundamental, criterios da mora-
lidade, lei natural, lei humana, consciéncia, pecado, virtudes, dons. . . No
fim de cada capítulo encontra-se um texto bíblico ou de famoso escritor
que ilustra o conteúdo do mesmo. A redacao é clara e precisa, podendo be
neficiar seminaristas e fiéis leigos. Fazia-se necessária uma obra de tal género
destinada á formacso do clero e do laicato segundo as diretrizes da Igreja.
Esta, no Concilio do Vaticano II, formulou explícitamente o anseio de que
"as disciplinas teológicas sejam ensinadas á luz da fé e sob a direcao do ma
gisterio da Igreja. . . devendo a S. Escritura constituir como que a alma de
toda a Teología" (Decreto Optatam Totius n°. 16). — O segundo volume da
obra está para sair do prelo em breve.

Leitura da Páscoa como Memorial da Libertacao, por Tercio M. Si-


queira, Gilberto Gorgulho, Paulo Lockmann, Ana Flora Anderson, Luiz R.
Alves. Colecao "Estudos Bíblicos" n? 8. - Ed. Vozes, Petrópolis 1986,
157 x 280 mm, 54 pp.

Este livro, redigido por autores católicos e protestantes, é inspirado


pelos principios da Teologia da Libertacao, considerando a temática de Pás
coa do ponto de vista sócio-económico. A riqueza do evento pascal do An-
tigo Testamento, ainda aumentada e aprofundada por Jesús Cristo, é depau
perada, pois de tal evento se levam em conta mais os aspectos sociais do que
o da graca de Déus, que faz alianca com o homem: "A tal'ponto Deus amou
o mundo que entregou o seu Filho único, para que todo aquele que nele
creia nao pereca, mas tenha a vida eterna" (Jo 3,16). Um espécimen da ten
dencia geral do livro encontra-se á p. 24, da autoria do professor protestante
Paulo Lockmann:

"Falar em Páscoa ó falar em repartir o pao; ¿ restituir ao trabalho e ao


trabalhador a abundancia do pao que a nossa farta térra brasileira quer e po
de I he dar. - Desse modo, tacamos do culto de cada Mista um momento de
questionamento e resistencia aos que nao querem repartir o Pao" (p. 24).

Nao há dúvida, a celebraclo da Eucaristia exige uma vivencia de comu-


nhao fraterna durante as vinte e quatro horas do dia; deve haver um desdo-
bramento do rito sagrado na vida ética do cristao. Isto, porém, nao quer di-

382
LIVROS EM ESTANTE 47

zer que as cefebracóes do culto, especialmente as eucarfsticas, venham a ser


exclusiva ou primordialmente assembléias de questionamento da socieda-
de, das classes sociais, dos irmaos. . ., e de provocarlo á resistencia ou á
luta contra esses irmaos. A Liturgia sagrada deve ser, para o cristao, a oca-
siSo de um mergulho e aprofundamento em Deus ou um momento de con-
templacao e adoracao, do qual os fiéis hao de sair mais dispostos a ser cris-
tios no seu dia-a-dia. Se transformarmos o culto sagrado em reuniSo de Sin
dicato ou em comicios políticos, estaremos traindo o povo de Deus, que an-
seia por valores transcendental e procura na igreja urna palavra diferente da-
quela que na agitacao profissional é oferecida ao trabalhador.

No final do livro em foco encontra-se urna resenha elogiosa do livro de


Norman Gottwald, As Tribos de Jahweh,. . .livro que desvirtúa a historia
do povo de Israel, pois dá preponderancia aos fatores socio-económicos da
mesma (á semelhanca do que faz o marxismo), é lamentável que se reco
mendé tal obra aos estudantes, que nao tém capacidade de discernimento
entre o transcendental e o imánente em terreno tío complexo e delicado;
correm assim o risco de perder (ou nunca atingir) a visao da historia, trans
mitida pela Biblia, como algo que Deus suscita em sua Sabedoria e Provi
dencia; ver Is 45,1-7; 48, 6-8.

Ester, a Mulher que enfrentou o Palacio, por Sandro Gallazzi. Coleólo


"Comentario Bíblico" - Ed. Vozes, Editora Sinodal, Imprensa Metodista,
Petrópolis 1987,135 x 210 mm, 185 pp.

Este livro pertence a urna coléelo que deve compreender setenta volu
ntes, todos de comentario "latino-americano" da Biblia (como diz a quarta
capa). "Sem abdicar de sua formacao científica, os respectivos autores (ca
tólicos e protestantes) tentam exprimir o sentido que os pobres gostariam
de exprimir, mas nao sao capazas por falta de estudo e de recursos" (quarta
capa). — Embora o programa da colecáo seja bem caracterizado, pode-se
dizer que o livro em foco fica dentro das normas de sadia exegese sem ceder
a distorcoes ideológicas. Obedece ás exigencias de um trabalho científico le
vado ao nivel de um leitor medio: apresenta o texto hebraico e o texto grego
do livro de Ester em traducao portuguesa, com um comentario aceitável e
fiel ao sentido do autor sagrado; respeita, portante, as partes deuteroca-
nónicas de Ester.

Sejam, porém, mencionados dois pontos estranhos: na Introducáo da


obra (p. 13), o autor expóe o seu conceito de verdade: "nao é um fato acon
tecido, mas urna resposta que mostré o caminho certo e nSo leve o povo 'pro
brejo'. . . Esta e só esta é a verdade verdadeira, na qual vale a pena acredi
tar". Aquí transparece a nocao de verdade professada pela Teología da Li-
bertacáo extremada: verdade é a proposicao que transforma a sociedade; a

383
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 303/1987

praxis está ácima do logo*. — É estranho que o Imprimatur tenha sido dado
pelo Bispo de Macapá, quando o Código de Direito Canónico (canon 825}
prescreve que "as versóes da S. Escritura acompanhadas de convenientes
notas explicativas" devem ter a autorizacáo da Conferencia dos Bispos; pa
ra os demais livros, reza o canon 824 que a autoridade competente para
conceder o Imprimatur "é o Bispo da diocese do autor ou o da diocese onde
o livro é ¡mpresso".

Historia do Cristianismo Primitivo, por Paulo María Tonucci. Coléelo


"Da Base para a Base'724. — Ed. Vozes em co-edicao com CEHI LA popular,
Petrópolis 1987,160x225mm, 77 pp.

Este livro é urna versao "a partir do povo" da Historiada Igreja Anti-
ga; o autor adapta e reduz a obra "Memoria do Povo Cristao" de Eduardo
Hoornaert, já comentado em PR 290/1986, pp. 311-322.

A propósito do contéúdo deste livro, de estilo muito popular, pode-se


dizer quanto já foi dito a respeito da obra de Hoornaert. Parte do principio
de que o Cristianismo veio introduzir a luta de classe dos oprimidos e margi-
nalizados contra os ricos e poderosos. A partir desta premissa, que é unilate
ral ou mesmo falsa, comete o autor distorcóes estridentes, que perpassam
quase todas as suas páginas. Ássim, por exemplo, Jesús só se terá dedicado
aos que eram marginalizados pela sociedade religiosa dos judeus (p.20),
quando na verdade Jesús teve amigos da classe dirigente como Nicodemos,
José de Arimatéia, Zaqueu...; "o homem é fim em si mesmo" (p.75); o cris
tianismo terá assimilado o horóscopo (p.32); "surgiu o ministerio do episco
pado (do bispo), isto é, daquele que, em nome da comunidade, mantém con
tatos com as outras comunidades,".. ."visto que a grande difusáo do Cristia
nismo ameacava de isolamento das comunidades" (p.33), sem que haja men-
cáo do sacerdocio do bispo como participacao do sacerdocio de Cristo; o ce
libato do clero se deve a preocupacao com a pureza legal, fazendo eco i pu
reza legal do Antigo Testamento (p.54), sem que se leve em conta o valor da
vida una ou indivisa, apregoada por Sao Paulo em ICor 7,25-35; "depoisda
destruicao de Jerusalém no ano 70, o centro da missio crista passou para a
cidade de Éfeso" (p.32), sem referencia a Antioquia, o grande centro mis?
sionário segundo Atos 11,22-26...

Os livros antigos nao canónicos terSo sido destruidos ou queimados


porque foram considerados perigosos já que criticavam os homens que esta-
vam no poder (p. 12); ora o autor generaliza tendenciosamente, pois, os apó
crifos estao em grande parte, conservados e os que foram destruidos trata-
m.de assiiQtns Neolóaicos e nao de questoes socio-económicas.

(Continua na pág. 372)

<(|j-.. r \ Jf+CU LLF' I 384


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Echeverría (Salamanca) (Ed. BAC.) CzS 1.200,00
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O'Callaghan. 1987. 1380p. (Ed. BAC.) CzS 2.600,00
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notasde Daniel Ruiz Bueno. 5a. edición. 1985,113O.(Ed.BAC) CzS 1.300,00
4. PROBLEMAS DEL CRISTIANISMO - Julián Marías. 1979, 142p. (Ed.
BAO CzS 200,00
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Grabados. 1980, 570p. (Herder) CzS 900,00
6. OBRAS COMPLETAS DE SAN BERNARDO - Edición Bilingüe. Edición
preparada por Los Monjes Cistercíenses de España. (OBRA EM 04 VOLLI
MES). 1985, (Ed. BAC) CzS 7.200,00
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