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P rojeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTTAQÁO
DA EDipÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
'.'■" visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.
Eis o que neste site Pergunte e
Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
£_ vista cristáo a fim de que as dúvidas se
,. dissipem e a vivencia católica se fortaleca
j" no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.


Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
responderemos
■J SUMARIO
D

M Peregrinos do Absoluto
UJ
O "Muito Além do Amor" (D. Lapierre)
I-
|2 O Homossexualismo Perante a Lei Civil
D
O "O Sexo na Fogueira"

«« "O Gosto do Pecado"


<
¿¡ Que é o Santo Graal?

co . Novos Mandamentos? Novos Pecados?


O
ce
Q.

ANO XXXIII NOVEMBRODE 1992 366


PERGUNTE E RESPONDEREMOS NOVEMBRO 1992
Publicado mensal N9 366

Diretor-Responsável SUMARIO
EstévSo Bettencourt OSB
Autor e Redator de toda a materia Peregrinos do Absoluto 481
publicada neste periódico
Empolgante historia:

Diretor-Administrador "Muito além do Amor" por


D. Hildebrando P. Martins OSB Dominique Lapierre 482

Administrac§o e distribuicSo: Documento da Santa Sé:

Edicoes Lumen Christi O Homossexualismo perante


Dom Gerardo, 40 - 5? andar, s/501 a Lei Civil 496
Tel.: (021) 291-7122
Na revista "Isto É":
Caixa Postal 2666
20001-970 - Rio de Janeiro - RJ "O sexo na Fogueira" 504

Impreciso e sarcástico:
ImpressSo e EncadernafSo "O gosto do pecado"
por Angela Mendes de Almeida . 510

No mundo dos arquetipos:


•MARQUESSARA1VA " Que é o Santo Graal? 522
GRÁFICOS E EDITORES S.A
Tels.: (021) 273-9498■ 273-9447 Novos Mandamentos?
Novos pecados? 527

NO PRÓXIMO NÚMERO:

"Polémica sobre o "Filho de Deus". - Johrei: que é? - "A Deca


dencia Moral do Ocidente" (P. Bokel). - As Financas da Santa Sé.

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA

ASSINATURA ANUAL (12 números) de P.R.: Cr$ 40.000,00 - n° avulto ou atrasadoCrS 4.000,00

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Sendo novo Assinante. é favor enviar carta com nome e endereco le-
gíveis.
Sendo renovacáo, anotar no VP nome e endereco em que está recebendo
a Revista.
Peregrinos do Absoluto
0 mes de novembro se abre com um olhar para a eternidade: a 2/11
comemoramos todos os irmaos defuntos e, em data próxima, os Santos na
gloria do céu. Assim novembro, que é o penúltimo mes do ano, chama a
atencío para o sentido da vida e sua consumacao na eternidade. - A propó
sito S. Cipriano (t258), bispo de Cartago e mártir heroico, escrevia aos seus
fiéis:

"Consideremos, ¡rmábs carftsimos, que renunciamos ao mundo e pro


visoriamente habitamos aqui como hospedes e estrangeiros. Abracemos o dia
que endereca cada qual ao seu domicilio, dia que, libertados desta vida e sol-
tos dos lapos do sáculo, nos restituí ao paraíso e ao Reino... Espera-nos lá
grande número de parentes, irmSos. filhos; anseia por nos urna familia avul-
tada e numerosa, já certa da sua salvapSo e ainda solícita da nossa" {De mor-
talitate 26).

Este texto sugere tres grandes verdades:

1)0 cristao é peregrino neste mundo, peregrino do Absoluto, cami-


nheiro em demanda da patria definitiva. A consciéncia disto aparece já nos
escritos do Novo Testamento, em que Sao Pedro, por exemplo, se dirige aos
fiéis como peregrinos (cf. 1 Pd 1.1.17; 2,11); SIo Paulo, por sua vez. diz que
a nossa cidadania está nos céus (cf. Fl 3,20). A própria palavra paróquia,
que designa urna célula de cristátos, vem do grego pará-oikía, que significa'
morada ao lado, morada de estrangeiro, de viandante.

2) Por conseguinte, o cristao olha para o dia final de sua viagem na tér
ra com esperanca e confianca. Cré humildemente que, por misericordia de
Deus, entrará na sua manslo definitiva, onde grande número de irmSos o
aguardam; correram o pareo com galhardia antes de nos, e lograram a coroa
da vida... Urna boa parte da nossa familia já se foi e espera por nos.

3) Esses irmá"os estao solícitos da nossa salvacao. "Torcem por nos",


que ainda nos achamos na arena, e pedem a Deus as grapas de que necessita-
mos para chegar ao mesmo termo. A morte nfo interrompe a comunhao que
o próprio Deus instituiu entre os seus filhos:comunhao de sangue, de ideáis
e de amor fraterno... O Senhor, autor dessa comunhá'o, permite que os San
tos conhecam as preces que Ihes dirigimos pedindo sua intercessáo; desta
maneira ajudam-nos a vencer na luta desta vida. Alias, Santa Teresinha dizia
que passaria o seu céu fazendo o bem sobre a térra. Ela o podia dizer valen-
do-se do exemplo do Profeta Jeremías, que, depois de partir deste mundo,
continuava a orar pelo seu povo e a cidade santa Jerusalém {cf. 2Mc 1515
13-16). ' '

.Sao estas algumas consideracóes que novembro nos sugere. Afirmava a


sabedoria dos romanos pré-cristmos: "In ómnibus réspice finem. - Em tudo
o que facas, considera o fim"; é dele que deduzes as etapas da tua caminha-
da! E.B.

481
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
ANO XXXIII - N9 366 - Novembro de 1992

Empolgante historia:

"Muito Além do Amor"

por Dominique Lapierre

Em síntese: O livro de Dominique Lapierre ofereceao leitor urna serie


de quadros e cenas que descrevem: 1) o horrível sofrimento físico e moral
causado pela AIDSetn nossos días; 2) o abnegado esforco de médicos e den
tistas que. entre 1980 e 1986, labutaram para descobrir o virus dessa moles
tia e o remedio respectivo, ou seja, o AZT; 3) a carídade ¡nfatigável de médi
cos, enfermaras e principalmente de Madre Teresa de Calcuta e suas Reli
giosas; estas ocupam espaco significativo no enredo do livro, f¡cando eviden
ciada a tempera heroica das Missionárias da Carídade.

A obra é muito rica em informacdes de ordem médica, histórica e reli


giosa. Indiretamente ela pde em relevo a hediondez das aberracdes moráis,
mormente do homossexualismo e do consumo de drogas, que muito marcam
a vida de certos grupos da sociedade contemporánea. NSo se pode deixar de
recomendar a leitura de tal livro a pessoas desejosas de tomar consciéncia da
gmvidade do flagelo da AIDS e de seus elementos correlatos; requerse, po-
rém, que o leitor se/a capaz de enfrentar descricdes muito realistas e cruas da
miseria física e moral, miseria relatada sem rodeios, a fim de impressionar sa-
diamente o público e quicé levá-lo a urna resposta congruente.

iftfü

O Dr. Dominique Lapierre escreveu um livro empolgante,1 no qual


descreve minuciosamente as peripecias de médicos, dentistas, enfermeiras e

Dominique Lapierre. Muito Alám do Amor. TraducSo do francés Plus


Grandi qua I'Amour, por Ana María Sarda e Fritz Utzeri. - Bd. Salamandra.
Rio de Janeiro 1991.2a edicSo. 240 x 160 mm, 376 pp. ,

482
"MUITO ALÉM DO AMOR'

Religiosas, pacientes e outros beneméritos heróis que se dedicaram, a partir


de 1980 até 1986, á descoberta do virus da AIDS, o HIV (Human Immuno-
deficiency Virus), e á confeccao do remedio correspondente, o AZT, fabri
cado com esperma de arenque.

Sio muitos os personagens envolvidos no enredo desta obra, que apre-


senta urna sucessao de quadros vividos na India, nos Estados Unidos, na
Franca, no país de Israel (Tel-Aviv e Latroun). Os relatos safo históricos em
sua substancia, embora o autor tenha modificado as descricdes que Ihe fi-
zeram varios doentes e suas familias, a fim de respeitar-lhes o anonimato e
evitar que fossem identificados. Também com re laca o ás Irmas de Caridade
apresentadas no livro, Lapierre se baseou em fatos reais, mas usou de certa
ficgáfo a fim de nSo trair a privacidade respectiva. Como quer que seja, "a
historia desses doentes e dessas lrmá"s permanece fiel ao espirito de suas vo-
cacdes e de seus destinos excepcional" (p. 9).

Quem le as páginas de Dominique Lapierre, vé desfilar ante os seus


olhos as peripecias minuciosas que médicos e pesquisadores percorreram pa
ra identificar o virus da AIDS, distinguindo-o de outros virus. Esta tarefa
custou muitas surpresas, dissabores, sacrificios e também dinheiro; teve co
mo vanguardeiros os médicos Dr. Robert Gallo, norte-americano, e Louis
Montaignier, francés. Urna vez descoberto o virus, tratava-se de procurar o
remedio adequado; isto se deu na base de muito heroísmo e desprendimen-
to, pois os próprios pesquisadores, desejosos de respeitar seus pacientes, qui-
seram servir, eles mesmos, de cobaias na experimentacao dos produtos medi
cináis por eles concebidos.1 Assim a leitura do livro de Lapierre, escrito em
estilo polido, gracioso e também sensacional (no bom sentido), se torna alta
mente impressionante; prende fácilmente a atencSo do leitor, de mais a mais
que Lapierre soube intercalar na sua descricao de trabalhos científicos o en
redo de vida de pessoas muito marcantes: médicos conscientes da sua res-
ponsabilidade, enfermeiras de grande dedicacSo, Religiosas do Instituto das

1 "Qual seria o efa'to do AZT no homemPSó um teste em doentes po-


dería fornecer a resposta. Ora a legislacSo norte-americana era implacável...
Resolvemos portanto correr o risco de tomar um atalho ligeiramente ilegal,
confessará David Barry. A historia trágica da AIDS nSo o esquecerá: os pri
maros mttigramas do AZT ministrados a seres humanos tiveram como rece-
hedores seus tris principáis inventores, a comecarpelo vice-presidente do la
boratorio Welicome em peesoa. A experiencia ocorreu longe dos olhares in
discretos. 'Ah, que beberragem abominávelV. dirá o audacioso médico, evo-
cantío o amargor do suco de laranja que ele bebeu naque/e dia como café da
manhS. Como nSo existiam aínda nem comprimidos nem cápsulas, ele fora
obrígado a dissolver num suco de fruta o pó de esperma de arengue" (p. 290).

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i "PERGUNTE E RESPONDEREMOS' 366/1992

Missionárias da Caridade, pacientes descritos com toda a crueza de traeos


que o flagelo de AIDS pode imprimir, parias da India e de Nova lorque ou
San Francisco (U.S.A.).a viver odrama de criaturas duramente rejeitadas por
uns, mas fraternalmente amadas por outros.

NSo é propósito deste artigo repassar quadro por quadro de tá"o inte-
ressante obra, nem isto seria possível em poucas páginas. Importa-nos, antes,
p6r em relevo alguns traeos salientes que caracterizan! a trama do livro e fa-
zem o seu grande valor.'

1.0 Flagelo da AIDS

A tragedia da AIDS, cada vez mais espalhada no mundo, é comparada


á de urna explosao nuclear (cf. p.363).

"Urna pesquisa realizada na zona de San Francisco em 1970 por dois


pesquisadores do Instituto Kinsey revelou que quarenta por cento dos no-
mens questionados tinham tido - nos back-rooms dos bares ou nos vapores
pegajosos das saunas - pelo menos quinhentos parceiros no curso dos últimos
doze meses. Vtnte e oito por cento tinham transado com mais de mil par-
ceiros. Muitos adeptos desse troca-troca recordé confessaram ter mantido
relacoes com vinte a trinta parceiros numa única noite. O álcool e varias
substancias químicas como o nitrito de amilo favoreciam esse género de fa-
canhas" (pp. 52s).

Decorrente, em grande parte, da prática homossexual, que, por sua


vez, está associada ao uso de drogas, a AIDS projeta seus pacientes em esta
do de profunda prostracafo e desfiguracSo. Extra irnos do capítulo 50 do li
vro de Lapierre alguns trechos dos mais significativos, capítulo que tem por
título: "Nova lorque, EUA-Outono de 1985: Fazer sentir a cada um que ele
é amado e respeitado":

Narra a má~e de Frank:

"Um día, ele caiú doente. Tudo comecou com um emagrecimento


inexplicável. Embona ele nunca tívesse sido gordinho, eu reparava que ele
perdía algumas centenas de gramas a cada semana. Ele nSó se dava conta de
nada. De repente, urnas pústulas aparecerán} em suas pernas e, depois, co
mecou a tossír. De noite, eu ficava acompanhando sua respiracéo. Ela fazia

'Na.quarta capa do livro lé-se que em 1991 já haviam sido vendidos


2.500.000 exemplares da obra no mundo inteiro. A traducáb brasileira acha-
va-se entSo em sua segunda edicao.

484
"MUITO ALÉM DO AMOR'

um barulho de pistom impressionante. No último mes de abril, efe me disse:


'MamSe, estou comAIDS'. Eujá ouvira essa palavra. Um dos nossos vizinhos,
que era vigía na Penitenciaría de Sing Sing, nos falara de um detento que
morrera de AIDS. Na época, eu nSo prestara atencao. Quando Frank me
anunciou sua doenca, comecei a chorar. Depois fui buscar minha Biblia. Sou
muito religiosa e pensei que devia haver urna razSo para essa provacSo. Disse
a Frank: 'Há um sentido em tudo o que o Senhor deixar acontecer. Talvez
ele tenha querido servirse de vocé'. U para e/a atgumas passagens das Escr'h
turas. Ele comecoua irá igreja. Os fiéis da paróquia foram formidáveis. Para
que todos rezassem por ele, eu Ihes disse que meu filho tinha cáncer. No ca
so dele, isso nSo era mentira.

Frank quase morreu por duas vezes. Da última vez, os que cuidavam
dele, abandonaran! a luta — todos, salvo Deus e eu. Contínuei ao lado dele
día e noite. Alimentava-o colherada por colherada. Enchi-o de vitaminas, de
fortificantes, de sorvetes, de tudo de que ele gostava. Sobretudo, naoparei
de encorajá-lo a lutar, a esperar, a querer viver. Nos quartos vizinhos, a cada
día. as enfermaras fechavam os olhos de um mono. Mas Frank está aínda af.
Ninguém, na enfermaría, está como ele ferozmente decidido a ganhar a luta
contra a doenca. Ele me fez prometer que, se Ihe acontecesse o pior, eúpas-
saria a ser a máe dos outros doentes. Muiros deles sao abandonados por suas
familias. Muitos país aceitam que seu filho tenha AIDS. mas nao que ele
se/a gay" (p. 298).

Eis outra expressiva passagem:

"A droga fazia parte dos hábitos de vida de muitos homossexuais hipe-
rativos. De todos os toxicómanos que Gloría se esforcou por domesticar na-
quele outono, nenhum Ihe deu mais sarna para se copar do que fíondy, o an-
tigo interno de Sing Sing. Seus urros e sua vulgaridade faziam com que o
terror dominasse cada vez mais os corredores do Saint-Clare.

fielato de Gloria Taylor:

Ele nao pesava agora mais do que uns quarenta quilos, mas conservava
aínda urna forca hercúlea. Tentava-me arranhar e me morder cada vez que eu
o tomava nos meus bracos como urna crianca, para levá-lo debaixo do chu-
veiro. Em seis semanas, conseguí fazer dele um cordeiro. Fiz com que ele
descobrísse urna coisa que ele ¡amáis sentirá na vida:alguém o amava. Insta-
lava-o numa cadeíra de rodas e o levava de quarto em quarto. Muito depres-
sa, ele fez urna multidSo de amigos entre os outros doentes e o pessoal. Ele
me chamava Baby. Tinha-se transformado no mais carinhoso dos pacientes
e feu nSo conseguía aceitara idéia de que ele ia morrer. Ele sabia exatamente
o que o esperava. Já assistira á agonía horrfvel de dois dos seus amigos. Ele
me dizia: Eu nao quero morrer desse jeito.

485
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 366/1992

Urna manhS, ele pegou na minha mSo e me disse:

— Baby, eu quería que vocé organizasse urna festa no meu quarto e


convidasse todos os meus amigos. Quero me despedir deles.

Ele me mandou comprar brinquedos para sua filha de dois anos, que
só vira urna vez por tras das grades da prisSo. Quería também rever os país,
que nSo abrapava havia qu'tnze anos, pouco antes do seu primeiro assalto.
Me fez convidar também um dos guardas de Sing Sing, de quem gostava.
Como estávamos pertinho do Natal, sugerí que preparasse um presente para
seus país.

No dia do party, havia urnas vinte pessoas em redor de sua cama. Uns
tinham trazido doces, outros flores e até baldes e guirlandas. Alguém viera
com um gravador. O quarto estava cheio de música de jazz, fíondy tinha ca
da vez mais dificuldade para respirar, cada um dos seus gestos exigía um es-
forco, mas seu rosto brilhava de urna alegría serena. O capelao recitou a ora-
fSo dos agonizantes, e, depois, tracou o sinal da cruz sobre a testa de Rondy
com um algodSo embebido em óleo. Transtornada, sua mae irrompeu em so-
lucos. Ela saiu do quarto. Rondy disse entSo urna palavra de adeus a cada
um, como se ele fosse partir em v'tagem. Sentei sua filha sobre sua cama.
Com sua mSo magra e enrugada, ele Ihe acariciava o rosto. Parecía feliz.

Súbitamente, foí sacudido por espasmos. Sua respiracSo tornou-se irre


gular. Pus-lhe a máscara de oxigénio, mas ele a arrancou. Ele nos sorna. Pro-
curou sua mSe com o olhar. Como nSo a vía, fez sinal para que eu me apro-
ximasse.

- Baby, me dé sua mSo -, murmurou.

Parecía contente. Vi suas pálpebras cairem docemente sobre seus


olhos. Como urna cortina de teatro no fim de urna peca. O virus me roubara
outro dos meus irmSozinhos" Ipp. 303s).

Mais um segmento do capítulo merece consideracao:

"Nesse outono, nSo havia nem mié, nem familia, nem companheiro
na vida de ñoddy, vinte eseteanos,antigo detento toxicómano da Peniten
ciaria de Sing Sing. Anos de isolamento num pavílhSo de seguranca máxima
tinham transformado esse estivador de Nova Jersey em urna verdadeira fera,
sempre pronto a pular sobre quem quer que entrasse em sua cela. Apesar da
pneumonía que arrasava seus pulmdes, nSo era o fólego que Ihe faltava. Ele
nSo falava, urrava. Quando alguém ocorria. alertado por seus rugidos, era re-
cebido cbm urna saraivada de insultos e ameaeas. Um paciente difícil, que

486
'MUITO ALÉM DO AMOR"

punha á prova os ñervos do Dr. Jack Dehovitz e de sua equipe, e confirmava


que tratar dos doentes da AIDSera mais urna questSo de saber acolhS-los do
que um problema puramente médico.

'Entrar no quarto de um paciente com a intencao de dedicar-lhe um


pouco de tempo para ouvi-lo, pode ser um ato terapéutico cem vezes mais
eficaz do que dar/he soro', dirá Jack Deho vitz. Fazer com que ele sin ta que é
respeitado, considerado, amado, que ninguém o julga. O que pode ser mais
vivificante do que segurar sua mSo, aplicar um pouco de bálsamo sobre um
membro dolorido e massageá-lo delicadamente? Certos doentes confessam
que, durante meses, ninguém ousou tocá-los. O que é terrivel, é lidar com
urna doenga contra a qual nSo dispomos de nenhuma arma. Tudo que pode
mos tentar é assegurar aos nossos pacientes a melhor quafidade de vida pos-
sfvelpelo tempo que Ihes resta" (p. 299).

Observemos ainda ás páginas 301 s o caso da enfermeira Gloria Taylor.


Costumavam os médicos reservar para essa mulher negra de quarenta anos
de idade os pacientes mais afetados, como era Damien, um decorador de
vinte e oito anos, cujo cerebro a AIDS comía pouco a pouco. Narra Gloria
a respeito dele:

"Era um homem maravi/hoso, mas teimoso como urna muía. Ele era
capaz de isofar-se días inteirospor tras de um mutismo total, contará Gloria.
'Se ele sabia ainda segurar um gario entre os dedos, nSo sabia mais que devia
levá-lo á boca em seguida para alimentarse. Fazer com que ele engolisse al-
gumas colheradas era minha obsessio. Cada colherada de comida, cada gole
de líquido absorvidos representavam minhas únicas miseráveis Vitorias sobre
seu mal. Eu ficava horas sentada na beira do seu leito brincando com ele,
contando-lhe historias, distraindo-o para fazer com que ele comesse um pou
co de sorvete ou de iogurte'. No Saint-Clare, cada um fazia o impossível pa
ra animá-los a se alimentar. Máquinas distribuidoras de sopas, de saladas, de
refeicdes leves, de gulodices chegaram a ser instaladas nos corredores, para
que a menor vontade de mastlgar alguma coisa pudesse ser satisfeita a qual-
quer hora do dia e da noite.'

Certa manhS, Gloria entrou no quarto de Damien e encontrou-o em


seu leito comendo refinadamente seus excrementos. 'Pensei que meu corafio
¡a parar, ela dirá. Fiquei aliparada, olbando, incapaz de fazer um gesto. Acá-
bei por perguntar: Isso é gostoso? O que mais eu poderla dizer? Ele me lan-
cou um olhar malicioso e respondeu: Muito gostoso. Quando terminou, pe-
gou seu lenco! e limpou cuidadosamente a boca. Em seguida, limpou os de
dos e a borda do prato, como urna pessoa bem educada. Depois adormeceu
de prkzer. Eu tínha vontade de gritar, mas nenhum som conseguiu sair da mi
nha boca. So me restavam as lágrimas para maldizer o virus quej¡ni¡a.jies-
trufdo a razSo do meu irmSozinho'" (pp. 301s). ^^~~ ■ """*"■

487
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 366/1992

2. As Missionárias da Caridade

Dominique Lapierre sabe inserir ñas descricoes de pesquisas e labutas


científicas belas páginas que apresentam a pessoa de Madre Teresa de Calcu
ta e sua obra... obra que atraiu e atrai extraordinario número de novicas e
colaboradores leigos.

O surto de Madre Teresa na historia é assim narrado:

"Esse pedacinho de mulher de trinta e oito anos, de sorriso luminoso,


vivia jé havia dezenove anos na India. Nascida em Skopje, na época parte da
Albinia, fi/ha de um próspero empresario, Agnes Bojaxhiu fora chamada,
muito fovem, para a Vida Religiosa. Aos dezoito anos, tomando o nome de
Teresa em homenagem á humilde florzinha de Lisieux, a quem devotava um
culto fervoroso, ela entrara para a Ordem irlandesa de Loreto. Em 6 de Janei
ro de 1929, ela desembarcava de um navio no cais de Calcuta, entSoa maior
metrópole do imperio británico depois de Londres. Durante dezesseis anos,
coberta pelo véu negro das religiosas de sua Congregado, ela ensinara geo
grafía as filhas da boa sociedade bengali em um dos colegios religiosos mais
elegantes da capital de Bengala. Até aquele día 10 de setembro de 1946
quando, no trem que a levava para seu retiro anual em Darjeeling, nos con
trafortes do Himalaia, um novo chamado de Deusiria transformar sua vida.
Uma voz soara em seu coracSo. Era uma ordem. 'Eu devia abandonar o con
forto de meu convento, renunciara tudo e segui-Lo, a Ele, ao Cristo, ñas fa-
velas, para serví-Lo a través dos mais pobres entre os pobres'.

Sua superiora, o arcebispo de Calcuta, toda a hierarquia católica ten-


taram fazé-la renunciar ao seu projeto, convencS-ia de que esse novo chama
do nao era, sem dúvida, mais que uma aluc'macSo devida aos cansacos de
um clima sufocante, á tensSo reinante na cidade devastada pelos tumultos
entre comunidades por ocasiSo das lutas de um país á beira de conseguir sua
independencia. Ela se mostrara inflexfvel, escrevera a Roma e obtivera, após
uma espera de quase doisanos, a permissSo do Santo Padre. Em 8 de agosto
de 1948, ela'cruzara o portSo de seu convento e trocara seu hábito pelo sari
de algodSo mais barato encontrado no bazar. No dispensario das Irmas en
fermaras americanas, seu prima'ro confronto com a doenca e o sofrimen to
nSo tinha sido nada glorioso. A vista do sangue, ela desmatara. Mas sua von-
tade indomável e sua fé Mam, pouco a pouco, acostumá-la aos mais penosos
trabalhos. De noite, exausta, ela renovava suas torcas pela oracSo e a con-
templacáb, dejoelhos, diante do Crucifixo da cápela da missSo" (p. 142).

Entre as seguidoras de Madre Teresa aparece uma jovem indiana cha


mada Ananda (Alegría), filha de um cremador de cadáveres em Benares
(india)..- Eis como essa ¡ovem é apresentada logo no capítulo 1 do livro,

488
"MUITO ALÉM DO AMOR" 9

sob o título: "Bañares, India - Outono de 1980: Urna frágil silhueta ñas
margens da imortalidade":

"Era a/i. Nesse cenário de fogo, de fumaga, de morte. Nesse fedor de


carne queimada, no meio de um balé de macas de bambú carregando defun
tos, em meio ao crepitar estridente das chamas devorando os corpos. Sim,
era ali, na agua podre, a algumas bragadas da margem infernal, entre os cadá
veres flutuantes de cíes e de ratos, e ás vezes até de homens pobres ou san
tos demais para serem queimados, que aparecía, m&'o-submersa, sua frágil
silhueta. Com seus grandes olhos orlados de khol, seu anel cintilante preso á
narina, suas trangas amarradas por fitas, sua camiseta amarefo vivo que o
Ganges colava á sua pele, a indiana Ananda. treze anos, parecía um buqué de
flores oferecido aos deuses do rio sagrado. Seu nome significava a alegría,
mas o apelido que Ihe deram, nSo evocava qualquer idéia de felicidade. Era
chamada a pequeña ave-de-rapina do Ganges. Seu campo de caga era o leito
do grande canal purificador ás margens do qual os indianos esperam, quando
morrerem, escapar pelas chamas ao ciclo dos renascimentos e encontrar en-
fim a eterna libertagSo. Ajudada por seus dois irmSos, Ananda passava os
dias a vasculhar o lodo pestilencial á procura de algum tesouro misturado ás
cinzas dos defuntos, um anel, um broche meio-derretido, um dente de ouro
ou simplesmente alguns pedacos de madeim calcinada.

Do alto do terraco do templo que dominava o rio, o pai da menina vi-


giava a pesca milagrosa. Amit Prakash, quarenta e um anos, era um homem
pequeño, de jeito triste e cábelos reluzentes, untados com óleo de mostarda.
Antes dele, geragoes inteiras de Prakash tinham-se acomodado sobre o co-
xim de seda brocada com fios de ouro que Ihe servia de trono. A sua frente
erguíase o símbolo de sua posigSo e de seu poder na cidade, um pequeño al
tar em forma de taga, onde luziam as brasas do fogo sacrificial que Ihe cabía
guardar. Embaixo da casa e das colunas do templo, cobertas por esculturas
de divindades, espalhavam-se as piras funerarias da cidade santa de Benares.
O pai de Ananda era o executor das cerimónias que preparan) os indianos
para a imortalidade. o grande mestre-de-cerimdnia da cremagao dos cadáve
res. Devido a esse comercio, ele e os seus pertencíam á casta dos dom, a mais
baixa, a mais impura da hierarquia hindú. Seus nascímentos sa~o considera
dos tSo infames que, ao morrer. e/es nSo tém sequer o direito de ser reduzi-
dos a cinzas sobre urna de suas piras. Eles sao levados para bem longe, fora
da cidade, onde sSo queimados os intocáveis.

Día e noite, as padiolas de bambú traziam os morios envolvidos em


branco ou vermelho, para serem cremados ñas piras preparadas pelos empre-
gadok que trabalhavam para o pai de Ananda. Aparentemente insensfveis ao
espetáculo macabro e ao cheiro de carne queimada, as pessoas iam e vinham
de braseiro em braseiro. Ñas escadarias os barbeiros pelavam com esmero as

489
_10 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 366/1992

cabecas dosparentes dos morios, familias entoavam mantras, brámanes barri


gudos discutiam os precos de seus servicos sacerdotais. Vacas, cabras e asnos
pastavam ñas coroas de flores, sobre as liteiras mortuárias, cSes da cor das
cimas exumavam os ossos que resistiam á incinerado e abutres mergulha-
vam do céu para apoderarse de alguns restos humanos" (pp. Í3s).

Ananda, com seus treze anos de idade, posta em contato com aguas
pútridas e cadáveres de todo tipo, contraiu a lepra, mas guardou o segredo.
Seu pai entá*o prometeu-a em casamento a um "bom" parceiro. Todavía, lo
go que o pai soube da infamante molestia de sua filha, desfez o casamento
e expulsou de casa a menina, diante de toda a familia reunida, dizendo-lhe
com a mSo apontando para a rúa: "Filha, o Deus a amaldicoou. Vocé nao
tem mais lugar aquí. Vá embora!".

A jovem sentiu-se entao duplamente rejeitada: em primeira instancia,


por ser paria ou pertencente a uma casta detestada, "intocável" aos olhos
das castas aquinhoadás; em segundo lugar, rejeitada por ser leprosa: "A India
lancava um anatema sobre os que sofriam deste mal ignóbil" (p. 29).

Ananda vagueou entáo pelas rúas da cidade, pedindo esmola. Após um


mes de mendicáncia, foi engañada por um homem insinuante, que a levou
para um templo, onde ela encontrou vinte pobres meninas sob a guarda de
homens:

"Durante dois días, ás vezes ameacadores, as vezes engañadores, sacer


dotes, pagos pelos proxenetas, nos explicavam que nSo havia destino mais
luminoso para uma moca do que o de ser chamada pelos deuses para saciar
de prazer os homens. Pontuando seus discursos ao som de gongos,tentregan-
do-se a toda sorte de ritos ao pé das numerosas divindades do santuario, es-
ses inquietantes brámanes nSo nos davam descanso. Eles acabaram por enfei-
ticar-nos. Ao cabo de dois días nos estávamos prontas para tudo" (p. 33).

"Uma semana mais tarde, depois de terem sido vendidas e revendidas,


Ananda e suas companheiras foram amontoadas como animáis em sórdidas
taperas alinhadas num verdadeiro patio dos mi/agres, ao longo de toda a rúa
principal do bairro mal-afamado de Munshiganj, onde se consumía amor por
apenas vinte rupias, quase dez francos.

Esquisitice do destino: nenhum dos seus seqüestradores, nem mesmo


seus dientes, notaram a pequeña mancha, dissimulada sob a revoltante ma-
quiíagem, que tinha causado sua desgraca" (p. 33).

Abandonada pelos seus exploradores, Ananda foi finalmente descobrir


a casa que Madre Teresa fundara em Benares para receber "os mais pobres
dos pobces". Recolhida pelas Irmas, Ananda foi tratada e conseguiu curar-se
»

490
"MUITO ALÉM DO AMOR"

da sua molestia. Vi vendo na casa das Missionárías, Ananda ¡mpressionava-se


com o trato caridoso que estas dispensavam aos enfermos próximos da mor-
te. Certa vez, estes, revoltados com a sua desgraca, provocaram baderna no
hospital-"morredouro":

"O tumulto dos utensilios, dos gritos e insultos e o bombardeio de ob


jetos aumentou. MSo crispada sobre o Crucifixo de metal que pendía de seu
rosario, irmS Bandona mantínha-se imóvel. como urna estatua, perante a
horda desenfreada. Aterrorizada, Ananda buscara abrigo atrás de urna colu
na. Ela ouviu entao que urna voz se elevava em meto ao tumulto. Incrivel-
mente calma, com seus olhos repuxados mais serenos que nunca, irma Ban
dona brandia agora o Crucifixo do terco ácima dascabecas. ó Deus de amor,
fe/7i piedade de teus filhos que sofrem, salmodiou. ó Deus de amor, dá-lhes
a tua piedade'.

Desconcertados, os revoltosos pareceram hesitar. A baderna apazigüou-


se e depois cessou de um só golpe. 0 odio que retorcía os rostos, deu lugar a
urna curiosidade inquieta. Qual seria o castigo que a Superiora Ihes infringi
ría? Os leprosos viram-na avancar. Passando lentamente entre as fileiras de
esteiras, ela pedia a cada ocupante que repetisse depois déla a oracio que iría
recitar. Ananda relembraria por muito tempo o espetáculo desses hindus,
muculmanos e cristSos, suplíciados pelo sofrimento, recitando ¡untos, frase
após frase, na paz reencontrada, as palavras do Pai-Nosso.

Essa cena tinha perturbado a jovem intocável. Através da irma Bando


na, ela descubría um Deus de amor. Mas descobria, sobretudo, que, corno os
leprosos, ela também merecía ser amada" (pp. 62s).

Ananda foi apreciando sempre mais o comportamento heroico das


Missionárias. Todavía a sua filosofía religiosa panteísta e a impressao de que
era paria ou intocável dificultavam-lhe a aproximado do Cristianismo. 0
convivio assfduo com as Irmas e os testemunhos de amor fraterno que Ihe
davam, acabaram vencendo a resistencia de Ananda. Esta, um certo di a, pe-
diu o Batismo e resolveu fazer-se Missionária da Caridade, ela que tinha far-
ta experiencia de doencas graves e de abjecao por parte da sociedade. Eis
um belo traco da fase de metamorfose espiritual de Ananda:

"Foram precisos varios meses para vencer a rebeliao de Ananda, para


fazé-la aceitar os atos de lavar, depois de vestir e f/orir os despojos de um
leproso. Esse día soou como urna revelafSo no coracao da jovem indiana.
'Eu também sou irma" de todos, disse para si mesma. Eu também tenho o di-
reitoj

Para a incansdvel irma" Bandona, essa prímeira vitaría foi apenas urna
etapa no grande projeto que ela acalentava: fazer que Ananda compreendes-

491
\2 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 366/1992

se que o Cristo a amava aínda mais que a seus outros fílhos. E/a nao perdía
a esperanca de ajudá-la a penetrar no maior dos segredos, esse segredo do
amor de Deus. Também ali, o meto mais seguro de atingir o objetivo era o
exemplo. Mas o valor desse exemplo devería escapar aínda é jovem intocável
por um bom tempo.

— Por que vocéperde tanto tempo fechadd na cápela, sem fazer nada?
- perguntou um dia á irmSBandona — Esse tempo seria mais útilaos lepro
sos]

A religiosa buscou urna resposta capaz de tocar a imaginacSo de


Ananda.

— É porque eu sou casada com Deus. É preciso, portan to, que eu dé


urna parte de meu tempo a meu esposo.

Irma Bandona sabia que essa nocSo de nupcias divinas era familiar a
todos os indianos. O bhakti, a filosofía religiosa hindufsta, nao casava num
amor apaixonado os adeptos de Vishnu e de Krishna com seus deuses, nSo
os submetia á sua vontade como a amante é submissa a seu amante? Em
conseqüéncia, a necessidade de compartilhar a vida com seu esposo era um
conceito que podía ser entendido fácilmente pela ex-pequena leprosa.

A religiosa explorou hábilmente o paralelo. Nínguém ousaria. acusar


um homem de perder tempo com sua mulher, explicou. Esse tempo, con
sagrado por um ao outro, é ¡ndispensável á harmonía de um casal. Seres que
nao soubessem encontrar essa harmonía, se afastariam fatalmente um do
outro. O mesmo valia para ela e suas companheiras do leprosario. Mesmo se
cada um de seus gestos ao longo do dia era um testemunho de amor dirigido
a seu Deus-esposo, elas deviam também testemunhar o seu amor de modo
desinteressado e ser capazes de dar, a cada dia, urna hora ou duas para Ele e
com Ele, sem nada esperar em troca.

Como irmS Bandona espera va, essa imagem acabou por perturbar a jo
vem indiana. Urna noíte, quando acaba va de ajoelhar-se na cápela para a sua
hora de adoracao, a religiosa ouviu um rocar de pés sobre o mármore do an-
tigo harem. Voltouse e viu Ananda com a cabeca coberta por um véu de
algodSo brancb. Ela fez sinal para que se aproxímase. Apontandó o Cristo
crucificado na parede, ela disse com urna voz clara:

— Senhor, eis-nos aquí. Nos estamos monas de cansaco, nos morremos


de sonó, nos estamos até os cábelos com os leprosos, mas nos estamos aquí
ao seu lado, para dizer simplesmente que O amamos" (pp. 66s).

492
"MUITO ALÉM DO AMOR' 13

Uma vez recebida na Congregarlo de Madre Teresa, Ananda conheceu


um costume típico das Irmas: cada qual dessas Missionárias tinha, á distan
cia, um irmao ou uma irmá leiga que rezava e se sacrificava pelo bom éxito
do trabalho da religiosa. Ora á Irma" Ananda foi dado como irmáo espiritual
e colaborador distante um monge libanes que ingressara no mosteiro trapista
de Latroun (Israel): o Ir. Filipe Malouf. Este tora vftima de grave acídente
numa escavacao arqueológica e vivia em cadeira de rodas. No inicio da sua
existencia paralítica, Filipe se revoltara; certa vez, porém, passou a encarar
a vida de outro modo, como ele mesmo refere em bela carta:

"Cara Jacqueline, minha irma,

Dizem que, para que uma rosa se/a beta, é preciso ás vezes sacrificar
alguns ramos da roseira em Israel. — Desde o acídente que meprivou do uso
de meus membros, nSo sentí brotar em mim a seiva dessa rosa. Ao contra
rio, deíxei-me entregar aos gritos da raiva, aos sofucos da revolta. Mesmo
com a afeicao de todos aqueles que me cercam, nSo conseguí vencer minha
invalidez e encontar em Deus a torga de aceitar o que eu tinha humanamen
te perdido.

No entanto, depois da visita, ao meu quarto de hospital, de urna jovem


israelense, ela também parausada em sua cadeira de rodas, senti-me tomado
de esperanca. .Essa moca convidou-me a beber a vida. Ela sacudiu sua amar
gura, varreu sua raiva. Sentí que eu devia enfim parar de sofrer e assumir mi
nha desgrapa, realizarme por outra vía. Mas, assim que voltei para o mostei
ro, o mundo mudou de novo, os demonios da revolta comecaram a me im
portunar. Revolta contra o Deus Criador da vida, revolta contra as pessoas
saudáveis á minha volta. Minha invalidez me afastava de tudo que era vivo
Tornava-me egoísta, centrado sobre mim mesmo, abolía todo o resto. E, no
entanto, eu quería lutar contra essa decadencia.

Quantas vezes nao tentei reunir minha fé para pensar no Cristo em sua
cruz? Uma voz me dizia entSo: Nao desperdices teu sofrímento. Nao te po
des mexer, nSo podes mais participar do trabalho dos homens mas tens
Deus, e com Ele podes salvar o mundo" (p. 145).

Filipe leu na revista Life Magazine uma reportagem sobre Madre Tere
sa. Em conseqüéncia, escreveu a esta Religiosa, que Ihe respondeu "com
uma letra redonda e bem desenhada":

Madre Teresa "acrescentava a suas consideracóes práticas uma mensa-


gem kspiritual: Vocé pode fazer muito mais no seu leito de sofrímento do
que eu de pé sobre minhas pernas, ela afirmava de safda. Depois com firme
za, ela ¡embrava ao jovem monge que o sofrímento é uma escola de heroís-

493
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 366/1992

«70 e de santidade. Ela o convida va a vencer sua provacSo, a oferecé-la com


sua oracSo a uma de nossas irmSs. Ela precisa de vocépara tera forca de rea
lizar sua tarefa ativa a servíco dos pobres de Deus" (p. 146).

Assim é que Filipe fo¡ casado espiritualmente com Ir. Ananda!

3. Josef Stein: "Muito além do Amor!"

No enredo do Hvro aparece aínda a figura de um arqueólogo judeu


chamado Josef Stein, que estava presente á queda de Filipe Malouf num poco
de trinta metros de profundidade. Josef Stein era homossexual e assim con-
traiu a AIDS.

Esse enfermo foi encontrar abrigo e carinho fraterno na casa das Mis-
si onárias fundada por Madre Teresa em Nova lorque. A Irma" Ananda, lotada
nessa comunidade, esmerou-se por tratar o arqueólogo. Este, porém, era re
belde. Após tentar o suicidio, do qual escapou, e viajar para a ilha de Saint-
Martín no Caribe, voltou para o Lar das Missionárias em Nova lorque.

Aos poucos, o virus da AIDS foi invadindo o cerebro do enfermo, que


passou a tomar atitudes infantis. Os que o acompanhavam, percebiam que o
seu desenlace estava próximo. Foi este termo de vida de Josef que sugeriu a
Dominique Lapierre o título do seu livro, como se depreende deste trecho,
que poo fim ao último capítulo da obra:

"Josef comecava a sufocar. Essa fome de ar que acompanha a agonía


de tantos doentes de AIDS era impressionante. A religiosa tentouaplicar-lhe
a máscara do respirador artificial. Josef recusou.

Durante sua visita nessa noite, o Dr. Dehovitz realizou o único ato mé
dico que ele podía aínda oferecer. Ele pos seu estetoscopio sobre o peito do
agonizante. Nao se surpreendeu de nao ouvir nada de verdadeíramente anor
mal. Ele sabia que os parásitas da AIDS, como os tubardes dos mares pro
fundos, destroem sua presa em silencio. De qualquer modo, eu nSo estava ali
para realizar um ato terapéutico, diré o médico. Eu só estava ali. Ele sentirá
o olhar de seu amigo seguir cada um dos seus gestos. NSo esquecerei ¡amáis
sua expressSo, que parecía me dizer: NSo perca seu tempo. Já nSo adianta
mais...

Varías pessoas entraram entio no quarto e fizeram um círculo em vol-


ta do doente. Seus olhos se ¡luminaram com uma tal alegría á vista dos visi
tantes que Jack Dehovitz ficou surpreso. Efe reparara que os olhos dos aidé-
ticos se apagavam progressivamente, como a luz de uma lámpada sob o efei-
i

494
"MUITO ALÉM DO AMOR

to de um dimmer. A noticia do fim ¡mínente daquele que humanizara um


pouco os corredores do Saint-Clare, correrá no hospital vizinho. Aqueles que
o amavam e tinham cuidado dele, vinham dizer-lhe adeus. Ao lado de irme
Paúl, de irmS Ananda e do Dr. Dehovitz, estavam Gloria Taylor, Palma,
Ron, Terry Miles, Jack Lekko, todos esses companheiros de urna longa pro-
vacio, cuja generosidade, dedicacSo e competencia tinham contribuido para
trazer certo alivio.

Josef contempfou-os tongamente um depois do outro, procurando ex


primir em silencio sua gratidSo a cada um. Ele sorria.- Aspirou um pouco de
ar com dificuldade e disse, num sussurro:

— Voces estao todos muito além do amor.

O que Ihe resta va de vida, apagou-se nessas palavras" (pp. 360s).

Assim se encerra o belo e longo relato de Dominique Lapierre. Folheá-


lo significa reviver episodios cruciais do sofrimento humano, episodios cuja
crueza escapa á maioria dos homens; significa, pois, aprender algo da dura
historia contemporánea.

4. Conclusao

0 livro de Dominique Lapierre merece ser lido por todos aqueles que,
no mundo de hoje, nao querem estar alheios á dura sorte que afeta milhSes de
criaturas humanas. O autor, além de narrar os múltiplos aspectos desse sofri
mento, descreve também muito meritoriamente os esforcos titánicos realiza
dos por dentistas e pessoas caridosas empenhados em aliviar as dores físicas
e moráis de seus semelhantes.

Através do livro, porém, percebe-se a ¡ntenpáo discreta de nSo discutir


as causas do flagelo da AIDS; compreende-se isto, pois o autor é médico e
fala como profesional da medicina. Na verdade, ná"o se pode omitir, na vasta
serie de quadros e cenas descritos por Lapierre, urna referencia condenatoria
ao abuso imoral que preponderantemente causa a AIDS: o homossexualismo
ou os desvios sexuais. Diz-se popularmente que "é melhor prevenir do que
remediar". Tantos sacrificios dos cientistas e tanto dinheiro aplicado pode-
riam ser canalizados em direcao de outros objetivos humanitarios, se ná"o
fosse o libertinismo de costumes que, em certos países do mundo, chega a
ser reconhecido oficialmente como legítimo. A grande licáo que o livro de
Lapierre transmite, é precisamente a chamada a urna tomada de consciéncia
das aberracoes moráis que seduzem o homem de hoje, para atirá-lo ñas ante
cámaras de morte dolor os íssima.

495
Documento da Santa Sé:

O Homossexualismo perante
a Lei Civil

Em símese: A Congregado para a Doutriña da Fé tem em vista as pro


postas de reconhecimento oficial do homossexualismo tais como vio sendo
discutidas em alguns países, especialmente nos Estados Unidos. Visto que
tais projetos podem ter efeitos funestos para os individuos e a sociedade em
geral, a Igreja toma posicSo contraria aos mesmos, apregoando a manuten-
cSo do status quo ou do reconhecimento de que deve haver diferenciacáb de
unioes homossexuais e unides heterossexuais; deve haver atencao para o pe-
rígo que pode decorrer do exercfcio de certas profissoes por parte de pessoas
homossexuais: a educacSo de enancas, o magisterio, o treinamento de atle
tas, o recrutamento militar. . . sao atividades que podem suscitar graves des
víos de ordem moral, se entregues a pratícantes do homossexualismo.

Com tais observares, a Igre/a nSo tenciona hostilizar os homossexuais;


ao contrarío, ela afirma que hSo de ser ajudados a assumir conduta digna e
viver com a certeza de que Deus a ninguém chama para a mediocrfdade; tam-
bém os homossexuais safo, como toda e qualquer pessoa batizada, chamados
é santldade de vida.
■u <t -ü

Sabe-se que varios grupos homossexuais nos Estados Unidos e em ou-


tros países reivindicam para si o reconhecimento oficial do Estado: ser-lhes-
ia garantida a possibilidade de se apresentar ao público como tais, poderiam
contra ir unides homossexuais, dotadas dos mesmos direitos que as heterosse
xuais. sem discriminacáfo alguma. .. Ora a Moral católica, baseada na lei na
tural, que é a lei do Criador, afirma que o homossexualismo é um desvio nos
planos físicos e psíquico e, por isto, nao pode ser equiparado ao comporta-
mentó heterossexual. Daí a posicfo da Igreja contraria á náfo-discriminacáfo
do homossexualismo'.

lA expressSo nSo-discrirainacSTo épouco "simpática"é sociedade con


temporánea, pois ela apregoa ¡gualdade de direitos para todos os cidadSos. -
(continuanao. 497)

496
HOMOSSEXUALISMO PERANTE LEÍ CIVIL V7

O documento apresentado a seguir foi publicado no jornal L'OSSER-


VATORE ROMANO, edicáío portuguesa de 9/8/92, p. 6; provém da Congre-
gacao para a Doutrina da Fé, 6rgá"o da Igreja encarregado de atender ás ques-
tSes de fé, sob a direcao do Cardeal Joseph Ratzinger. Um breve preámbulo
explica que o texto foi previamente enviado aos Bispos norte-americanos, a
título de subsidio para os debates ocorrentes nos Estados Unidos sobre
aquele assunto. O mesmo texto revisto foi dado ao grande público nos ter
mos que se seguem. "Nao pretende ser urna instrucáb oficial ou pública...,
mas um recurso básico que oferece urna discreta assisténcia aqueles que, por-
ventura, tiverem a tarefa de avaliar o projeto de legislacao sobre a ná*o-discr¡-
minacao com base no orientamento sexual".

A propósito notamos ainda que a mesma Congregacao para a Doutrina


da Fé já publicou dois documentos sobre o homossexualismo, ambos eviden
ciando o caráter antinatural e imoral da prática homossexual: Persona Hu
mana, datado de 29/12/1975, e Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre o
Atendimento Pastoral das Pessoas Homossexuais, com a data de 19/10/1986.

1.0 Texto

Eis o preámbulo publicado por L'OSSER VATORE ROMANO:

"Últimamente, a Congregacao para a Doutrina da Fé está preocupada


com a questSo das propostas legislativas, apresentadas em diversos países do
mundo, acerca do problema da nSo-discriminapáb das pessoas homossexuais.
Um estudo deste problema levou á preparado de urna serie de considerares
que poderiam servir de auxilio aqueles que se preocupara por formular a res-
posta católica a essas propostas legislativas. Estas consideracdes ofereceram
reflexSes bascadas em importantes passagens da "Carta aos Bispos da Igreja
Católica sobre o Atendimento Pastoral das Pessoas Homossexuais", da Con
gregado para a Doutrina da Fé, que foi publicada no Outono de 1986, e in-
dicaram algumas aplicacdes que podem derivar délas.

Devido ao fato de este problema ser particularmente urgente nalgumas


partes dos Estados Unidos da América, estas reflexBes foram apresentadas
aos Bispos deste País, mediante os bons oficios do Pró-Núncio, para que os
possam a/udar. Dever-se-ia notar que as consideracdes nSo pretendem julgar

Tratase, porém, de mero litigio de palavras. pois a própria sociedade, com


razien discrimina certos tipos de comportamento, condenándoos no foro
civil e judiciário, por serem nocivos á dignidade humana e ao bem comum.
NSo se pode afirmar que todo e qualquer tipo de comportamento se/a igual
mente legítimo.

497
_18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 366/1992

urna determinada resposta, quejápossa tersido dada pelos Bispos locáis, ou


pelas Conferencias Nadonais sobre estas propostas legislativas. As conside-
racoes, portanto, nffo pretendem ser urna instrucSo oficial ou pública acer
ca do problema apresentado pela CongregacSo, mas um recurso básico que
oferece urna discreta assisténcia aqueles que pon/entura tiverem a tarefa de
avallar o projeto da legislacSo sobre a nSo-discriminacSo, com base no orien-
tamento sexual.

Imaginando que a publicacSo das consideracoes possa ser útil, proce-


deu-se a urna revisSo superficial do texto e á preparacSo de urna segunda ver-
sio. Ao mesmo tempo, varias referencias e citacóes das reflexoes tornaram-
se públicas através dos meios de comunicado social. Com o objetivo de se
ter um relatório acurado acerca da questSo, o texto revisto de "Algumas Re
flexoes acerca da Resposta a Propostas Legislativas sobre a NSo-Discrimina-
cSo das Pessoas Homossexuais" está, entSo, a ser publicado por L'Osserva-
tore Romano."

' Segué o documento propriamente dito:

"Algumas reflexoes acerca da resposta


a propostas legislativas sobre
a nSb-discr¡m¡naca*o das pessoas homossexuais

Introducto

Recentemente, foi proposta urna legislado em varios lugares, que tor


naría ilegal urna discriminacáo baseada num orientamento sexual. Nalgumas
cidades, as Autoridades municipais puseram habitacdes públicas á d¡sposica"o
de casáis homossexuais (e heterossexuais solteiros) - normalmente reserva
das a familias. Estas iniciativas, mesmo onde parecem mais dirigidas a defender
os direitos civis básicos do que a tolerar a atividade homossexual ou um estilo
de vida homossexual, podem, com efeito, ter um impacto negativo na fami
lia e na sociedade. Os casos, por exemplo, da adocao de enancas, do traba-
Iho dos professores, das necessidades habitacionais de familias verdadeiras,
das legítimas preocupares do proprietário, no que se refere aos eventuais
inquilinos, sá*o com freqüéncia postos em discussao.

Ao mesmo tempo que seria impossfvel prever todas as eventualidades,


em relacSo ás propostas legislativas neste setor, tais observaefies procurarSo
identificar alguns principios e distincSes de natureza geral, os quais de-
veriam ser tomados em considerado pelo legislador, eleitor ou Autoridade
eclesiástica consciente, no momento de enfrentar estes problemas.

498
HOMOSSEXUALISMO PERANTE LEÍ CIVIL 19

A primeira seccao recordará as passagens relevantes da "Carta aos Bis-


pos da Igreja Católica sobre o Atendimento Pastoral das Pessoas Homosse-
xuais", da Congregado para a Ooutrina de Fé, de 1986. A segunda secca"o
tratará a sua aplicacá*o.

I. Passagens relevantes da "Carta"


da Congregado para a Doutrina da Fé

1. A Carta recorda a "Declarapao sobre alguns Pontos de Ética Se


xual", da Congregado para a Doutrina da Fé, de 1975, a qual "levava em
consideracao a distincao feita comumente entre a condicao ou tendencia
homossexual, de um lado, e, do outro, os atos homossexuais"; os últimos
s5o "intrinsecamente desordenados" e "nSo podem ser aprovados em caso
algum" {n. 3).

2. Todavia, "na discussao que se seguiu á publ¡cacao da Declaracao,


foram propostas interpretares excessivamente benévolas da condigao ho
mossexual, tanto que houve quem chegasse a defini-la indiferente ou até
mesmo boa". A Carta continua e esclarece: "... a particular inclinacao da
pessoa homossexual, embora ná"o seja em si mesma um pecado, constituí, no
entanto, umá tendencia, mais ou menos acentuada, para um comportamen-
to intrinsecamente mau do ponto de vista moral. Por este motivo, a própria
inclinacao deve ser considerada objetivamente desordenada. Aqueles que se
encontram em tal condicao deveriam, portanto, ser objeto de urna particular
solicitude pastoral, para ná"o serem levados a crer que a realizacao concreta
desta tendencia ñas relacSes homossexuais seja urna opcáo meramente acei-
tável" {n. 3). Nao o é!

3. "Como acontece com qualquer outra desordem moral, a atividade


homossexual impede a auto-realizacao e a felicidade, porque é contraria á sa-
bedoria criadora de Deus. Refutando as doutrinas erróneas acerca do hpmos-
sexualismo, a Igreja ná"o limita, antes, pelo contrario, defende a liberdade e a
dignidade da pessoa, compreendidas de um modo realista e auténtico" (n.7).

4. No que se refere á tendencia homossexual, a Carta afirma: "urna das


táticas usadas é a de afirmar, em tom de protesto, que qualquer crítica ou
reserva ás pessoas homossexuais, á sua atitude ou ao seu estilo de vida, é sim-
plesmente urna forma de injusta discriminacao" (n. 9).

j.5. "Em algumas nacdes funciona, como conseqüéncia, urna tentativa


de pura e simples manipulado da Igreja conquistando-se o apoio dos Pasto
res, freqüentemente em boa fé, no esforco que visa mudar as normas da le-
gislacao civil. Finalidade de tal acao é ajustar esta legislacSo á concepcao

499
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 366/1992

própria destes grupos de pressSo, para a qual o homossexualismo é, pelo me


nos, uma realidade perfeitamente inocua, quando ná"o totalmente boa.

Embora a prática do homossexualismo esteja ameacando seriamente a


vida e o bem-estar de uro grande número de pessoas, os fautores desta cor-
rente nSo desistem da sua acato e recusam levar em consideracSo as propor-
c6es do risco que ela implica" (n. 9).

6. "Ela (a Igreja) é consciente de que a opiniao, segundo a qual a ativi-


dade homossexual seria equivalente á expressao sexual do amor conjugal ou,
pelo menos, igualmente aceitável, incide diretamente sobre a concepcáo qué
a sociedade tem da natureza e dos direitos da familia, pondo-os seriamente
em perigo" (n. 9).

7. "É de se deplorar firmemente que as pessoas homossexuais tenham


sido e sejam aínda hoje objeto de express5es malévolas e de ac3es violentas.
Semelhantes comportamentos merecem a condenacSo dos Pastores da Igreja,
onde quer que acontecam. Eles revelam uma falta de respeito pelos outros,
que fere os principios elementares sobre os quais se alicerca uma sadia con
vivencia civil. A dignidade própria de cada pessoa deve ser respeitada sem-
pre, ñas palavras, ñas acSes e ñas legislacSes.

Todavía, a necessária reapao diante das injusticas cometidas contra as


pessoas homossexuais nSo pode levar, de forma alguma, á afirmacSo de que
a condicüo homossexual nlo seja desordenada. Quando tal afirmacao é acei
ta e, por conseguinte, a atividade homossexual é considerada boa, ou quan
do se adopu uma legislado civil para tutelar um comportamento, ao qual
ninguém pode reivindicar direito algum, nem a Igreja nem a sociedade no
seu conjunto deveriam surpreender-se, se depois também outras opiniSes e
práticas distorcidas ganharem terreno e se aumentarem os comportamentos
irracionais e violentos" (n. 10).

8. "Em todo caso, deve-se evitar a presuncao infundada e humilhan-


te de que o comportamento homossexual das pessoas homossexuais esteja
sempre e totalmente submetido á coacao e, portanto, seja sem culpa. Na rea
lidade, também ás pessoas com tendencia homossexual deve ser reconhecida
aquela liberdade fundamental, que caracteriza a pessoa humana e Ihe confe-
re a sua particular dignidade" (n. 11).

9. "Ao avaliar eventuais projetos legislativos, (os Bispos) deverSo por


em primeiro plano o empenho na defesa e na promocSo da vida familiar"
(n. 17). "
i

500
HOMOSSEXUALISMO PERANTE LEÍ CIVIL 21

II. Api ¡capóes

10. "A tendencia sexual" nao constituí urna qualidade comparável a


raca, á origem étnica etc. no que se refere á nSo-discriminacao. Diferente
mente destas, a tendencia homossexual é urna desordem objetiva (cf. Carta.
3) e requer solicitude moral.

11. Existem setores onde nao se trata de discriminacao injusta tomar


em consideracáo a tendencia sexual, por exemplo, na adocao ou no cuidado
das criancas, no trabalho dos professores ou dos treiriadores atléticos e no
recrutamento militar.

12. As pessoas homossexuais, como seres humanos, tém os mesmos di'


reí tos de todas as pessoas, inclusivamente o direito de nao serem tratadas de
maneira que ofenda a sua dignidade pessoal (cf. ibid., 10). Entre outros di
reitos, todas as pessoas tém o direito de trabalhar, de ter urna habitacáo, etc.
Todavía, estes direitos nao sao absolutos. Podem ser legítimamente limitados
por motivos de conduta externa desordenada. Isto, ás vezes, é nao so lícito,
mas obrigatório. Além disso, nao se trata apenas de casos de comportamento
culpável, mas até mesmo de casos de apóes de pessoas física ou mentalmente
doentes. Assim, aceíta-se que o Estado limite o exercício dos direitos, por
exemplo, no caso de pessoas contagiadas ou mentalmente deficientes, para
proteger o bem comum.

13. Incluir a "tendencia homossexual" entre as reflexoes, na base das


quais é ilegal discriminar, pode fácilmente levar a afirmar que a homossexua-
lidade é urna fonte positiva de direitos humanos, por exemplo, no que se re
fere aos chamados direitos de acao afirmativa ou ao tratamento preferencial
no que se refere a admissSo ao trabalho. Isto é ainda mais deletério se consi-
derarmos que nSo existe um direito á homossexualidade (cf. Ibid. 10), o que
nao deveria, portante constituir a base para reivindicacoes jurídicas. A pas-
sagem do reconhecimento da homossexualidade como fator , na base do
qual é ilegal discriminar, pode fácilmente levar, se ná"o de modo automático,
á protecSo legislativa e á promocáo da homossexualidade. A homossexuali
dade de urna pessoa seria invocada em oposicSo a urna discriminacao de
clarada e, assim, o exercício dos direitos seria defendido exatamente medi
ante a af irmacao da condicSo homossexual, em vez de em termos de urna
violacSo dos direitos humanos básicos.

14. A "tendencia homossexual" de urna pessoa nSo pode ser compa


rada com a raca, o sexo, a idade, etc., também por outro motivo, além do
supracitado que merece atencao. A tendencia sexual de urna pessoa indivi
dualícente nSo é, de modo geral, conhecida pelos outros, a nSo ser que ela
se identifique em público como aiguém que tem esta tendencia ou com a
manifestacao de comportamento exterior. Geralmente, a maioria das pessoas

501
22 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 366/1992

com tendénciaa homossexuais, que procuram viver urna vida casta, nao tor-
nam pública a sua tendencia sexual. Por conseguinte, o problema da discri
minacao, em termos de trabalho, de habitacSo, etc., normalmente nao se a-
presenta.

As pessoas homossexuais que manifestam a própria homossexualidade,


tendem a considerar o comportamento ou o estilo de vida homossexual "in
diferente ou até mesmo bom" (cf. n. 3) e, portanto, digno de aprovacáo pú
blica. Muito provavelmente, é no ámbito destas pessoas que se encontram
aqueles que tentam "manipular a Igreja, conquistando-se o apoio dos Pasto
res, freqüentemente em boa fé, no esforco que visa mudar as normas da le-
gislacao civil" (cf. n. 9), aqueles que usam a tática de afirmar, em tom de
protesto, "que qualquer crítica ou reserva as pessoas homossexuais... é sim-
plesmente urna forma de injusta discriminaclo" (cf. n. 9).

Além disso, existe o perigo de a legislacao, que faz da homossexuali


dade urna base para certos direitos, encorajar deveras urna pessoa tenden-
cialmente homossexual a declarar a sua homossexualidade ou até mesmo a
procurar um parceiro, aproveitando-se assim das disposicoes da lei.

15. Já que na avaliacao de urna proposta legislativa deve ser dada a má


xima importancia á responsabilidade da defesa e da promocao da vida fami
liar (cf. Ibid. n. 17), é fundamental prestar atencao a cada urna das interven-
coes propostas separadamente. Como é que terao influencia na adopcáo das
enancas e no ato de as confiar á sua responsabilidade? Constituirao urna de
fesa dos atos homossexuais, públicos e privados? Conferirlo ás uniSes ho
mossexuais urna condicao equivalente á da familia, por exemplo, no que se
refere á habitagao, ou concedendo ao parceiro homossexual os privilegios
que derivam do trabalho e que incluem, entre outras coisas, a participacao
"familiar" nos beneficios hospitalares concedidos aos trabalhadores? (cf.
Ibid. n. 9).

16. Por fim, quando a questao do bem comum entra em jogo, nao é
conveniente que as Autoridades eclesiásticas apoiem, nem que permanecam
neutrais perante legislapoes adversas, mesmo que elas admitam exceeñes ás
Organizacoes e Instituipóes da Igreja. A Igreja tem a responsabilidade de pro
mover a vida familiar e a moralidade pública da sociedade civil inteira, com
base nos valores moráis fundamentáis, e nao únicamente de se defender a si
mesma das aplicacoes de leis nocivas (cf. Ibid. n. 17)."

2. Refletindo...

Como se vé, o documento frisa alguns pontos importantes:

1) Distingam-se a tendencia homossexual e a prática homossexual.


^quela-pode ná"o ser culposa nem pecaminosa, se devidamente contida pela
i

502
HOMOSEXUALISMO PERANTE LEÍ CIVIL 23

vontade reta e bem formada do individuo (que pode contar, para tanto, com
a grapa de Deus). Quanto á prática homossexual, é contraria á naturezá; por
isto, aberrante.

2) Conseqüentemente nao se pode aceitar qualquer tipo de legislacáo


que legitime a prática homossexual, dando-lhe caráter oficial - o que se tra-
duziria principalmente no reconhecimento de unioes homossexuais equipa
radas jurídicamente ás de pessoas heterossexuais.

3) A pessoa homossexual há de ser compreendida e tratada de tal mo


do que se sinta apoiada em sua luta em prol da continencia. É certamente
um(a) irmao(S) que sofre e que pode ser estimulado(a) a urna vida digna, in
tegrada na sociedade, se conseguir viver em continencia.

4) A problemática das pessoas homossexuais nato é sená*o um dos as


pectos da questao sexual. Há pessoas heterossexuais que sentem dificuldades
para manter o casamento; também sofrem por causa disto. Em suma, póde
se dizer que todo ser humano é feito da mesma argila ou de carne e osso;
por isto, cada qual tem seu defeito dominante (veeméncia da sexualidade ou
da ¡ntemperanca no comer, no beber, no fumar, no gozo de prazeres. . .);
nSo obstante, todos sao chamados á santidade; nao há quem tenha sido cria
do para a mediocridade. Urna pessoa homossexual pode tornar-se santa, tan
to quanto a heterossexual, se ambas sabem (com a grapa de Deus) conservar
se castas ou subordinar sua sexualidade ás leis da naturezá e da Moral do
Evangelho.

É oportuno recordar isto ás pessoas homossexuais, para que nao se jul-


guem condenadas pelo fato mesmo da homossexualidade. Elas tém a voca-
cao á perfeicSo cristS (que é sempre heroísmo) como os demais individuos.
Confiem no chamado de Deus, que ná"o abandona ninguém a meio-caminho.

Estas consideracoes se prolongarlo no artigo seguinte deste fascículo.


<r -tt -ü

CURSOS POR CORRESPONDENCIA

a Escritura, IniciacSo Teológica, Teologia Moral, Historia da Igreja, Li


turgia, Diálogo Ecuménico, Ocultismo, Parábolas e Páginas Difíceis do Evan
gelho, Doutrina Social da Igreja.

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503
Na revista "Isto é'

"O Sexo na Fogueira"

Em síntese: A revista "Isto É"publicou urna crítica assaz agressiva ao


documento da Santa Sé transcrito ñas páginas deste fascículo. A autora do
artigo nSo leva em considerado os antecedentes que motivaram tal docu
mento, e aprésenla a Igreja como se estivesse movendo campanha hostil con
tra os homossexuais. H¿, po'ts, no texto da revista urna distorcSo básica, de
vida a falta de atencSo ao contexto do assunto, distorcSo que propicia um
ataque injusto e tendencioso á Igreja. Na verdade, a Igreja nao propffe medi
das de combate ás pessoas homossexuais; muitas destas podem nio ter culpa
de ser tais; podem nao ser pratícantes de suas tendencias sexuais. — 0 que a
Igreja apregoa, é que se conserve a distíncSo entre unides heterossexuais e
uniSes homossexuais, em vez de atenderás reivindicagoes dos quepleiteiam
a equiparacSo. Esta atítude da Igreja é inspirada pelo respeito á pessoa hu
mana e sua dignidade. As páginas que se seguem, apontam aínda outros
equívocos do artigo de "Isto é"e tentam esclarecer mal-entendidos.

tt-ü-ti

A revista "Isto é", em sua edicáo de 12/8/92, pp. 38-40, publicou um


artigo intitulado "O Sexo na Fogueira", sob a responsabilidade de Elisa
Byington. Comenta o documento da Santa Sé transcrito ñas páginas deste
fascículo, recorrendo a termos violentos, que merecem atencáo e resposta,
pois a agressividade do artigo se deve a mal-entendidos. — Passamos, pois,
a examinar esse escrito; após o qué, teceremos ulteriores consideracdes so
bre o assunto.

1.0 Artigo

1.1. Mal-entendido básico

As ponderacSes de "Isto É" partem de um pressuposto falso,e parecem


ignorar-(ou querer ignorar) o teor do documento da Santa Sé. Com efeito;
t

504
"OSEXONAFOGUEIRA" 25

os ataques supdem que a Igreja esteja apregoando medidas discriminatorias


e punitivas, no foro civil, contra os homossexuais; terá empreendido urna
guerra contra tais pessoas. Ora esta premissa distorce por completo, a rea-
lidade. Vejamo-lo:

Na verdade, a Igreja já publicou dois documentos — em 1975 o primei-


ro, e em 1986 o segundo —, em que aponta o homossexualismo como um
desvio contrario ás leis da natureza; conseqüentemente, é contrario á lei de
Deus, Autor da natureza. A Igreja, porém, distingue entre a tendencia ho-
mossexual, que pode ser congénita e nao exteriorizada, e a prática homosse-
xual, que, esta sim, é pecaminosa; a simples tendencia, devidamente contida,
nao é culposa.

Acontece, porém, que em alguns países, especialmente nos Estados


Unidos da América, os legisladores estao debatendo projetos de reconheci-
mento oficial do homossexualismo como condicáo de vida equiparada ao
heterossexualismo; em .conseqüéncia, as unioes homossexuais teriam os mes-
mos di reí tos que as heterossexuais: direito á adocao de criancas, que seriam
educadas no homossexualismo, direito aos beneficios concedidos á familia
de um trabalhador (salario-familia, assisténcia médica para a familia, trans-
missá"o hereditaria de bens...). Mais: certas fungoes poderiam ser desempe-
nhadas por homossexuais, com prejufzo para o bem comum e particular;
tais seriam o magisterio, a educacSo de criancas, o treinamento de atletas, o
recrutamento militar. .. Em tais casos, diz a Igreja, baseada na experiencia
de fatos concretos, ná*o é injustica recusar a urna pessoa homossexual o
exercício de tais tarefas.

Em suma, os legisladores de certos pai'ses, incitados pelo poder gay,


pleiteiam a nSo-discriminacao para os homossexuais. Ora a Igreja, defensora
da pessoa humana e dos seus valores, ná*o pode deixar de alertar a opiniao
pública para os graves males que decorreriam da nova situacá"o: o homosse
xualismo mais e mais se expandiría, dando ocasiSo a novas e novas aberra-
cSes. Por isto a Igreja apregoa a manutencSo do status quo jurídico, oú seja,
a distinca*o entre práticas heterossexuais e práticas homossexuais no foro ci
vil e no foro jurídico, como no foro moral. A Santa Sé nao propSe medidas
hostis aos homossexuais; apenas se opñe ao nivelamento de todos os tipos de
comportamento sexual. Isto equivale a impugnar a náo-discriminaclo preco
nizada pelos gays... A discriminacSo1 ou, melhor, a diferenciacSo já existe,
pois as leis nSo equiparam as unioes homossexuais ás heterossexuais; a socie-

lA palavm discriminacSo hoje em día é pouco simpática, visto que se


pleiteé a extincio de qualquer discriminado entre racas. religioes, homens e
mulheres... é tal palavra que vem contribuindo grandemente para excitar
os ánimos e a controversia.

505
26 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 366/1992

dade civil, consciente da índole natural das coisas, observa tal distincáo e
nao aceita oficialmente o homossexualismo. Pois bem; a Igreja apregoa que
se mantenha a distincao e mais nada, no caso em foco.

Passemos agora ao exame de trapos particulares do artigo de "Isto É".

1.2. Distorcoes (voluntarias ou involuntarias?)

1. O artigo, á p. 38, coluna 2, transcreve truncadamente uma passagem


do documento da Santa Sé e, na base desse truncamento, impugna-a.

Eis a versá"o apresentada pela revista:

'"A tendencia sexual nio constituí uma qualidade comparável á rafa,


etnia, sexo ou idade, e portanto nio pode ser considerada um direito', argu
menta Ratzinger".

Ora o texto do Cardeal Ratzinger acrescenta algo que é decisivo para o


entendimento da passagem. Eis a íntegra do § 10 do documento da Santa Sé:

"A tendencia sexual nio constituí uma qualidade comparável é rapa, á


origem étnica, etc.. no que se refere á nSb-discriminacao. Diferentemente
destas, a tendencia homossexual é uma desordem objetiva (cf. Carta 3) e re-
quer solicitude moral".

Como se vé, o texto da Igreja afirma que a tendencia sexual nao é algo
de tafo inocuo quanto a pertenca a determinada raca ou populacao. - Ser
branco ou preto ou amarelo é coisa indiferente do ponto de vista moral;
mas ser homossexual ou heterossexual ná"o é o mesmo no plano da Moral; es
ta diferenca nao é equiparável ás diferencas de raca ou populacád.

2. Ainda na página 38, coluna 3, diz a articulista:

"Na sua cega defesa da familia e dos valores a ela ligados, o atual do
cumento acrescenta, entre parénteses, que os casáis sem vínculos matrimo
niáis sio objeto da mesma condenacio, ao menos no que se refere ao direito
de usufruirem de casas populares".

Ora o texto da Santa Sé diz, em forma interrogativa:

"(As novas leisi conferirSo ás unides homossexuais uma condicio


equivalente á da familia, por exemplo, no que se refere á habitacio, ou con-
cedendo ao parceiro homossexual os privilegios que derivam do trabalho e
que incluem, entre outras coisas, a participacio familiar nos beneficios hos-
nitalares concedidos aos trabalhadores?".

Mais uma vez se vé que a referencia da articulista ao texto da Santa Sé


nao é exata, pois ela amplia o significado dos dizeres: o documento da Igreja
i

506
"OSEXONAFOGUEIRA" 27

fala de un ¡oes homossexuais, ao passo que a articulista fala de "casáis sem


vínculos matrimoniáis". - Nao sao casáis heterossexuais que vém ao caso,
mas as unides homossexuais.

3. A p. 39, coluna 2, a revista transcreve dizeres de Luiz Mott, presi


dente do grupo gay da Bahia:

'"A intolerancia e o obscurantismo demonstrados pelo papa e pelo


cardeal Ratzinger face a questoes cruciais como a Aids, e a interdicáb dos di
reitos de cidadania dos homossexuais os transformam em misántropos tSo
cruéis e sanguinarios como Hitler ou o aiatolá Khomeim", afirma o antropó
logo baiano Luiz Mott, membro da ComissSo Nacional de Controle da Aids
e presidente do Grupo Gay da Bahia, um dos mais atuantes do país".

Para desmentir tal afirmacáo, basta citar o § 12 do documento da San


ta Sé:

"12. As pessoas homossexuais, como seres humanos, tém os mesmos


direitos de todas as pessoas, inclusivamente o direito de nSo serem tratadas
de maneira que ofenda a sua dignidade pessoal. Entre outros direitos, todas
as pessoas tém o direito de trabalhar, de ter urna habitafio, etc."

0 texto, porém, logo acrescenta:

"Todavía estes direitos nao sSo absolutos. Podem ser legítimamente li


mitados por motivos de conduta externa desordenada. Isto, as vezes. é nao
só lícito, mas obrigatório".

Na verdade, todo ser humano tem plenos direitos de cidadao enquanto


seu comportamento ná"o contradiz nem perturba a boa ordem da sociedade.
Mas, desde que se torne nocivo ao bem comum (como ocorre no caso das
práticas homossexuais), tal cidadfo há de ser coibido (sem injustipa), pois a
sociedade tem o direito de se defender dos que a perturbam e prejudicam:
"Nao existe o direito á homossexualidade" (§ 13 do documento da Santa Sé
em pauta).

A Carta dos Direitos Humanos, assinada em 1948 pelos Estados inte


grantes da Organizacao das Nacdes Unidas, ná"o se refere aos cidadáos ho
mossexuais praticantes. Por conseguinte, ná"o os inclui entre os cidadaos que
gozam de plenos direitos.

4. A p. 39, coluna 3, é transcrita urna observacao de Rubem César Fer-


nandes, antropólogo do Instituto de Estudos da ReligiSo (ISER) do Rio de
Janairo:

"Se a Congregado para a Doutrina da Fé está preocupada a esse pon


to com o homossexualismo, só pode ser porque quer resolver urna questSo

507
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 366/1992

interna da Igreja... A Santa Sé está apreensiva com o crescimento do ho-


mossexualismo nSo só entre os discípulos, mas também ¡unto ao clero".

A propósito observamos:

a) A Santa Sé está, sim, preocupada com o crescimento do homosse-


xualismo. Isto decorre do interesse que a Igreja tem pela pessoa humana e
sua dignidade. NSo é inspirada por criterios de cultura ultrapassada ou mes-
quinha, mas pela valorizacao do ser humano como tal.

b) Se há católicos que se entregam a práticas homossexuais, sá"o pes-


soas cujo comportamento destoa dos principios cristSos (cf. Rm 1, 24-27).
Só Deus julga as consciéncias, mas no foro externo podemos e devemos dife
renciar do mal o bem, do correto o erróneo.

c) Se há clérigos que cedem ás referidas práticas, a sua situacSo é la-


mentável.1 As estatísticas apresentadas por "Isto é" nSo podem ser tomadas
em sentido estrito, pois é notorio que as estatíst¡cas sao, muitas vezes, in
completas ou mesmo tendenciosas. Como quer que seja, o documento da
Santa Sé nao visa diretamente aos clérigos, mas é motivado pelas tendencias
da vida civil, como tém sido discutidas entre legisladores de diversos países,
particularmente dos Estados Unidos.

2. Reflexáío final

A revista "Isto É", fazendo, alias, eco a outras vozes, tacha a Moral
católica de retrógrada e apta a suscitar doencas físicas ou psíquicas...
A respeito ocorrem algumas ponderacoes:

1) A Igreja é mal entendida ou escarnecida (como Cristo o'foi), por


que é fiel a Deus e ao homem; Ela lembra ao género humano a sua dignidade
e a necessidade de preservá-la contra tendencias muito "simpáticas" e agrá-
dáveis, mas degradantes. A Igreja sofre porque é fiel...; tal sofrimento só
pode redundar em motivo de alegría (cf. Tg 1,2), pois a fidelidade é um va
lor precioso e raro em nossos dias. A Igreja presta um servico a humanidade,
despertando as consciincias impregnadas de hedonismo « fuga do sacrificio
que enaltece e nobilita.2

lCausam estianha surpresa as palavras do pastor Neemias Manen


transcritas em "Isto é", página 39, coluna 3:
"Os presbiterianos... permiten) até a ordenacSo desses religiosos (ho
mossexuais) como misionarios e sacerdotes".
Pode-se perguntar se tal praxe concorda com os preceitos bíblicos, que
o protestantismo diz observar á risca.

2 A p.39, coluna 2, a Igreja ó criticada por oporse aos preservativos,

508
"OSEXONAFOGUEIRA" 29

2) Assim procedendo, a Igreja, longe de fomentar molestias físicas ou


psíquicas, favorece a saúde integral da pessoa humana. Sim; a observancia
das leis da natureza só pode ser saudável, ao passo que a violacáo das mes-
mas é evidentemente nociva. A experiencia contemporánea o comprova: o
número de aidéticos no mundo cresce mais e mais, assim como a faixa de
pessoas mentalmente perturbadas. A falta de autodominio e o livre desen-
cadeamento das paixoes só podem acarretar desordem física e psíquica para
o individuo. A historia do Cristianismo atesta que a prática do auto-controle
e a sobriedade de vida produziram brilhantes efeitos de santidade; a enorme
lista de Santos ou pessoas heroicas na prática da virtude atesta quanto é salu-
tar e eficaz a Moral do Catolicismo: Sao Vicente de Paulo, Sao Joá"o Bosco,
SSo Francisco Xavier, Madre Cabrini, Madre Paulina do Coracao Agonizante
de Jesús, Madre Teresa de Calcuta, Irma Dulce de Salvador. .. e outros nu
merosísimos vultos de santidade sao espléndidos frutos da fecunda árvore
da Moral da Santa Igreja.

3) A Moral ná"o se define pelo voto da maioria ou por plebiscito. Se


muitos católicos, como dizem, ná*o safo integralmente fiéis á Leí de Deus pro
mulgada pela Igreja, isto nao quer dizer que se deva mudar a lei do Senhor
para adaptá-la ás tendencias do comportamento contemporáneo. A fidelida-
de ao Senhor é um testemunho eloqüente, que cedo ou tarde há de ser reco-
nhecido, mesmo se agora muitos ná"o o entendem. É essa fidelidade que as-
segura á Igreja a sua credibilidade perante a opiniao pública e faz do Papa
um mensageiro acolhido em visita aos cinco continentes do mundo.

4} A Igreja tem o pleno direito de se pronunciar sobre projetos de lei e


leis do foro civil, na medida em que afetam a lei natural, que é a lei de Deus.
NSo Ihe compete entrar em setores de ordem técnica ou especifica, mas,
sim, considerar os aspectos moráis que estao subjacentes a todo e qualquer
tipo de comportamento humano.

SSo estas algumas reflexoes que o infeliz artigo de "Isto É" pode suge
rir a quem o compare com o texto da Santa Sé, que a revista pretende co
mentar.

geralmente recomendados como cautela contra a Aids. Ora a Igre/a é contra


ría a tal recurso porque:
a) o uso de preservativos nao extingue o mal pela raíz, queéa promis-
cuidade sexual derivada do hedonismo. SupSe legítimo o libertinlsmo e pro-
tege-o. Ora isto é nocivo ao ser humano e viola os preceitos da Moral natural
e católica.
d) Além disso, está comprovado que os preservativos nSo sSo 100%
eficazes, mas falhos em varios casos, de modo que sSo urna falsa cautela, fo
mentada talvez pelos ¡nteresses económicos de certas firmas da industria.

509
Impreciso e sarcástico:

"O Gosto do Pecado'

por Angela Menda* u Almeida

Em tíntese A Prof? Angela Mendes de Almeida escreveu um livro so


bre casamento e sexualidade nos Manuais de Confessores dosséculos XVI e
XVII. livro em que cede a preconceitos e tendencias caricaturáis. Entra em
assuntos de fé e de Teologia Moral sem ter o suficiente conhecimento de
causa, de modo que em sua obra se depreendem erros nSo somente de dou-
trina religiosa, mas tambéni de historia e de lógica. A própría autora revela,
na bibliografía que cita, ter lido pouca coisa sobre a historia do sacramento
da Penitencia; o autor que ela "segué amplamente" (p. 12, nota 67, é o ame
ricano Henry Charles Lea, conhecido como crítico preconceituoso. 0 livro
de Angela Mendes de Almeida enquadra-se numa perspectiva inspirada pela
filosofía de Karl Marx, que vía na economía a mola motriz de toda a his
toria.

ititit

A Prof? Angela Mendes de Almeida, da Universidade Federal Rural


do Rio de Janeiro, publicou um livro que tem suscitado polémica, com o
título "O Gosto do Pecado".1 O subtítulo diz mais precisamente: "Casa
mento e Sexualidade nos Manuais de Confessores dos séculos XVI e XVII".
A obra pretende expor a mentalidade dos moralistas da citada época em re-
lacao ao pecado; entra, porém, em varias questdes de historia e de Teologia
com certa leviandade e superficialidade. Tal livro vem a ser urna sátira contra
o sacramento da Reconciliacao e a Moral católica, sátira escrita por quem
nao tem suficiente conhecimento de causa para se introduzir em tais assun
tos ou, se tem alguma nocao, está obcecada por preconceitos. Oesta manei-

lEd. Rocco, Rio de Janeiro 1992, 140x210 mm, 150pp.

510
"O GOSTO DO PECADO" 31

ra, o livro mesmo vem a ser "um mar de ambigüidades", expressao com que
a Prof? Angela qualifica a teología dos sáculos XVI-XVil (cf. p. 15).'

A seguir, examinaremos os pontos salientes da obra, procurando dissi-


par as ambigüidades que a Prof? propde ao abordar a temática.

1.0 Pecado

Já a Introdúcelo do livro encara o tema fundamental, que é o do peca


do, mostrando desconhecer o assunto. Diz a autora que, segundo o proba-
bilismo e a casuística dos sáculos XVI, "a falta de ¡ntencao e o desconheci-
mento do cristao, definidos a partir de parámetros de natureza formal, po-
deriam até ¡sentar um ato grave de caracterizacao do pecado" (p. 9).

O que a Prof? Angela diz, nada tem que ver com probabilismo.2 Per-
tence aos fundamentos de qualquer escola de Ética. Com efeito; só tem va
lor ético (ou moral), por conseguinte só é virtude ou pecado o ato praticado
por alguém de maneira consciente e voluntaria; quem faz algo inconsciente
mente (ou dormindo), nao pode ser responsabilizado porque nao sabe o que
está fazendo; portanto fica aquém do plano da Moralidade. Por isto, os mo
ralistas, com razao, distinguem:

Pecado formal: o que ocorre em materia grave com conhecimento de


causa e vontade deliberada. Exemplo: quero com plena liberdade matar
meu semelhante, embora saiba que isto é crime;

Pecado material: o que ocorre sem conhecimento de que se trata de


um pecado, ou de maneira involuntaria. Exemplo: roubar as frutas de um
bosque, sem saber que é propriedade particular.

Donde se véquenáío é no sáculo XVI, nem por efeito do probabilismo,


que a falta de ¡ntencao descaracteriza o pecado.

lAfirmacSes levianas e sarcásticas também se encontrar» nos comen


tarios ao livro da Prof? Angela publicados no JORNAL DO BRASIL de
2/8/1992, Caderno B, p. 1; devemse a Elisabeth Orsini, ñonaldo Va¡nfas e
Rubem César Femandes. Dio testemunho de quanto a imprensa cotidiana
pode maltratar os temas religiosos, cedendo a preconceitos e tendendo nao
raro a caricaturar. Muitas vezes quem na imprensa aborda assuntos de Reli-
giSo, nSo tem conhecimento exato da temática e comete erros que nao sal-
tam aos olhos do grande público, mas sao flagrantes para quem conhece um
pouco do assunto. Melhor seria nSo abordar tais temas do que dar a si mes
mo u/y atestado de ignorancia.

2'A nocSo de probabilismo será explanada ás pp. 518-520 deste fas


cículo.

511
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 366/1992

O pecado é algo que toca a consciéncia; seu antídoto é a graca de


Deus, que vém pelo sacramento da Reconciliacao; ele pode ter conseqüén-
cias jurídicas e ser punido pelas leis civis, mas é preciso nao confundir peca
do com delito civil (embora muitas vezes haja coincidencia dos dois concei-
tos).

O pecado grave ou mortal (porque priva da vida da graca) é por Deus


perdoado mediante um sacramento, que passamos a considerar.

2. O Sacramento da Reconciliapao
Assim comeca o capítulo 2 do livro:

"Ao contrario do que se pensa usualmente, nem sempre a confissao


existiu entre os cristSos; nio enquanto sacramental e obrigatória, e nio en-
quanto confissio privada do fielao padre" (p. 11).

As pp. 13s escreve a autora:


Através dos Penitenciáis dos sécutos Vi/X, "confirmase que o sacer
dote nSo era aínda o intermediario entre o pecador e Deus, pois na maioria
dos Penitenciáis mais conhecidos sua intervencio nio aparece como requisi
to para a absolvicio".

Estas afirmacoes revelam exiguo conhecimento do assunto. Isto nao


surpreende, pois a própria autora declara á p. 12 que "utilizou amplamen-
te", em seus estudos, o livro do historiador americano Henry Charles Lea:
"Storia della Confessione Auricolare e delle Indulgenze nella Chiesa Latina",
obra que, na sua traducáb italiana, data de 1911! Este autor, conhecido
por outras obras suas, é evidentemente tendencioso e já tem sidú refutado
por críticos. A Prof? Angela nSo cita urna só vez autores mais recentes e fi
dedignos como Bernard Poschmann (Paenitentia Secunda, Bonn 1940), A.
Mayer (Historia y teologia de la Penitencia, Herder, Barcelona 1961), Pe.
Galtier (L'Eglise et la rémbsion des peches aux premien siécles, Paris
1932; Aux Origines du Sacrement de la Pénitence. Rome 1951), Karl
Rahner (La Penitenza della Chiesa, Roma 1964), O. Vogel (II Peccatore e
la Penitenza nella Chiesa antica, Torino-Leumann 1967; II Peccatore e la
Penitenza nel Medio Evo, Torino-Leumann 1970), José Ramos Regidor
(Teologia do Sacramento da Penitencia, Ed. Paulinas, Sá"o Paulo 1989) e
outros. . . Ora já dizia o axioma latino: "Timeo virum unius libri. - Tenho
medo do varáo (ou do estudioso) de um só livro". A Prof? Angela parece ser
a estudiosa de um só livro (ou de poucos livros); ¡nformou-se de modo insu
ficiente e tendencioso; daf os erras que comete ao falar do Sacramento da
Penitencia.

Esta sempre foi sacramental, ou seja, um rito sensível ministrado na


Igreja por um Bispo ou um presbítero em vista do perdáTo dos pecados. O

512
"O GOSTO DO PECADO" 33

seu fundamento é o texto de Jo 20,19-23, em que Jesús instituí o sacramen


to, dizendo aos Apostólos: "Recebei o Espirito Santo. Aqueles a quem per-
doardes os pecados, se rao perdoados. Aqueles aos quais os retiverdes, seráo
retidos" (Jo 20,22s). Jesús assim confiou aos Apostólos e seus sucessores a
faculdade de absolver em nome de Deus após tomar conhecimento do esta
do do pecador: está arrependido e disposto a evitar o pecado? Caso nao este
ja. ... o ministro deverá adiar a absolvicao, conforme a ordem do Senhor
Jesús.

A prática da absolvicao é atestada pelo texto mesmo do Evangelho se


gundo Mateus. Com efeito, após narrar que Jesús perdoou os pecados do pa
ralítico e o curou, o evangelista observa: "Vendo o ocorrido, as multidoes
ficaram com medo e glorificaram a Deus, que deu tal poder aos homens"
(Mt9, 8).

Aos homens Esta expressao nao tem sentido se considerarmos ape


nas o texto de Mateus, pois, segundo este, só Jesús perdoou os pecados. O
plural homens só se entende se se considera que já nos primeiros decenios da
Igreja os homens (ministros ordenados) perdoavam sacramentalmente em
nome de Deus. — Os livros Penitenciáis a que se refere Angela Mendes de
Almeida, podem nao mencionar a absolvicá*o sacramental,' porque nao pre-
tendem descrever todo o rito do sacramento, mas apenas indicar que tipo de
penitencia ou satisfacao deveria corresponder aos diversos pecados graves
que pudessem ocorrer.

Verdade é que o rito litúrgico do sacramento da Penitencia foi evolu-


indo através dos sáculos.

Com efeito; até o sáculo VI (589 aproximadamente) praticava-se a pe


nitencia pública — o que quer dizer:o penitente se confessava secretamente
ao Bispo ou ao presbítero; era entao agregado á classe dos penitentes públi
cos e, finalmente, após quarenta ou mais dias de jejum e penitencia, era ab-
solvido pelo Bispo ou presbítero. — Notemos que a confissao era secreta e
nSo pública. Pública era a satisfacao (o jejum prolongado e outros exercí-
cios...), pois a comunidade dos fiéis acompanhava com oracoes e estímulo
os seus irmSos penitentes. Sao Leao Magno (t461). Papa, censura a confis
sao pública dos pecados:

"Eis um modo de agir contrario ás disposicdes dos Apostólos, um mo


do que se estabeleceu indevidamente, cerno eu soube, faz pouco, e do qual
ordeno a supressSo. Tratase dos fiéis no momento em que pedem a peniten
cia. Wetamos que seja Hdo, naquela ocasiao, publicamente um escrito no
qual figurem publicamente os pecados. Basta, de fato, que as culpas se/am
indicadas só ao Bispo, num coloquio secreto" (Epístola 168,2).

513
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 366/1992

A Prof? Angela confunde acusacao e satisfacSo. O fato de que esta era


pública nao implica que aquela o fosse. É, portante, erróneo o texto da au
tora:

"Todos os textos religiosos citados por C H. Lea evidenciam que a


confissSo pública do fíela comunidade estava incorporada á orática dos cris-
tíos e era aceita plenamente pela hierarquia da Igreja. Evidenciam ainda que
os cristSos supunham ser o perdió dos pecados atríbuicSo exclusiva de
Deus"(p. 13).

A autora afirma também que os cristlos tinham "a obrigacao de dela


tar (denunciar) os pecados alheios que fossem do seu conhecimento" (p. 13).

Eis aqui outra confusao e um anacronismo: a denuncia de faltas graves


alheias é da época da Inquisicao (sáculos XII/XIII); era feita em vista de um
julgamento nao sacramental (a Inquisicáo náTo ministrava o sacramento). 0
sacramento da Reconciliacáo nao supunha nem postulava denuncia dos pe
cados alheios. Cada pecador o procurava espontáneamente, se o quisesse. -
Os procedimentos da InquisicSo h3o de ser julgados em seu contexto como
se diz em PR 297/1986, pp. 82-94; 300/1987, pp. 225-234.

Notemos ainda: a Prof? Angela identifica indevidamente satisfacao e


absolvicao, quando escreve:

"A confissSo passou a ser urna das tres partes componentes do sacra
mento da Penitencia, as duas outras sendo a contricSo (arrependimento) e a
satisfacSo (absolvicSo)" (p. 1f.nota4).

Ora a absolviólo é o perdáío dos pecados, que vem por intermedio do


sacerdote, ao passo que a satisfacao é a reparacao ou expiacá"o q'ue o peni
tente deve prestar para erradicar a raiz de suas faltas, depois de absolvidas.
Por conseguinte, as duas atitudes nao se identificam entre si.

3. Casamento
1. A semelhanca do que ocorre ao tratar da Conf¡ssao, quando a auto
ra aborda o matrimonio religioso, incide em imprecisSes de quem nao co
tí hece bem a materia ou nSo se sabe exprimir. Eis o que diz:

"Só bem tarde, no secuto XIII, a Igreja conseguiu impor o casamento


religioso. A última cañada foijogada em Trento" (p. 76):

"Desde o sáculo IVa Igreja tentava impor o casamento eclesiástico aos


cristSos. O que estava em jogo nSo era somente o caráter religioso da cerímd-
nía. Na verdade o casamento contratual era urna cerimdnia privada envolven-
do duas familias e, como tal, dissolúvel quando as partes assim o quisessem.
E na tradicSo, dado que o casamento era esencialmente urna circulacSo de

514
"O GOSTO DO PECADO" 35

partes do patrimonio, a infecundidade da mulher era razSo suficiente para


que o homem a repudiasse. Entretanto, da infecundidade alegada passouse •■
ao direito generalizado do homem repudiar, e era sobretudo contra isso que
a igreja lutava, tentanto impor um casamento indissolúvel, público e portan-
to administrado por ela. E conseguiu-o primeramente nos setores mais po
bres da populacSo, entre os camponeses, aos quais a indissolubilidade inte-
ressava, pois trazia a estabilidade patrimonial de pequeñas comunidades. Na
nobreza continuou a vigorar, no entanto, e por longo tempo, o casamento
contratual. Sem foreas para agir diretamente, a Igreja teña comecado por in-
tervir a través das complicadas regras de incesto que átingiam parentes até o
sétimo grau. Ao estabelecer os impedimentos do casamento por incesto, a
Igreja outorgou-se a funcSo de controlar a efetivacáb do contrato matrimo
nial, dando com isso ás autoridades eclesiásticas espacos num ato até entáo
privado. Sempre aconselhando os fiéis a fazerem abencoarpelo padre a ceri-
mónia privada do casamento, a Igreja conseguiu afinal, no século XIII, elevar
o casamento á categoría de sacramento" ipp. 49s).

Que dizer a respeito?

2. Na verdade, o matrimonio, instituicao natural, foi elevado por Jesús


Cristo á dignidade de sacramento, e sacramento indissolúvel — o que causou
o espanto dos Apostólos; Jesús nao recuou perante a surpresa dos seus ou-
vintes, mas afirmou categóricamente a indissolubilidade conjugal:

Perguntou Jesús: '"Que vos ordenou Moisés?' Eles disseram: 'Moisés


permitiu escrever carta de divorcio e depois repudiar'. Jesús entáo Ihes disse:
'Por causa da dureza dos vossos coracoes ele escreveu para vos esse manda-
mentó. Mas desde o principio da criacSo ele os fez homem e mulher. Por is
so o homem deixará o seu pai e a sua mSe, e os dois serio urna só carne. De
modo que já nao sa~o dois, mas urna só carne. Portanto, o que Deus uniu, o
homem nSo separe'. Em casa, os discípulos voltaram a interrogar Jesús sobre
esse ponto. E Ele disse: 'Todo aquele que repudiar a sua mulher e desposar
outra, cometerá adulterio contra a primeira; e, se essa repudiar o seu marido
e desposar outro, cometerá adulterio'" (Me 10,3-12).

Os dizeres de Mt 19,1-9 há*o de ser lidos no contexto das demais afir-


macóes do Novo Testamento, que sao contrarias á dissolucao do matrimo
nio: Me 10,11; Le 16, 18; ICor 7,1 Os. Alias, Jesús observa que já um mau
desejo, alimentado interiormente, é equiparável a um adulterio (Mt 5,28).

O contrato natural do matrimonio, apresentado pelo Génesis, é por


Jesús Cristo elevado a nova dignidade ou ao plano sacramental — o que quer
' dizer que, dentro dos moldes da vida de um casal cristao, se processa urna
realiaade transcendental; esta passa através do cotidiano do esposo e da es
posa e o ultrapassa, encarnando o amor fecundo de Cristo á Igreja e da Igreja
a Cristo. É Sao Paulo quem o exp5e em Ef 5,25-27. 31 s:

515
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 366/1992

"Maridos, amai as vossas mulheres como Cristo amoua Igreja ese en-
tregou por ela, a fim de puríficá-la com o banho da agua e santificá-la pela
Palavra, para apresentar a si mesmo a Igreja gloriosa, sem mancha nem ruga
ou coisa semelhante, mas santa e irrepreens/vel... Por isto deixará o homem
o seu pai e a sua mSe e se ligaré á sua mulher e serSo ambos urna só carne, é
grande este misterio (= sacramento/: refiro-me á relacSo entre Cristo e a sua
Igreja".

Estas verdades ficaram gravadas na consciéncia dos antigos cristSos, de


modo que, embora se casassem como todos se casam (sem ter um cerimonial
próprio, mas adotando símbolos usuais da cultura greco-romana), sabiam
que as suas nupcias tinham um conteúdo específico, muito denso e dignifi
cante.

3. Em verdade, nao há noticias de urna específica Liturgia do matri-


mdnio entre os cristSos dos tres primeiros séculos. Diz a Epístola a Diogneto
no sáculo III: "Os cristSos nao se distinguem dos outros homens nem pela
sua patria nem pelo seu idioma nem pelos seus costumes;casam-se como to
dos os outros" (n°.s 5,6). Isto quer dizer que adotavam os símbolos e ritos
existentes na cultura greco-romana, excetuando apenas os que tivessem ca
racterísticas pagas (sacrificios aos deuses das familias, licenciosidade no cor
tejo nupcial). Por conseguinte, o rito se celebrava em casa de familia, sob a
presidencia do chefe da casa, que, entre outras coisas, unia entre si as maos
dos dois nubentes. Dentro desse ritual os cristaos colocavam, sem dúvida,
urna mentalidade nova; tinham presentes "as leis extraordinarias e realmen
te paradoxais da sua sociedade espiritual" (A Diogneto 5,4); davam parti
cular importancia á procriacSo e á educacao dos filhos (ib. 5,6).

S. Inácio de Antioquia (t 107 aproximadamente) considera'va normal


que os cristSos obtivessem a aprovacao do Bispo para casar-se (A Pol¡carpo
5,2) — o que se compreende pelo fato de que viviam em ambientes pagSos.
Tertuliano (t após 220) aludia ao fato de que os cristaos, por ocasiSo do seu
casamento, ás vezes participavam da Eucaristía e recebiam urna béncSo espe
cial (Ad Uxorem 2,9). Como quer que seja, nSo se conhece algum formula
rio de preces ou um ritual próprios para as celebracoes matrimoniáis dos
cristSos até o sáculo IV.

Do sáculo IV ao sáculo XV foi-se delineando progressivamente a Litur


gia do sacramento do matrimonio.

Já no sáculo IV comeca a aparecer o costume de impor um véu á noi-


va, á qual um sacerdote dava urna béncSo especial. O véu era um sinal de
honra (por isto nao o recebiam as mulheres de vida escandalosa); derivava-
se da norma de SSo Paulo, que diz que a mulher deve ter a cabeca coberta
na igreja OCor 11,2-5). O véu também era imposto ás virgens que se consa-
»

516
"O GOSTO DO PECADO" 37

gravam a Cristo, pois estas contraiam uniao nupcial com o Senhor; tanto as
virgens como as mulheres casadas tendiam á plena uniao com Cristo, aquelas
diretamente, estas mediante o marido (cf. Ef 5,25-32).

A imposicSo do véu era associada também ao mutuo consentimento


dos nubentes. O Direito Romano julgava que este era o constitutivo essen-
cial do matrimonio. Os cristaos adotaram este principio: o sacramento do
matrimonio tem a índole de um contrato travado entre duas pessoas livres
e devidamente preparadas, contrato que a Igreja abencoa. A partir do século
IX, foi-se firmando sempre mais em documentos escritos a consciéncia de
que o consentimento matrimonial é a parte essencial do rito: assim o Papa
Nicolau I, aos 13/11/866, declara va que o consentimento é suficiente para
que haja matrimonio, podendo os demais ritos (entrega do anel, cortejo nup
cial, imposicao do véu...) faltar, sem afetar a validade do casamento. Nos
sáculos IX e seguintes, a Igreja foi-se ¡nteressando cada vez mais por definir
as condicoes para a validade do contrato matrimonial; exigiu que se realizas-
se em presenca e com a béncáfo do sacerdote, nao mais em casa de familia,
mas diante das portas da igreja;esta exigencia tencionava dar ao matrimonio
um caráter público, pois é um ato que interessa a toda a sociedade. Depois
do contrato celebrado ante valvas ecclesiae ou ¡n facie ecclesiae (diante da
igreja)1, os nubentes entravam no templo onde se celebrava a S. Missa e se
dava a béncao á esposa.

A entrega do anel (= alianca) era um símbolo da fidelidade conjugal.


S. Isidoro de Se vi I ha (t636) explica que deve ser colocado no quarto dedo
da mao esquerda, porque neste há urna veia que vai diretamente ao coracSo.

No século XVI o Concilio de Tremo definiu com precisao o ritual e a


legislacao do matrimonio. O decreto Tametsi de 1563 teve em vista os matri
monios clandestinos ou contraídos em foro meramente particular, dos quais
se originavam serios abusos; por isto determinou que o consentimento matri
monial deveria ser expresso em presenca do pároco (ou de sacerdote delega
do por este ou pelo Bispo) e de duas ou tres testemunhas, sob pena de serem
nulos os casamentos realizados fora desta norma. Em 1614 o novo Ritual do
Matrimonio reforcava esta disposicao do Concilio de Trento: o matrimonio
deveria ser celebrado nao diante das portas da igreja; mas dentro desta. A
cerimdnia era muito simples: os nubentes exprimiam o seu consentimento
mutuo (ás vezes, respondendo Sim as interrogares do sacerdote). Depois
davam-se as matos; o celebrante dizia a fórmula "Eu vos uno em matrimó-

1 Igreja, no caso, era entendida tanto em sentido físico quanto em sentido


espirkual. É de notar que até a RevolucSo Francesa (1789) so houve casa
mento religioso; o Estado reconhecia o matrimonio sacramental e sua legisla-
cao, sem estabelecer um casamento meramente civil.

517
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 366/1992

nio. . ." e aspergía as míos dadas; benzia a alianca que o nubente colocava
no dedo da esposa; diziam-se um salmo e urna oracá"o de encerramento. A se
guir, poderia haver a S. Missa.

Este Ritual ficou em uso até 1969. Em nossos dias foi retocado sem
mudanzas essenciais.

4. Estes dados mostram quao despropositada é a observacSo da Prof?


Angela em relapao ao casamento religioso. A mesma incorre em grave falha
nao de teología, mas, desta vez, de lógica, ao escrever com referencia aos im
pedimentos do matrimonio:

"Com a anulacSo causada por impedimento dirimente do casamento já


realizado, a pessoa podía vir a casar-se com outra, desde que, por sua vez,
nSo houvesse outros impedimentos" (p. 77, negrito nossoj.

Observemos: o impedimento dirimente é o que impede que haja casa


mento. Conseqüentemente, em tal caso nao pode haver "anulapao de casa
mento por impedimento dirimente", mas, sim, decía racao de nuiidade. Por
exemplo, quando urna das duas partes é impotente ou nao pode realizar o
ato conjugal antes de se casar e de maneira incurável, nao pode haver casa
mento. Ainda que a cerimonia seja celebrada solenemente, o matrimonio
nSo é contraído. Em tal caso, desde que a impotencia anterior ao "casa
mento" e perpetua seja averiguada, a Igreja declara nulo tal casamento, mas
nfo o anula (porque ele nunca existiu).

De modo geral, a Prof? Angela confunde divorcio (anulacSo de casa


mento) e declaracao de nuiidade; cf. p. 87.

4. Os Jesuítas e o Probabilismo '

A Companhia de Jesús foi fundada por S. Inácio em 1539 como mili


cia destinada a enfrentar as situacdes novas em que a Igreja se vía no sáculo
XVI: a Reforma protestante e a evangelizacao de povos recém-descobertos.
Os jesuítas se dedicaram zelosamente ás suas tarefas e desempenharam um
papel muito importante tanto na Europa como fora da'Europa. No intuito
de oferecer aos fiéis e aos ministros do sacramento da Penitencia diretrizes
claras e seguras nos casos de solucao difícil, elaboraram, juntamente com
teólogos dominicanos, franciscanos e outros, o sistema do probabilismo pu
ro,1 que reza o seguinte:

1 Os moralistas dos sáculos XVI/XVIII conceberam, além do probabi


lismo puro, outros sistemas de Moral destinados a orientaras consciéncias e
dirimir as dóvidas dos confessores e dos fiéis nos casos práticos em quepu-
desse haver alvitres diferentes: assim o rigorismo absoluto, o rigorismo mo-

518
"O GOSTO DO PECADO" 39

Sempre que se pode julgar, com probabilidade fundamentada, que al-


gum ato é lícito, é facultado á pessoa seguir tal sentenca, embora a sentenca
contraria seja certamente mais provável e mais segura. Com outras palavras:
é lícito seguir urna sentenca sólidamente provável, embora a sentenca con
traria seja ainda mais sólidamente provável.

E que vem a ser "opiniao realmente provável"?

— É aquela que, em virtude dos motivos sobre os quais se apoia, pode


merecer o consentimiento de qualquer pessoa prudente, embora fique sem
pre o receio de que o alvitre contrario seja o alvitre certo.

Q principal argumento sobre o qual se apoiava o probabilismo, era o


seguinte: "A lei duvidosa nao obriga" ou "Em caso de dúvida, haja liberdade
(ou isencSo do dever); ora a lei contra a qual existe urna opiniao realmente
provável, é lei duvidosa".

Notemos, porém, que os próprios defensores do probabilismo faziam


quatro excegoes a este sistema. Com efeito, nao se poderia seguir o probabi
lismo

— na administrado dos sacramentos, pois a validade dos sacramentos


é de importancia capital para o culto divino e o bem das almas;

— na procura dos meios necessários á salvacao eterna. É preciso que


todos facam tudo para viver e morrer na graca de Deus;

— em perigo de grave daño (espiritual ou material) para o próximo ou


para a sociedade. Principalmente o escándalo há de ser evitado;

— em perigo de vida do próximo.

Mesmo assim limitado, o probabilismo sofría ¡mpugnacáo da parte de


teólogos dos sáculos XVI/XVIII. A esses adversarios se associaram os janse
nistas (rigoristas). Na verdade, o probabilismo deu lugar a sentencas laxistas
ou demasiado liberáis. Por isto a própria Santa Sé reprovou explícitamente
algumas proposicdes inspiradas pelo probabilismo. O Papa Clemente XIII,
por exemplo, aos 26 de fevereiro de 1761, condenou urna lista de teses pro-

aerado, o probabiliorísmo, o equiprobabilismo. o laxismo, o sistema da com-


pensacSo ou da razio suficiente.

Isto bem mostra a preocupado dos teólogos com a casuística ou a so-


lucio de casos de Moral. Tal preocupacio desda, por vezes, i considerado
de rñinúcias que se podía tornar descabida ou despropositada, inoportuna,
inspirada, porém, pela boa intencSo de ajudar as consciéncias a se esclarecer
e a formar um jufzo correto e adequado.

519
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 366/1992

babilistas, declarando errónea e próxima á heresia a sentenca: "O probabilis-


mo foi sumamente familiar ao Cristo Senhor". — Será por causa do probabi-
lismo que a Prof? Angela deu ao seu livro o título "O Gosto do Pecado"?
Na verdade, o probabilismo nao propugnava o prazer do pecado, mas tenta-
va evitar cargas que pareciam pesadas demais aos ombros dos fiéis. A inten-
cao era boa, mas as suas aplicacoes nem sempre foram felizes, porque ocasio-
naram interpretacóes moralmente perigosas.

Em nossos días, a Moral católica ná"o se preocupa tanto com a casuísti


ca minuciosamente esquadrinhada em manuais e teorías. Ela oferece, sim, os
principios do auténtico comportamento cristSo, e incita os fiéis a tomar
consciéncia de que a primeira vocacao de todos é a perfeicSo ou a santidade.
Ora esta nao pode ser alcancada a nao ser numa atitude de generosidade
constante e sempre mais abena ás inspirares da grapa de Deus.

5. Predestinacáb e Gra^a

A Prof? Angela toca também com certa freqüéncia na questao da pre-


destinapao, mostrando, também neste caso, nao entender do assunto. Eis as
suas palavras:

"Trata-se da eterna problemática crista que opoe os defensores da gra


ca divina como um dom que predestina apenas alguns homens a serem bons
e a escaparem ao logo eterno, aos do livre arbitrio, para quem os homens po-
dem salvarse por seus próprios méritos, escolhendo a vía das boas acoes...
A prevalecer entretanto, a doutrina da predestinado pela gracá com sua
'inumanidade patética' estando o destino do homem tragado de antemSo, se-
riam inúteis o arrependimento e as boas obras e, neste caso, o sacerdote de
bem pouco serviría; seu poder de ligar ou desligar sería urna ficcSo e o sacra
mento um simulacro" (pp. 14s).

Que dizer?

— A Teología se esforcou durante séculos por conciliar entre si a graca


de Deus, sem a qual o homem nada pode fazer de bom, e a liberdade de ar
bitrio unida ao esforco humano para praticar o bem. Nunca, porém, a dou
trina da Igreja admitiu que atguém tenha sido criado para a condenacffo pos
tuma, de modo que nao adiantaria procurar fazer o bem; na verdade, "Deus
quer que todos os homens sejam salvos" (ITm 2,4). Nao podendo sondar as
minucias dentro das quais se combinam a graca de Deus e o livre arbitrio do
homem, ensinam os mestres de espritualidade: "É preciso orar como se tudo
dependesse de Deus, e trabalhar como se tudo dependesse do homem".

520
"O GOSTO DO PECADO" 41

Estas proposicoes muito diferem da caricatura que se lé no livro da


Prof? Angela.

6. O Aborto

Ao contrario do que insinúa a obra em pauta (pp. 89-91), a Igreja nun


ca tolerou o aborto. Notemos, porém, que um ou outro moralista, julgando
que a vida humana só comecaria no 40? ou no 80? ou no 90? dia após a
concepcSo, julgava que se poderia salvar a vida da mae, eliminando o em-
briao tido como nao humano. Todavía nunca foi reconhecido o aborto co
mo tal ou como ocisáo de urna vida humana.

7. Ulteriores considerares

O livro da Prof? Angela termina com algumas ponderacoes de ordem


marxista, atribuindo á economia e á ganancia de dinheiro a evolucao da his
toria da familia. — Eis mais urna imprecisao, de ordem ideológica desta vez.
É o marxismo que faz da economia a mola matriz da historia. Em nossos
dias, porém, o sistema e a cosmovisao marxistas estao desmentidos por re
centes fatos históricos. O marxismo caiu no Leste Europeu ná"o por forca
das armas, mas únicamente porque desumano ou anti-humano. A conscién-
cia humana sufocada repeliu o "paraíso comunista", que, por seu materialis
mo, nao chegou a causar a morte de Deus, mas causou a morte de muitos
homens e a desgrapa de numerosos outros.

Sería oportuno que a Prof? Angela Mendes de Almeida. herdeira de


tá*o nobre nome de familia, revisionasse as suas posicoes unilaterais e tenden
ciosas, em proveito de urna visao mais objetiva, menos inspirada por pre-
conceitos e mais próxima da verdade.1

"DEIXAI QUE A VOSSA VIDA FALE.


A ROSA NAO EMPREGA PALAVRAS. ELA SE CONTENTA EM EXA
LAR O SEU PERFUME.
ENTÁO MESMO O CEGÓ, SEM VER A ROSA, PERCEBE A SUA FRA
GRANCIA.
EIS AfO SEGREDO DO EVANGELHO DA ROSA".
Mahatma Gandhi

* * Nio podemos deixar de observar aínda o erro gráfico da p. 44 do (i-


vro: "... a primara década do governo de D. José e de Pombal (1560-70)".
— Pombal viveu no secuto XVIIl\

521
No mundo dos arquetipos:

Que é o Santo Graal?

Em síntese: A palavra Graal parece significar prato ou cuia, na qualse


depositam alimentos. 0 Graal é dito santo, porque, conforme a lenda, foi o
prato utilizado por Jesús em sua Última Ceia; José de Arimatéia tería reco-
Ihido nele gotas do sangue de Cristo deposto da Cruz.

A Idade Media, a partir do secuto XII, elaborou romances que explora-


ram a lenda do Santo Graal, fazendo convergir para esse núcleo o ideal do
Cavaleiro medieval e grande número de crencas, crendices e concepcSes fot-
cítricas.. . AbstracSo feita das narrativas em prosa, contam-se 63.000 versos
aproximadamente dedicados ao Santo Graal na Idade Media.

Nos últimos tempos o mito do Santo Graal tem despertado novo inte-
resse, pois parece corresponder á aspiracSo, ¡nata em todo homem, de desco-
brír o paraíso... o paraíso que sonriente os puros e fortes podem ajtingir.

tr-tftt

Ouve-se, por vezes, falar do Santo Graal, mas nem sempre com clareza.
Tal expressao parece encobrir e revelar "misterios e portentos" que ninguém
conhece bem. Daf a oportunidade de abordarme* o assunto.

1. Etimologia da expressSo

A origem da palavra Graal é incerta.

Há quem julgue que vem do termo latino cratalis, por sua vez derivado
do grego kráter = taca para beber. Esta explicacáfo é hipotética.

A palavra aparece em sua forma latina gradal» num documento cata-


lio datado de 1010. Em 1150 ocorre em dialeto provencal do vocábulo gra-
i

522
O SANTO GRAAL 43

zal. Em 1170 aparece sob a sua forma atual graal em documentos da ICngua
francesa. Designa um recipiente no qual se podem colocar alimentos sólidos
e líquidos. NSo é, pois, um cálice propriamente dito; significa, antes, urna
cuia ou um prato fundo.

A literatura medieval encarregou-se de configurar melhor o graal, atri-


buindo-lhe diversas serventías no enredo de estórias e romances diversos, co
mo passamos a ver.

2. Na literatura medieval: o Conté del Graal

Q romance que introduziu na literatura da Franca o Santo Graal, deve-


se a Chrétien de Troyes, que escreveu em 1182-3 aproximadamente o Perce-
val ou Conté del Graal. Eis o respectivo enredo:

Um gentil-homem gaulés, chamado Perceval, bastante simplório, pene


tra, no fim de um dia, num castelo, cujo senhor é o rico Rei Pescador, para
lítico das pernas. Após cear com o castelao, Perceval assiste a um desfile, do
qual constam urna lanca cuja poma sangra permanentemente, emitindo tres
gotas de sangue, e um aparato de louca, cuja peca principal é um graal ou um
prato ornado de pedras preciosas, portador de urna hostia; urna joverri leva
essa hostia á um santo anciao, que há quinze anos vive únicamente desse ti
po de alimento. — Se Perceval tivesse perguntado por que a lanca sangrava e
quem era o personagem a quem se servia o graal, o Rei Pescador teria recu
perado a saúde, e seu reino devastado se teria tornado próspero. Perceval,
porém, preso pela timidez, deixou de fazer estas duas perguntas; por isto foi,
conforme a trama do romance, condenado a cinco anos de andancas sem ru
mo definido; viveria esquecido de Deus até urna sexta-feira santa, em que se
reconciliaría com o Senhor mediante urna confissao geral.

Assim passou o romance de Chrétien de Troyes para a posteridade.


Percebe-se af algo de misterioso. A obra está inacabada, pois o autor foi arre
batado prematuramente pela morte.

Por conseguinte, ficou aberta para as geracoes seguintes a pergunta:


que significam a lanca que sangra, e o graal? — Urna numerosa serie de escri
tos tentou interpretar o "misterio" e o enredo do romance 'Conté del
Graal'.

Dentre essas interpretares, destacam-se duas de maior relevo:


• t
1) Alguns autores, impresionados por traeos cristSos (canónicos ou
apócrifos) do romance, entendem que o Graal é urna reliquia da Paixáb de

523
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 366/1992

Jesús (seria o prato da Última Ceia do Serthor) ou é um vaso eucarístico (ci


borio). 0 cortejo ou desfile que Perceval contemplou, seria o símbolo do
misterio da Redencao; a mulher portadora do Graal representaría a Igreja.

2) Outros intérpretes se detém mais nos traeos ambiguos do romance.


Este seria o remanejamento de urna lenda celta, á qual Chrétien de Troyes
teria dado um colorido cristao, pensando ñas características do cavaleiro me
dieval; assim a índole misteriosa ou mirabolante da estória primitiva teria si
do mesclada com elementos cristaos.

Vejamos agora como na literatura posterior varios escritos tentaram


terminar o romance de Perceval ou o Conté del Graal.

3. Literatura medieval: as "Continuagoes"

Nos séculos subseqüentes apareceram as chamadas "Continuagoes" do


romance.

A mais antiga destas é a Continuaron Gauvain, anterior a 1200. Se


gundo esta obra, a lanca que sangra, é a que transpassou o lado de Jesús pen
dente da Cruz (ver Jo 19,34); o Graal, porém, nada teria de cristao; seria
urna taca que se deslocaria por si mesma para atender aos comensais de urna
refeicSo.

A ContinuacSb Perceval (antes de 1200) apresenta o Graal como sen


do um vaso que recolheu o sangue de Cristo derramado no Calvario.

Na mesma época Roberto de Boron escreveu um Román de l'estoire


dou Graal. Nao trata da lanca; mas ¡nteressa-se pelo Graal (transformado
em nome próprio); este seria o prato no qual Jesús comeu a sua última Pás-
coa; José de Arimatéia teria pedido a Pilatos que Ihe doasse esse prato e nele
teria recolhido o sangue que saiu das chagas de Cristo, quando O desceram
da Cruz e O envolveram na santa mortalha. Conforme a lenda apócrifa (tira
da do "Evangelho de Nicodemos", que Roberto Boron utiliza), José de Ari
matéia foi encarcerado; ora, diz Roberto de Boron, na prisáto Jesús apareceu
a José de Arimatéia, apresentando-lhe o Graal e pedindo-lhe que, urna vez li
bertado, zelasse pela conservacao desse prato e fizesse dele o objeto de um
culto secreto. — Tal romance repercutiu na piedade de muitos leitores: o
Graal tornou-se, para eles, símbolo da presenca de Deus; o Graal teria fa lado
a José de Arimatéia ajoelhado; ao vé-lo, os puros de coracao, sentados em
torno do Graal, recebem diariamente o alimento para a alma e para o corpo;
ao contrario, os impuros que ousem sentar-se á mesma mesa, safo logo des-
mascarados e prostrados. Aínda conforme o romance, José de Arimatéia fi-
i

524
O SANTO GRAAL 45

cou na Palestina, ao passo que o Graal foi transportado para Avaron (Ava-
lon-Glastonbury na Inglaterra); nesta nova sede, o Graal teria sido entregue
aos cuidados de Alano, sobrinho de José de Arimatéia, e do filho de Alano
(chamado Perceval?). - Assim a estória do Graal foi, de um lado, associada á
historia da Paixao de Cristo e, de outro lado, conjugada com as origens do
Cristianismo na Inglaterra.

Ainda no comeco do sáculo XIII apareceu o romance Quéte del Saint


Graal (Procura do Santo Graal), que faz eco a Roberto de Boron. Os he-
róis desse novo romance sio cavaleiros da corte do reí Artur,1 cuja estória
é a seguinte: aos cavaleiros da corte do rei apareceu o Graal numa manha
de Pentecostés. Urna vez desaparecido, os cavaleiros resolveram partir á pro
cura do mesmo. Os melhores deles compreenderam que o Graal é o símbolo
da "Grapa do Espirito Santo", concedida aqueles que fazem penitencia e sa-
bem escapar das tentacSes do mundo; a estes homens, caracterizados pela
humildade e a castidade, é dado conhecer os misterios mais recónditos do
Graal. . . Graal que ná*o é outra coisa senao Deus visto face-á-face. Assim a
estória do Graal tomou a índole de um itinerario de vida espiritual; nesse iti
nerario, apregoado por Quéte aparecem eremitas e monges vestidos de bran-
co que, utilizando as Escrituras Sagradas, os incitam a passar da "Cavajaria
terrena" á "Cavalaria celeste".

Em 1225 aproximadamente, o romance Quéte foi incorporado a um


vasto cicio de romances chamado Lancelot-Graal. Na abertura deste ciclo,
o autor insinúa que a estória da Quéte ocorreu no sáculo V.

4.0 Santo Graal: versáfo alema" medieval

A estória do Santo Graal, que teve origem em territorio francés, foi


adotada e adaptada em outras literaturas (alema', inglesa, neerlandesa, espa-
nhola, portuguesa...).

A obra mais conhecida dentre essas adaptacSes é o Parzival de Wol-


fram von Eschenbach, datado da primeira década do sáculo XIII. Reassume

10 rei Artur da Inglaterra é figura semilendária, que animou a resisten


cia vitoríosa dos ce/tas da GrS-Bretanha contra os anglo-saxSes (séc, V/VI).
Tal figura prestou-se á elaborado de numerosas estarías fantasistas, das
quais a primeira redacSo data do séc IX; essas estórias utilizaran} lendas for
neadas pela Historia Regum Britanniae de Godofredo de Monmouth. Rela
tos posteriores franceses e ingleses atribuem ao rei Artur poderes mágicos e
apresentam sua corte como sede da Cavalaria medieval. Os Cavaleiros da
Mesa Redonda sSó figuras tenderías assocladas á ¡magem do rei Artur.

525
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 366/1992

os dados do Conté del Graal de Chrétien de Troves e da Continuation Gau-


vain; modifica-os, acentuando a índole misteriosa e patética do romance. O
Graal toma entáo a configuracao de urna pedra preciosa, que oferece alimen
to e bebida para o corpo e simboliza as alegrías do paraíso perdido. Foi tra-
zido á térra pelos anjos, e possui eficacia milagrosa por causa de urna hostia
trazida do céu por urna pomba toda sexta-feira santa e depositada sobre o
Santo Graal.

Este era, a principio, guardado por anjos neutros, que foram projeta-
dos do céu sobre a térra por nao terem tomado partido contra Lucifer. Tais
anjos, porém, acabaram precipitados no inferno, segundo o enredo do ro
mance, e foram substituidos por cavaleiros escolhidos e puros: os Templa
rios. Todavia o chefe desses guardas - Amfortas (do francés amférté, enfer-
midade) — é atormentado pela lanpa sangrenta, que o castiga por causa de
sua vida pregressa, pouco digna. A contemplacao do Graal o conserva vivo.
A pedra sagrada o pode curar, mas para tanto requer-se que Parzival, um dos
heróis do romance, compadecido, pergunte a Amfortas qual a causa do seu
sofrimento.

5. O Parsifal de R. Wagner (1882)

A estória do Santo Graal atravessou os séculos, levando consigo as suas


notas misteriosas, obscuras e lacónicas. Urna das versoes modernas mais sig
nificativas é a de Richard Wagner (1882).

Wagner inspirou-se na obra de Wolfram von Eschenbach, traduzida pa


ra o alemao moderno em 1842 por Simrok. Wagner concebe o Santo Graal
como sendo o cálice da última ceia de Jesús doado por Pilatos a José de Ari-
matéia. Tira, porém, do Graal todo significado religioso propriamente dito, e
vé no mesmo o símbolo humano da piedade ou da compaixáb, que ajuda os
homens atribulados. A humanidade sofredora á representada por Amfortas.
O Salvador dessa humanidade é Parsifal; tal nome, porém, embora tenha se-
melhanca com Perceval e Parzival, é derivado do árabe segundo a etimología
proposta por Górres; seria composto de pañi (= puro, em árabe) e fal (=lou-
co, também em árabe); assim entendido, Parsifal seria um jovem dotado de
profunda ¡ntuicao do que é o sofrimento da humanidade; na base dessa in-
tuicao, ele estaría habilitado a proporcionar aos homens a cura dos males de
que sof rem.

6. ConclusSo

As estarías do Santo Graal podem ser tidas como expressóes de um


mito medieval, tal vez de origem celta; nesse mito fundiram-se elementos

526
O SANTO GRAAL 47

cristá"os apócrifos, o ideal do cavaleiro medieval, os anseiosde santidade ou


perfeicSo espiritual do Cristianismo como também trapos de alquimia e bus
ca da pedra filosofal. A bibiiografia atinente ao Santo Graal é enorme. Nao
levando em consideraclo os muitos relatos em prosa, contam-se aproximada
mente 63.000 versos relativos ao Santo Graal da Idade Media. A substancia
de tal mito carece de valor histórico, embora urna ou outra versSo do mesmo
possa referir-se a algum episodio de historia.

Nos séculos XIX/XX reaparece o mito do Santo Graal, restaurado ñas


obras de W. Morris, T.S. Eliot, H. Hesse, Tolkien. O Santo Graal vem a ser
entáo o arquetipo dos objetos procurados ansiosamente, conforme a escola
de C. G. Jung. A persistencia desse mito e o poder de seducáb que ele exer-
ce até nossa época, se explicam pelo fato de que corresponden! a profunda
aspiracao da psique humana: esta quer descobrir a via que leva ao paraíso,
paraíso ao qual só pode chegar quem seja puro e corajoso.

NOVOS MANDAMENTOS? NOVOS PECADOS?

Aos 23/09/ pp. a imprensa publicou noticias irreverentes a respeito de


"novos mandamentos e novos pecados". A deturpacao dos fatos suscitou
numerosas perguntas por parte do público, ao qual seja aqui oferecida sucin
ta resposta.

Há anos, a Igreja vem preparando um Catecismo-padrao, que possa


servir de referencial a todos os Catecismos regionais. O trabalho, cuidadosa
mente executado, valeu-se de sugestSes de Bispos e peritos, e está atualmen-
te rematado. Foi aprovado pelo S. Padre em junho pp., e está sendo traduzi-
do para diversos idiomas, devendo, no fim do ano em curso, ser entregue aos
fiéis. O Catecismo consta de quatro Partes: 1) A Doutrina da Fé; 2) A Moral
Católica; 3) a Liturgia; 4) O "Pai-Nosso".

Ora a imprensa italiana realizou um "furo" jornal ístico, publicando


antecipadamente algumas páginas dessa obra, relativas ao pecado; fé-lo em
termos sensacionalistas e descomprometidos com a verdade. A imprensa
brasileira fez-lhe eco, agravando as incorrepoes da noticia italiana: haveria
tolerancia da Igreja para com pecados graves e grande severidade para com
faltas leves...

Na verdade, eis o que ocorre: Os dez preceitos da Leí de Deus (Decálo-


go)*sa~o intocáveis e perenes, e os cinco mandamentos da Igreja sSo apenas a
explicitacao do Decálogo. Todavía a Igreja quer enfatizar duas modalidades
(que, alias, sempre foram reconhecidas) na consideracao do que seja pecado:

527
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 366/1992

1) A responsabilidade (plena, atenuada ou nula) de quem comete o'


mal. Com efeito, em nossos dias, no-próprio foro judicial, s3o sempre mais
consideradas - e com razio - as condicoes psíquicas dos delinqüentes. t o
que se deve fazer também no setor da Moral. Assim, por exemplo, para ava-
liar com justica um suicida, deve-se perguntar se terá cometido um ato fatal
com plena consciéncia e voluntariedade ou terá sido vítima de um transtor
no mental. A mesma considerado se faz necessária sempre que se trata de
analisar qualquer desvio moral: qual o grau de responsabilidade do delin-
qüente ao incidir nessa falta? Pode haveratos gravemente pecaminosos reali
zados sem plena lucidez de mente ou em condipSes psíquicas doéntias, que
vém a ser atenuantes. Tal é, entre outros, o caso da masturbacá"o. Esta, em
si, é um ato gravemente pecaminoso, pois contrario a natureza e narcisista.
Se é cometida de maneira consciente e voluntaria, é pecado grave; contudo
pode ocorrer que seja realizada de modo quase inconsciente e mecánico, ou
porque efetuada durante o sonó, ou em semi-vigília ou em estado psíquico
obsessivo; em tais circunstancias, a gravidade do pecado é atenuada.

2) Os deveres sociais. A Igreja também quer lembrar, com énfase espe


cial, as obrigacSes sociais dos cristáos; sempre foi injusto subornar o próxi
mo, sonegar os impóstos devidos, manipular a verdade... Hoje mais do que
nunca, tais faltas háo de ser levadas em conta, visto que a consciéncia de
muitos se empalidece a respeito.

A pena de morte voltou mais urna vez á baila, suscitando, como sem
pre, acalorados debates. A propósito deve-se dizer que a Igreja, como tal,
nSo tem pronunciamento oficial. O Antigo Testamento, que promulga a lei
de "nao matar" (cf. Ex 20,13), conhece e aplica a pena de morte (cf. Lv 20.
8-27). O Novo Testamento ná"o trata explícitamente do assunto. A Moral Ca
tólica neto tem sentenca unánime a respeito, f¡cando, pois, a criterio de cada
cristáo pronunciar-se pro ou contra. O grande referencial para julgar a legiti-
midade da pena de morte é o seguinte: será pena medicinal, redundando em
bem da sociedade pelo fato de coibir a criminalidade? Ou será pena mera
mente vingativa, que poderá até ser fonte de mais injusticas, punindo os pe-
queninos e ¡sentando os grandes na sociedade? Se alguém considera mais
sensato este segundo alvitre, seja contrario á pena de morte. Mas, se outra
pessoa julga que o bem comum exige a eliminacSo dos criminosos por nao
haver outro meio de se livrar de injustas agressSes, pode defender e pro
pugnar a pena de morte. Tal discussáo é interminável, porque a sua solucSó
depende da previsto do imprevisível.
Fique, portanto, claro que o novo Catecismo ná"o propSe novos man-
damentos nem ensina tolerancia para com o pecado (seria absurdo!), mas
proclama urna compreensáo mais profunda dos requisitos necessários para
que haja pecado: responsabilidade, participacao consciente e voluntaria da
pessoa no ato mau que ela comete.
EstevSo Bottencourt O. S. B.

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