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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTTAQÁO
DA EDipÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
I-"1 visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
ÉL vista cristáo a fim de que as dúvidas se
* dissipem e a vivencia católica se fortalega
■Aa" no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar. este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.
Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
ANO XXXV

SETEMBRO

1994

(A SUMARIO
<

■i A Grande Oracao pelo Brasil

UJ "Os Cinco Evangelhos", pelo Jesús Seminar


O
Sobre a Ordenacab de Muiheres
iti O Efeito "Placebo"
O "Sexo como no Primeiro Mundo"

"Um jogo pela Vida", por Cl. Mesquita e Bl Salgueiro


V)
<
Campanhas contra a AIDS na contramao, por Helio Begliomini
UJ
Acompanhando um jovem aidético
m
Na Albania que renasce...
8
Q. Movimento Sacerdotal Mariano
PERGUNTE E RESPONDEREMOS SETEMBRO 1994
Publicado mensal N9 388

Diretor-Responsável SUMAR 10
Estéváo Bettencourt QSB A Grande Oracao pelo Brasil 385
Autor e Redator de toda a materia
Celeuma exegétrca:
publicada neste periódico
"Os cinco Evangelhos" pelo
Jesús Seminar 386
Diretor-Administ rador:
0. Hildebrando P. MartinsOSB Joao Paulo 11 se pronuncia:
Sobre a Ordenacao de Mulheres 396
Administracao e distribuicáo: Mentir para curar?
Edicóes "Lumen Christi" O efeito "Placebo" 403
Rúa Dom Gerardo, 40 — 5? andar — sala 501
Um livro sobre Educacao Sexual:
Tel.: (021) 291-7122
"Sexo como no Primeiro Mundo" 408
Fax (021) 263-5679
Des-educacáo Sexual:
Enderezo para correspondencia: "Um jogo pela vida" por Cl. Mesquita
Ed. "Lumen Christi" e B. Salgueiro 412
Caixa Postal 2666 Tentando levantar o véu:
Cep 20001-970 - Rio de Janeiro - RJ Campanhas contra a AIDS na contramao
Icnpressáo e Enc3derñafio por Helio Begliomini 416

Testemunho eloqüente:
Acompanhando um jovem aidético .... 419

A situacao da I gruja:
"MARQUES SARAIVA " Na Albania que renasce 424
GRÁFICOS E EDITORES S.A.'
Tels.: (021) 273-9498 /273-9447 Movimento Sacerdotal Mariano 431

NO PRÓXIMO NÚMERO:

Pío XII e os Judeus. - "O Movimento de Jesús" (E. Hoornaert). — "O Di-
reito contra o Direito" (D. Antonio A. de Miranda). — "A Seita que n§o
ousa dizer seu Nome". — Amway e Nova Era. — Duas Mulheres Heroi
cas. — A Receppao do Clero Anglicano na Igreja Católica.

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

PARA RENOVACÁO OU NOVA ASSINATURA - ANO: 94/95:


(12 números R$ 13,00 — n? avulso ou atrasado R$ 1,30)

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1. Enviar EM CARTA cheque nominal ao Mosteiro de Sao Bento do Rio de Janeiro, cruza-'
do, anotando no verso: "VÁLIDO SOMENTE PARA DEPÓSITO na conta do favoreci
do" e, onde consta "Cód. da Ag. e o N? da C/C", anotar: 0229 - 02011469-5.
2. Depósito no BANCO DO BRASIL, Ag.0435-9 Rio C/C0031-304-1 do Mosteiro deS. Ben
to do Rio de Janeiro, enviando a seguir xerox da guia de depósito para nosso controle.
3. VALE POSTAL pagável na Ag. Central 52004 - Cep 20001-970 - Rio.
Sendo novo Assinante, é favor enviar carta com nome e endereco legi'veis.
Sendo renovacao, anotar no VP nome e endereco em que está recebendo a Revista.
A GRANDE ORAQÁO PELO BRASIL

As crises. por mais dolorosas que sejam, podem ter um aspecto salutar; poem o
homem diante da evidencia de que ele é frágil e incapaz de responder plenamente a si
mesmo. Nesses momentos mais do que nunca, aflora a intuicao de que o homem é de
pendente de um Ser Superior ou do Absoluto, único apto a saciar as aspiracoes "santa
mente utópicas" do ser humano. Entao a prece brota espontáneamente do corapao:
"Senhor, salva-nos; estamos a parecer!" (Mt 8,25).

Toda a historia da humanidade dá testemunho desta verdade. Muitos e muitos


comecaram, e comecam, a se lembrar de Deus ñas situacoes aflitivas. O Cristianismo re-
conhece este fato tao freqüente; a S. Escritura muito insiste no valor e na necessidade
da oracüo em todo tempo... O Senhor Jesús, por exemplo, numa de suas parábolas, se
refere a um homem que, de noite (ñas trevas e na inseguranpa da noite), vai importu
nar o amigo pedindo-lhe tres paes e, por rogar perseverantemente, recebe mais do que
tres paes,... recebe tudo aquilo de que necessita (cf. Le 11, 5-8).

A Tradipao crista fez ampio eco a estas verdades, a tal ponto que S. Afonso Ma
ría de Ligório CM787), repetindo o que antes se dissera, pode afirmar: "Quem reza,
certamente se salva; quem nao reza, certamente se condena" (Del Gran Mezzo de I la
Preghiera).

No século IV, Sao Joao Crisóstomo, em Constantinopla, já dizia: "Nada se


compara ao valor da orapao... É possi'vel até no mercado ou num passeio solitario
fazer orapao freqüente e fervorosa. Sentados em vossa loja, comprando ou vendendo,
ou mesmo cozinhando..." (Eclogae 2).

Dirá alguém: as vezes, Deus parece ¡nsensfvel á orapao dos homens! - Um


Deus insensi'vel a seus filhos nao seria Deus, responde nao sonriente a fé, mas tam-
bém o bom senso. Os Santos explicam o fato: "Nao te aflijas se nao recebes ¡media
tamente de Deus o que Lhe pedes, pois Ele quer fazer-te um bem ainda maior pela
tua perserveranpa em permanecer com Ele na orapao" (Evagro Pdntico, monge do
século IV, Da Orapao 34). Ele nao despreza os anseios do homem, pois foi Ele mesmo
quem os incutiu no corapao do homem ao criá-lo (todos foram feitos para a vida, e a
vida plena), mas Ele vé mais longe do que a criatura e discerne melhor o que lhe
convém.

De resto, há no Evangelho urna estranha bem-aventuranpa: aquela dos que tém


fome e sede de justipa (cf. Mt 5,6). Esses nao tém justipa, nao tém santidade, nao tém a
resposta para seus anseios mais profundos, mas tém fome e sede desses valores; sofrem
por causa dessa fome e sede, e sao felizes porque assim sofrem, diz o Senhor. Na ver
dade, tal é a condipao mais auténtica do homem: sentir-se faminto e sedentode Algo
mais, saber-se peregrino do Absoluto, ser viandante em demanda da Plenitude... E,
por ter fome do Absoluto, ser orante...

O mes de outubro, dedicado ao Rosario da Virgem SSma., seja o mes da Grande


Orapao dos cristaos. ... orapao por todas as necessjdade&_dflJfl[fija,_do mundo e, em
i»oc-it».
especial, do Brasil!
BIBLIOTECA
CENTRAL

385
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
Ano XXXV - N? 388 - Setembro de 1994

Celeumaexegética:

"OS CINCO EVANGELHOS"

Em símese: O Jesús Seminar, congregando 74 peritos norte-america


nos, chegou á conclusao de que somente 18% dos dizeres atribuidos a Je
sús nos Evangelhos sao auténticas palavras do Senhor; as demais sentencas
da colecao de mais de 1.500 sentencas encontradas nos Evangelhos seriam
concepcoes das antigás comunidades cristas.

A propósito pódese notar que

1} os peritos norte-americanos se deixaram muitas vezes inspirar por


hipóteses, probabilidades e preconceitos subjetivos ou dogmáticamente es-
tabelecidos sem fundamento objetivo. O racionalismo os moveu forte-
mente em seus estudos;

2) existem pesquisas de outros críticos protestantes (também estes)


que preferem ver nos Evangelhos o eco da pregacao dos rabinos. A imagem
de Jesús, mestre a instruir seus discípulos, está muito viva nos Evangelhos.
Estes escritos parecem ser o eco fiel do pensamento de Jesús, podendo por
vezes perceber-se ipsissima verba (as próprias palavras) de Jesús. Tal é a
conclusao da escola escandinava (Riesenfeld, Gerhardson e colegas);

3) além disto, tentou-se fazer a traducao do Evangelho grego para o


aramaico — o que surpreendeu os tradutores, pois averíguaram que o texto
grego parece corresponder a um discurso aramaico, cuja sintaxe e lingua-
gem estao no linguajar do texto grego.

Donde se vé que é preconcebida a tese de que somente 18% dos dize


res atribuidos a Jesús sSo auténticos. A Igreja, baseada em boas razoes de
ordem histórica, professa a fidelidade dos Evangelhos.

* * •

386
"OS CINCO EVANGELHOS"

Foi publicada nos Estados Unidos a obra "The Five Gospels. The
Search for the Authentic Words of Jesús"1, devida a Robert W. Funk,
Roy W. Hoover e THE JESÚS SEMINAR (um conjunto de 74 peritos)!
Tal obra, já comentada na base de noticia da revista VEJA em PR 384/
1994, pp. 216-224, chega á conclusao de que sonriente 18% dos dizeres de
Jesús nos Evangelhos s3o auténticos. — É a este estudo que dedicaremos as
páginas seguintes, acrescentando dados novos aos que já foram apresenta-
dos PR 384, pois entrementes nos chegou ás maos a obra em seu original
inglés.

1. OS RESULTADOS DO "JESÚSSEMINAR"

A equipe de mais de setenta peritos trabalhou durante seis anos, com


parando frase por frase de Jesús com paralelos bíblicos e extra-bíblicos.
Chegou á conclusa*o de que nos Evangelhos Sinóticos existem

1) auténticas sentencas proferidas por Jesús (assinaladas com a cor


vermelha),

2) sentencas que provavelmente se aproximam do que Jesús disse


(cor lilas),

3) sentencas que Jesús nSo proferiu, mas cujo conteúdo está próximo
do pensamento de Jesús (cor cinzenta),

4) sentencas que, de modo nenhum, provém de Jesús, mas de urna


tradicao posterior a Jesús ou diferente do que Jesús ensinou (preto).

A prime ira categoría compreenderia apenas 18% dos 1.500 ou mais


dizeres atribuidos a Jesús. Os resultados eram obtidos por votacao realiza
da após o estudo, em equipe, de cada sentenca do Evangelho.

Muito interessante é que nenhuma das passagens que se referem aos


pontos ti'picos da doutrina de Cristo ensinada pela Igreja Católica é tida
como proveniente dos labios de Jesús; seriam todas de tradicao tardía ou
diferente. Assim

a) os textos de Mt 16,17-19; Le 22,31 s; Jo 21,15-17, onde Jesús res


pectivamente promete o primado a Pedro e as chaves do Reino dos Céus,

1 "Os Cinco Evangelhos. A procura das auténticas Palavras de Jesús" (cin


co Evangelhos, porque aos quatro canónicos é acrescentado o apócrifo
"Evangelho de Tomé"). A Polebridge Press Book. Macmillan Publishing
Company. New York 1993.

387
"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

entrega a Pedro a missao de confirmar seus irmios na fé e finalmente con


fia a Pedro o pastoreio de todo o rebanho de Cristo (cor preta);

b) as palavras da consagrado da Eucaristía, em que Jesús afirma que


o pao se torna seu corpo e o vinho seu sangue, s3o tidas como espurias:
Mt 26,26-29 (preto); Me 14,22-25 (cinzento); Le 22,15-22 (preto);

c) as palavras de Jesús que conferem aos Apostólos o poder de per-


doar ou nao perdoar os pecados também sao tidas como tardias ou de tra-
dicao diferente (cor preta): Jo 20,22s. Também o perdao outorgado por
Jesús ao paralítico é tido como espurio (preto): Mt 9,2-6 (é importante
notar que o v. 6 diz que "Deus deu tal poder aos homens" ou o poder de
perdoar pecados; compreende-se que tenha sido rejeitado, pois está fora
de uso no protestantismo);

d) os dizeres de Jesús que proibem o divorcio em Me 10,1 ls; Le 16,


18; Mt 5,23;19,9 nao seriam oriundos do próprio Jesús (cor cinzenta);

e) as palavras fináis de Jesús em Mt 28,18-20 também sao tidas como


espurias (cor preta). E por qué? — Jesús provavelmente nao tinha a inten-
cao de lancar urna missao pelo mundo afora, e certamente nao foi o funda
dor de urna instituicao. As tres partes do mandato — fazei discípulos,
batizai e ensinai — constituem o programa adotado pelo movimento mis-
sionário da Igreja nascente, e nao refletem instrucSes dadas por Jesús"
(p. 270). Mais urna vez se vé que os autores refletiram na base do provavel
mente ou da suposicao assaz subjetiva e arbitraria, tendo sempre em vista
negar a fundacao da Igreja por parte de Jesús Cristo;

f) as palavras de Jesús em Me 1,17 "Eu vos farei pescadores de ho


mens" nao seriam palavras de Jesús... Por qué? — Porque, segundo alguns
estudiosos, Jesús nao angariava discípulos; era um mestre itinerante que
nao tinha a ¡ntencao de criar urna instituicao ou a Igreja que hoje conhece-
mos. Foram, portanto, os discípulos que atribuiram a Jesús estes dizeres
para justificar a sua procura missionária de adeptos. Apenas a metáfora de
pescar homens pode ser considerada palavra de Jesús; cf. p. 41. — Como
se vé, os autores procedem na base de premissas preconcebidas ou de hipó-
teses gratuitas: sao protestantes e, como tais, relativizam o valor da Igreja
(esta, para os protestantes, é obra meramente humana, que cada reforma
dor pode recomecar a seu talante), de modo que de antemSo negam que
Jesús tenha dito algo que implique a fundacSo da Igreja-instituícSo. Tal é
a razao também por que os membros do Jesús Seminar rejeitam a autenti-
cidade de Mt 16,17-19; os preconceitos filosófico-religiosos estao muito
presentes em tal trabalho;

388
"OS CINCO EVANGELHOS"

g) Jesús nao pode ter dito: "Completou-se o tempo. O Reino de


Deus se aproxima. Convertei-vos e crede no Evangelho" (Me 1,15). - Por
que nao o pode ter dito? Eis a explicarlo traduzida literalmente: "Nos
Evangelhos Jesús aparece raramente a convocar o povo para o arrependi-
mento. Tal exortacao é característica de Joao Batista (Mt 3,7-12; Le 3,7-
14). Como a visao apocalíptica da historia, o apelo ao arrependimento
bem pode ter sido derivado de Joao Batista e atribuido a Jesús" (p.41).

Pergunta-se, porém: por que Jesús nao pode ter chamado os homens
á penitencia? Pelo fato de que Joao Batista os chamou, Jesús nao pode ter
apregoado o mesmo apelo, aínda com mais énfase?

Entende-se desta maneira que os resultados a que chegam os mem-


bros do Jesús Seminar sejam extremamente pobres para se reconstituir a
figura de Jesús histórico. Os autores juigam que á imagem real de Jesús foi
sobreposta a de urna figura mítica e celeste, figura esta que o Apostólo
Paulo tomou das religioes helenistas de misterios. É impressionante o tom
dogmático ou definitório utilizado pelos scholars do Seminar, na base de
preconceitos ou de concepcoes formadas de antemao; em virtude do racio
nalismo negam que Jesús tenha dito tal ou tal sentenca.

Diante destes resultados da pesquisa, pode-se, de ¡mediato, ponderar


o seguinte: a dependencia dos Evangelhos em relacao á cultura paga hele
nística já foi tese de certa autoridade entre os críticos. Atualmente, po
rém, está de certo modo superada, tendo-se em vista especialmente os ma
nuscritos judaicos de Qumran e, mais, os estudos da escola de críticos
(protestantes) suecos, que enfatizam as raízes hebraicas do Evangelho e
mostram a continuidade entre o Jesús histórico e o Jesús documentado
pelos Evangelhos. É o que passamos a examinar.

2. O FUNDO SEMITA (HEBRAICO-ARAMAICO) DOS EVANGELHOS

2.1. Métodos e Locucoes Rabínicas

A exegese contemporánea dos Evangelhos tem chamado a atencao


para a "hebraicidade" de Jesús e de seu círculo de discípulos. Por exem-
plo, Rudolf Bultmann, que é um dos críticos mais radicáis e contestata
rios, afirma que Jesús nao era cristSo, mas hebreu, inteiramente mergulha-
do na tradicao de Israel.

Na verdade, o Cristianismo nasceu no bojo do judaismo. Daí a con


veniencia de procurar entender o Cristianismo a partir da tradicao judaica,
muito mais do que á luz do helenismo.

389
6 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

Esta tarefa foi realizada especialmente por dois estudiosos suecos:


H. Riesenfeld' e seu discípulo B. Gerhardson,2 mestres da chamada "Es
cola Escandinava".

Estes dois autores afirmam que os Evangelhos nao nos referem ape
nas aquilo que as antigás comunidades cristas pensavam, mas, sim, o pensa-
mento do próprio Jesús. Eis como raciocina Riesenfeld:

Os judeus eram muito ciosos de transmitir as palavras recebidas dos


mais velhos; remontavam, de geracao em geracao, até a revelacao feita por
Javé a Moisés no monte Sinai; os vocábulos utilizados para designar essa
transmissSo eram masar (entregar) e gibbel (receber). Ora precisamente
nesse ambiente de tradicao oral teve origem a transmissao do Evangelho,
servindo-se da mesma terminología: paradidonai (entregar) e paralambá-
nein {receber);cf. 1Ts 4,1s; 1Cor 11,23-25...

A missao dos Apostólos era tida como "um servico da palavra" (At
6,4). Os Apostólos eram "ministros da Palavra" (Le 1,2), "testemunhas
oculares desde o comeco" (Le 1,2), tendo convivido com Jesús (At 1,22).
O Mestre cujas palavras eram transmitidas, era Jesús. Daí a expl¡cacao da
da por Riesenfeld ao título do Evangelho de Marcos: "Comeco do Evan
gelho de Jesús Cristo" significa "Inicio da Boa-Nova transmitida pelo pró
prio Jesús Cristo". Numa palavra: a única explicacao possível para o nas-
cimento dos Evangelhos é a pessoa e o ensinamento do Mestre.

B. Gerhardson aprofundou as idéias de Riesenfeld. Estudou os pro-


cessos de transmissao da Lei no judaismo rabínico e comparou-os com o
que o Novo Testamento dá a perceber. Assim nos meios rabínicos

— a conservacao da Lei escrita se realizava por tres vías: a) havia os


escribas profissionais, cuja missao era garantir a pureza da tradicao; b)
havia o meio escolar, no qual o menino aprendía a ler e recitar a Lei;
c) havia as sinagogas, ñas quais a leitura pública contribuía para a fixa-
cao do texto;

— existiam oficiáis dedicados á tarefa de transmistir a Palavra: os


tannaim (repetidores), cuja funcao era ajudar a decorar a Lei ou também
os dizeres (debarim) e os fe ¡tos dos grandes rabinos comentadores da
Lei;

1 The Gospel Tradition and its Beginnings. London 1957.


2 Memory and Manuscript. Oral Tradition and Written Transmission in
Rabinic Judaism and early Christianism. Uppsala 1961.

390
"OS CINCO EVANGELHOS"

— para facilitar a memorizacao, utilizavam varias técnicas: palavras-


chaves, fórmulas concisas (simanim), frases cantantes ou cadenciadas, a
repeticao em alta voz...1

Continua Gerhardson, observando que na formacao dos Evangelhos


encontramos vestigios de semelhante procedimento. Assim, por exemplo,
Sao Lucas comepa seu Evangelho com termos que refletem exatamente
o método hebraico de transmissao oral dos ensinamentos dos mestres:
"Muitos já tentaram compor urna narracao dos fatos que se cumpriram
entre nos, como nó-los transmitiram os que foram testemunhas desde o
inicio e tornaram-se mestres da Palavra" (Le 1,1s). De resto, urna análise
feita por computador demonstrou que os termos "testemunho, testemú -
nha e testemunhar" sao dos mais freqüentes do Novo Testamento. O pro-
prio Sao Paulo, embora fizesse questao de dizer ter recebido sua missao do
Senhor (Gl 1,1), afirmava sua dependencia da tradicSo (1Cor 15,3); como
os rabinos, ele conservava as tradicoes dos Pais (Gl 1,13s; Fl 3,5s); foi con
frontar seu Evangelho com o daqueles que eram tidos como "colunas" da
Igreja (Gl 2,9).

Assim Gerhardson evidenciou que nao se pode compreender o Cris


tianismo considerando apenas o que os antigos cristaos pensavam; insistía
no retorno a Jesús, que, por sua vez, está inserido numa tradicao judaica,
á qual Ele dá nova orientacao por suas palavras e suas obras. Jesús terá uti
lizado os processos dos rabinos do judaismo.

A persistencia da tradicao oral com suas técnicas e seus métodos po


de ser detectada nos escritos do Novo Testamento. Assim, por exemplo, o
paralelismo das sentencas:

"Amai os vossos ¡nimigos, orai pelos que vos perseguem" (Mt 5,44);

"Toda árvore boa dá bons frutos; mas a árvore má dá maus frutos"


(Mt7,17);

"Quem vos recebe, a mim recebe; e quem me recebe, recebe aquele


que me enviou" (Mt 10,40).

1 "Para aprender de cor e repetir as tradicóes oráis até serem reconhecidos


como fiéis transmisores, preparavam-se repetidores oficiáis, os tannaim.
Partes da tradicao oral eram compendiadas em resumos, kelalut, que con-
tinham o ensinamento do rabbi sobre qualquer questao proposta. Por sua
vez, esses resumos eram decorados pelos seus cabecalhos ou títulos, sima
nim, e inventavam-se técnicas mnemónicas mediante as quais se podiam
reter esses simanim" (J. Bourke, O Jesús da historia e o Cristo do Ke-
rygma, em Concilium 2, 1966/1, p. 31).

391
8 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

"Ouvistes o que foi dito aos antigos... Eu, porém, vos digo..." (Mt
5,21.27.31.33.38.43).

"Tu, quando deres esmota, orares, jejuares... nao facas como os fa-
riseus... Em verdade vos digo: jé receberam sua recompensa. Tu, porém,
quando deres esmola, orares, jejuares, ... E teu Pai, que vé no segredo, te
recompensará" (Mt 6,2-6).

As parábolas eram usuais entre os rabinos; foram utilizadas por Je


sús porque naturalmente despertam curiosidade e podem favorecer a me-
morizapao, já que as imagens se ¡mp6em mais fácilmente aos ouvintes.

Também se pode apontar o desenrolar do primeiro Concilio realiza


do em Jerusalém no ano de 49, segundo At 15,1-29: seguiu o método das
academias rabmicas, em que havia discussao de um ponto de doutrina,
troca de pareceres entre pessoas qualificadas, confronto das opinioes com
a tradicao guardada na memoria ou em breves notas, recurso a preceden
tes e á Tora, decisao final tomada pelos chefes.

2.2. A traducao do Evangelho grego para o aramaico

Para comprovar a presenca do patrimonio judaico e, por conseguin


te, a continuidade entre judaismo e Cristianismo, foi efetuada outra ex
periencia, a saber: a traducao dos Evangelhos (escritos em grego) para o
aramaico. Diz a propósito o Prof. Gianfranco Ravasi, eminente biblista
italiano:

"Foi possfvel captar no aramaico os jogos fonéticos subjacentes, com


os quais se favorecía a lembranca e se comprovava a fidelídade da trans-
missao dos conteúdos. A poesía e a prosa /iteraría hebraicas, de fato, es-
tao ligadas á sonoridade, isto é, ao amalgama harmónico dos sons dos vo-
cábulos..., aos matizes das tonalidades, que se manífestavam sobretudo
na recitacao oral" (citado por V. Messori, Padeceu sob Póncio Pilatos?,
p. 295).

Vé-se assim que a rima dos vocábulos reaparece ñas traducoes feitas
para o aramaico, que era a língua falada por Jesús e pelos Apostólos.
Observa ainda Gianfranco Ravasi:

"O rabí cristao, como seu colega judaico, levava o discípulo a decorar
nao só o texto central, mas também um seu comentario oficial. Por isto
nos Evangelhos encontramos frases de Jesús comentadas por outras frases
por ele pronunciadas, talvez em contextos diferentes, mas afinspelo con-
teúdo. Só um exemplo elementar: ao lado do Pai Nosso reportado por

392
"OS CINCO EVANGELHOS"

Mateus, temos o comentario de um dos seus pedidos principáis: 'E per-


doai-nos as nossas ofensas assim como nos perdoamos a quem nos tem
ofendido... pois, se perdoardes aos outros as ofensas recebidas, também o
Pai celeste vos perdoará. Mas, se nao perdoardes uns aos outros, o Pai tam
bém nSo perdoará vossos pecados' (Mt 6,12.14s)" (ib. p. 296).

Nesse comentario merece atencao aínda o paralelismo "Se perdoar


des... se nao perdoardes..."; tem funcao mnemónica, visando a facilitar
a recordacao das palavras de Jesús e do seu comentario oficial.

Em conclusao, escreve Gerhardson: "A própria raiz hebraica da árvo-


re crista fez com que a tradicao evangélica, ligada ao rabino Jesús de Naza-
ré, ofereca uma sólida garantía de qualidade e fidelidade histórica ñas pala
vras de Jesús e ñas lembrancas sobre Jesús" (ib. p.297).

É esta uma conclusao frontalmente contraria á do Jesús Seminar, que


imagina ñas primeiras comunidades cristas uma proliferacao fantasiosa de
dizeres atribuidos a Jesús.

Deve-se aínda notar aquí a posicao de G. Theissen:1 pondera que no


Evangelho há paiavras duras inspiradas por um radicalismo total no tocan
te ao comportamento dos disci'pulos; assim, por exemplo, os dizeres de
Le 14,26: "Se alguém nao aborrecer seu pai, sua mae, sua esposa e seus fi-
Ihos... nao poderá ser meu discípulo". Pergunta Theissen: pode-se dizer
que tais palavras sao oriundas da mente das primeiras geracoes cristas? Sao
elas condizentes com as tendencias humanas mais 'razoáveise simpáticas'?
Nao devem ter tido origem na pregacao mesma do Mestre? Quem as terá
concebido e sustentado durante decenios sem que viessem dos labios do
próprio Jesús?

Pode-se aínda registrar um dado significativo: o vocábulo Parákletos


(advogado, intercessor) só ocorre nos escritos joaneus, a saber: em Jo 14,
16s.26; 15,26s; 16,7-11.13.15; Uo 2,1. Ora, como só se acha em Jo e
Uo, escritos de fins do século I ou do inicio do sáculo II, os peritos do
Jesús Seminar tém essa palavra como totalmente alheia a Jesús (cor preta)
e oriunda no seio das primeiras comunidades cristas de cultura helenís
tica, que se julgavam assistidas por "Alguém" invisível (parákletos) após a
partida de Cristo. Eis como se exprimem tais estudiosos: "Para a nova ge-
racao, o Evangelho promete a vinda do Espi'rito Divino, o advogado (vv.

1 Wanderradikalismus. Literatursoziologische .Aspekte der Überlieferung


von Worten Jesu im Urchristentum, em Zeitschrift für Theologie und
Kirche 70 (1973), pp. 245-271.

393
H) "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

16-17), cuja principal responsabilidade há de ser 'lembrar' aos crentes o


que Jesús disse (v.26). Assim compreenderao que Jesús habita nao so men
te com o Pai, mas também neles" (p. 452).

Ora certamente a palavra Parákletos tem chamado a atencao dos es


tudiosos pela sua ocorréncia típica nos escritos joaneus apenas. Todavía
nao faltam críticos que apontam no próprio judaismo as raízes do concei-
to de Paráclito {advogado, ¡ntercessor); com efeito, o judaismo tardio fa-
lava muito de intercessores junto a Oeus: anjos, patriarcas, profetas, jus
tos... Assim S. Mowinckel, Die Vorstellungen des Spatjudentum vom Hei-
ligen Geist ais Fürsprecher und der johanneissche Paraklet: ZNTW32
(1933), 97-130; N. Johansson, Parákletos, Vostellungen von Fürsprechern
für die Menschen vor Gott in der alttestamentlichen Religión, im Spa'tju-
dentum und im Urchristentum, Lund 1940.

Há também quem. veja nos escritos de Qumran um antecedente do


conceito de Parákletos. Sim; os monges de Qumran muito se referiam a in
tercessores veneráveis do passado — os Patriarcas, Moisés —, fazendo eco
ao mesmo conceito encontrado nos apócrifos (livro etíope de Henoquee
livro dos Jubileus). Tal é o ponto de vista de O. Betz, Der Paraklet. Für
sprecher im haretischen Spatjudentum, im Johannes-Evangelium und in
neu gefundenenen gnostischen Schriften, Leiden-Koln 1963.

Donde se vé mais urna vez que é precipitada e contestável a sentenca


dos peritos do Jesús Seminar.

2.3. A obra de Jean Carmignac

O Pe. Jean Carmignac dedicou-se especialmente ao estudo dos manus


critos de Qumran (cf. PR 367/92, pp. 533-542); desde 1954 aplicou-se a
esta análise na própria térra de Israel. Isto o levou a fundar, dirigir e redigir
(quase a sos) a famosa Revue de Qumran, o único periódico do mundo ¡n-
teiramente consagrado a tal tema. Em 1963 experimentou grande surpre-
sa, que ele mesmo descreve:

"Traduzindo e estudando aqueles textos recuperados das trevas das


grutas, encontrava continuamente nexos muito claros com os Evangelhos.
Dei-me conta assim de que eu poderia escrever um comentario sobre estes
últimos é luz dos documentos de Qumran. Decidí comecar pelo Evangelho
de Marcos e, para meu uso pessoal, quis ver que som teña quando traduzi-
do para o hebraico de Qumran...

Eu imaginava que tal traducao seria difícil e complexa, em virtude


das consideráveis diferencas entre o pensamento semítico e g grego, Ao

394
"OS CINCO EVANGELHOS"

invés disso, surpreendido, logo descobrí que a traducao se reveiava extre


mamente fácil. Depois de um só día de trabalho - era abril de 1963 - eu
estava convencido de que o texto de Marcos nao podía ter sido redigido
em grego: na realidade, devia ser a traducao literal de um original hebraico.
As grandes dificuldades que eu estava prevendo, ¡á tinham sido resolvidas
pelo tradutor original, que transpusera — palavra por palavra — o texto,
conservando até a ordem dos termos requerida pela sintaxe hebraica...

Quanto mais avancava no trabalho, tanto mais - primeiro em Mar


cos, depois em Mateus — eu descobria que o corpo visfvel era helenístico,
mas que a alma invisível era semítica, sem nenhuma margem de dúvida"
(ib. p. 304).

A opiniao de Carmignac, compartíIhada por alguns estudiosos, segun


do a qual o texto original dos Evangelhos é hebraico e nao grego, encontra
dificuldades serias, pois obrigaria a admitir a redapao dos Evangelhos ou,
ao menos, dos Sinóticos antes do ano de 70 (quando Jerusalém foi des-
trui'da e os romanos expulsaram os judeus de sua térra). Todavía pode-se
dizer, com certeza, que o texto grego dos Evangelhos supoe a pregacao oral
aramaica dos Apostólos, fazendo ressoar aos nossos ouvidos o linguajar se
mita (revestido de grego) dos primeiros pregadores.

Para finalizar, note-se algo de curioso: o novo tende a redescobrir o


antigo. A pos procurar em fontes e ambientes helenísticos e pagaos luzes
para entender os Evangelhos, a exegese contemporánea (mesmo nao cató
lica) se volta para as fontes semitas do Evangelho, mostrando a continuida-
de entre o Antigo e o Novo Testamento. O Concilio do Vaticano II pro-
fessou sabiamente:

"A Santa Mae Igreja, com firmeza e máxima constancia, sustentou e


sustenta que os quatro Evangelhos, cuja historicidade Ela afirma sem hesi-
tacSo, transmitem fielmente aquilo que Jesús, Filho de Deus, ao víver en
tre os homens, realmente fez e ensínou" (Constituicao Dei Verbum
n? 19).

* ♦ *

APÉNDICE

NSo podemos deixar de mencionar aqui o livro do rabino Jacob


Neusner intitulado no seu original "A Rabbi talks with Jesús" e traduzido
para o portugués como "Um Rabino conversa com Jesús. Um Diálogo en
tre Milenios e Confissoes" (Imago Editora Ltda. Rúa Santos Rodrigues,

(continua na pag. 411)

395
Joáo Paulo II se pronuncia

SOBRE A ORDENAQÁO DE MULHERES

Em síntese: Em vista dos recentes debates sobre a ordenacao sacerdo


tal de mulheres, o S. Padre Joao Paulo II houve por bem escrever urna Car
ta aos Bispos do mundo inteiro assinada aos 22/05/94, em que declara, de
modo definitivo e peremptório, a posicao da Igreja: a esta nao foi concedi
da a faculdade de ordenar mulheres. Joao Paulo II, assim talando, nao faz
senao retomar a posicao assumida por Paulo VI e por anteriores documen
tos da Igreja. Os fundamentos da Declaracao sao: 1) o exemplo de Cristo,
que só chamou homens para constituir o colegio apostólico; 2) a praxe da
Tradicao de quase vinte séculos; 3) os pronunciamentos do magisterio da
Igreja. A posicao do Catolicismo, diversa da do Anglicanismo contempo
ráneo, nao implica menosprezo da dignidade da mulher; é de lembrar que
María SS., mais digna do que os Apostólos, nao foi chamada para fazer
parte do colegio apostólico; além do qué, a Igreja reconhece o papel im
portante e insubstituível da mulher na historia da humanidade e do Cris
tianismo. Mais: a Igreja afirma que o valor de urna pessoa nao depende das
funcoes que exerce, mas das suasprendas moráis e da sua santidade.

* * *

Aos 22 de maio pp., Joao Paulo II assinou urna Carta dirigida aos Bis
pos do mundo inteiro, em que aborda a questao da ordenacao sacerdotal
de mulheres na Igreja Católica. Passamos a consideracao do problema em
foco e do texto de Sua Santidade, que vem a ser um dos mais importantes
do pontificado de Joao Paulo 11.

1.0 PROBLEMA

É notorio que o tema da ordenacao sacerdotal de mulheres tem sido


discutido nos últimos anos por mais de urna razao:

1) a promocao e a projecao da mulher em diversos setores da vida


pública levam a perguntar por que nao também no exerci'cio do ministerio
sacerdotal;

386
SOBRE A ORDENApÁO DE MULHERES

2) a escassez de clero em varias partes do mundo sugere a varios cris-


taos a tendencia a chamar mulheres para integrarem o clero da Igreja
Católica;

3) o procedimento da Comunhao Anglicana, que em 1994 resolveu


solenemente ordenar mulheres, tem influido fortemente na abordagem do
tema entre católicos, embora as ordenacSes anglicanas nao sejam reconhe-
cidas como válidas pela Igreja Católica.1

4) um certo feminismo passional tem contribuido para acirrar os de


bates em torno da questao.

Tém-se multiplicado coloquios e estudos sobre o assunto fora e den


tro da Igreja Católica. A Comunhao Anglicana vem-se ressentindo viva
mente da decisao de seus hierarcas, sancionada pela rainha Elizabeth II
em 1994; muitos clérigos (Bispos, ministros ou pastores) e leigos tém
abandonado o Anglicanismo, pedindo admissao na Igreja Católica, pois
julgam que a medida fere os principios básicos do Cristianismo; nem'jesus
Cristo nem os Apostólos nem a Tradicao posterior conferiram as ordens
sacras ás mulheres; fazer isto no sáculo XX parece a muitos uma derroga-
cao ás disposicoes do Senhor e uma adaptacao inoportuna ao pensamento
e aos procedimentos da modemidade.

Visto que dentro da própria Igreja Católica as opinioes tém estado


divididas, havendo mesmo certa pressao sobre a Santa Sé para ceder á
onda ¡novadora, o S. Padre resolveu escrever uma Carta breve, mas muito
clara e enérgica, pela qual intenciona por termo final ás hesitacoes e dis-
cussoes, como se verá a seguir.

2. A CARTA DE JOAO PAULO II

2.1. Nítida. Posicao

Após a exposicSo de motivos, os incisos fináis (§ 4) da Carta expri-


mem o que há de essencial no documento:

1 Nao sSo reconhecidas como válidas, porque a hierarquia católica tradi


cional foi quase totalmente extinta (por morte ou por encarceramento)
sob a rainha Elizabeth I (1558-1603). Recomecou na pessoa de Mateus
Parker, antigo cape/So da rainha, que foi ordenado bispo em 1559 por
William Barlon, bispo deposto pela rainha, mas auténtico sucessor dos
Apostólos. Todavía o ritual utilizado por Barlon excluía qualquer alusao á
Missa como perpetuacao do sacrificio de Cristo. Em conseqüéncia, as or-
denacoes anglicanas, após prolongada aná/ise dos fatos e textos, foram por
Leao XIII declaradas inválidas em 1896 mediante a Bula Apostolicae
Cu rae.

397
14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

"4. Embora a doutrina sobre a ordenacao sacerdotal, que se deve re


servar somente aos homens, se mantenha na Tradicáo constante e univer
sal da Igreja e seja firmemente ensinada pelo Magisterio nos documentos
mais recentes, todavía atualmente, em diversos lados, continua-se a consi-
derá-la como discutível, ou entao atribui-se um valor meramente disci
plinar á decisao, da Igreja, de nao admitir as mulheres á ordenacao sacer
dotal.

Portanto, para que seja excluida qualquer dúvida em assunto da má


xima importancia, que pertence á própria constituicao divina da Igreja,
em virtude do meu ministerio de confirmar os irmaos (cf. Le 22,32),
declaro que a Igreja nao tem absolutamente a faculdade de conferir a or
denacao sacerdotal ás mulheres, e que esta sentenca deve ser considerada
como definitiva por todos os fiéis da Igreja."

Neste parágrafo chamam-nos a atencao os seguintes tópicos:

1) o S. Padre nao fala apenas como um Bispo ou um teólogo, nem fa-


la como Papa que sugere, recomenda ou preceitua, mas pronuncia-se
"em virtude de seu ministerio de confirmar os irmaos na fé (Le 22,32)"...
Isto quer dizer que Joao Paulo II afirma tratar-se de urna questao ligada
á fé católica e, de modo particular, ao conceito de Igreja que decorre do
Novo Testamento e da Tradicáo; a temática "pertence (diz respeito) á
própria constituicao divina da Igreja" e a afeta; isto é, mexe em algo que
poderia mudar a ñoclo e a estrutura da Igreja tal como foram a nos lega
das por Cristo Jesús. É, pois, o conceito dogmático da Igreja que está
em jogo.

2} Dada a gravidade do assunto, o S. Padre faz uso do máximo grau


de autoridade que Ihe compete. Com efeito; segundo as palavras de Jesús,
cabe-1 he confirmar os ¡rimaos na fé e discernir peremptoriamente verdade
e erro em materia de fé, desde que corra perigo o patrimonio das verda
des entregues por Cristo a sua Igreja (cf. Le 22, 31s).

3) Assim fundamentado, o S. Padre declara que foge ás faculdades


concedidas por Cristo á sua Igreja a de ordenar mulheres. E acrescenta que
"esta sentenca deve ser considerada definitiva por todos os fiéis da Igre
ja". - Isto quer dizer que nao pode haver hesitacüo legítima a respeito,
nem se pode mais dizer que o assunto é discutfvel ou que um dia a Igreja
poderá ordenar mulheres. O S. Padre fecha a questao com firmeza e
nitidez.

A atitude de Joao Paulo II, corajosa como é, inspira-se no zelo de


conservar íntegro o depósito da fé, entregue por Cristo á Igreja e, parti
cularmente, ao ministerio de Pedro, o Apóstolo-primaz e Pastor Supremo

398
SOBRE AORDENAgÁO DE MULHERES 15

do rebanho de Cristo (cf. Jo 21,15-17). Com outras palavras: é a ¡nten-


cao de ser fiel a Cristo que norteia o S. Padre, ainda que isto desagrade aos
homens. Em nossos dias turbulentos mais do que nunca, é necessário que
naja declarares nítidas que orientem os fiéis e os clérigos, pois estes sao
sacudidos por vendavais de idéias que desnorteiam muitas cabecas. Se o
assunto fosse de ordem meramente humana ou política, n3o teria cabi
mento urna ¡ntervencao peremptória da autoridade respectiva, mas, visto
tratar-se de questao de fé, impoe-se urna definicao autoritativa, pois a fé
nao depende de pareceres, opinioes e argumentos de bom senso ou de fi
losofía, mas é a adesao á Palavra de Deus, que se faz ouvir por.seus er
gios auténticos, assistidos por Cristo e pelo Espirito Santo. Eis por que
os fiéis católicos - homens e mulheres — nao de acatar respeitosamen-
te a Palavra do Papa, que nao falou na base de pesquisas pessoais apenas,
mas se pronunciou no exercício do seu ministerio carismático, a ele con
fiado por Jesús Cristo.

Vejamos as razoes aduzidas por Joao Paulo II para firmar a posicao as-
sumida.

2.2. As razoes aduzidas

Logo no § 1 da Carta, Joao Paulo 11 transcreve palavras do seu ante


cessor Paulo VI dirigidas ao arcebispo anglicano de Cantuária, Dr. F.D.
Coggan, em 30/11/1975:

"A Igreja Católica defende que nao é admissível ordenar mulheres pa


ra o sacerdocio, por razoes verdaderamente fundamentáis. Estas razoes
compreendem: o exemplo — registrado na Sagrada Escritura — de Cristo,
que escolheu os seus Apostólos só de entre os homens; a prática constante
da Igreja, que imitou Cristo ao escolher só homens; e o seu magisterio vi
vo, o qual coerentemente estabeleceu que a exclusao, das mulheres, do
sacerdocio está em harmonía com o plano de Deus para a sua Igreja".1

1 Cf. Paulo VI, Rescrito á carta de Sua Graca o Rev.mo Dr. F.D. Coggan,
Arcebispo de Cantuária, sobre o ministerio sacerdotal das mulheres, 30
de Novembro de 1975: AAS 68 (1976), 599-600: "Your Grace is ofcour-
se well aware of the Catholic Church's position on this question. She holds
that it is not admissible to ordain women to the príesthood, for very fun
damental reasons. These reasons include: the example recorded in the Sa-
cred Scriptures of Christ choosing his Apost/es only from among men;
the constant practice of the Church, which has imitated Christ in choosing
only men; and her living teaching authority which has consistently held
that the exclusión of women from the príesthood is in accordance with
the God's plan for his Church" (p. 599).

399
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

Como se vé, o S. Padre se baseia 1) no exemplo de Cristo, que só es-


col heu Apostólos masculinos, 2) na prática constante da Igreja, 3) no ma
gisterio da mesma Igreja.

Além da Carta de Paulo VI, a Congregacao para a Doutrina da Fé, so


licitada pelo mesmo Pontífice, escreveu a Decíarapao ínter Insigniores,
datada de 15/10/1976, retomando a mesma posicao na base dos mesmos
argumentos, acrescidos de considerares de ordem antropológica. Cf.
PR 209/1977, pp. 202-213.

O S. Padre Joao Paulo II, repetindo o que já fora dito na Igreja, faz
questao de observar que a decisao tomada nao implica, em absoluto, me-
nosprezo da dignidade da mulher; Jesús Cristo mesmo era livre frente aos
preconceitos da sociedade de seu tempo, tomando atitudes que dignifica-
vam a mulher, á revelia dos costumes da época; apesar de tudo, nao cha-
mou María SS. para compor o colegio dos Apostólos. — Com efeito, o Se
nhor fazia-se acompanhar em suas viagens nao só pelos doze, mas também
por um grupo de mulheres (cf. Le 8, 2s). Quis que as mu I he res fossem, pa
ra os Apostólos, as mensageiras da sua ressurreícao (cf. Mt 28,7-10; Le 24,
9s; Jo 20,11-18), embora o Direito judaico pouco valor reconhecesse á pa-
lavra das mulheres. Perdoando á mulher adúltera, Jesús quis mostrar que
nao se deve ser mais severo para com a mulher do que para com o ho-
mem (cf. Jo 8,11).

Estes e outros dados evangélicos nao sao, por si mesmos, argumentos


decisivos. Háo de ser considerados á luz de toda a Tradicao da Igreja, que
viu na atitude de Jesús urna orientacüo decisiva para determinar o sujeito
do sacramento da Ordem. Essa Tradicao foi a mesma tanto no Ocidente
como no Oriente; tal unanimidade é digna de nota especial, visto que em
outros pontos nao se verificou; até hoje, alias, tanto os cristaos orientáis
como os ocidentais recusam o sacerdocio ás mulheres, tencionando assim
ser fiéis ao modelo de ministerio intencionado pelo Senhor e fielmente
mantido pelos Apostólos. Se a Igreja Católica em nossos dias rompesse
essa Tradicao, abriría novo fosso entre ocidentais e orientáis.

De resto, é de se notar que, embora María SS. tenha sido intimamen


te associada ao misterio de Cristo, desempenhando funcao sem par, nao
foi investida do ministerio sacerdotal. Este fato foi tido como altamente
significativo na teología católica. Assim, por exemplo, escrevia o Papa
Inocencio III (t 1216):

"Ainda que a bem-aventurada Virgem María ultrapassasse em dignida


de a excelencia todos os Apostólos, nao foi a ela, mas a estes que o Senhor

400
SOBRE A ORDENACÁO DE MULHERES 17

confiou as chaves do Reino dos Céus". (Epístola de 11/XII/1210aos bis-


pos de Patencia e Burgos).

Alias, desde o século II os escritores da Igreja lembram o fato de que


Maria, tío exaltada como foi pelo Senhor Deus, nao recebeu a ordenacao
sacerdotal. O lugar de Maria, no plano de Deus, é único; Ela n§o deve ser
comparada aos Apostólos, pois está ácima deles. Isto bem mostra que na
Igreja há funcoes diferentes: se, de um lado, nao há accepcao de pessoas
diante de Deus, de outro lado existe complementacao de tarefas; o minis
terio sacerdotal nao é a única forma de dignidade, mas é urna maneira de
servir entre outras. Maria SS. nao precisa do "acréscimo de dignidade" que
certos autores de espiritualidade Ihe quiseram atribuir, chamando-a "Vir-
gem Sacerdotisa".

A propósito ainda, o S. Padre Jólo Paulo II, no § 3 do documento


que analisamos, referese á Carta Apostólica Mulieris Dignitatem, de sua
autoría, Carta na qual exalta o papel insubstitui'vel e a dignidade 'própria
da mulher na historia da humanidade e da Igreja:

"A presenca e o papel da mulher na vida e na missao da Igreja, mes-


mo nao estando ligados ao sacerdocio ministerial, permanecem, no entan-
to, absolutamente necessários e insubstitui'veis. Como foi sublinhado pela
mesma Declaracao ínter Insigniores, a Santa Madre Igreja auspicia que as
mulheres cristas tomem plena consciéncia da grandeza da sua missao: o seu
papel será de capital importancia nos días de hoje, tanto para o renova-
mento e a humanizacáo da sociedade, quanto para a redescoberta, entre os
fiéis, da verdadeira face da Igreja.1 O Novo Testamento e toda a historia
da Igreja mostram amplamente a presenca, na Igreja, de mulheres, verda-
deiras discípulas e testemunhas de Cristo na familia e na profissao civil,
para além da total consagracao ao servico de Deus e do Evangelho. A Igre
ja, defendendo a dignidade da mulher e a sua vocacao, expressou honra e
gratidáo por aquelas que — fiéis ao Evangelho — em todo o tempo partici-
param na missao apostólica de todo o Povo de Deus. Trata-se de santas
mártires, de virgens, de máes de familia, que corajosamente deram teste-
munho da sua fé e, educando os próprios filhos no espirito do Evangelho,
transmitíram a mesma fé e a tradicáo da Igreja.2

Por outro lado, é á santidade dos fiéis que está totalmente ordenada a
estrutura hierárquica da Igreja. Por isso, lembra a Declaracao ínter Insig
niores, 'o único carisma superior, a que se pode e deve aspirar, é a caridade

1 Congregado para a Doutrína da Fé, Declaragao ínter Insigniores V/.ASS


(1977), 115-116.
2 Joao Paulo II, Carta Apostólica Mulieris dignitatem, 27.AAS 80 (1988),
1719.

401
18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

(cf, 1Cor 12-13). Os maiores no Reino dos céus nao sao os ministros, mas
os santos'".'

Estas ponderacoes evidenciam bem a posicao lúcida que o S. Padre


assume diante da temática discutida. O respeito ás disposicoes do Senhor
Deus ditam a atitude da Igreja; homem e mulher, embora sejam iguaisem
dignidade, sao diferentes em su as peculiaridades masculinas e femininas;
estas hao de ser reconhecidas, para que entre elas haja complementacao
harmoniosa e construtiva, em vez de confusao desordenada.

A Igreja é sabia e "perita em humanidade" (Paulo VI), principalmen


te quando se trata de ensinar as verdades da fé a todos os homens, assistida
pelo Espirito de Cristo.

A propósito ver PR 209/1977, pp. 202-213 fsin tese da Declarado


ínter Insigniores, da Congregacao para a Doutrina da Fé, datada de 15/10/
1976).

Crescendo com a Yoga, por Clara de Oliveira. — Ed. "O Lutador",


Caixa postal 1028, 30161-970 Belo Horizonte (MG), 1993 (2a. edicao),
142x215 mm, 87 pp.
A autora é católica e professora de Yoga. Encara a Yoga como urna
terapia dissociada de crencas religiosas. Reconhece que a Yoga nasceu em
ambiente hindúísta, nao cristao, e é praticada hoje segundo os parámetros
do pensamento religioso da india. Todavía afirma que o acompanhamento
religioso nao é necessário a um praticante de Yoga, como se depreende da
definicio proposta á p. 16: "A Yoga é um sistema de técnicas psicossomá-
ticas destinadas a reeducar e integrar a totalidade da personalidade física,
anímica, intelectual e espiritual do homem. £portanto urna escola de psi
cología científica, experimental, que apresenta certas afinidades interpre
tativas com o moderno gestaltismo ocidental". Conseqüentemente diz a
autora á p. 25: "O ocidental e o cristSo, para praticarem Yoga, terSo que
dissociar a prática e a teoría, extrair os exercícios da atmosfera bramánica
que os rodela e restitui-los á natureza original, antes de inserí-los num cli
ma cristao..." E á p. 26: "Consideraremos o Yoga como urna técnica que
permite ao homem viver, quando isso convenha, no silencio efetivo dos
sentidos, dese/'os e paixoes humanas; silencio da mente Hvrando de preocu-
pacdes e, ácima de tudo, aceitando calar para que possa o Espirito Santo
falar e o espirito humano escutar". — Após esta apresentacSo geral da
Yoga, a autora expoe em sete capítulos a técnica da Yoga e suas diversas
posturas, oferecendo assim um Manual muito útil aos cristaosque se Árjfe-
ressem pelo assunto. Era necessário que se publicasse tal livro, para dissi-
par as ambigüidades que a Yoga tem suscitado entre os ocidentais.

3 Congregacao para a Dóutrina da Fé, Declaracao ínter Insigniores, VI:


AAS(1977), 115.

402
Mentir para curar?

O EFEITO "PLACEBO'

Em sfrítese: Placebo é um medicamento inerte ou inoperante, que su-


gere aos usuarios pronto alivio ou cura radical, como se o placebo fosse o
mais recente e moderno produto da farmacología. Age únicamente por
efeito de sugestao. A eficacia de tais produtos tem sido escudada, Com
grande surpresa para os dentistas; há quem Ihes atríbua efeitos benéficos
em 60% dos casos; até mesmo algumas intervencoes cirúrgicas sao simula
das, bastando a simulacao para aliviar ou beneficiar os pacientes.

Estas descobertas sio valiosas nao somente no setor da medicina, mas


também em perspectiva religiosa. Com efeito; dissipam a idéia de que os
curandeiros e cirurgioes mediúnicos estejam atuando sob a orientacao de
entidades superiores. Os beneficios do curanderismo (que, sem dúvida,
sao ambiguos e duvidosos) hao de ser interpretados á luz da sugestao e da
ciencia, que mais e mais penetra os meandros do psiquismo humano, des-
cobrindo as enormes potencialidades do mesmo.

* * *

A palavra placebo significa em latim "agradarei"; designa um medica


mento inerte ou inoperante ministrado a pacientes a fim de Ihes sugerir
que se rao prontamente aliviados ou mesmo curados. 0 placebo, como tal,
nao tem eficacia terapéutica, mas o uso do mesmo condiciona o psiquismo
do enfermo, dando-lhe a crer que está sendo tratado com um recurso novo
e poderoso; disto resulta, muitas vezes, a melhora ou a recuperacSo da saú-
de do doente.

Os dentistas nos últimos tempos tém-se aplicado ao estudo mais


atento deste fenómeno, conhecido, mas nao explorado sistemáticamente.
E tém chegado a conclusoes que surpreendem o público bem como aju-
dam a compreender a eficacia "mágica" de certos artificios do curandeiris-
mo. Passamos a expor esses resultados, valendo-nos do artigo "Mentir pour
guarir" de Ludmila Couturier, publicado em "Sciences et Avenir", n? 567,
mai o 1994, pp. 20-24.

403
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

1. AS EXPERIENCIAS RECENTES

1.1. Variedade de aplicacoes

Como ponto de partida da reflexao sobre o assunto, pode-se citar o


caso segu inte:

Dois grupos de músicos estavam para entrar em cena. Todos apresen-


tavam síntomas de nervosismo: taquicardia e sensacao de stress. Deu-se a
um desses grupos um medicamento tido como eficaz contra o stress. Ao
outro grupo ministrou-se um produto de aparéncia idéntica, mas desprovi-
do de qualquer ingrediente medicinal, todavia sem que se Ihe dissesse que
era um artificio. Ora aconteceu que, pouco antes do concertó, os agentes
de saúde tomaram o pulso de todos esses músicos e verificaram que o rit
mo cardiaco se havia acalmado nos dois grupos. Tal foi a experiencia rela
tada por Gilíes Bouvenot, responsável pelo Laboratorio de Metodología de
Ensaios Clínicos da Faculdade de Marselha. Evidenciou bem quanto um
placebo pode ser eficaz.

O recurso a placebo tem ocorrido no tratamento de numerosas do-


eneas: úlcera gástrica, angina do peito, poliartrite reumatoide, asma, de-
pressao, insónia, dores pós-operatórias ou cancerosas... Está claro que a
eficacia do placebo depende nao só da hábilidade de quem o ministra,
mas também das predisposicoes emocionáis do paciente: expectativas mais
intensas sao mais coroadas de éxito.

Os estudiosos tém comparado entre si a acao do medicamento autén


tico e a do placebo, e verificam que este produz os mesmos efeitos que
aquele: mesma relacao dose/efeito (duas doses de placebo sao mais efica-
zes do que urna só), mesmos efeitos cumulativos... Em geral, os efeitos se
cundarios do placebo sao náuseas, vómitos, diarréias, dores de cabeca, pal-
pitacoes, vertigens...

Nenhuma área da medicina é excluida da acao dos placebo: medicina


física (cinesíterapia, eletroterapía...), pediatría, psiquiatría, e até mesmo a
cirurgia... Com efeito; tem-se pratícado a cirurgia simulada. Urna das pri-
meiras experiencias deu-se na década de 1960: apregoava-se urna cirurgia
das arterias mamarias para tratar a angina do peito; certa vez, porém, os
médicos resolveram distribuir em dois grupos os pacientes que precisavam
dessa ¡ntervencáo: a metade dos enfermos foi realmente operada, ao passo
que a outra metade sofreu apenas urna pequeña incisSo superficial. Referiu
entao o Dr. Patrick Lemoine, psiquiatra em Liao: "Os resultados dessa pes
quisa mostraram a inutilidade de tal intervencao; centenas de pacientes fo-
ram beneficiados, pois a cirurgia propriamente dita Ihes teria sido fatal".

404
O EFEITO "PLACEBO" 21

1.2. Dados numéricos

Até os últimos tempos julgava-se que o placebo seria eficaz em 30%


dos casos. Atualmente, porém, após as pesquisas efetuadas pela Scribbs
Foundation em La Jolla (California), o placebo pode ter efeito benéfico
em 60% dos casos de aplicacao. Verdade é que os resultados numéricos sao
muito oscilantes: quando se trata de újcera gástrica, a cura por placebo
pode variar de 20% a 70% dos casos, segundóos estudiosos. Nota-se tam
bém que a mesma pe'ssoa pode ser muito sensi'vel a um placebo em deter
minado momento e.em vista de certa doenca, mas náío é sensível em outro
momento ao placebo destinado a curar outra doenca.

Em psiquiatría, afirma o Dr. Eduardo Zarifian, o placebo pode atin


gir 40% de éxito no tratamento das depressoes e 80% no das ansiedades.

Verificase outrossim que a modalidadedos placebo influí no resulta


do do tratamento: assim, por exemplo, as injecoes s§o mais eficazes do
que os xaropes e os comprimidos. Estes alcancam mais beneficios se sao
grandes e amargos ou também muito pequeños; as cores também desempe-
nham certo papel. Os laboratorios levam em conta estes dados para con
feccionar seus produtos.

Pergunta-se agora:

1.3. Como explicar a eficacia dos placebo?

É claro que os placebo desencadeiam urna acao sobre o psíquico do


paciente: este se torna otimista, julgando que descobriu o mais eficaz dos
tratamentos e obterá a "impossível" cura. Isto desbloqueia o psiquismo
e permite melhor reacSo do organismo á molestia.

Mais precisamente, o jornal The Lancet propoe urna interpretacao


biológica do efeito placebo no tocante ás dores pós-operatórias: a acao
analgésica poderia decorrer da secrecao das endorfinas, ou das moléculas
produzidas pelos neurónios e implicadas na moderaclo das sensacoes dolo-
rosas. Os pesquisadores chegaram a esta conclusüo bloqueando a secrecá"o
de endorfinas por meio de um inibidor; verificaram entao que o placebo
nSo aliviava as dores. O Dr. Patrick Lemoine, Chefe do Servico de Psiquia
tría do Hospital Le Vinatier (Li3o), afirma: "É muito provável que outros
neurotransmissores intervenham como, suportes bioquímicos do efeito
placebo".

Está claro que grande importancia toca ás atitudes do médico que mi


nistra o placebo. Já se observou o valor de urna palavra reconfortante:
"Vocé será curado ou curada dentro de tres dias com esse medicamento".

405
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

Estas palavras sao muito mais úteis do que outras do tipo seguinte: "O que
eu Ihe receito, pode-lhe ser útil; se nao, queira chamar-me de novo".

Há também o efeito contrario do placebo: o nocebo (prejudicarei); é


a atitude pessimista do médico.que, se nSo agrava o estado de um pacien
te, pode tornar nulo o respectivo tratamento. Isto leva o Dr. Patrick Le-
moine a afirmar que "certos médicos que muitas vezes obtém maus resul
tados, se deveriam interrogar a respeito das suas relacoes com os respecti
vos pacientes".

A pessoa do médico ou do agente de saúde desenvolve papel ainda


mais influente, se essa pessoa age em nome de urna crenca religiosa: xama-
nismo, marabutismo ou outra que utilize a imposicao das maos.

1.4. Aspecto ético

Levanta-se a questao: será moralmente h'cito recorrer a placebo no


tratamento de enfermos? A razao para duvidar é que tal procedimento
implica engañar o doente, mentindo-lhe. Precisamente a eficacia do place
bo decorre do fato de que o paciente julga estar sendo atendido com um
medicamento muito eficaz, recém-descoberto, cuidadosamente minis
trado, etc.

Este tipo de terapia tem merecido a condenacao de varias Comissoes


de Ética Médica. Na Franca a lei Huriet, promulgada em setembro de
1990, exige que as pessoas exprimam um consentimento esclarecido e livre
ao tratamento que Ihes é proposto.

Há também quem pondere o seguinte: um paciente procura seu médi


co para recuperar a saúde. O médico que Ihe atende, quer corresponder
aos anseios do cliente. Julga, porém, que o paciente é dotado de constitui-
cao psicossomática tal que a medicina convencional será de pouca utilida-
de ou mesmo poderá gerar efeitos laterais indesejados. Entáo por que nao
recorrer a um placebo devidamente estudado e ministrado, desde que na
ja probabilidade de efeitos salutares? O médico que assim procede, está
promovendo a cura do paciente, cura que este muito deseja e que nao con
seguiría (suponha-se) de outro modo. NSo se deveria ponderar caso por ca
so, em vez de rejeitar globalmente o uso de todo e qualquer placebo?

2. A IMPORTANCIA DAS EXPERIENCIAS

A tomada de consciéncia da eficacia dos placebo é de grande valor


nao somente para a ciencia médica, mas também para explicar fenómenos

406
O EFEITO "PLACEBO" 23

de curandeirísmo. Este é exaltado como terapia muito eficaz, mais do


que a convencional; a própria cirurgia de curandeiros ou de "médicos do
espaco" é elogiada como eficiente e valiosa. Os resultados positivos sao
explicáveis mediante presumidas ¡ntervencdes de seres do além, que esta-
riam atuando através de médiuns, pais-de-santo, benzedores... Tais expli-
cacSes conseguem convencer muitas pessoas... Ora a descoberta da efica
cia dos placebo dissipa a presuncao, do curandeirísmo, de ser dirigido por
entidades superiores e portentosas. Os efeitos positivos do curanderismo
podem ser enquadrados dentro do dinamismo de aclo dos placebo. As-
si m cai mais urna mistificacao de nossos tempos.

APÉNDICE

Á guisa de ilustracao e complementado, segue-se urna noticia pu


blicada pelo JORNAL DO BRASIL, aos 3/6/94, p. 8:

Eficacia de placebo é subestimada

WASHINGTON - Dores de cabeca, coluna, cólicas pos-operatorias


ou provocadas por anginas e asma podem ser combatidas, em grande parte
dos casos, com placebo - pílulas que simulam remedios mas que nSo tém
qualquer efeito farmacológico.

"A eficacia do efeito placebo no tratamento da dor tem sido subesti


mada", afirma a pesquisadora Judith Turner, da Universidade Washing
ton, de Seattle, baseada em um estudo que desenvolveu durante 15 anos e
que acaba de ser publicado na revista da AssociacSo Médica Americana
(JAMA).

Depois de analisar urna serie de publicacoes e os resultados de mais


de 75 pesquisas sobre os efeitos analgésicos obtidos por medicamentos e
cirurgias ficticios, Turner concluiu que o efeito placebo funciona em urna
proporcSo de pacientes muito maiorque os 35% estimados até agora.

Em urna pesquisa com 2.500 pessoas que apresentavam problemas


nos discos intervertebrais da coluna lombar e que se submeteram a cirur
gias — mas nSo chegou a haver intervencao porque nao se constatou a pre-
senca de hernia — 43% dos pacientes disseram nSo sentir mais dor após
a operacao. O mesmo efeito placebo foi constatado em 37% das pessoas
que se queixavam de dor no ñervo ciático.

Os resultados obtidos no tratamento da asma também foram sur-


preendentes.

¿07
Um novo livro sobre Educacao Sexual:

"SEXO COMO NO PRIMEIRO MUNDO'

Foi recentemente lampada a traducao brasileira de Guidelines for


Comprehensive Sexuality Education, guia de orientacao sexual elaborado
nos Estados Unidos pelo SIECUS (Sex Information and Education Coun-
cil of United States). No Brasil, o Guia foi traduzido sob a coordenacao
do GTPOS (Grupo de Trabalho e Pesquisa e Orientacao Sexual) e adapta
do á realidade brasileira; dizem os protagonistas que "acabou ficando me-
Ihor que o original norte-americano" (palavras do próprio representante
do SIECUS, Dr. William Yarbet). O trabalho de adaptacao foi coordenado
pela Sra. Marta Supplicy; destina-se a obra principalmente a professores
dos m'veis de primeiro e segundo graus, podendo ser muito útil á classe
médica, como dizem os comentadores (ver JORNAL DA ASSOCIACÁO
MÉDICA BRASILEIRA;abril de 1994, p. 6).

O manual defende a prática da masturbacao "para o prazer e o ali


vio de tensoes sexuais de pessoas que n§o tém parceiros". Defende tam-
bém o pretenso direito ao aborto mediante frases do seguinte teor:

"Um dos argumentos mais aceitos a favor da legalizacao do aborto


no Brasil é que se trata de urna questao de saúde pública e um direito da
mulher".

"A legalizado do aborto nao obriga a pessoa a realizá-lo, se isso con


traria seus va/ores moráis ou religiosos".

"Fazer um aborto em condicoes seguras e higiénicas raramente ínter-


fere na capacidade, da mulher, de engravidar ou de dar á luz no futuro".

Ora um grande médico, Professor Titular do Departamento de Medi


cina Clínica da Universidade Federal Fluminense, o Dr. Herbert Práxedes,
escreveu para o mesmo JORNAL DA ASSOCIACÁO MÉDICA BRASI
LEIRA um artigo que prova nao estar a classe médica de acordó com as
apreciacoes publicadas no mesmo periódico em suá edicao de abril pp.
— É precisamente esse artigo, que retoma o título do anterior, acrescen-

408
SEXO COMO NO PRIMEIRO MUNDO 25

tando-lhe urna interrogacao, que passamos a transcrever ñas páginas sub-


seqüentes.

SEXO COMO NO PRIMEIRO MUNDO?

Sob o título ácima oJAMB, de abril do corrente ano, divulga com


grande destaque o lancamento da adaptacao brasileira do livro america
no "Guidelines for Comprehensive Sexuality Education" coordenada pela
senhora Marta Supplicy. É mais um desservico que esta senhora presta á
educacao e medicina brasileiras.

Sexualidade é o conjunto dos fenómenos da vida sexual, a expressao


fenotípica própria a cada sexo e também urna forma de expressar, de
sentir e viver o amor humano. Nao pode, e principalmente nao deve, ser
confundida com um de seus aspectos: a genitalidade, biológicamente diri
gida á reproducao humana. A chamada educacao sexual, somente explici-
tando biológicamente o sexo, mais apropriadamente deve ser denominada
de ¡nformacao sexual. Aulas de informacao sexual, sem que os valores e
responsabilidades inerentes á atividade sexual humana sejam simultanea-
mente ensinados, fazem com que o adolescente tenda a , precoce e irres-
ponsavelmente, transformar em prática aquilo que teóricamente aprendeu.

Em numerosas escolas elementares americanas, há urna "School-based


clinic" onde os alunos, de qualquer idade e mesmo sem consentimento
paterno, recebem instrucoes e material de contracepcao, tratamento de
doencas sexualmente transmitidas e, quando julgado necessário, aspiracoes
uterinas para "fazer descer a menstruacao atrasada", obviamente abortos
precocemente provocados. Essa forma de abordagem sexual nos jovens dos
EEUU resulta atualmente em maisde um milhao de maes adolescentes além
de anualmente um milhSo e meio de abortos provocados. Gestacoes juve
nís, sempre inconvenientes, o aborto, a promiscuidade e suas conseqüén-
cias sao seus frutos.

Onde estao as vantagens de seguir-se este exemplo de "modernidade


de primeiro mundo", advogada pela senhora Marta Supplicy, se a conse-
qüéncia prática da marica informacSo sexual, sem formacao, fomecida á
crianca e ao adolescente, é assim catastrófica? É isso que o primeiro mun
do vem tentando nos ensinar a nao imitar e que pessoas como a senhora
Supplicy insistem em querer copiar. Nao acham que já temos problemas
demais?

Um extrato da publicacao em questao diz: "A legalizacao do aborto


nao obriga pessoas a realizá-lo, se isso contraria seus valores moráis ou reli-

409
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

giosos". Esta sentenca, de um relativismo absurdo, é parafraseada de urna


outra, em que a Suprema Corte Americana, no sáculo XVIII se referia á
escravidao: "Se vocé nao concorda com ela, nao ten ha escravos. A escravi-
dáb nao é obrigatória, mas nao tente impor sua moral a outros". Se a apli-
carmos a alguns problemas atuais como execucao de menores infratores
por grupos de exterminio, tortura, racismo, eliminacao de idosos inúteis,
de doentes crónicos, de deficientes físicos e/ou mentáis, etc., teremos um
bom exemplo de onde nos pode levar essa pseudo-moral.

Em outro trecho da publicacao, a ciencia do Direito é também


agredida, quando é afirmado que o aborto é um direito da mulher. Quem
outorgou á mulher esse suposto direito? O Direito Natural — fonte do Di
reito Positivo — garante a todo ser humano, nascido ou ná"o, o direito a
vida, e dele decorrem os demais direitos. Um simples estatuto legislativo
nao tem autorídade para revogar leis que nao foram feitas pelo homem.
Para a senhora Supplicy e seu grupo, n3o existem valores absolutos, como a
vida, cuja cotacao varia ao sabor dos interesses individuáis ou de grupos.

Em urna das varias incursoes em que a Medicina é diretamente atin


gida, a senhora Supplicy e companheiros dizem que o aborto no Brasil é
urna questao de saúde pública. É urna afirmacao, no mínimo, ja I adosa.
0 fato de muitos dos abortos realizados no Brasil — todos clandestinos —
em condicoes precarias de higiene complicarem gravemente, até com a
morte da mulher, nao os transforma em problemas prioritarios de saúde
pública, e muito menos justifica a criacao da Abortobrás, com a transfor-
macao de servicos hospitalares públicos em matadouros de criancas nao
nascidas. Ousariam os adaptadores da publicacao-sdvogar como solucao
para o problema do menor abandonado — um dos frutos do sexo irres-
ponsável e hedonista que eles advogam — seu exterminio por pessoas com
petentes, em locáis confortáveis e em condicoes higiénicas perfeitas, onde
eles seriam abatidos por "profissionais" e nlo por "amadores ou curio
sas?". A diferenca é apenas a idade.

A desnutricSo associada ás doencas parasitarias e infecciosas, conse-


qüente ás baixas condicoes sociais de urna grande parte da populacSo sao,
sob qualquer ángulo de vista serio, verdadeiros problemas de saúde pú
blica. A descriminalizacao do aborto nao viria solucionar nenhum deles e,
ao contrario, acrescentaria ¡números outros. Se aprovada, urna rede hospi-
talar pública, literalmente destrocada em todo o país, incapaz de atender á
demanda normal da populacao para reais problemas de saúde, teria acresci-
da em suas atribuicSes a execucao de criancas na"o nascidas sempre que
suas mSes nSo as desejassem.

Outro problema nao abordado na reportagem e aparentemente tam


bém ná"o no livro é: de quem seria a responsabil idade pela'execucao do

410
SEXO COMO NO PRIMEIRO MUNDO 27

trabalho sujo de eliminar as crianzas? Seriam os sexólogos especialmente


treinados? Dos médicos, cuja formacSo é toda dirigida a salvar vidas, é
que nao. Eles, para se graduarem, prestam um juramento solene, escrito
por Hipócrates 400 anos AC, com linguagem atualizada pela Organizacao
Mundial de Saúde, onde, entre outras, fazem a prornessa de nunca realizar
ou indicar abortos.

O aborto, se, para infelicidade do Brasil, algum dia for retirado da lis
ta dos crimes hediondos por alguma lei iníqua, votada por homens ¡ní-
quos, terá certamente a oposicao marica da Classe Médica. Ela certamen-
te, em sua grande maioria, nao se corrompeu. O Código de Ética Médica
garante ao médico, em seu artigo 28, a objecao de consciéncia, isto é, ne-
gar-se a realizar determinados procedimentos que, mesmo considerados le
gáis, atentem contra seus principios e valores.

(continuagao da pág. 395)

201-A, 20250-430 - Rio-RJ). Este sabio israelita defende a autenticidade


dos Evangelhos e comenta o trabalho do Jesús Seminar numa entrevista
concedida ao periódico 30 DÍAS, Janeiro 1994, pp. 51-55. Dessa entrevista
extra irnos alguns trechos de especial significado:

Repórter: "O senhor usou palavras muito duras para comentar a últi
ma moda exegética dos Estados Unidos, o Jesús Seminar..."

Neusner: "Creio que o Jesús Seminar é urna mistificacao intelectual


de gente que pretende saber coisas que é ¡mpossível saber. Antes, pensei
que era urna brincadeira. Agora nSo pensó mais assim. Sao pessoas que se
levam muito a serio e pretendem ter urna opiniSo fundamentada sobre
questoes dificéis de ser resolvidas. Pretendem até decidir as questSes com
o voto. Creio que tudo isso é absurdo. É mais do que urna mistificacao. Os
estudos sobre o Novo Testamento que conhecemos hoje, entraram em
urna 'bancarrota intelectual', porque deixaram de lado todo o capital de
racionalidade, lógica e argumentacSes rigorosas que sustentam a erudicüo.
NSo se pode renunciar a todas as regras e ser levado a serio".

Repórter: "Mas o sucesso deles é inegável. Revistas importantes como


a Time e a US News dedicaram dezenas de páginas ás teses deles. Como se
explica isso?"

Neusner: "É o sucesso de urna operacao de public relations. Voces sa-


bem muito bem como sao os Estados Unidos... O sucesso deles n§o é inte-

(continua na pág. 415)

411
Des-educacao sexual:

'UMJOGO PELA VIDA'

por Cl. Mesquita e B. Salgueiro

Em símese: Está sendo utilizado ñas escolas da rede oficial do Estado


do Rio de Janeiro um manual de pretensa preservacao contra a AlDS, pa
trocinado pelo BANERJ, apoiado pela Secretaria Estadual de Educacao do
Rio de Janeiro e financiado por duas instituicoes estrangeiras. É livro de
realismo vulgar, que descreve a cópula sexual e os perigos de contrair
A/DS nessa ocasiao, sem apresentar alguma escala de valores nem o senti
do da sexualidade humana.

Em réplica a esse texto vai, a seguir, publicado, em traducao brasilei-


ra, um artigo de D. Jacques Fihey, Bispo de Coutances, que aponta a casti-
dade ou o amor conjugal fiel como única defesa segura do organismo con
tra o flagelo da AIDS.

* * *

Está sendo distribu ido na rede escolar oficial do Estado do Rio de


Janeiro um manual intitulado "Um Jogo pela Vida. Tudo que vocé nunca
pensou sobre Al DS e que nos gustaríamos que vocé soubesse". É obra de
Claudio Mesquita (textos) e Bia Salgueiro (desenhos) com a colaboracao
de Marco Py (pesquisa bio-médica) e Sheila Gliosci (revisao). A edicao de
410.000 exemplares foi financiada por instituicoes estrangeiras: ABF/Es-
tocolmo e Public Welfare Foundation, Ins. A obra conta com o apoio da
Secretaria de Estado de Educacao do Rio de Janeiro e com o patrocinio
do Banco do Estado do Rio de Janeiro (BANERJ). Como responsável pela
edicSo, consta a ABIA (Associaclo Brasileira Interdisciplinar de AIDS),
Rio de Janeiro 1992.

O texto é redigido em estilo simples, usando o jargá'o popular ou


mesmo vulgar; mostra com realismo a maneira como funcionamoaparelho
genital masculino e o feminino, procurando assim evidenciar como se pode
contrair a AIDS mediante a cópula sexual. A conclusao de toda a explana-
cao é a recomendacao do uso do preservativo como se fosse a.garantia de

412
"UM JOGO PELA VIDA" 29

"sexo seguro". Nenhuma norma ética é ai proposta, nenhuma escala de


valores, nenhuma apreciacáo do sentido da sexualidade e da genitalidade...
O leitor acaba tendo a impressá'o de que o uso da genitalidade em qualquer
idade é um imperativo ao qual ná*o se pode ou nao se deve resistir; o que
importa, é tomar as cautelas para ná*o contrair as molestias que daí pro-
venham.1 Ora isto nao é educar, mas, sim, deseducar; é reduzir o ser hu
mano a seus impulsos naturáis, desregrados que sejam, sem a mínima in-
tencao de formar o caráter ou a personalidade mediante o despertar de
bons hábitos. Tal desservico prestado á juventude brasileira tem o patro
cinio e o apoio das autoridades governamentais e de instituicoes estrangei-
ras que financiaram a vultosa edicao de 410.000 exemplares!

A juventude é assim explorada e ludibriada, pois a própria imprensa


tem noticiado repetidamente que os preservativos s3o falhos, porque po
rosos e suscetíveis de rebentar duante a cópula sexual. Ver a propósito
PR 384/1994, pp. 225-229.

Muitas vozes sensatas se tém levantado contra a recomendacao de


preservativos. Nestas páginas vem reproduzido em traducao portuguesa o
artigo.de D. Jacques Fihey, Bispo de Coutances (Franca), publicado no
Boletim Diocesano de Coutances, n° 9, de 4/5/1994.

I. "LUTAR CONTRA A AIDS"

Ouco, muitas vezes, criticas á pos ¡cao da Igreja Católica relativa á


AIDS; raramente, porém, essas críticas procedem de um conhecimento
exato do que é essa doenca. Eis, por conseguinte, o qge pensó.

Para lutar contra a AIDS, é preciso agredir o essencial. A sexualidade


é urna realidade humana fundamental dotada de sentido profundo; todo
ser humano, religioso ou nao, compreende que nao se pode fazer qualquer
coisa neste setor. A Biblia diz aos fiéis que Deus criou o homem á sua ¡ma-
gem, homem e mulher Ele os criou. Isto quer dizer que a doacSo mutua
e o compromisso de amor do homem e da mulher, vividos muito especial
mente na relacao sexual, exprime algo da realidade de Deus, que é amor.
Por isto, interessado, com a Igreja, em guardar o valor fundamental da se-

1 "Todos os seres humanos transam de urna forma ou de outra e há mui-


tos milenios. Porém, neste momento transar pode ser muito arriscado, se
nao conhecemos os cuidados que devem ser tomados para anular os ris
cos. E sao bem poucos e muito simples. Nenhüm carinho ou bei/'o passa
AIDS. Nem mesmo o bei/'o na boca" (p. 16).

413
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

xualidade humana, creio que o homem é afetado por tudo o que diz res-
peito á sexualidade; a humanizado do homem se faz ou desfaz, em pro-
porcOes significativas, de acordó com a maneira como a pessoa vive a sua
sexualidade. Isto é tao verídico que, cada vez que o homem dissocia um
do outro sexualidade e compromisso de amor, ele se destrói; a pornogra
fía, a prostituiclo degradam homens e mulheres; degradam a humanidade.
Eis por que protesto quando se reduz a luta contra a AIDS ao uso de pre
servativos. Isto quer dizer concretamente que os homens julgam quase ine-
vitável, muito natural, que as pessoas tenham relacoes sexuais com muitos
parceiros; só importaría o uso de preservativos.

Antes de falar do preservativo, é preciso falar, principalmente aos jo


vens, a respeito do sentido da sexualidade; é preciso dizer-lhes que a f ide-
lidade, num casal, é humanizante e construtiva. Para todos aqueles que vi-
vem essa fídelidade, o preservativo nao tem utilidade, ao menos se nenhum
dos dois é portador de HIV. Somente os preconceitos impedem de ver, e
talvez de dizer, que a fidelidade é urna das vias para lutar contra a AIDS.
Os jovens valem muito mais do que aquilo que se imagina quando só se
Ihes fala de preservativos. Joao Paulo 11 disse aos jovens de Uganda que o
laco sexual da castidade é a única maneira segura e virtuosa de por fim a
essa praga trágica que é a AIDS;ele nao Ihes falou de preservativo, contra
riamente ao que pensam as pessoas que criticam a posicao do Papa.

Da mesma forma, a questao do preservativo (na medida em que seja


de confianca) só se coloca para aqueles que o querem ou para aqueles que
nao sabem viver a fidelidade, para aqueles que tém encontros sexuais com
parceiros múltiplos. A esses ná"o digo que eles tém razio; ao contrario,
creio que destroem pouco a pouco em si mesmos algo de muito belo... A
um comportamento que nSo se pode aprovar, nao queiram acrescentar
um risco grave. Seria avolumar a falta.

Um jovem dizia-me, um dia, para justificar o recurso aos preservati


vos: 'Quando o fogo comeca a arder, é preciso urgentementeapagaroin
cendio', é verdade; é preciso apagar o incendio, mas é preciso tarnbém evi
tar as causas do incendio e nfo acumular materia inflamável na casa que
queima. Ora tenho a ¡mpressao de que, apregoando o preservativo, os ho
mens v3o acumulando materias inflamáveis. Assim sSo implícitamente es
timuladas as relacoes sexuais múltiplas, precisamente esse fator que causa
adifusSodaAlDS".

II. REFLETINDO...

O texto de D. Jacques Fihey é simples e claro. Diz-nos que, se quere


mos combater a AIDS, devemos ir ao ponto essencial da luta: Ora este se

414
"UMJOGO PELA VIDA" 31

acha na sexualidade humana - algo de grande e digno que faz parte da


nobreza do ser humano. Quando se banaliza a sexualidade, banaliza-se a
própria pessoa humana. Ora a recomendacSo de preservativos é implícita
mente o abono do sexo livre ou do libertinismo sexual ou, aínda, da de-
gradac§o do homem. Favorecendo as múltiplas relacSes sexuáis sem
parámetro, o preservativo, em vez de combater, tormenta a AIDS e sua
propagacao.

A única maneira de combater eficazmente o flagelo é, como disse


Joao Paulo II, a castidade ou o uso do sexo dentro dos referenciais insti-
tui'dos pela natureza (= pelo Criador), ou seja, dentro da vida conjugal vi
vida em amor e fidelidade.

(continuagao da pág. 411)

lectual, mas um modo de fazer publicidade e ganhar dinheiro. Mas a publi-


cidade e a verdade nao sao a mesma coisa".

Repórter: "E qual é a sua postura?".

Neusner: "Nao quero entrar em discussoes muito complicadas. Mas


eu pergunto por que nao podemos identificar nao só o Jesús da historia,
mas também o Jesús Cristo da fé ñas coisas ditas pelo Jesús de Mateus. E
pergunto: por que o Jesús dos eruditos deve ser mais importante que o Je
sús que foi considerado bom por milhSes de fiéis durante os sáculos? A
distincáo entre um e outro, importante para alguns teólogos e apologetas
tanto do judaismo como do cristianismo, impressiona-me pela falta de
fundamentado. Dizem que os Evangelhos a presentam muitas discordan
cias, mas eu prefiro notar que durante sáculos os cristaos estiveram satis-
feitos com a harmonía que está presente neles... Os mesmos dados que im-
pressionaram os estudiosos dos últimos duzentos anos, nao causaram gran
de ¡mpressao nos fiéis dos dezoito sáculos anteriores. O ini'cio da escola
exegética que pretende distinguir o fato da ficcSo, o mito ou a lenda do
evento auténtico, depende do modo como os teólogos protestantes, prin
cipalmente na Alemanha, comecaram a escrever a vida de Jesús, ná"o se-
guindo simplesmente a letra dos Evangelhos, mas julgando-os. Essa atitude
de ceticismo sistemático cobre os Evangelhos com consideracSes que as
geracSes anteriores nao tinham concebido".

415
Tentando levantar o véu...

CAMPAN HAS CONTRA A AIDS


NA CONTRAMÁO

Em sintese: Dr. Helio Begliomini, como médico pós-graduado pela


Escola Paulista de Medicina, julga que o recurso a camisinhas e preservati
vos é ineficaz para evitar a propagacao da AIDS; alias, a experiencia mes-
ma mostra que a doenca se alastra sempre mais. Preconiza, pois, urna me
dida mais radical no combate a tal molestia, ou seja, a mudanca de costu-
mes da nossa sociedade libertina, mudanca sem a qual é inútil qualquer
campanha de prevencao. De resto, observa o Dr. Begliomini que tais cam
panhas, enquanto favorecem indiretamente a propagacao da AIDS, pro-
porcionam negocios altamente lucrativos a todas as empresas que de algum
modo estao ligadas ao exercício da sexualidade.

* * *

0 Dr. Helio Begliomini, já conhecido por sua colaborado com


PR, é pós-graduado pela Escola Pau lista de Medicina e médico do Hospital
do Servidor Público do Estado de Sao Paulo (HSPE-FMO). Preocupado
com a difusSo da AIDS, escreveu um artigo que vai, a seguir, publicado,
e no qual denuncia a ineficacia das campanhas ditas "de prevencao contra
a AIDS"; a molestia tem-se propagado sempre mais. E propoe como solu-
cao radical para o problema a mudanca de costumes libertinos da nossa
sociedade. Nota outrossim que, enquanto as campanhas "preventivas" nao
surtem os almejados efeitos, propiciam negocios altamente lucrativos a
firmas ligadas ao exercício da sexualidade. Daí o título do artigo abaixo,
que, alias, faz eco a tres outros artigos deste fascículo.

CAMPANHAS DE PREVENQAO DA AIDS NA CONTRAMÁO.


A QUEM INTERESSAM?

Infelizmente urna das poucas posicSes de destaque ocupadas pelo


Brasil no cenário internacional se refere á grande incidencia de portadores
da Síndrome da I mu nodef¡ciencia Adquirida (AIDS). Os dados sao alar
mantes e, segundo os especialistas, a cifra de pessoas contaminadas com o
virus é ao redor de tres a quatro vezes aquela sabidamente conhecida atra-

416
CAMPANHAS CONTRA A AIDS NA CONTRAMÁO 33

vés da notificado compulsoria. Este número representa, de fato, um


grande "exército", apto a atacar "invisivel" e "silenciosamente" seus
adversarios sadios, como se estivesse implantada em cada um deles urna
bomba mortal, programada para explodir cinco... sete ... ou dez anos
mais tarde.

Torna-se fato inconteste que a grande maioria dos portadores do vi


rus da AIDS adquiriu sua condicao através de disturbios do comportamen-
to: quer por meio de relacoes sexuais descompromissadas, múltiplas e/ou
promiscuas, quer através da utilizacao de drogas injetáveis. Paralelamente,
temos assistido a um ¡nvestimento macico em campanhas ditas "de pre
vencao" nos mais diversos e persuasivos matizes de veiculos: jomáis, pan
fletos, outdoors, cinema, teatro, te levi sao, vídeo-tapes, fitas, radio, revis
tas, boletins etc.

Curiosamente, as pesquisas divulgadas pelos especialistas no assunto


demonstram que a AIDS continua crescendo alarmante e céleremente,
apesar dos esforcos empreendidos em termos de prevencao.

Parece que os grupos de risco (homossexuais, heterossexuais promis


cuos, e drogados) nao estao, em sua maioria, preocupados com a doenca
e sua transmissibilidade. Para alguns, disseminara doenca torna-se até ma-
nifestacao de revolta por ter contra ido urna enfermidade incurável. Esta-
riam as campanhas preventivas mal orientadas? Dirigidas de forma inade-
quada? Sem suficiente penetracao nos meios visados? Tudo indica que
nao. Parece, sim, que a populacao mais susceptivel é dominada por urna
mentalidade alienada e distorcida dos padrees da normalidade. Tal fato
é muito bem alimentado por urna sociedade essencialmente egoísta,
consumista e hedonista, onde levar vantagem sobre outrem passa a ser o
objetivo primordial do individuo. Ademáis, a acentuada solidao em que
vivem os cidadaos dos grandes centros urbanos, aliada á miseria cada vez
mais presente, ao lado do despreparo educacional, favorecem a busca de
alternativas alienantes, mais facéis, e nem sempre honrosas. Por sua vez,
a situacao torna-se mais favorável numa sociedade "conformada", onde as
pessoas se omitem, e ná~o se posicionam a favor do bem. Talvez se ludibri-
em numa falsa liberdade, segundo a qual cada um é dono de si, podendo
fazer o que bem quiser, desde que nao incomode os outros. A AIDS pare
ce ilustrar um vetusto e popular aforisma que diz que a "liberdade de um
comeca onde termina a do outro". Mas qual é a sua medida ética?

Após estas consideracoes, faz-se necessário perguntar: A quem se des-


tinam as campanhas de prevencao da AIDS? — Constata-se que sao um ne
gocio altamente lucrativo para empresas ligadas ao sexo ñas suas mais di
versas formas de atuacSo, sempre oferecendo empregos diretos e indi retos.

417
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

As industrias de preservativos, apenas um exemplo, tém suas metas supera-


tingidas e nunca venderam tanto quanto em nossos dias. Acrescenta-se a
este fato que, num sistema de Governo acostumado a receber propinas
através da participacao ñas transacSes de quaisquer especies de projetos,
obras e compras de mercadorias, a falta de ética parece pairar nao mais em
receber porcentagens, mas no definir o elevado montante dessas porcen-
tagens.

Paralelamente, varios médicos "opinión makers" e profissionais rela


cionados á área da saúde tém sido muito solicitados para falar, aqui e aco
la, sobre a situacao sombría da AIDS. Tais andanpas, se nao representam
real beneficio á prevencao deste inexorável flagelo, pelo menos proporcio-
nam bons dividendos políticos e promocional aos seus protagonistas e
promotores.

Conseqüentemente, faz-se mister acrescentar urna frente a mais, e só


lida, na batalha contra a AIDS. Desta vez, através da genui'na divulgacao
dos bons costumes. Pouco vale tao somente informar, mas vale muito for
mar pessoas. Números e estatísticas que nao visam ao homem na sua in
tegral idade, sao um irracional saco vazio. Portanto, querer prevenir a
AIDS sem explícito, rígido e firme combate ao consumo de drogas e á
dañosa prática sexual ¡rresponsável, com seus múltiplos meandros e nuan-
pas de apresentapao, é, no mínimo, incoerente e inconseqüente. Nisto os
experts deveriam concordar. Alias, ná*o se requerem apenas técnicas, mas,
sim, homens íntegros e corajosos para mudar os rumos.

Até hoje nao se descobriram medidas científicas para se obter a cura


e a tá*o sonhada profilaxia da AIDS. E necessário, porém, que se compre-
enda que urna enfermidade certamente mortal, disseminada, em sua maior
parte, por desvíos comportamentais, deve ser combatida lucidamente por
urna mudanpa de costumes.

Portanto, querer prevenir a AIDS distribuindo preservativos e ofer


tando seringas descartareis aos respectivos grupos de risco 6, ao mesmo
tempo, estimular a frouxidao de costumes, a debilidade de carátere, indi-
retamente, a própria disseminacao da doenpa. É querer equipar um carro
de corrida com pára-choques de borracha e orientar o piloto a dirigi-lo na
contramao em plena competipao. Chegará a salvo através das múltiplas e
repetitivas oportunidades de acídente, apesar das placas de sinalizacao e
de sua "protecSo"?

418
Testemunho eloqüente:

ACOMPANHANDO UM JOVEM AIDÉTICO

Em smtese: Eis o testemunho de uma apóstola dos doentes, que nar


ra os seus encontros com um aidético. A principio, revoltado contra tudo,
reconciliou-se com Deus, voltando a usar o crucifixo que ele anteriormen
te trazia pendente ao pescoco. — Morreu sereno, embora nao tenha rece-
bido os sacramentos fináis. Esse fim de vida tranquilo, após atitude de re-
volta e desánimo, se deve ápaciencia zelosa e as oracoes assíduas de A.G.,
que soube comportarse com o rapaz de modo delicado e caridoso.

* * *

A AIDS é um maiores flagelos de nosso tempo, causando certa retra-


cao do público em geral. Todavía existem pessoas dedicadas que nao se
furtam ao trato caridoso e benévolo de seus irmaos sofredores. Entre elas
seja mencionada uma anónima agente da Pastoral dos Enfermos (aumonié-
re d'hópital) na Franga, que deixou por escrito o testemunho de sua expe
riencia com um jovem aidético. Este depoimento foi publicado pela revis
ta Vie Chrétienne, n? 385, abril de 1994, pp. 4-7. Merece ser divulgado,
pois, em meio ás tragedias que afetam a nossa sociedade, poe em relevo luz
e amor voltados para a desgraca alheia. Ei-lo em traducao portuguesa.

I. O TESTEMUNHO

"Acompanho pacientes em fase terminal, mas prefiro dizer que


acompanho os doentes para os fazer viver do melhor modo possível até
o fim.

Existe entre nos um Servico que acompanha tao somente os enfer


mos atingidos por AIDS, assim como os drogados e os que tentaram o
suici'dio. Foi precisamente nesse Departamento que eu tive de intervir
para acompanhar um doente aidético.

Esse acompanhamento durou cinco semanas. A pedido do médico, eu


fui ter junto a um rapaz que chama reí Patrick, de trinta e dois anos de

419
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

idade. O médico dissera-me: 'Minha senhora, ele necessita de ser ouvido


muito particularmente'. As palavras 'muito particularmente' me perturba-
ram um pouco. Que significavam no caso? Perguntei entao: 'Doutor, que
entende o Sr. por escuta muito particular?' Respondeu-me: 'Creio que ele
tem uma fé muito vaga; ele procura algo'. Passei pela cápela para criar o
vazio em mim, rogar ao Espi'rito Santo e fui ter á cabeceira desse enfermo.

Viera do Sul. Fazia questSo de guardar um certo incógnito; a fami'lia


nao estava a par da sua doenca. Fiquei sabendo que somente sua irma Ihe
conhecia o estado de saúde. Por conseguinte, ao entrar no quarto, eu
nao conhecia esse senhor, e quase nada havia no seu fichário. Logo coló-
cou-me ele á vontade, pois foi o primeiro a falar, perguntando: 'Sabe a
Sra. de que mal eu sofro?' Respondí afirmativamente: 'Vocé sabe que te-
nho acesso aos fíchanos médicos para poder ajudar os pacientes, mas estou
obrigada ao segredo profissional. Nao se preocupe portanto'.

Após o primeiro contato, logo senti em Patrick uma enorme revolta


interior, mal expressa e desajeitada. Ele nao sabia como havia de me pedir
ajuda. Também nao sabia como eu ia aceitar e acolher o seu pedido; ele
modisse mais tarde. Acrescentou logo que ele me conhecia mediante o
pessoal de enfermagem. Minha visita foi abreviada por um chamado, mas,
antes que eu deixasse o quarto, ele nao quis deixar de me dizer: 'Até
amanhá".

No dia seguinte, encontrei um rapaz totalmente prostrado, apagado,


ausente. Apesar de tudo, respondeu ao meu 'Bom dia' e pediu-meque me
sentasse. Fez-se um silencio total entre nos. Ele tomou mesmo o cuidado
de virar a cabeca para nao mais me ver. Uma atitude silenciosa de acolhi-
mento nao era coisa fácil. Podem imaginar a minha angustia. Eu sentia em
mim uma forca intensa que me levava a dizer-lhe algo;eu quería irdepres-
sa demais, mas, ao mesmo tempo, eu dizia no fundo de mim mesma: 'Vai
devagar. Tu queres conseguir que ele exista com o seu passado, no pleno
respeito á sua pessoa; tu o queres reconciliar com a vida, entao vai deva
gar. Na verdade, nao houve abertura alguma. Todavia a sua chaga estava
bem presente. Vivemos esse silencio durante uns dez días. Cada dia dizia-
me ele: 'Até amanha\

E esse amanha chegou. Num domingo em que eu estava de servico,


levando a ComunhSfo a outros doentes, o médico veio dizer-me que Patrick
quería ver-me. O enfermo acolheu-me dizendo: 'Este é um dia belo para
voces, hoje; é domingo'. Respondi-lhe: 'Com efeito; tenho a alegría de dis
tribuir a Comunhao a alguns doentes do Departamento em que vocé está'.

Nesse momento uma descarga de agressividade, de maldade, de gros-


seria caiu sobre mim. Ele me falou, aos gritos, da sua revolta, do seu sofri-

420
ACOMPANHANDO UM JOVEM AIDÉTICO 37

mentó, da sua dor e, a seguir, dos seus pesares, a tal ponto que urna enfer-
meira veio, através da porta semi-aberta, perguntarseeu precisava de ajuda.
Eu tentava manter-me tao calma quanto possi'vel e rezava, rezava. Acabou
dizendo-me: 'Como é que a Sra. quer que me sinta á vontade em meio a
toda esse turbulencia?'. Acrescentou com mais calma: 'A Sra. sabe, o silen
cio era apenas um modo de testá-la. Eu julgava que a Sra. fosse fazer um
discurso moralizante, que fosse dizer-me que eu causaría pesar á minha fa
milia no dia em que soubesse que sofro de AIDS...' e assim por diante.
Após alguns minutos de silencio, ele retomou: 'Que terá acontecido para
que hoje eu precise de Ihe gritar meu sofrimento e minha revolta?'.

Nesse momento, ousei dizer-lhe que, desde o nosso primeiro encon


tró, eu rezava por ele e que o Senhor acabara de nos dar um sinal da sua
presenca em meio a nos. Entao ele me pediu que me retirasse, porque ele
estava cansado.

No dia seguinte, ele solicitou-me que apanhasse a sua corrente e a sua


cruz que estavam em sua bolsa. Eu o fiz ¡mediatamente. Perguntei-lhe:
'Por que ná*o as traz mais consigo?'. Respondeu-me que havia muito tem-
po que estavam em sua sacóla porque ele nao se sentia dignodeastrazer;
aquele dia, porém, era, para ele, um momento de reconciliacao com o
Senhor, algo de muito simples que ele quería realizar na intimidade. Se-
guiu-se urna partilha de reminiscencias: falou-me do seu passado, fora esco-
teiro... mas misturava as coisas; e, para ele, tudo era negativo. Eu tentei
mostrar-lhe o lado positivo da sua vida, pois ele fizera coisas magníficas.
Isto durou bastante tempo; devo dizer que fui a prímeira a me cansar, e
disse-lhe simplesmente: 'Podemos interromper esta conversa, estou cansa
da, mas antes vamos rezar com palavras que saem do meu coracao'.

Diariamente durante semanas caminhamos assim. Tranquilamente,


sempre seguindo as suas perguntas. Eu nunca me quis antecipar; chegamos
a falar da morte, da morte dele. Ele nao tinha medo de morrer; ele quería
saber como ia morrer e se ia sofrer. Em dado momento, ele me disse: 'Que
é que eu serei diante de Oeus após a vida de malandro que eu levei? Como
isto me angustia!'. Esta interrogacao me deu a ocasiao de dizer-lhe que esse
Deus de amor e misericordia estava muito perto dele nesse momento, pois
o gesto de voltar a usar a cruz desde o dia do seu retorno equivalia a um
Sim dito ao Senhor. Chorou muito, segurou-me a mao e abracou-me.

No dia seguinte de manhS, a enfermeira acolheu-me dizendo-me:


'Entao, vai ao encontró marcado amoroso!'. Passei por umsobressalto; ela
continuou: 'Imagine, Senhora G., que Patrick nos chamou ontem á noite,
a todas, e nos disse que estava bem melhor desde que se sentia enfim ama
do como tal'. Na verdade, era um encontró amoroso para mim.

421
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

Caminhávamos devagar; talamos dos sacramentos, do padre, um pouco


desordenadamente. Nunca eu me despedía dele sem urna ¡nvocacao á Vír-
gem e urna orapao.

Naquela noite, ele me disse: 'A Ave-Maria nao se canta?' — 'Se vocé
quer, eu acantarei'.

Quanto mais eu me ad¡antava nesse acompanhamento, tanto mais


estava em paz, pois eu sabia que o Senhor nos antecedía, e que em cada
um dos nossos encontros Ele estava presente; Ele me possibilitava acolher
os ¡rmaos como eles eram, mesmo que eu tivesse a ¡mpressa*o de estar mar
cando o passo ou até de estar voltando atrás. Eu quería, ácima de tudo,
respeítar a marcha do irmao.

Deíxando-o naquele sábado, sentí algo que nao pude explicar; era um
pressentimentó auténtico, poís, de noíte, o Departamento me chamou
dízendo-me que Patríck me desejava.

Encontrei-o meio-sentado em seu leito, em paz, sorríndo. Entrei nes


se quarto com angustia e medo, dizendo: 'Senhor, que hei de fazer ou de
dízer?'. Logo, porém, ele me ¡nterpelou: 'Eu nao quería ¡r embora sem
Ihe dizer Obrigado'. Tomei-o pela mSo e perguntei-lhe se eu podía ir cha
mar urna das enfermeiras que se haviam ocupado especialmente com ele,
pois ela precisava de Ihe dizer, ela também, quanto ela o amava. Respon-
deu-me ele: 'Nao; nao quero que ela me veja na agonía'. Com efeito;em
poucas horas, o seu físico se degradara terrivelmente. Para ele, eu era urna
estranha ao mundo médico e ¡sto o incomodava menos.

E, com um olhar cheio de luz, radiante, ele me pediu que cantasse,


dessa vez, o Magníficat. Eu tinha sempre a mao dele na minha; em dado
momento, sentí que ele a apertava mais forte do que de costume, e foi
o fim.

Sim; eu chorei... de alegría também. Agradecí ao Senhor as maravi-


Ihas que Ele tinha realizado no coracSo de seu filho, e a ocasiao de encon
trar Patrick.

Foi esta urna facanha que marcou profundamente o Servico. Eu teria


gostado de que ele particípasse mais; mas creio que, antes do mais, era pre
ciso preservar a ¡ntimidade e a vontade desse paciente. O fim foi, para
mim, rápido demais; fiquei aínda ansiosa...; teria desejado urna Común nao,
urna Uncao dos Enfermos, como sugería a nossa formacao; mas o Senhor
decidiu de outro modo. Fiz a dura experiencia de minha pobreza; senti-

422
ACOMPAMHANDO UM JOVEM AIDÉTICO 39

me, muitas vezes, despreparada, mas creio que a oraclo foi, para mim, um
sustento inestimável.

A.G.
Agente de Pastoral de Hospital"

II. COMENTANDO. ..

Este depoimento chama a atencao sobre quatro pontos:

1) a delicadeza respeitosa da Sra. A.G., que deixou o jovem á vontade


para que se manifestasse como quisesse e quando quisesse. Nao o tendo
incitado a falar, facilitou-lhe a abertura espontánea para Deus.

2) A carencia, de afeto e carinho experimentada pelo jovem paciente;


sentiu-se reviver ou melhorar depois que atguém Ihe mostrou benevolencia.
As vezes, mais importante do que a técnica e sua aparelhagem é, para o en
fermo, a mío que o segura em sinal de solidariedade amiga.

3) A fé pode vir á tona e revigorar-se em presenpa dos sinais do amor


de Deus. Infelizmente o enfermo nao chegou a receber os sacramentos fi
náis, mas deu pravas de procurar sinceramente a Deus no termo da vida;
estava arrepentido e tentou unir-se a Cristo mediante a imagem do Cruci-
fixo. Só Deus sabe o que vai no íntimo dos homens em fase terminal;
pode ser que esse enfermo tenha feito tudo o que sabia e podia fazer para
se reconciliar com Deus nos últimos momentos de sua existencia terrestre.
O Senhor o terá recebido em seu regaco de amor.

4) Parece que mais de quinze milhoes de pessoas no mundo estao afe-


tadas por AIDS. Sao cinco mil aproximadamente os casos detectados cada
dia. Esta realidade constituí um desafio nao somente para os médicos e
agentes da saúde, mas também para os cristaos comprometidos, pois o pro
blema nao é de ordem meramente medicinal, mas é também, na maioria
dos casos, moral. NSo se pode silenciar o fato de que a AIDS se prende,
muitas vezes, aos desvíos e abusos sexuais. Só a revisto da escala dos valo
res á luz da fé pode por um dique ao progresso da molestia.

* * *

Reencarnacao: Pros e Contras. Opúsculo reeditado agora pela Escola


"Mater Ecclesiae"; juntamente com quinze outros ("Por que nao sou pro
testante?". Por que nao sou espirita?", "Porque nao sou ateu?"), integra
a serie catequética. Pedidos á caixa postal 1362,20001-970 Rio (RJ).

423
A situacao da Igreja

NA ALBANIA QUE RENASCE...

Em sintese: 0 Pe. Simón Jubani, albanés, que passou dezoito anos


em prisao pelo simples fato de ser católico, descreve algo do que foi a per-
seguicao religiosa nos tempos do comunismo albanés. Mostra o heroísmo
de familias e grupos católicos, que, arriscando a vida, mantiveram a fé e
algumas poucas expressoes de sua religiao num ambiente sufocador. Atual-
mente existe liberdade religiosa no país, nao, porém, registrada na Consti-
tuicao nacional; a situacao ainda é ambigua. Os católicos, que nao sao
mais do que 13'/< da populacao do país, gozam de certo prestigio perante
as autoridades e os próprios muculmanos (que sao 67% da populacao). A
reconstruQao material e espiritual da Albania está sendo ardua, mas empre-
endida com grande coragem. 0 autor expoe esta situacao com fervor reli
gioso e zelo patriótico, e termina pedindo a ajuda dos povos irmaos.

* * *

Publicamos, a seguir, em traducao brasileira, um artigo do Pe. Simón


Jubani, albanés, que passou dezoito anos em prisao pelos simples fato de
ser católico.1 É um dos poucos clérigos sobreviventes á grande noite que
se abateu sobre a Albania durante cinqüenta anos de comunismo. As suas
palavras, que revelam grande amor á patria e á Igreja Católica, apresentam
algo do histórico da Igreja Católica na Albania dos últimos tempos.

I. A IGREJA NA ALBANIA

A Albania, situada nos Baleas, é o país mais atrasado da Europa por


causa das sucessivas ocupacSo que sofreu por parte de povos estrangeiros.
Após nove séculos de ocupacoes bizantina, houve o imperio turco, que do-
minou a regiSo durante cinco séculos. 0 comunismo Ihe infligiu o golpe de
misericordia, apoderando-se da Albania pelo período de cinqüenta anos

1 0 texto castelhano foi publicado pela revista mexicana Ecclesia, faneiro-


marco de 1994, pp. 79-85.

424
NA ALBANIA QUE RENASCE, , .

após a segunda guerra mundial (1939-1945). A nacao conta tres milhSes


de habitantes, 67% dos quais sao muculmanos, 20% ortodoxos e 13% cató
licos; estes vivem no Norte do país, em "Shkodra com as cinco monta-
nhas". Ñas montanhas refugiou-se a minoría católica para escapar da ira
dos turcos. Somente Shkodra, cidade do Norte, tem sua historia religiosa
própria.

Os albaneses foram libertados do jugo turco em 1912. Até o advento


do comunismo faziam parte da Europa Ocidental. As grandes potencias
européias haviam confiado á Italia o atendimento á Albania; houve peritos
italianos na Albania até 1944; deram á Albania otomana urna fisionomía
européia, construindo rúas, escolas, pontes, hospitais, servicos públicos
como Correios, Telégrafos e outros elementos que caracterizam um Estado
civilizado.

A Igreja na Albania, com as suas seis dioceses, tinha em 1944 um De


legado Apostólico, representante da Santa Sé, seis Bispos e duzentos sa
cerdotes diocesanos e religiosos. Editavam-se lá periódicos e impressos ca
tólicos. Existia a escola católica (primaria e secundaria). Havia dois Semi
narios (a Teología era estudada no estrangeiro), dois orfanatos e outras
instituicoes religiosas, culturáis e sociais, mediante as quais a Igreja dava
tom europeu ao país inteiro. Apesar disto, a nacao, aínda em nossos dias,
é considerada térra de missao. Cento e cinqüenta Irmasalbanesasdirigiam
as creches, institutos de instrucao elementar e media para meninas. A mi-
noria católica levava todos os seus filhos as escolas católicas nao mistas;
estas instituicSes vinham a ser um oasis naquele deserto que se chama Al
bania e que, apesar de tudo, está destinado a reverdescer. As influentes fa
milias muculmanas e ortodoxas levavam seus filhos aos colegios católicos.
Por conseguinte, a Igreja tomava parte ativa na vida cotidiana do país.

Aos 29 de novembro de 1944, com a ascensáfo do comunismo ao po


der, a Albania passou da esfera ocidental para a oriental. Até aquela data o
Governo jurídico representava os interesses de todos os cidadaos. Foi subs
tituido por um cIS. A nacao caiu em maos de pessoas sem escrúpulos, que
¡mediatamente expulsaran) os peritos italianos, assessores do Estado, e em
1944 mandaram vir peritos comunistas servios, depois soviéticos e mesmo
chineses, uns mais comunistas do que os outros.

Ao passo que nos outros países ex-comunistas, satélites da Uniao So


viética, a perseguicao foi leve, a Igreja na Albania sofreu um genocidio
radical; de um total de duzentos sacerdotes foram condenados á morte,
com ou sem processo, cento e quinze, além de cinco Bispos. O clero alba-
nés passou anos ñas prisSes e nos campos de concentrac3o; todas as insti
tuicSes religiosas, culturáis e sociais da Igreja foram arrasadas. O ditador

425
42 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

Enver Hoxha aplicou rigorosamente a doutrina de Marx, Engels, Lenin e


Stalin. Mediante urna Constituicao atéia, o tirano de Tirana monopolizou
nao somente a forca muscular, mas também a consciéncia de tres milhoes
de súditos. O terror era de tal forma cruel que obrigava os prisioneiros a
aplaudir continuamente o ditador, que os mantinha em prisáo porque
acreditavam em Deus e proclamavam os direitos humanos. Os demais cida-
daos, fora dos cárceres, foram obrigados a ostentar em suas casas o retrato
de Hoxha; por ocasiSo das festas de familia, o primeiro brinde se fazia
pela salvacao e pelo regime totalitario do autócrata. Durante cinqüenta
anos foram assassinados cem mil albaneses por albaneses, encarcerados em
prisao quinhentos mil e deportados quase um milhao. A Albania era urna
gaiola de ferro fechada e separada do mundo da cultura. Foi cortado até
mesmo o cabo telefónico que a Turquía tinha estendido ao largo do Mar
Adriático e que unia a Albania ao mundo ocidental.

Como nos tempos da ocupacao turca, a minoría católica albanesa foi


sempre um problema para o Governo comunista de Tirana. Gracas á inde
pendencia frente ao Estado e gracas ao celibato, o clero católico nao abju-
rou em 1967, quando foram oficialmente extintas todas as religiSes, como
fizeram o clero muculmano e o ortodoxo, casados e sempre instrumentos
em maos dos políticos: cuius regio, eius religio (tal chefe político, tal reli-
giao). Os católicos, animados pela atitude heroica do seu clero, se reuniam
diariamente sobre as rumas dos santuarios e das igrejas, debaixo do olhar
e do terror dos comunistas, que os espancavam, os despediam do trabalho,
os deportavam, os punham no cárcere e chegavam a matá-los.

0 regime ateu, encontrándose frente a essa forca sobrenatural, jul-


gou que ela provinha das cruzes dos cemitérios; por isto profanaram a es
tes com armas e quebraram os seus símbolos religiosos, como ainda hoje se
pode ver. Os católicos, e com elesalguns muculmanos e ortodoxos, se reuni-
ram sempre em maior número diariamente, porque a Virgem "fazia mila-
gres" em favor de todos, inclusive sobre as rumas das igrejas. Quando gru
pos comunistas iam ás residencias para recolher os livros sagrados, os rosa
rios, as estatuetas, as ¡magens e os crucifixos das familias católicas e saiam
das casas carregados de objetos religiosos, havia sempre quem Ihes dissesse:
"Esperem, esperem um pouco, porque esqueceram urna cruz". Os comu
nistas perguntavam entao: "Onde está? Nao a vimos?". Nesse momento
toda a familia reunida frente a eles fazia o sinal da cruz, dizendo-lhes:
"Eis aqui a cruz que jamáis nos podereis retirar".

O viajante que chega á antiga Dalmácia, a partir de qualquer ponto


da península, tem a impresslo de ver um territorio depois de um bombar-
deio, imerso no caos, sem escolas, sem rúas, sem hospitais, um povo agita
do, que perdeu a confianca em suas próprias forcas e ñas reservas patrias e

426
NA ALBANIA QUE RENASCE... 43

que procura no Ocidente um horizonte melhor. A populacao nSo quer fi-


car em sua térra natal; quer ir embora, pois nao há trabalho, nao há se-
gu ranea.

Nao obstante o genocidio radical que sofreram, durante o ano de


1990 cinqüenta mil católicos se manifestaram: ou morrer ou retirar das
pracas as estatuas de Stalin e Enver Hoxha; ou morrer ou celebrar a Pri-
meira Missa em público após trinta anos. Grapas ás intervencoes intema-
cionais, nada de dañoso aconteceu. A Missa foi celebrada num cemitério
católico de Shkodra, cemitério profanado e cápela incendiada. O cemité
rio inspira respeito pela morte e pelos mortos. Nada aconteceu de dañoso,
mas teria bastado urna fai'sca, para que o dia acabasse num banho de san-
gue. Tudo acabou bem. Essa Missa tirou o medo a todo o pai's e obrigou
o Governo a abrirse ao mundo e a dar a liberdade relativa que agora usu-
fruirnos, mas que nao consta de nenhum decreto escrito.

Infelizmente, mesmo depois da perestroika (abertura), o poder conti


nua ñas maos do mesmo grupo político que antes governava, embora te-
nha trocado de nome. O atual Presidente, Sali Berisha, um enfermeiro,
era membro do Partido Comunista. O Parlamento e o Gabinete só sabem
fazer barulho, porque, tendo escassa formacao política, se assemelham a
um grupo que, nao conhecendo o solfejo, nem as regras do contraponto,
pretende tocar a nona sinfonía de Beethoven, e a única coisa que consegue
é desafinar.

Para se ter idéia de como se desmoraliza um povo sem Deus nem reli-
gia*o, convém conhecer a seguinte estatística: em 1944, quando o comunis
mo subiu ao poder, mil policiais bastavam para os 900.000 habitantes do
país, porque a religiao conservava a ordem pública nacional; atualmente
há quase tres milhoes de habitantes e o Governo só consegue manter a or
dem com 26.000 policiais. O comunismo construiu na Albania o reino da
dissolupao geral, da ignorancia e da pobreza.

Apesar de tudo, o comunismo trabalhou em pro I da. Igreja de Cristo,


pois demonstrou ao mundo todo que sem Deus nada se pode construir e
comprovou as palavras do Salmista: "Se o Senhor nao guarda a cidade...".
O comunismo destruiu o fundamento islámico, já que forcou os mucul-
manos a comer carne de porco; os muculmanos já na*o sao urna forca reli
giosa, mas política e económica, e adotaram todos os usos e costumes ca
tólicos. Até mesmo trocaram os nomes; já nao se chamam com nomes ára
bes, mas com nomes cristaos europeus; adotaram os ritos em favor dos
mortos como os católicos os tém, e escrevem em língua albanesa (indoeu-
ropéia) com o alfabeto latino, ao passo que antigamente escreviam em tur
co com caracteres árabes.

427
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

A Igreja é a única farpa moral, cultural e política, independente


como sempre, que se está organizando para renovar as dimensoes e os va
lores humanos destruidos pelo comunismo ateu durante cinqüenta anos.
A Igreja, através da Caritas, está vestindo e alimentando os albaneses fa-
mintos e mal vestidos e reduzidos a condicoes de extrema necessidade.

Antes de 1990 havia trinta sacerdotes e quarenta Religiosos em todo


o pai's. Grapas aos missionários estrangeiros da Italia, dos Estados Unidos,
da Croacia... somos atualmente cem sacerdotes e cento e setenta Irmas.
Entre a Santa Sé e o Governo albanés foram estabelecidas relacoes diplo
máticas no Natal de 1991. A visita do Papa Joao Paulo II foi urna data
histórica. Um Papa havia excomungado o Governo de Tirana duas vezes
após a supressao da religiao em 1967; agora outro Papa, Joao Paulo II, foi
convidado para ir á Albania. Aos 25 de abril de 1993 foi recebido cordial-
mente pelos muculmanos. Na catedral de Shkodra o Santo Padre sagrou
quatro Bispos, criando assim urna híerarquia nacional. Oeixou a mensagem
da paz, da bondade e sua béncao para se resolverem pacificamente os ¡nú
meros problemas espinhosos que afligem o pai's no caos.

Os jesuítas dirigem um Pré-Seminário com cinqüenta jovens. Os fran


ciscanos dirigem outro com vinte. Varias Congregacoes de Religiosos e Re
ligiosas trabalham atualmente no país. Constroem-se igrejas e casas paro-
quiais. A imprensa católica circula gracas á fotocopiadora. Os salesianos
comecaram a construir urna escola profissional. Mas ainda há tres dioceses
sem Bispo, sem sacerdotes, sem Religiosas, sem igrejas. O Nuncio Apostó
lico, o Arcebispo Ivan Dias, originario de Bombaím, celebra em dois
ritos e pastorela todo o Su I da nació, que é mucu I mano e ortodoxo. É o
prelado de urna regiao sem católicos.

Muitos muculmanos e ortodoxos tomam parte em nosso culto, e aos


domingos as igrejas se enchem até 80% ñas cidades e até 100% ñas aldeias
e montan has onde naja um sacerdote. As relacoes da Igreja Católica com
os muculmanos e ortodoxos sao boas, dado que nenhum católico respon
de ás denuncias e discriminares publicadas na imprensa nao católica sub
vencionada pelo Govemo. Os muculmanos escrevem continuamente, em
seu periódico "Luz do Isla", que o mundo católico ocidental terminou
como religiao e somente o Isla será a sua salvacao. Estas acusacoes contra
a Igreja provém do mal-estar decorrente de estarem suas mesquitas vazias
e se converterem alguns muculmanos ao Cristianismo. Isto nSo impediu
que as hierarquias muculmana e ortodoxa participassem da Jomada de
Oracao Ecuménica que o S. Padre organizou em Assis.

A Igreja na Albania está unida e forte; nSo temos medo das numero
sas seitas que entraram no país, especialmente de origem protestante.

428
NA ALBANIA QUE RENASCE.. . 45

Existe o diálogo com todos esses grupos através de visitas, cartas, telegra
mas..., para nao falar das acusac5es contra a Igreja. De fato; sonriente os
governantes sao fundamentalistas; o povo, quer muculmano, quer ortodo-
so, tem simpatía pelos católicos, que sempre foram o símbolo de liberdade
religiosa e política, mesmo em meio ao terror.

O país está arruinado somente no plano material; religiosamente há


mais fervor do que antes. Talvez por gozarem de situacao económica mais
folgada, os católicos das cidades sao um pouco indiferentes; sofrem os
males do modernismo e do consumísmo, como sao o divorcio e o aborto.
Ñas populacSes das aldeias e das montanhas, onde existe maior pobreza,
a familia católica permanece intata; muitas enancas rezam mais, embora
nao tenham um sacerdote, nao conhecem o divorcio e o aborto e vém a ser
campo fértil para se colherem vocacSes, que sao muitas (mas faltam Semi
narios).

A Igreja, a Caritas, a ajuda humanitaria da Comunidade Européia, a


aplicacao de capital estrangeiro e os pequeños comerciantes contribuiram
para melhorar a situacao crítica do país. Todavía este progresso vai entran
do nesta antiga porcao do bloco comunista em proporcao aritmética, e a
Igreja é muito pequeña para transformar toda a nacao. O Estado é urna
forca económica; tem o monopolio de tudo (materias primas, petróleo, co
bre, cromo, prata, mar e outros recursos); mas quase nada faz em favor do
povo. Este, a seu turno, procura únicamente abandonar o país; pensa em
emigrar para o Ocidente, mesmo que seja para exercer os trabalhos mais
humildes. Mas nao pensa em reconstruir a sua patria, imersa no caos e na
desordem. A situacao dramática da Albania é fruto de urna mentalidade
equivocada e, para mudar essa mentalidade, é necessário levar os jovens a
estudar no Ocidente.

A ígreja na Albania procura realizar com a Igreja do Ocidente a lei dos


vasos comunicantes; damos exemplo de resistencia, mas precisamos de
ajuda económica para reconstruir os templos e levar ao Ocidente nossos jo
vens, a fim de renovar a geracao vindoura de Irmas, sacerdotes e intelec-
tuais católicos que ajudarao a criar um futuro para a Albania de acordó
com o pensamento da Igreja.

Agradecemos de antemao a todos aqueles países católicos que cola-


boram conosco na propagaclo do Reino de Deus e na salvacao das almas.
Louvado seja Jesús Cristo."

429
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

II. COMENTANDO...

O autor escreve inspirado pela alegría de haver recuperado a liberda-


de, tendo a Albania ultrapassado os dolorosos tempos de dominio comu
nista. As suas observacoes sugerem alguns comentarios:

1) A liberdade religiosa e civil existente na Albania nao está funda


mentada em nova Constituicao. Os homens do atual Governo sao os do
antigo regime; mudaram de nome, mas foram formados na escola do mais
rigoroso comunismo ateu. Pode-se crer que se tenham decepcionado e de-
sejem enveredar por outros caminhos, embora perplexos. Alias, fenómeno
semelhante parece ocorrer em outros países recém-libertados do comunis
mo; os antigos dirigentes voltaram ao poder com outros títulos e talvez
com outras idéias. Isto pode deixar os povos libertados na ¡nseguranea
quanto ao futuro. O fato é que nao há, entre os nao comunistas de outro-
ra, quem tenha sido preparado para assumir o Governo ou exercer lideran-
ca, tal era o achatamento a que eram reduzidos.

2) O autor registra certo desánimo da populacao albanesa, que pensa


antes em deixar a patria do que em colaborar na reconstrucao nacional. A
falta de protecao e estímulo por parte das autoridades deve concorrer para
essa atitude. A situacao é pouco convidativa; o autor emprega, mais de
urna vez, a palavra caos.

3) Nesse contexto conturbado Simón Jubani se refere á Igreja Católi


ca com amor. Julga que foi um baluarte da resistencia ao ateísmo perse
guidor..., baluarte mais enérgico e forte do que outras correntes religiosas,
embora os católicos fossem (e sejam) minoritarios. Algo de semelhante se
deu em outros países subjugados pelo comunismo; os católicos sempre fo
ram os mais destemidos e, por isto, também os mais visados. Parece trans-
parerer ai algo do misterio da Igreja: vivificada pela forca de Páscoa ou pe
la vitória de Cristo, que ela celebra nos sacramentos, a Igreja tem assumido
no mundo de hoje posicoes de resistencia "imprudente" ás ondas do ateís
mo, do hedonismo, do libertinismo; ela eré que nao é a onda nem a moda
que definem a verdade e o bem, mas é o paradoxo da Cruz. A Igreja tem
dito Nao a muitas tendencias fortes do mundo de hoje. Ela o faz para se
conservar fiel a Cristo e desempenhar o seu papel de Mae e Mestra; ela
presta assim um servico á humanidade, nao porque arrogue a si a funcao
de consciéncia ética, mas porque ela sabe que a sua única razao de existir
é a fidelidade a Cristo, que propde urna escala de valores diferente do he
donismo e do materialismo.

O Pe. Jubani observa que essa atitude fiel da Igreja tem atraído até
mesmo ortodoxos e muculmanos. Na verdade, o mundo de hoje admira a

430
MOVIMENTO SACERDOTAL MARIANO 47

virtude da coeréncia e a capacidade de sacrificar vantagens materiais para


ná*o perder os valores definitivos. Essa capacidade é um dos bens que mais
faltam ao mundo contemporáneo.

4) O autor termina pedindo ajuda. É mais do que compreensível. Se


rá a ajuda das oracoes dos cristaos e de qualquer outra coisa que esteja ao
alcance daqueles que esta mensagem possa interpelar.

* # *

MOVIMENTO SACERDOTAL MARIANO

Alguns leitores pedem urna palavra sobre o Movimento Sacerdotal


Mariano (MSM) ñas páginas de PR. Tal Movimento, alias, é acompanhado
pelo livro "Mensagem aos Sacerdotes, filhos prediletos de Nossa Senhora",
portador das linhas diretrizes de tal Movimento de espiritualidade. O livro
tem sido controvertido, porque está dito que reproduz mensagens que a
Virgem SS. terá comunicado ao Pe. Stefano Gobbi mediante locucoes in
teriores. Eis breve parecer sobre o assunto, parecer inspirado exclusiva
mente pela intencao de servir á S. Igreja.

Distingamos, como, alias, faz o próprio Pe. Gobbi á p. XXXVI do li


vro, entre o MSM e o livro concomitante:

1) O MSM é muito recomendável, pois visa á consagracao dos sacer


dotes e dos fiéis leigos a Nossa Senhora, incentivando a piedade e a renova-
cao de vida numa hora tao carente de estímulos. O MSM vem a ser urna
das muitas iniciativas hoje existentes na Igreja para reunir os fiéis e ofere-
cer-lhes um programa de espiritualidade. Fica a criterio de cada fiel católi
co aderir a este ou aquele outro Movimento, atendendo ás suas disposicoes
pessoais. O S. Padre e muitos Bispos tém apreciado e incentivado o MSM.

2} O livro de locucoes interiores é algo de discutido pela índole mes-


ma extraordinaria de tal fenómeno; o próprio Pe. Gobbi cataloga as obje-
c5es que se tém levantado contra tal obra, visto que locucSes interiores
podem nSo ser senao urna manifestacao patológica e ilusoria. Com muita
sinceridade o Pe. Gobbi reconhece o perigo de ilusao, mas julgaquenem
por isto se pode de antemao condenar qualquer manifestacao de tal tipo.

431
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

O Pe. Gobbi tem certeza de que a Virgem SS. Ihe fala. Os criterios para
avaliar a autenticidade de tal fenómeno sao:

1) ortodoxia da doutrina proposta;

2) fidelidade á Igreja, especialmente ao Papa e aos pastores legi'timos;

3) humildade e despretensao da pessoa agraciada pelas locucoes;

4) frutos positivos decomentes das respectivas mensagens (afervora-


mento, conversóos, catequese...).

Ora tais requisitos tém-se verificado em torno das mensagens atribui


das a Nossa Senhora. Especialmente os frutos permitem reconhecer a árvo-
re (cf. Mt 7, 15-20). Daí nao se poder, a rigor, impugnar o fenómeno das
locucoes menores e o que elas transmitem, na obra do Pe. Gobbi. Pode
haver, sem dúvida, quem nao se identifique com a tónica colocada sobre
este ou aquele ponto, como, por exemplo, a explicapao dada aos números
666 e 333 (ver Ap 13,18) as páginas 647s; a referencia ao Anticristo (pp.
649s), ao sinal impresso sobre a fronte e sobre a mao {pp. 655s); em suma,
a interpretacao do Apocalipse, que ocorre esparsa pelo livro, é de nivel
pastoral, nem sempre correspondente á da exegese científica; a predicao
da ¡mínente segunda vinda de Jesús (pp. 704.712) é algo de controvertido.

Em suma, nota-se que a mensagem das locucoes interiores é um apelo


á conversao ou ao afervoramento — o que certamente é muito válido. Há
ai' censura de erros doutrinários e moráis apontados com realismo e com
oportunidade — o que também é válido. As previsoes, ameacas e promessas
é que sSo questionáveis; há tantas previsSes e ameacas paralelas atribuidas
ao Senhor e aos Santos em nossos días que é lícito perguntar se, de fato,
vém do céu ou sao projecoes da mente humana cansada de tantos males
e flagelos contemporáneos e, por isto, espontáneamente disposta a crer
que "so Deus dá um jeito nisso". Podemos crer que estamos á beira de
urna catástrofe mundial, mas na"o convém acentuar esta h¡pótese como se
fosse urna certeza e um referencial para o comportamento dos cristaos.

Ao crístao compete viver como se estivesse.sempre diante do juízo


de Oeus, sem dúvida; isto implica que qualquer momento pode ser o últi
mo. Basta que saiba isto para que se prepare constantemente para o encon
tró final com o Senhor Jesús; nSo há necessidade de profecías que definam
algum tempo ou momento com precis§o. Disse o Senhor Jesús: "NSo com
pete a vos conhecer os tempos e os momentos que o Pai fixou com a sua
própria autoridade" (At 1,7).

Estéváo Bettencourt O.S.B.

432
NOVIDADES

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- O COMPROMISSO CRISTÁO DO MONGE, Augusto Pascual, OSB. Traducao do


Mosteiro da Virgem, de Petrópolis. CIMBRA-1994. 350 p RS 28,60
Palavras de Madre Eugenia Teixeira, OSB:
"O autor, monge de Leyre, Espanha, oferece estas páginas aos monges e monjas
que tém como norma ¡mediata de vida crista a Regra beneditina.
Sao conferencias dadas através dos tempos e em variadas circunstancias, a grupos
monásticos.
O autor eré que possam interessar também a outros cristaos, especialmente reli
giosas, urna vez que a vida monástica está na raíz e na base dos institutos de vida consa
grada que se multiplicaram através dos séculos. Ele nota que nossos dias carecem de
um conhecimento aprofundado da espiritualidade monástica. Nao temos obras deste
género."

- A PROCURA DE DEUS, segundo a Regra de Sao Bento. Esther de Waal.


Traduzido do original inglés pelas monjas do Mosteiro do Encontró CuritibaPR.
CIMBRA-1994. 115 p r$ 14,30
A presentado pelo Dr. Roben Runcie, arcebispo anglicano de Cantuária, pelo
Cardeal Basil Hume, OSB, arcebispo de Westminster e de D. Paulo Rocha, OSB, aba
de de Sao Bento da Bahía.

Palavras do Cardeal Basil Hume, OSB.:


"É bom ter um livro sobre a Regra de Sao Bento que venha, como diz a autora
"da experiencia de vida de urna mae e dona-de-casa". Temos grande necessidade de
obras que nos ajudem a viver os ideáis do Evangelho. A leitura espiritual é indispensá-
vel para conhecer e amar melhor a Oeus.
Muitas pessoas ficarao gratas á autora deste livro que mostrou ser a sabedoria an-
tiga, quando auténtica, também muito moderna e contemporánea.

Pedido pelo Reembolso Postal ou conforme 2a capa.


Novidade

RS 15,00
INTRODUQÁO B - SAO BENTO E A EDUCAQÁO
A - SÓ. SOB O OLHAR DE DEUS 9 • Sao Bento e o Livro
1 - Sao Bento e Sua Obra 10 - 14 Sáculos de Educacao
2 • Sao Bento e sua mensagem 11 • O Ensino na Ordem de Sao Bento
3 - A Primazia do Espiritual 12 - Um Educador Beneditino
4 - Hospitalidade e Apostolado
5 - Sío Bento, o trabalho e a Construyo
da Cidade Medieval c •APÉNDICE
6 - Ensinando pela Experiencia
7 - Sao Bento e o Zelo de Amargura 13 ■ A Excomunhío na Construeao da
8 - Feliz o que caminha na Lei do Senhor Unidade Monástica

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