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Regina Schöpke

Quando o homem
para de pulsar
(Reich e o homem encouraçado)

Resenha do livro “O caráter impulsivo”, de Wilhelm Reich


(São Paulo: Editora Martins Fontes, 2009), tradução de
Maya Hantower. Publicada no Caderno 2 do jornal “O
Estado de São Paulo” em 26 de abril de 2009.
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O psiquiatra e psicanalista austríaco Wilhelm Reich (1897-1957) foi


injustamente acusado de muitas coisas, dentre elas, de ser um utópico que
desejava acabar com o desprazer do mundo. Mas Reich, que foi (segundo
pensamos) o discípulo mais genial de Freud, exatamente por ter rompido
com ele e levado ainda mais longe a busca pela compreensão da “doença
humana” (nesse ponto, é preciso concordar com Nietzsche quando ele diz
que o verdadeiro discípulo só faz jus ao seu mestre quando o ultrapassa,
quando joga o dardo mais longe), tinha perfeita consciência de que não há
prazer e alegria de viver “sem lutas, sem experiências dolorosas e embates
desagradáveis consigo mesmo”, de modo que sua questão era exatamente o
contrário. Reich, é claro, queria devolver ao homem a capacidade perdida
(já na infância) de pulsar, de sentir prazer real, pois sabia bem que a
educação tradicional produz um homem que foge tão continuamente da dor
que termina por se “encouraçar” também para as alegrias, já que uma não
existe sem a outra. Então, não se trata de acabar com as dores do mundo,
mas de estar vivo o suficiente para não endurecer. Como diz Reich, “a
capacidade de suportar o desprazer e a dor sem se tornar amargurado e sem
se refugiar na rigidez, anda de mãos dadas com a capacidade de aceitar a
felicidade e dar amor".
Sim... a doença começa (em todos os sentidos e em todos os
indivíduos) quando o homem pára de pulsar, de sentir, de viver
intensamente, isso é ser “encouraçado”. Mas Nietzsche diria que esse é o
homem em geral (eis porque era necessário ultrapassá-lo, inventar um novo
homem). Reich, que conhecia bem Nietzsche, e também Bergson (a quem
admirava pela sua idéia da energia vital), reconhecia a extensão da doença
humana e, por isso mesmo, não soava mal para ele a afirmação
nietzschiana de que “o homem é um animal doente”. Para Reich, tanto
quanto para Nietzsche, esse adoecimento tem um fundo social e cultural, ou
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seja, faz parte de um atavismo milenar que termina por produzir homens
fracos, cindidos, impotentes.
É fato que a psicanálise trouxe inicialmente uma espécie de euforia
para os meios intelectuais, ajudando a derrubar, com o avanço dos estudos
acerca do inconsciente, o mito da razão soberana (já tão atacada por
Nietzsche). Mas apesar de Reich concordar com várias concepções da
psicanálise, ele sente que ela permanece numa esfera demasiado intelectual
para dar conta das conexões mais sutis entre o corpo e a mente, e isso já
pode ser sentido mesmo em sua fase psicanalítica, como podemos observar
pela leitura da obra “O caráter impulsivo”, lançado pela Martins Fontes.
Percebendo que não se tratava apenas de buscar a cura (ou a
melhora) de psicóticos, neuróticos ou esquizofrênicos, mas de entender a
extensão e as causas da aparente predisposição do homem para a
infelicidade, Reich vai em busca da gênese das neuroses a fim de explicar a
generalização da doença humana, ou seja, esse estado de fraqueza e apatia
mórbidas e socialmente cultivadas, em que os seres humanos, em vez de
crescerem e enfrentarem a vida como adultos, permanecem como crianças,
imaturos do ponto de vista emocional e afetivo (aquilo que Federico Fellini
chamou tão bem de “bezerrões”, já que não conseguem parar de “mamar” e
de correr atrás da mamãe). Em certos casos, pode-se dizer que alguns nem
conseguiram sair inteiramente do útero, continuando presos por um cordão
umbilical virtual. Não é sem razão que a humanidade parece estar sempre à
espera de salvadores, mestres e pastores que lhes ensinem a viver; e, num
nível ainda mais corriqueiro e estimulado pela própria sociedade, vemos os
homens buscando na “esposa ideal” o modelo da “mamãe” passiva e
resignada.
Sim... não é tão difícil observar que muitos homens parecem estar
casados com suas “mães” (as “santas” que cuidam deles), enquanto buscam
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sexo e paixão fora de casa. Mas os homens não são os únicos imaturos
nesse processo: a boa esposa precisa estar apta para fazer o papel de
“mamãe” substituta e fechar os olhos para as travessuras do “neném”. E
esse é apenas um dos exemplos de relações adoecidas, pois – como mostra
Reich – o resultado de um mau desenvolvimento da libido e da afetividade
termina por gerar distúrbios de toda a ordem: mulheres que buscam o pai
ou mesmo a mãe nas suas relações, homens que buscam metaforicamente
“mulheres de pênis”, etc., sem contar as inúmeras perversões sexuais,
transtornos de agressividade e uma moral compulsiva que acompanham a
má-formação da libido. Há quem julgue essas idéias sujas e perversas, mas
o que Reich chama de “resignação neurótica” parece explicar muito melhor
o niilismo humano e a falta de coragem para viver do que o mito
maniqueísta da religião. Além do mais, sujo e pervertido é manter relações
falsas e viver traindo a quem se diz amar e respeitar. Antes mesmo de criar
a sua “Análise do caráter” – e, posteriormente, a sua “Orgonoterapia” –
Reich nos mostra que as pulsões não podem ser suprimidas, mas apenas
sublimadas ou deslocadas, e é por isso que o papel da educação se torna tão
vital.
É verdade que Reich acreditava no amor e na felicidade, e também
numa sexualidade saudável (uma razão a mais para ser chamado de maluco
e pornográfico num mundo tão cheio de perversões e ódios). Mas ele não
era utópico. Ele sabia que a vida é feita de altos e baixos, de alegrias e
tristezas, mas também sabia que aquele que se mantém vivo e pleno,
pulsante e vibrante, será capaz de não endurecer, de não perder o élan, o
vigor, a alegria de viver, até o fim. Para Reich, nada é mais equivocado, em
Freud, do que a idéia da pulsão de morte como uma pulsão primária. A
pulsão de morte é, ao contrário, a própria doença humana, o niilismo que
Nietzsche tanto atacou. Viver é pulsar, é rir e chorar, é sofrer e ter prazer, e
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é sobretudo querer estar “aqui” e gozar até o fim do privilégio de ser, ser
consigo mesmo e com os outros, de um modo pleno, profundo, ativo, real.
Ser feliz é viver fora da farsa, da inautêntica existência que nos transforma
em atores de nossa própria vida. Ser feliz é simplesmente deixar o palco
para viver de verdade.

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