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P rojeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoríam)
APRESENTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos estar
preparados para dar a razáo da nossa
esperanca a todo aquele que no-la pedir
(1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos conta


da nossa esperanga e da nossa fé hoje é
mais premente do que outrora, visto que
somos bombardeados por numerosas
- correntes filosóficas e religiosas contrarias á
fé católica. Somos assim incitados a procurar
consolidar nossa crenga católica mediante
um aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega no
Brasil e no mundo. Queira Deus abencoar
este trabalho assim como a equipe de
Veritatis Splendor que se encarrega do
respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada


em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral
assim demonstrados.
Ano xxxvm Maio 1997 420
"Alegra-te, cheia de gra?a"

Para vocé, quem é Jesús Cristo?

"Sua Santidade", por G. Bernstein e M. Politi

"Eutanasia. Um Desafio para a Consciéncia", por


Marciano Vidal

Planejamento Familiar e Anticoncepcáo, pelo Dr.


Joáo Evangelista dos Santos Alves

A Missa do Campeiro ou do Boiadeiro

A Clonagem faz pensar.

Aborto: Sim ou Nao?


PERGUNTE E RESPONDEREMOS MAI01997
Publicacáo Mensal N°420

SUMARIO
Diretor Responsável
Estéváo Bettencourt OSB
Autor e Redator de toda a materia "Alegra-te, cheia de graca" 193
publicada neste periódico
Sempre atual:
Para vocé, quem é Jesús Cristo? 194
Diretor-Administrador:
D. Hildebrando P. Martins OSB A Historia oculta do nosso Tempo:
"Sua Santidade", por G. Bernstein
Administracao e Distribuicáo: e M. Politi 200
Edicóes "Lumen Christi"
Seguro e documentado:
Rúa Dom Gerardo. 40 - 5° andar - sala 501
"Eutanasia. Um Desafio para a
Tel.: (021) 291-7122
Consciéncia", por Marciano Vidal 210
Fax (021) 263-5679
Fala o Médico:
Enderego para Correspondencia: Planejamento Familiar e Anticoncepgáo, pelo
Ed. "Lumen Christi" Dr. Joáo Evangelista dos Santos Alves... 219
Caixa Postal 2666
Inculturacáo ou Profanacao?
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GUNTE E RESPONDEREMOS" na INTERNET:
Aborto: Sim ou Nao? 238
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Obs.: Correspondencia para: EdicSes "Lumen Christi"


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"ALEGRA-TE, CHEIA DE GRAQA" (Le 1,28)

Os fiéis católicos tém por hábito saudar a Virgem María com as palavras
do anjo Chaire Kecharitoméne (Le 1,28), que sao geralmente traduzidas por
Ave Maria, cheia de graca. Todavía o texto grego diz literalmente: "Alegra-te..." e
nao "Ave" ou "Salve". A diferenca de traducóes é importante, pois o convite á
alegría dirigido a Maria faz eco ao mesmo convite dirigido freqüentemente, no
Antigo Testamento, á Filha de Sion ou ao povo de Israel; cf. Is 12,6; 44,23; 49,13;
54,1... O motivo da alegría proposta é a vinda do Messias e da salvacáo a ser
realizada por Ele. A Filha de Sion assim interpelada é tida como a Máe que dará
á luz o Messias (Jr 4,31; Mq 4,10). De modo especial vem ao caso o texto de
Sofonias 3,14-18 como paño de fundo do anuncio do anjo a Maria:
Sf 3,14-18 Le 1,28-33
"Alegra-te, "Alegra-te,
Filha de Sion. Cheia de graca.
O Senhor está no meio de ti. O Sen hor está contigo...
Nao temas, Sion. Nao temas, Maria.
O Senhor teu Deus está em teu seio1 Conceberás em teu seio...
Como Salvador, E o chamarás Jesús (Salvador),
O Senhor Deus de Israel". E reinará".
Recolocando, pois, a saudacáo do anjo sobre o seu fundo de Antigo Tes
tamento, verifica-se algo de muito profundo: Maria, interpelada por Gabriel, vem
a ser a representante, por excelencia, da Filha de Sion; é a auténtica Máe do
Messias. Daí a exortacáo á alegría, que Sao Lucas tanto recomenda em seu
Evangelho(cf. Lc1,14.28.41.44.58; 2,10; 10,17-23; 15,6.9.10.23.32; 24,21.54...).
Desponta a aurora da salvacáo; nao há por que temer (observacáo também feita
aos pastores em Le 2,10). Maria, grávida, vai ter com Isabel, cujo filho "exulta de
alegría no seio materno" (Le 1,41.44).

Assim toda a historia do Antigo Testamento confluí para Maria Ssma. Ela é
o ponto final que compendia em si a expectativa dos Patriarcas, as angustias dos
justos á espera do Messias, a paciencia do povo de Deus... E ela responde ao
Senhor que Ihe fala, com as palavras Génoitó moi (Faca-se em mim...), verbo
no modo optativo, que significa: "Oxalá realize o Senhor em mim a sua obra
conforme a palavra do anjo" (Le 1,38). Esta resposta exprime ardente desejo ou
prece e plena disponibilidade para o sen/ico do Senhor, aínda que apresentado
misteriosamente. Diante do inédito, Maria se curva, porque "para Deus nada é
imposslvel" (Le 1,37). Alias, já no Antigo Testamento, o Senhor Deus revelou que
a salvacáo do homem é possivel, mesmo quando parece inexeqüfvel; cf. Gn
18,14; Jr 32,21.

É, pois, com razáo que a Igreja se volta para Maria neste mes de maio,
venerando-a em sua grandeza humilde, e pedindo-lhe que continué a exercero
seu papel de Máe do Messias, pois Este tem um Corpo prolongado, que é a
comunidade dos fiéis, ou seja, cada cristáo congregado na Comunháo dos Santos.
"Alegra-te, Filha de Sion, cheia de graca...!"
E. B.

1 O texto hebraico diz "No teu seio..."-o que é mais significativo do que "no meio de ti".

193
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

Ano XXXVIII - N° 420 - Maio de 1997

Sempre atual:

PARA VOCÉ, QUEM É JESÚS CRISTO?

Em síntese: O texto reproduz urna palestra do Cardeal Giacomo Biffí,


Arcebispo de Bolonha, a respeito de Jesús Cristo. Prescinde da fé e ana-
lisa o comportamento de Cristo como homem, tal como o Evangelho o
descreve. E chega á conclusáo de que Jesús foi um homem excepcional-
mente notável, que disse serDeus; esta afirmagao, que podería sera de
um louco, foi feita poralguém que, além de darprovas de grande sanida-
de mental, ressuscitou dos moños, como atesta o destemor dos arautos
do Evangelho, incrédulos a principio, mas vencidos pela evidencia do fato
e dispostos a dará vida para nao o renegar.

A ¡dentidade de Jesús Cristo está muito em voga. Alguns periódicos


tém proposto hipóteses aparentemente revolucionarias, mas pouco con
sistentes, se nao procedentes de inspiracáo sensacionalista. Os Evange-
Ihos canónicos, identificados como tais pelos cristáos dos primeiros sácu
los (muito mais próximos de Cristo do que nos), sao a fonte auténtica, até
hoje tranquilamente aceitável, para se delinear a figura de Jesús Cristo.

Em 1996 o Cardeal Giacomo Biffi, Arcebispo de Bolonha (Italia), foi


convidado por um Conselho Comunal da periferia de Bolonha para profe
rir urna palestra sobre Jesús Cristo. Já que o auditorio era leigo, procurou
0 orador considerar Jesús do ponto de vista meramente humano, fazendo
urna leitura nao preconceituosa do Evangelho. Eis, em traducáo portu
guesa, o que entáo disse:1

1. O "IDENTIKIT" DE CRISTO

"Direcionei para Ele toda a minha vida, a única vida que tenho. E por
isto sinto, de vez em quando, a necessidade de contemplar o seu miste
rio, e de reavivar o identikit de Cristo. Muitas vezes ouvimos falar de

1 O íexfo foi publicado pela revista FAMIGLIA CRISTIANA, em Suplemento datado de


4/12/1996, com o titulo GESÜ CRISTO, ÚNICO SALVATORE DEL MONDO.

194
PARA VOCÉ, QUEM É JESÚS CRISTO?

Jesús Cristo; de quando em quando na ¡mprensa escrita aparece alguém


que faz alguma resenha sensacionalista sobre Ele; de vez em quando
aparecem interpretacoes ¡maginosas da figura de Jesús Cristo. Mas os
únicos testemunhos que nos falam de Cristo, sao os Evangelhos. Por isto
ou nos atemos aos Evangelhos ou renunciamos a falar dele. Em conse-
qüéncia nao direi uma só palavra que nao seja fundamentada, á diferen-
ca de quem inventa livros, filmes e discursos.

2. QUE TIPO ERA?

Eis a primeira pergunta, a mais simples: de que tipo físico era esse
Jesús? Que homem era Ele? O Evangelho nao responde com precisáo. E
devo dizer que ista me aborrece um pouco, porque dirigí toda a minha
vida para Ele e nem sei de que cor eram os seus olhos. Era belo ou era
feio? - Pois bem; segundo me parece, era belo. Há um episodio do capí
tulo 11 do Evangelho de S. Lucas, em que Jesús se apresenta falando ás
multidoes. De repente uma mulher, lancando um grito de entusiasmo, diz:
'Bem-aventuradas as entranhas que te trouxeram e os seios que te ali-
mentaram!1. Aqui está o prímeiro panegírico1 de Cristo. É redigido em
termos muito... corpóreos. O fato é tal que Jesús reprova a mulher por
esquecer a Palavra de Deus, detendo-se apenas sobre a beleza física de
Jesús; diz entáo: 'Bem-aventurados aqueles que escutam a Palavra de
Deus' (Le 11,27s). Nos, porém, agradecemos a essa mulher desconheci-
da a ocasiáo de responder á nossa pergunta preliminar: Jesús era real
mente um homem belo.

3. O SEU OLHAR

Ele tinha também dois olhos estupendos. O olhar de Jesús impressi-


onava a quem O encontrasse. Os Evangelhos, principalmente o de Mar
cos, falam, muitas vezes, do seu olhar: penetrante em Simio, que Lhe foi
apresentado por seu irmáo André (Jo 1,40-42); afetuoso para com o jo-
vem rico, que depois foi embora, porque Jesús lhe disse que deixasse
tudo e seguisse o Mestre (Me 10,21s); de simpatía para com Zaqueu, o
chefe dos publícanos, cobradores de impostos, que roubavam, e que con-
templava Jesús trepado numa árvore (Le 19,1-10). E, ainda, de tristeza ao
considerar as ofertas dos ricos (Me 12,41-44), de desdém ao ver o que
ocorria no Templo (Jo 2,13-17), de dor para com aquele que o traía (Jo
13,21-30)... Em suma, o olhar de Jesús era olhar que falava.

4. IDÉIAS CLARAS
Pode-se compreender que Jesús tinha idéias claras. Muito claras.
Quando falava, jamáis dízia: 'Talvez, Como creio, Parece-me...1. E nao

1 Panegírico = discurso em louvorou elogio (Nota do Tradutor).

195
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

tinha papas sobre a língua, nem mesmo diante dos poderosos; quem nao
se lembra de que chamou Herodes 'raposa' (Le 13,31-33)?

5. HOMEM LIVRE

Urna das notas mais belas de Jesús era a de ser um homem iivre.
Mesmo frente aos seus amigos. Quando Sao Pedro fez a sua profissáo
de fé,... Jesús Ihe respondeu com um panegírico jamáis dirigido a um
homem (Mt 16,17-20), tanto que Sao Pedro se deve ter regozijado e quicá
comecado a envaidecer-se. Mas, quando Jesús anunciou a Pedro que o
Mestre devia ser condenado á morte e Pedro já se sentía 'Primeiro-Minis-
tro do Reino de Deus', Pedro tomou Jesús por um braco e O repreendeu.
Jesús nem mesmo o olhou e o tratou com energía: "Vai-te, Satanás, tu
nao tens o senso das coisas de Deus, mas, sim, o das coisas dos ho
mens' (Mt 16,21-23). Eram palavras nao usuais nos labios de um amigo.

6. AÍNDA MAIS LIVRE FRENTE AOS FAMILIARES

Mas nao creíais que era um homem duro. Jesús amava muito. Prin
cipalmente as enancas. Sabia compreendé-las, dom que raramente nos,
adultos, possuímos: geralmente quando conversamos com elas, só sabe
mos perguntar quantos anos tém, em que serie da escola se encontram...
Estas sao coisas que absolutamente nao interessam ás crianecas. Jesús,
ao contrario, dizia: 'Deixai as enancas vir a Mim' (Me 10,15). Depois, cha-
mava os amigos. Jesús tinha um forte sentido de amizade. Por exemplo,
era muito amigo dos seus discípulos; estava particularmente ligado a Pedro,
Tiago e Joao (Me 5,37; 9,2; 14,33); e, aínda dentre estes, mormente Joáo
Ihe era amigo (Jo 13,23-25).

Em suma, também Jesús tinha suas preferencias entre os amigos1;


como bem se compreende, os amigos nao sao todos iguais. Jesús tam
bém amava o seu povo. Sentia-se plenamente hebreu, israelita, tanto que
a previsáo da destruicao de Jerusalém o levou a derramar lágrimas.

7. ATENQÁO ÁS PARTICULARIDADES

Há outra coisa na personalidade de Jesús que sempre me impressi-


onou: a sua atengáo ás particularidades. Jesús era muito atento ás pe-
quenas coisas da vida, mesmo porque sabia que as poderia aproveitar

1 Deus ama a todos os homens, sem dúvida, edáa cada um as gragas necessárías
para que chegue á plenitude da vida. Todavía nao podemos ditarnormas ou regras ao
amor de Deus. Se Jesús manifestava especial atengSo a Joao, Ele o fazia soberana
mente, sem tesar os direitos de qualquer outro Apostólo, visto que, tudo o que Deus
dá aos homens, Ele o dá gratuitamente, sem ter algum débito para com quem quer
que seja.

196
PARA VOCÉ,' QUEM É JESÚS CRISTO?

em parábolas. Lembremo-nos daquela que compara o Reino de Deus a


uma mulher, dona de casa, que toma um pouco de fermento e o lanca
dentro da massa até que esteja toda fermentada (Mt 13,33). Pensemos
também na parábola do amigo fastidioso que foi atendido pelo amigo que
desejava ver-se livre dele (Le 11,5-8). É bem correspondente á realidade.

8. UM EPISODIO: A MULHER DE MÁ VIDA

Haveria tantos outros episodios a recordar. No capítulo 7 do Evange-


Iho de Lucas conta-se que Jesús fazia sua refeicao em casa de um chefe
dos fariseus; em dado momento entrou uma daquelas muiheres cujo nome
nao se sabe ao certo... Digamos: uma prostituta. Ela se colocou perto de
Jesús e comegou a acariciá-lo e a perfumá-lo (Le 7,36-50). Era uma cena
de enorme gravidade... Jesús, porém, nao se perturbou. Ao contrario,
defendeu-a com nobreza.

9. UMA FIGURA HUMANA EXCEPCIONAL?

Dos Evangelhos, portanto, depreendemos uma figura humana ex


cepcional. A tal ponto que, quando Pondo Pilatos o apresentou ao povo,
disse: 'Eis o Homem1 (Jo 19,5).

Eu, porém, digo: eis o ponto de interrogado. Jesús era apenas um


homem? Pois a maioria das pessoas que nao créem, o considera um
grande homem, a ser estimado. Esta posicáo, contudo, é insustentável,
se levamos em conta aquilo que Jesús disse de Si mesmo. Exemplos?
Ele se definiu como 'Filho do Homem1, título usado pelo profeta Daniel
para indicar um personagem misterioso que havia de vir dos céus e por
fim á historia (cf. Dn 7,13s; Mt 24,30; 26,64). Com isto Jesús evocava sua
origem celeste e o seu caráter definitivo. Diz Ele também ser maior do
que Davi (Mt 22,41-45), embora Davi fosse o rei ideal, o ideal da monar
quía e da realeza para os israelitas.

10. É MAIS DO QUE UM HOMEM

Todavía, o que há de mais serio, Ele o disse no sermáo da monta-


nha: 'Bem-aventurados os pobres' (Mt 5,3). Pois bem; naquele discurso,
entre outras coisas, disse: 'Ouvistes o que foi dito aos antigos: Nao mata
rás. Eu, porém, vos digo...' (Mt 5,21s). Considerai bem: com estas pala-
vras, Jesús quase corrige a Revelacao de Deus. E reivindica para si o
poder de julgar os homens (Mt 16,27). E quem pode fazer isto senáo
alguém que tem consciéncia de ser Deus? Pensemos em outras coisas
que Ele recomenda: 'Quem perder a vida por causa de Mim, a encontrará'
(Mt 16,24-26). Ó! Dar a vida por alguém nao é brincadeira... Mais aínda:
'Dá de comer ao teu irmSo, porque nele tu vés a Mim1 (Mt 25,35s). Se um

197
:É*MOS" 420/1997
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

discípulo de Mazzini dissesse: 'Ajuda teus irmáos, porque neles deves


ver Giuseppe Mazzini1, diria algo que a ninguém comoveria, porque um
homem pobre vivo é muito mais importante do que Mazzini morto. Mas
Jesús? Jesús retribuí com a vida eterna. É o que Sao Marcos diz no seu
Evangelho, escrevendo em tom um tanto paradoxal: 'Quem deixar pai e
máe, campos e casa por causa de Mim, receberá o céntuplo neste mundo
com as perseguigóes, e a vida eterna' (Me 10,28-31). Como se dissesse:
haverá primeiramente um tanto de maus tratos, mas, depois, a vida eterna.

11. JESÚS É DEUS


O fato é que Jesús terá sido um grande homem, um homem excep
cional. Mas, ácima de tudo, Ele é Deus. É o Filho de Deus. Nao como
todos nos o somos ou como o sao todas as criaturas, como a borboleta...
é filha de Deus; Jesús é o Filho por excelencia, o Unigénito1.

12. UMA PARÁBOLA INVEROSSÍMIL

Nos últimos dias de sua vida, Jesús contou urna parábola, urna das
mais inverosslmeis em sua estrutura literaria: a parábola dos vinhateiros
infléis e homicidas, que ocupavam o terreno do patráo sem Ihe dar os
devidos rendimentos. O patráo mandou aiguns servidores para fazer a
cobranga. Os vinhateiros os espancaram. O patráo mandou outros, mas
os locatarios os mataram. O relato aqui me parece um pouco exagerado;
como imaginar que alguém pudesse matar de tal maneira o próximo e
ficar totalmente impune? Eis, porém, que a parábola se torna altamente
surpreendente. O patráo disse: 'Tenho um filho único. Vou mandá-lo, pois
háo de temer o meu filho1. Qual é o pai que, sabendo estar tratando com
bandidos, poe em risco a vida do seu filho único? Na verdade, os vinhateiros
resolveram matar também a este, de modo a ficar com o patrimonio do
patráo (em que código está escrito que a heranca passa para os assassi-
nos do único herdeiro?). Em suma, a parábola é toda ela inverosslmil2.
Apesar disto, ela se cumpriu ao pé da letra; sim, Jesús morreu fora da
vinha, como diz o texto do Evangelho, ou fora dos muros de Jerusalém. E
foi o Pai Celeste que O mandou (cf. Me 12,1-12).

1 Toda criatura é filha de Deus em sentido ampio, pelo fato de seroreflexo da sabedo-
ria e da perfeiqéo do Criador. O ser humano, mais do que os seres i/racionais, é
imagem e semelhanga de Deus. Aqueles que sao elevados pela graga a um estado de
vida sobrenatural, aínda sao mais propriamente fílhos de Deus. Mas Jesús é tal em
sentido único, exclusivo; sua natureza humana intimamente unida á de Deus Filho, é
Filho de Deus em sentido singular. De resto, como Deus, Jesús é inigualável. (Nota do
Tradutor).
2 Toda parábola é urna historia ficticia, que tem verossimilhanga com a realidade histó
rica costumeira. A parábola dos vinhateiros homicidas deve deixar de ter verossimi
lhanga histórica porque quer ilustrar o inédito e "incrível" amor de Deus (o dono da
vinha) aos homens (os vinhateiros infléis). (Nota do Tradutor).

198
PARA VOCÉ, QUEM É JESÚS CRISTO?

13. DIANTE DELE NAO HÁ SENÁO QUE SE AJOELHAR

Juntai uns com os outros todos esses dados. Eles reproduzem o


retrato de um homem excepcional, que diz ser Deus. Eis urna provoca-
cáo. Mas nos temos que aceitar esta provocacáo. Pois, se alguém se
apresenta de tal maneira, dizendo-se Deus, restam duas alternativas: ou
considerá-lo louco (entáo nao se Ihe pode dedicar estima e veneracáo) ou
crer que é verdade o que ele diz. Neste último caso, nao nos toca senáo
ajoelhar-nos. Nao basta dizer: é um grande homem.

14. JESÚS RESSUSCITOU! JESÚS ESTÁ VIVO!

Na verdade, que é que os Apostólos foram pregar a respeito dele?


Qual é o núcleo da mensagem crista? Tudo se resume numa palavra: Ele
ressuscitou. Ele despertou do sonó da morte. Os Apostólos se puseram a
viajar afirmando que Jesús ressurgiu e ainda está vivo (At 2,24; 3,15;
5,31). Sim, vivo ainda hoje! Quando eu ensinava em Milao, no Instituto de'
Pastoral, dei urna aula sobre a ressurreicáo de Cristo. Após a aula, urna
senhora me procurou e perguntou: 'O senhor quer dizer que Jesús está
realmente vivo...?' - 'Sim, senhora: o seu coracáo bate como o coracáo
da senhora e o meu coracáo1. - 'Mas entáo é preciso que eu vá á casa
dizé-lo ao meu marido'. - 'Bem, minha senhora, vá e diga-o ao seu mari
do1. No dia seguinte, ela voltou e me disse: 'Eu o contei ao meu marido'. -
'E ele?1. - 'Respondeu-me: Volta a perguntar; talvez tenhas compreendi-
do mal". Notemos que aquela senhora era urna catequista. E, apesar dis
to, esteva desconcertada. Eu Ihe passei a fita em que estava gravada a
aula, e ela a fez ouvir ao seu marido.

15. SE É ASSIM, TUDO MUDA

Ele acabou por render-se, dizendo: 'Mas, se tal é a realidade, entáo


tudo muda'. Considerai bem, e dizei-me se nao é auténtica a conclusáo:
se aquele homem belo, bom, excepcional, é realmente Deus, e se Ele
ainda vive entre nos, entáo tudo realmente muda".

Possa este texto servir para ilustrar a figura de Jesús aos olhos de
quem mal a conhece!

199
A Historia Oculta do nosso Tempo:

"SUA SANTIDADE"
por C. Bernstein e M. Politi

Em síntese: O objetivo de Bernstein e Politi é tragar urna biografía


do Papa Joáo Paulo II destinada a por em relevo sua agáo nos rumos
deste mundo durante os anos de seu pontificado. Expóe principalmente a
influencia do Papa na queda do comunismo no Leste da Europa, revelan
do fatos, conversas e atitudes que mediante ampia consulta a fontes foi
possíveíconhecere apresentar. A obra, sob este aspecto, é muito impor
tante e indispensável ao historiador. Todavía sob outros aspectos deixa a
desejar, pois nao se furta a procurar o sensacionalismo num ou noutro
dos seus tópicos. Quando abordam pontos de fé, Moral, historia e estrutu-
ra da Igreja, os autores nem sempre sao bem sucedidos, pois nao conhe-
cem exatamente a temática. Estes escorregóes nao tiram o valor da obra
nem seu conjunto.
* * *

Cari Bernstein é jornalista americano, que se tornou famoso no mun


do inteiro por urna serie de reportagens que revelaram o escándalo de
Watergate e derrubaram o presidente Richard Nixon em 1974. Quanto ao
italiano Marco Politi, é o decano dos jomalistas no Vaticano. Os dois cola-
boraram ñas pesquisas previas e na redacáo de urna densa obra: "Sua
Santidade: o Papa Joáo Paulo Mea historia oculta do nosso tempo"1.
Procura ir ao fundo dos principáis acontecímentos que tém ocorrido sob o
pontificado de Joáo Paulo II, estando em destaque o relacionamento do
Papa com a Polonia e a URSS, com os Estados Unidos e os países da
América Latina. A obra está amplamente documentada, a ponto de utili
zar papéis secretos do Politburó de Moscou: os autores realizaram cente
nas de entrevistas em Roma, Moscou, Washington e Varsóvia, abordan
do as principáis personalidades envolvidas na historia. As pp. 547-567
apresentam as fontes de cada Parte do livro, indicando um total de mais
de trezentas pessoas entrevistadas, a maioria das quais foi consultada
entre 1993 e 1996; diversos Cardeais, todos os membros do Governo
Reagan e funcionarios da CÍA com seu respectivo presidente foram inter
rogados, de modo a se obterem ¡nformagSes precisas. As pp. 569-573

1 Tradugáo do inglés por M.H.C. Cortes. Editora Objetiva Ltda., Rúa Cosme Velho 103.
22241-090 Rio de Janeiro (fone 021-556-7824), 180 x 250 mm. 591pp.

200
"SUA SANTIDADE" 9

encontra-se bibliografía que terá servido aos autores ou que pode com
pletar os dados fornecidos. O livro assim se reveste de credibilidade; to
davía nao raro interpreta erróneamente a agáo pastoral do Papa, suafide-
lidade á doutrina da fé e á Moral católica, seu interesse missionário, que
se estendeu ao mundo inteiro em exaustivas peregrinacóes. O enfoque
dos dois jornalistas é o de observadores que registram fatos sem os en
tender devidamente ou sem conhecer os auténticos motivos religiosos
que os inspiraram.

A seguir, seráo postos em relevo alguns tragos característicos do


grosso livro.

Além do Prólogo, a obra compreende oíto Partes ou capítulos, que


delineiam o currículo de vida do Papa. Tendem a salientar a tempera forte
e enérgica de tal Pastor, ao mesmo tempo que mostram seu senso de
equilibrio e moderagáo. Joáo Paulo II exerceu papel relevante ñas sortes
dos países dominados pelo comunismo nao por motivos de política parti
daria, mas por causa dos valores religiosos que estavam em jogo: o ate
ísmo, o materialismo, o espezinhamento da pessoa humana, o desres-
peito dos direitos dos cidadáos e dos povos... motivaram a intervencáo
decidida de Joáo Paulo II no rumo dos países tanto do Leste Europeu
quanto da América Latina.

1. A QUEDA DO COMUNISMO

O livro tem, entre os seus temas, a influencia do Papa na queda do


comunismo. Poe em relevo as atitudes corajosas do Pontífice, que jamáis
pensou em derramamento de sangue ou revolucáo armada, mas, sim,
em mudangas paulatinas que abrissem os regimes totalitarios á verdade
e á liberdade. Em sua agáo política, o Papa fez sempre questáo de guar
dar sua identidade crista polonesa; e a historia da Polonia católica, vitori-
osa de varios males por causa de sua fé nutrida pela devogáo a María
SS., estimulou as atitudes do Pontífice. Alias, ele se vía como eslavo di
ante dos eslavos da URSS, o que de certo modo facilitava o diálogo; tam-
bém conhecia, por experiencia, o que é o socialismo. Sem poder prever
qual o rumo que tomaria sua gestao frente aos dirigentes soviéticos, Joáo
Paulo II percebeu, desde a sua prímeira visita á Polonia em junho de
1979, que tinha o apoio do povo polonés, apoio que ele soube inflamar
mediante discursos corajosos, mas sempre bem ponderados. Com o tem
po, a opiniáo pública percebeu que os eixos do mundo nao eram apenas
Washington e Moscou, mas que entre um e outro havia a dupla Vaticano-
Varsóvia. O Papa, sem tropas nem armas, se tornara urna forga decisiva
nos destinos da Europa pelos predicados humanos e cristáos que o qua-
lificavam, e pelo fato de representar o pensamento de milhóes e milhóes
de pessoas sufocadas em seus direitos. Em seu favor, o Papa contava
201
10 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

nao somente com urna fé muito viva e um caráter bem formado, mas
também com a habilidade de um poeta, de um autor de livros e antigo ator
de teatro e com a cultura de seus estudos filosóficos e teológicos.

Quando finalmente o comunismo caiu, comentam os autores do li-


vro, "boa parte do mundo passou a saudar Wojtyla como o vencedor de
urna guerra que ele comegara em 1978. O próprio Papa assumiu urna
opiniáo mais sobria. Ele evitou expressamente apresentar-se como urna
especie de super-homem, que havia derrubado o urso soviético.

Melhor do que muitos políticos ocidentais, ele compreendia que o


sistema soviético ruíra através de urna implosáo. As pressóes externas
tinham revelado as fissuras do sistema, mas, no final, o colapso ocorrera
devido a profundas fainas internas.

Nesse colapso os falsos fatores económicos e moráis estavam inter-


ligados... Ácima de tudo, foram as condicóes éticas que solaparam o sis
tema. Com Kruschev, a necessidade da verdade estimulara urna tentativa
de reformar o sistema. Com Brejnev, a negacáo da verdade produzira
estagnagáo e um profundo cinismo; com Gorbachev, a sede da verdade,
da glasnot, tinha-se tornado táo intensa a ponto de derrubar o próprio
sistema.

Esse tema da verdade e da impossibilidade de se manter a mentira


sempre fascinou Joáo Paulo II em seu pensamento sobre o totalitaris
mo... O Papa disse em sua primeira visita a Praga após a queda do comu
nismo, em 1990, que o comunismo "se tinha revelado como urna utopia
inatingível, porque alguns aspectos essenciais da pessoa humana eram
desprezados e repudiados: o anseio irreprimível do homem pela liberda-
de e a verdade, bem como sua incapacidade de se sentir feliz quando se
excluí o relacionamento transcendental com Deus" (pp. 488s)1.

2. O ATENTADO CONTRA O PAPA

Aos 13/5/1981 o Papa foi vítima de um atentado, movido pelo agente


turco Mehmet Ali Agca na Praga de Sao Pedro. Este fato é tongamente
comentado pelos autores do livro, que analisam as diversas hipóteses
propostas para explicar essa tentativa de assassínio.
1 Os dois jomalistas referem outros pronunciamentos de Joño Paulo II sobre o comu
nismo e a verdade:
"Para o Pontífice havia urna nítida divisoria entre nos e e/es... Para eles, a verdade
nao existia. A única coisa que contava para eles era o que servia aos interesses do
poder, do partido. Porém, a Igreja tinha que responder 'Nao, a verdade existe na
consciéncia dos homens e das mulheres; ela existe na sociedade, que precisa de ter
esse privilegio da verdade'" (p. 195).
"Como Wojtyla sempre dissera, eles mentiam, eles nao tinham o menor respeito
pela verdade" (p. 202).

202
"SUA SANTIDADE" 11

Pode-se crer que ele foi urna represalia á atuacio do Papa contraria
aos regimes comunistas, embora haja quem diga que nao os comunistas,
mas os maometanos da Turquía e de povos vizinhos é que empreende-
ram eliminar o Papa do cenário mundial. Discute-se, porém, qual a partí-
cipagáo dos búlgaros, solicitados pelos russos soviéticos nesse gesto vi
olento; há fortes argumentos que incutem a tramítacáo de agentes búlgaros
("a conexáo búlgara"), mas também há contra-argumentos. Eis o que es-
crevem os autores do livro:

"A tentativa de assassinar o Papa continua sendo um dos grandes


misterios deste sáculo. A reagSo do Papa ao atentado e ao seu desfecho
apenas aumentou o misterio.

'É o último grande segredo de nossos tempos', diz o ex-diretor da


CÍA, Roberi: Gates. William Casey, o chefe de Gates na ocasiáo do aten
tado, estava convencido (e tentou prová-lo) de que os soviéticos estavam
por tras da tentativa de matar Wojtyla ...

Contudo, por motivos que nao sao claros, o Papa disse a Deskur,
seu mais íntimo amigo no Vaticano, que 'sempre esteve convencido, des
de o comego, de que os búlgaros estavam completamente inocentes; eles
nada tiveram a vercom isso'. Ele nunca explicou o porqué dessa afinva-
gao nem mencionou quaisquer fontes independentes de informagáo que
pudesse tertido em maos" (p. 301).

3. A MORTE DE JOÁO PAULO I

A morte do Papa Jo§o Paulo I aos 29/9/78, após trinta e tres días de
pontificado, causou surpresa e suscitou comentarios. Alguns falavam de
misterio e ¡maginaram "a lenda de que o Papa tinha sido envenenado,
urna hipótese inacreditável, mesmo para os observadores do Vaticano
mais paranoicos. Um homem que achou essa teoría particularmente ridi
cula, foi um padre que conhecia Albino Luciani extremamente bem, tendo
sido seu Secretario pessoal em Veneza durante sete anos. 'Ele se partiu,
disse o padre, sob um fardo pesado demais para o seus ombros frágeis e
com o peso de sua ¡mensa solidao'.

Na noite anterior á sua morte, quando estava terminando de jantar,


Joáo Paulo I disse a Monsenhor Magee: 'Já tomei todas as providencias
para os exercícios espírítuais da Quaresma'. E entáo acrescentou: 'O re
tiro que gostaria de fazer agora, é o retiro para urna boa morte1" (p. 158).

A chave para entender o fim de Joáo Paulo I parece estar nessa


premonicáo. Sua alma já tinha sido ferida de morte pelo estresse, o ¡sola-
mentó e seu profundo desejo de nao ser Papa. Alguns días antes de sua
morte, disse ao seu Secretario durante o jantar: "Um outro homem, me-

203
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

Ihor do que eu, podia ter sido escolhido.. Paulo VI já tinha apontado seu
sucessor. Ele estava sentado bem em frente a mim na Cápela Sixtina... -
Era, é claro, Wojtyla! Ele vira, porque eu me vou" (p. 58).

"O Papa Joáo Paulo I, como urna caricatura no Le Monde o repre


sentara, tlnha sido esmagado sob o peso da cúpula de Sao Pedro depois
de um pontificado de trinta e tres dias" (p. 160).

4. "O PAPA INDIGNADO"

A Parte XIII do livro tem o titulo ácima. Da p. 493 á p. 504 menciona


os dissabores que o Papa tem sofrido por defender principios da doutrina
teológica e moral fiéis á Tradicáo e ás verdades da fé.

Entre outros, está a desagradável surpresa que o Papa experimen-


tou quando voltou á sua patria em 1991, após a queda do comunismo.
Encontrou lá um povo um tanto diferente, porque infiltrado pela mentali-
dade dos países consumistas, favoráveis ao divorcio e ao aborto. Joáo
Paulo II se indignou com tais tendencias de seus compatriotas. Disse o
Papa mais de um ano depois, por ocasiáo do Natal de 1992: "Fui ofendido
pelos poloneses... Mas estou superando ¡sso". Joáo Paulo II sonhava com
a Polonia como "símbolo especial para todas as nacóes, como ponte en
tre o Leste e o Oeste... Mas a Polonia, para Karol Wojtyla, havia-se trans
formado num espetáculo de derrota" (p. 500).

«Na visao que o Papa tem das coisas, atualmente um novo espectro
comegou a atormentar o mundo: o consumismo, urna especie de virus -
como ele ové- que está se espalhando do Ocidente para o Oriente. Essa
foi sua mensagem quando ele foi a Praga pela primeira vez depois do fim
da Cortina de Ferro. - 'Nao se deve subestimar o perigo que pode trazer
consigo a recém-conquistada liberdade de contatos com o Ocidente' -
disse ele aos checos. - 'Infelizmente, nem tudo que o Ocidente oferece
em termos de visao teórica e estilos de vida práticos reflete os valores do
Evangelho. Assim sendo, é preciso que se preparem defesas imunizadoras
contra certos virus, como o secularísmo, o indiferentismo, o consumismo
hedonista, o materialismo prático e o ateísmo formal que, hoje em dia,
está difundido de forma tao ampia'» (p. 502).

Além do mais, deve-se dizer que a saúde de S. Santidade vem decli


nando sensivelmente; sujeito a internacóes na Clínica Gemelli de Roma,
o Papa sabe converter suas dores físicas em ocasióes de santificacáo.
Em novembro de 1993, após fraturar o ombro, comentou: "Para mim, isto
é apenas urna oportunidade de me unir mais intimamente ao misterio da
Cruz de Cristo, em comunháo com tantos irmáos e irmás sofredores". De
resto, "a luta com seu corpo parece estar estimulando sua tremenda forca

204
"SUA SANTIDADE" 13

de vontade. Os anos mais recentes de seu pontificado tém-se caracteri


zado por um surto de atividades... Continuou a fazer viagens tongas e
cansativas ao Extremo-Oriente e á América do Norte" (p. 509).

Eis, porém, que o livro em foco merece reservas, a comecar pela


Parte VI, pp. 399-451.

5. PASTOR UNIVERSAL

A Parte VI (pp. 399-451) do livro apresenta Joáo Paulo II em sua


atividade dentro da Igreja e em sua funcáo missionária. Os dois autores
escrevem essas páginas como jornalistas, e interpretam os fatos como
interpretariam acontecimentos de política interna e externa de um país.
Em particular, descrevem o Papa como figura autoritaria, antidemocrática,
ciosa de guardar seu poder, apesar de insinuagóes ou postulacoes a ele
levadas. Essa caricatura de Joáo Paulo II resulta de grande mal-entendi
do: a atitude do Papa firme e enérgica nao se deve a urna opgáo pessoal,
arbitraria, contingente do Pontífice, mas deve-se á consciéncia que o Papa
tem, de nao ser "chefe de urna república ou de um clube, mas, sim, da
Igreja que é um sacramento .... sacramento, isto é, um corpo social cuja
estrutura nao é criada pelos homens, mas é de instituigáo divina (cf. Mt
16,16-19; Lc21,32s; Jo 21,15-17); ao Papa nao compete ganhar simpa
tías, condescendendo com reivindicagóes que em consciéncia ele julgue
alheias á índole divino-humana da Igreja; ao Papa toca o dever de ser
incondicionalmente fiel a Cristo. Por isto ele tem o dever de evitar qual
quer surto de deterioragáo da estrutura da Igreja ou qualquer movimento
que possa abalar ou obscurecer a face da própria Igreja. Tal firmeza do
Papa, em vez de o desprestigiar, suscita a admiragáo e a gratidáo de
quantos conhecem um pouco melhor os valores que estáo em causa. A
vigilancia de Joáo Paulo II se exerceu, e exerce, com especial atengáo
sobre os assuntos de fé e de Moral que concepgóes filosóficas modernas
pretendem esvaziar do seu conteúdo específicamente cristáo; a ele com
pete "confirmar seus irmaos na fé" (cf. Le 22, 31 s) e jamáis agradar a
quem quer que seja, traíndo o patrimonio da fé. Se nao se compreende
isto, desfigura-se o Pontífice, que antes deve ser louvado pela sua intrepi
dez a toda prova no desempenho de sua missao.

A devogáo de Joáo Paulo II a María SS. nada tem de idolatría (p.


407), expressáo mal aplicada pelos dois jornalistas, pouco afeitos á lin-
guagem religiosa.

As pp. 233 e 448 há mengáo de Pió XII, que teria sido inerte frente á
perseguigáo dos judeus por parte dos nacional-socialistas alemáes. - Tem-
se aqui um tópico que nao raro volta sob a pena de escritores contempo
ráneos, mas já tem sido desmentido lucidamente por historiadores ¡m-

205
14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

parciais: Pió XII trabalhou em favor dos judeus evitando fazer alarde; es-
tava consciente de que este poderia redundar em agravamento da situa-
cáo, pois os alemáes eram capazes de responder com sanha mais atica-
da contra seus opositores. Ver PR 418/97, pp. 118s.

6. UM PONTÍFICE SOLITARIO

A Parte VIII do livro encerra a seccáo intitulada "Um Pontífice Solita


rio" (pp. 504-537), em que os dois autores consideram os pronunciamen-
tos recentes do Papa sobre questoes de fé (ordenacáo sacerdotal de
muiheres, recusa da Comunháo Eucarística a divorciados casados no foro
civil apenas) e de Moral (homossexualismo, aborto, planejamento famili
ar...); registram a resistencia que o Pontífice tem encontrado a respeito
dentro e fora da Igreja; vozes exaltadas de teólogos e de muiheres Ihe
tém feito oposigáo. Também se verifica que Joáo Paulo II rejeita tendenci
as a reduzir a Igreja a urna democracia, governada por Conselhos
Deliberativos, assembléias...

Tais atitudes do Papa sao consideradas pelos dois jomalistas do ponto


de vista meramente profano, como intérpretes da opiniáo pública, pouco
conhecedores do principios da fé, da Moral e da Eclesiologia católicas. O
Papa parece um conservador, intransigente, autoritario quando poderia
ser mais aberto, de modo a acompanhar melhor os rumos da sociedade
civil de nossos dias... Na verdade, porém, o Papa, em seus pronuncia-
mentos nítidos e enérgicos, nao tem feito senáo reafirmar a constante
doutrina da Igreja; nao está defendendo pontos de vista pessoais, inspira
dos por urna corrente particular do Catolicismo; está simplesmente sendo
fiel a Cristo e á Igreja, á qual ele quer e deve servir. Em todos os setores
em que os principios da fé e da Moral nao estejam em jogo, Joáo Paulo II
tem-se mostrado aberto aos postulados de nossos dias; tenham-se em
vista principalmente as censuras que faz ao consumismo, ao egoísmo e á
selvagem cobica do lucro nos países capitalistas, usando linguagem pró
xima á do socialismo austero. O que caracteriza Joáo Paulo II, é a retidáo
de espirito, que o leva a falar corajosamente sempre que o julga oportu
no, sem procurar captar a simpatía de quem quer que seja.

«Para se contraporao extremismo nacionalista, que nos últimos anos


levou a guerras sangrentas nos Baleas, na África e na extinta Uniáo Sovi
ética, ele pronunciou um dos seus discursos mais apaixonados, conde
nando a adoragao da Nagáo. - Nao é urna questao de amor legítimo pela
Patria de cada um ou de respeito porsua identidade - disse ele ao Corpo
Diplomáticojunto á Santa Sé -, mas de repudiar o Outro na sua diversida-
de a fim de se impora ele. Para esse tipo de chauvinismo, todos os meios
sao válidos: exaltar a raga, supervalorizar o Estado, imporum modelo eco
nómico unifomie, acabar com [quaisquer] diferengas culturáis específicas.

206
"SUA SANTIDADE" 15

JoSo Paulo II empenhou a Santa Sé num conceito ¡novador de dimi


to internacional conhecido como "interferencia humanitaria". O próprio
Papa explicou o conceito em relagáo á agressao da Servia contra a Bosnia:
- Se vejo meu vizinho perseguido, tenho que defendé-lo. É um ato de
caridade. A comunidade internacional tem o mesmo direito e dever em
relagao a qualquer Nagao que tenha sido atacada e, como um último
recurso [para defender urna Nagao independente], pela forga das ar-
mas»(p. 542).

Alias, o Papa nao está solitario, como pensam os dois jornalistas. A


Igreja, como tal, Ihe é fiel; reconhece que ele tem razio, pois quer defen
der nao somente o que a fé ensina, mas também o que a dignidade hu
mana exige. É de notar, alias, que toda pessoa que assuma posigoes
nítidas e corajosas, suscita contrariedades e adversarios; só nao tem ad
versario quem é amorfo. Seja ainda recordada a comemoracao dos cin-
qüenta anos de sacerdocio do Pontífice em 1°/11/96: foi ocasiáo de enor
me afluencia de clérigos é leígos numa demonstracáo de simpatia e afeto
semelhante as dos mais belos anos do seu pontificado; nessa ocasiáo foi
tido pela imprensa como "o homem do século XX" (cf. PR 418, pp. 113s).
Pouco antes, em setembro 1996, o Papa, visitando a Franca, conseguiu
converter o clima hostil que o esperava, em ambiente de entusiasmo e
apreco por sua pessoa e suas afirmacóes; saiu vencedor de urna batalha
agressiva que a imprensa Ihe preparara (cf. PR418, pp. 108-113). Bernstein
e Politi fecharam seu relato antes de tais acontecimentos ocorrerem.

Em suma, as pp. 504-537 do livro sao páginas que nao dizem


inverdades, mas que apresentam os fatos um tanto unilateralmente e como
quem nao entende bem dos assuntos em foco.

Entre diversas ¡mprecisóes, que revelam inseguranca dos autores,


sejam mencionadas as seg'uintes:

Á p. 518 os autores dizem que foram concedidas "anulacoes de ca


samento" por tribunais eclesiásticos; na verdade, nao houve anulacoes
de casamentos válidos, mas decíaracóes de nulidade.

O mesmo erro ocorre á p. 425. Á Igreja apenas toca declarar nulo um


casamento que sempre foi nulo.

Á p. 407 os autores atribuem ao Papa a "idolatría mariana" - o que é


falso, pois veneragao nao é idolatría. María nao ocupa o lugar supremo
na tradigáo católica polonesa (retifique-se a falha da p. 408).

Á p. 545 está dito que Savonarola se opós ao Papa Leáo X, quando


na realidade se insubordinou contra Alexandre VI.

Á p. 448 em vez de "sábado de Aleluia" leia-se "sexta-feira santa".


207
16 TERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

A tradugao deixa, por vezes, a desejar, como, por exemplo, á p. 400


(nota de rodapé): o texto diz "abencoados" em vez de "beatificados"; á p.
198 fala-se de "Conselho ecuménico" em lugar de "Concilio ecuménico"...

7. HERÓI
Após a p. 537, o último segmento da Parte VIII e do livro apresenta
Joáo Paulo II como herói. Mostra como, apesar de sua saúde debilitada,
ele continua "olhando para o futuro com alegría".

"Quer ver reconciliados a Cruz, o Crescente e a Estela de Davi. Ele


acha que a religiao nunca mais deve servir de pretexto para a guerra. Ele
previne os fiéis sobre a violencia verbal e física do fundamentalismo de
qualquer coloragao" (p. 538).

O Papa também "deseja ir á Rússia e visitar as distantes ilhas


Solovetski no Mar Branco, onde os soviéticos construíram um dos seus
mais temíveis campos de concentragao, destinado a Bispos e clérigos
ortodoxos e a dissidentes religiosos" (p. 539).

O Papa também "sonha atravessara Cortina de Bambú para provo


cara uniao dos católicos chineses com a Sé de Roma, libertando os cató
licos chineses das correntes do regime comunista" (cf. p. 539).

"Embora sua mao esteja cada vez mais cansada quando a ergue
para abengoar os fíéis, ela aponta para um horizonte mais vasto. O mun
do se deu conta de que ele é um dos últimos gigantes no cenário mundial
- que nao há outros grandes arautos de visóes ampias ou de principios,
independentemente de sua causa ou ideología. Ele definiu o seu tempo
como talvez nenhum outro líder o tenha feito, mesmo quando estava voci
ferando contra essa própria era. Por enquanto, Joáo Paulo II fica quase
sozinho pregando a dignidade do trabalhador e o auxilio para os desem-
pregados, instando á reconciliagao e a solidariedade entre as diversas
carnadas da sociedade e exortando as Nagóes ricas a cuidarem dos Paí
ses sufocados pela pobreza e pela divida externa. Lutando contra a dore
a fadiga, o Papa continua a embarcar em viagens longas e cansativas,
para levar sua mensagem ao mundo, inclusive urna visita triunfal aos Es
tados Unidos em 1995, que atraiu milhóes de católicos e nao-católicos
também, junto com urna enorme e apaixonada cobertura da mídia.

De repente, num palco mundial dominado por profundas divisóes


económicas, nacionais e religiosas, o Papa se destaca como o único por
ta-voz universal de valores universais. Ele oferece um evangelho de sal-
vagáo e de esperanga diante dos novos ídolos - egoísmo tribal, naciona
lismo exacerbado, fundamentalismo ferozmente sectario e violento, lucro
sem preocupagao com a qualidade da vida humana" (p. 541).

208
"SUA SANTIDADE" 17

Ainda é de notar como os dois jornalistas expoem a reagáo de Joáo


Paulo II aos seus achaques físicos:

«Diante da deterioragao de sua saúde, Joáo Paulo II passa a vida


rezando mais do que nunca. - Logo que ele para, comega a rezar- diz um
veterano da Curia. O seu dia inteiro avanga na cadencia da prece. Depois
de se levantar, ás cinco da manha, ele reza por duas horas na cápela,
antes de celebrar a Missa. Ele reza antes e depois do almogo, antes e
depois dojantar. Durante o decurso do dia, ele reza quase continuamen
te. Mesmo quando está no papamóvel, ele puxa seu rosario e fica dedi-
Ihando lentamente as contas até o último instante, quando tem que sairdo
carro. - Domine, non sum dignus (Senhor, nao sou digno) - sussurra ele
quando crescem aplausos á sua volta.

Ninguém que o tenha visto, poderá esquecera maneira como ele se


concentra. Parece estarmergulhando ñas profundezas da suaprópria alma.
O bispo Mariano Magrassi, de Barí, diz: - 'É uma experiencia impressio-
nante vero Papa no seu genuflexório, com a cabega pendendo sobre sua
cruz. Suas sobrancelhas sejuntam. Durante esses momentos de silencio,
pode-se realmente ver como seu rosto está contraído no esforgo de se
encontrar com Deus'. - Na oragao, o Papa se deixa arrebatar. Um
monsenhorque o viu muitas vezes na sua cápela privada diz que 'é uma
busca para se identificar com a vontade de Deus'» (pp. 540s).

Alias, tem-se observado que o segredo da acáo corajosa e fecunda


de Joáo Paulo II em seu pontificado está em sua profunda vida de oracáo
e uniáo com Deus. Este, de resto, foi sempre o segredo de todos os San
tos: conseguiram falar ao mundo e impressioná-lo nao por seu aparato
pujante de máquinas ou dinheiro, mas por seus predicados éticos, entre
os quais sobressai uma viva intimidade com o Senhor Deus. É Ele quem
dá aos justos, especialmente a Joáo Paulo II, a graca de agir bem.

O livro termina apresentando a procissáo de Corpus Christi de 6/6/


1996: "Ñas sombras da noite, Ka rol Wojtyla ia singrando na procissáo
mística, como Osiris na sua barca rumando para o poente" (p. 546).

Sao estas as últimas palavras do livro. Cremos que este é um fecho


improprio para a obra de Bernstein e Politi. Poderiam ter escolhido pala
vras que mais correspondessem á figura do Pontífice, pouco antes classi-
ficado como HERÓI, e HERÓI cristáo.
Em suma, o livro é valioso pelas numerosas informacóes que ofere-
ce, colhidas, muitas vezes, em fontes inacessíveis ao público. A leitura
pode tornar-se empolgante. Todavía, quando aborda certos tópicos de fé,
Moral e Historia da Igreja, nem sempre é feliz, pois os autores sao um
tanto estranhos á temática. Estes "escorregóes" háo de ser levados em
conta, mas nao tiram a importancia da obra em seu conjunto.

209
Seguro e documentado:

"EUTANASIA. UM DESAFIO PARA A CONSCIÉNCIA"


por Marciano Vidal

Em síntese: O conhecido teólogo moralista Pe. Marciano Vidal dis


serta sobre morte e eutanasia com riqueza de documentos e sabios alvi-
tres. Rejeita a eutanasia ativa, que consiste em matar diretamente o paci
ente, aínda que a título de compaixúo. Rejeita também a distanásia, isto é,
a obstinagáo terapéutica, aplicada a pacientes queja nao tém esperanga
de recuperagao e seo submetidos a complexa aparelhagem, donde resul
ta inútil sofrímento. - Propugna a eutanasia passiva, que consiste em evi
tar a obstinagáo terapéutica sem, porém, deixar de ministrar ao enfermo
terminal os meios rotineiros de subsistencia (soro, transfusao de sangue,
alimentagáo simples...). Tal é a posigao oficial da Igreja. - O livro, além
disto, se recomenda como fonte de informagóes e repertorio de documen
tos interessantes.

Marciano Vidal é conhecido teólogo moralista espanhol, redentorista,


cujas obras tém sido traduzidas para o portugués e que, desta vez, vem a
público com um livro sobre a eutanasia1. A obra é rica em documentacáo
e bem orientada. - A seguir, por-se-á em relevo a posicáo do autor,
enriquecida por textos de fontes oficiáis, apresentados por Marciano Vidal
para ilustrar a questao da morte e do tratamento que se pode ou deve
aplicar ao paciente terminal.

LÁTESE DO AUTOR

Antes de tratar da eutanasia propriamente, o autor escreve longas


páginas que dissertam sobre a morte e seu significado á luz de diversas
escolas filosóficas e da fé crista (capitulo 1). Sao muito variadas as posi-
cóes dos autores citados; merecem atencáo dois depoimentos, que con
trasta m entre si:

Epicuro, filósofo de época decadente, nao cristáo, escreve por cerca


de 270 a.C:

1 Eutanasia. Um Desafío para a Consciéncia. - Ed. Santuario, Aparecida 1996, 135 x


210 mm, 174 pp

210
"EUTANASIA. UM DESAFIO PARA A CONSCIÉNCIA" 19

"Enquanto tu existes, nao existe a morte, e, quando a morte sobre-


vém, és tu que já nao existes. Eu e minha morte somos incompatíveis.
Quando ela chegar, eujá nao estarei para experímentá-la. Serao os ou-
tros que terao de se entender com minha morte, que terao de se ocupar
déla e com ela. Portanto por que me pré-ocupar do que nunca terei de me
ocupar?" (citado á p. 120 do livro em foco).

No polo oposto, S. Agostinho (f 430) pondera:

"Desde o instante em que comegamos a existir neste corpo mortal,


nunca deixaremos de caminharpara a morte. Esta é a obra da mutabilidade
durante todo o tempo da vida (se é que vida se deve chamar): o caminhar
para a morte... Porque o tempo vivido é um nada dado a vida, e claramen
te diminuí o que resta, de tal forma que esta vida nao é mais do que urna
corrida para a morte" (citado á p. 23).

Eis duas posicóes contrastantes: a de quem nao quer pensar na morte


e a de quem a enfrenta corajosamente. A primeira se explica pelo fato de
que Epicuro nao tinha clara nocáo de vida postuma, ao passo que S.
Agostinho sabia que a caminhada pelas estradas deste mundo leva á
plenitude da vida.

A posicáo de Epicuro é consolo artificial e precario. Tém mais bom


senso os marxistas que, julgando insustentável viver neste mundo sem
consciéncia de outra vida, postulam a ressurreicáo. Lemos á p. 14 do livro
citado:

"... A sobrevida individual no além-históría. Alguns marxistas reco-


nhecem isso. 'Sao essas interrogagóes que movem Garaudy - nao so-
mente ele, mas também os pós-marxistas Adorno e Horkheimer- a pro
clamar o postulado da ressurreigao' como pnessuposto, a seu ver, de urna
opgáo revolucionaría coerente e honesta".

Para o cristáo, lembra Marciano Vidal, a concepcáo da morte é


inseparável da consciéncia da morte e ressurreicáo de Cristo; a morte é
participacáo da Páscoa de Jesús: "Em Jesús, o Crucificado, Deus aceitou
nossa morte como sendo sua própria morte... Isto nao nos exime da mor
te tal como ela é na realidade. Mas já podemos morrer com a esperanga
posta no Filho. E a incompreensível angustia da nossa morte será partici-
pagáo na agonía de Jesús" (Karl Rahner, Reflexóes sobre a Morte, citado
á. p. 18 da obra de M. Vidal).

O capítulo 2 do livro trata da "morte clínica" (melhor dizendo:... morte


real), procurando os criterios que a definem. Os síntomas de morte real
háo de ser assinalados pela medicina e nao pela Teología, como já dizia
Pió XII num discurso proferido em 1957. A legislacáo espanhola no real

211
20 'PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

decreto sobre "Expropriación y Transplante de órganos" art. 10 considera


falecida urna pessoa "mediante comprovacáo da morte cerebral, basea-
da na constatacáo conjunta, durante trinta minutos, pelo menos, e a per
sistencia seis horas depois do comeco do estado de coma, dos seguintes
sinais:

- ausencia de resposta cerebral, com a perda absoluta de consciéncia;

- ausencia de respiracáo espontánea;

- ausencia de reflexos cefálicos, com hipotonia muscular e midríase;

- eletroencefalograma 'plano', demonstrativo da inatividade bioelétrica


cerebral.

Os sinais citados nao seráo suficientes diante de hipotermia induzida


artificialmente ou sob efeitos de administracáo de drogas depressoras do
sistema nervoso central" (livro em foco, pp. 41s).

O capítulo 3 trata do termo e do conceito de eutanasia. Expoe a ter


minología vigente:

Eutanasia ativa é a procura da morte mediante algum ato direta-


mente mortífero (injecáo na veia, geralmente). Pode ser solicitada pelo
próprio paciente como pode ser infligida a este pelos familiares e o médi
co a título de compaixáo ou para por termo a sofrimentos irreversíveis.

Eutanasia passiva: consiste em subtrair ao paciente os meios de


subsistencia - o que leva á morte. Tais meios podem ser os de rotina
(alimentacáo, soro, transfusáo de sangue...) como também podem ser os
complexos recursos dos Centros de Terapia Intensiva.

Distanásia é, etimológicamente falando, o contrario de eutanasia. O


prefixo grego dys significa doloroso, difícil (como em dispepsia, dispnéia,
disfuncáo...), ao passo que o prefixo eu implica suavidade. Distanásia
vem a ser a morte dolorosa e difícil que resulta da obstinacáo terapéutica;
prolonga-se a vida do paciente, fazendo-o sofrer, sem que disto resulte
alguma melhora para seu estado de saúde.

Adistanásia é a negacáo da distanásia. Vem a ser a morte conse-


qüente a urna interrupgáo dos meios extraordinarios de subsistencia ou a
chamada eutanasia passiva (suspensáo dos meios extraordinarios ou
desproporcionáis, nao proporcionados aos parcos resultados obtidos).

Ortotanásia é a prática que sabe conciliar dois elementos ¡nerentes


á dignidade humana: o respeito á vida humana e o direito de morrer dig
namente, ou seja, sem ser atormentado por urna incondicional obstina-
cao terapéutica. Em gráfico:

212
"EUTANASIA. UM DESAFIO PARA A CONSCIÉNCIA" 21

A ortotanásia é
a realizagáo do duplo valor
do

respeito a vida humana e do dimito de mormr dignamente

valor que a eutanasia nao valor que a distanásia nao


realiza (exagerando realiza (exagerando
o valor: o outro valor:
"direito a morrer") "apreso exagerado á vida")

Nos capítulos subseqüentes, Marciano Vidal define sua posicáo frente


á eutanasia, que nao é outra senáo a da Igreja, expressa pela Congrega-
gao para a Doutrina da Fé em Carta datada de 05/05/1980, a saber:

A eutanasia ativa viola os direitos da pessoa humana á vida. Esta é


o valor básico, ao qual n§o se pode preferir outro valor; além do qué, a
entanásia ativa pode encobrir intengdes espurias (desejo, da familia, de
se ver livre do paciente ou repartir logo a heranga...), utilitaristas (aprovei-
tamento de órgáos do paciente), falsa compaixáo a encobrir interesses
particulares...

A eutanasia passiva, na medida em que subtrai ao enfermo os mei-


os rotineiros de subsistencia, é injusta. Também viola o direito do pacien
te á vida.

A eutanasia passiva é lícita se consiste em suspender meios de


sobrevivencia extraordinarios ou, melhor, desproporcionáis,... meios com
plexos cujos resultados sao nulos, pois é irreversível o estado patológico
do enfermo terminal. Assim é rejeitada a distanásia, que alguns chamam
"crueldade terapéutica": esta é a atitude do médico que, diante da certeza
moral que Ihe dáo os seus conhecimentos científicos, de que os trata-
mentos ou os remedios de qualquer natureza já nao proporcionam bene
ficios ao enfermo e só servem para prolongar sua agonía inútilmente, se
obstina em continuar o tratamento e nao deixa que a natureza siga seu
curso; é a isto que alude o Comité Episcopal da Espanha para a Defesa
da Vida, citado á p. 93 da obra em foco.

Apregoa-se entáo a adistanásia ou, mais positivamente, a ortotanásia.

O mesmo Comité Episcopal proclama os Direitos do Enfermo nos


seguintes termos:

213
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

«Ex/sfem alguns direitos do enfermo moribundo?


- Certamente. O direito a uma auténtica morte digna inclui:

• O direito de nao sofrer inútilmente.

• O direito de que se respeite a liberdade de sua consciéncia.


• O direito de conhecer a verdade sobre seu estado.

• O direito de decidir sobre si mesmo e sobre as intervencóes a que


tenha de se submeter.

• O direito de manter um diálogo confidencial com os médicos, fami


liares, amigos, e sucessores no trabalho.

• Direito de receber assisténcia espiritual.

O direito de n&o sofrer inútilmente e o direito de decidir sobre si mes


mo amparam e legitimam a decisao de renunciar aos remedios excepcio-
nais na fase terminal, sempre que atrás deles nao se oculte uma vontade
suicida.

E estes direitos nao poderiam legitimar alguma forma de eutanasia


passiva (poromissáo)?

- Nao. Quando a morte aparece como inevitável, porque já nao há


remedios eficazes, o enfermo pode determinar, se estiver em condicóes
de fazé-lo, o curso de seus últimos dias ou horas, mediante alguma des-
tas quatro decisóes:

• Aceitar que se testem as medicagóes e técnicas em fase experi


mental, que nio estáo imunes de todo risco. Aceitando-as, o enfermo
poderá dar exemplo de generosidade para o bem da humanidade.
• Recusar ou interromper a aplicagáo desses remedios.

• Contentar-se com os meios paliativos que a medicina Ihe possa


oferecer para mitigar a dor, embora nüo tenham nenhuma virtude curati
va; e recusar medicacoes ou operacóes em fase experimental, porque
sejam perigosas ou sejam excessivamente caras. Esta recusa nao equi
vale ao suicidio, mas sim é expressáo de uma ponderada aceitacao da
inevitabilidade da morte.

• Na iminéncia da morte, recusar o tratamento obstinado que única


mente irá produzir um prolongamento precario e penoso de sua existen
cia, embora sem recusar os meios normáis e comuns que Ihe permitem
sobreviver.

Nestas situagóes, nao há eutanasia, pois esta implica - vamos repe


tir - numa deliberada vontade de acabar com a vida do enfermo. É um
atentado contra a dignidade da pessoa a procura deliberada de sua mor-

214
"EUTANASIA. UM DESAFIO PARA A CONSCIÉNCIA" 23

te, mas é próprio dessa dignidade a aceitagáo de sua chegada ñas condi-
cóes menos penosas possíveis. E é no fundo do coracáo do médico e do
paciente que se estabelece esta diferenca entre provocar a morte ou
esperá-la em paz e do modo menos penoso possível mediante alguns
cuidados que se limitem a mitigar os sofrimentos fináis" (Comité Episcopal
Para a Defesa da Vida, A eutanasia, San Pablo, Madri, 1993).

Marciano Vidal documenta sua posicáo citando outrossim a Confe


rencia Episcopal Alema, segundo a qual "o direito a urna morte humana
nao deve significar que se busquem todos os meios á disposicao da me
dicina, se com eles se obtém como único resultado o de retardar artificial
mente a morte. Isto se refere ao caso no qual por urna ¡ntervencáo de
caráter médico, urna operacáo, por exemplo, a vida se prolonga por pou-
co tempo e com duros sofrimentos,... a graves transtornos físicos ou psi
cológicos. Em semelhante situagáo, urna decisáo eventual, do enfermo,
de nao se submeter á operacáo deve ser respeitada sob o ponto de vista
moral.

Existem, além disso, hoje em dia, possibilidades técnicas da medici


na que nos colocam diante de problemas novos. Podemos justificar dian
te de nossa consciéncia moral o uso prolongado de um pulmáo artificial,
por exemplo, para manter com vida um paciente? Desde o momento em
que se pode vislumbrar que, com este tratamento, o enfermo grave se
pode curar, é nosso dever utilizar semelhantes meios, e é tarefa de um
Estado de caráter social agir de sorte que aparatos e meios, inclusive
caros, sejam postos á disposicao daqueles que deles necessitam.

Mas é diferente o caso no qual, eliminada toda esperanca de melho-


ra, o emprego de particulares técnicas médicas nao serve para outra coi-
sa senáo para retardar a morte á custa de mais sofrimentos. Se o pacien
te, seus parentes e o médico, depois de ter avahado todas as circunstan
cias, renunciam ao emprego de medicinas e de medidas excepcionais,
nao háo de ser acusados de estar usurpando um direito ilícito para dispor
da vida humana. Para o médico, isto pressupóe, naturalmente, o consen-
timento do paciente, e, quando isso já nao seja possível, o consentimento
de um de seus parentes. Em tal caso, respeita-se o direito de que a vida
termine com a morte, que Deus colocou como limite déla» (Conselho Per
manente da Conferencia Episcopal Alema, 1974, Ecclesia n. 1758 [27-IX-
1975] 19-20).

Como se vé, o livro de Marciano Vidal é valioso, pois reafirma de


maneira sólida e persuasiva a doutrina da Igreja, enriquecendo-a com
citacóes interessantes e ilustrativas. A leítura é, por vezes, um tanto pesa
da, pois o texto recorre a vocábulos técnicos, cujo sentido nem sempre é
claro á primeira vista. Contudo isto nao impede a compreensáo do pen-

215
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

samento do autor. Além do mais, a obra oferece ocasiáo de refletir sobre


a morte - o que é salutar.

2. APÉNDICE
A documentado que M. Vidal apresenta, inclui dois textos que pare
ce oportuno reproduzir aqui, dado o seu elevado significado. O primeiro
se refere aos Centros de Terapia Intensiva, e vem a ser urna advertencia
á despersonalizacáo ou á desumanizacáo das condicóes em que se acha
o paciente ai internado.

I. CARTA DE UMA ALUNA DE ENFERMAGEM


EM ESTADO TERMINAL AS SUAS COLEGAS

"Sou urna estudante que vai morrer. Escrevo esta carta a todas voces
que se preparam para ser enfermeiras, com a esperanca de voces partici-
parem daquilo que experimento, a fim de que um dia estejam - oxalá! -
mais preparadas para ajudar aqueles que váo morrer.

Restam-me ainda de um a seis meses de vida, talvez um ano, mas


ninguém quer falar disto. Encontro-me, por isso, diante de um muro sólido
e frío. O pessoal nao quer ver o moribundo como pessoa e, por conse-
guinte, nao pode comunicar-se comigo. Eu sou o símbolo do seu medo.
Voces entram em meu quarto na ponta dos pés para me trazer a medica
do e tomar-me o pulso e desaparecem, urna vez cumprida sua tarefa.
Seria por ser aluna de enfermagem ou simplesmente como ser humano
que eu tenho consciéncia do medo de voces e sei que o medo de voces
aumenta o meu medo? De que voces tém medo? Sou eu que estou para
morrer. Percebo o mal-estar de voces, mas nao sei o que dizer nem o que
fazer. Suplico que acreditem em mim. Se voces se preocupam comigo,
nao me podem fazer mal. Digam-me somente que voces tém essa preo-
cupagáo; nao necessito de mais nada...

Nao fujam. Tenham paciencia. Tudo de que necessito, é saber que


alguém estará a meu lado para pegar minha máo entre as suas, quando
eu precisar.

Tenho medo. Talvez voces estejam cansadas de ver pessoas morrer,


mas para mim é urna novidade. Morrer... nunca isso me ocorreu. É, de
certo modo, urna ocasiáo única. Voces falam de minha juventude, mas,
quando alguém está para morrer, nao é alguém táo jovem.

Há coisas de que eu gostaria de falar. Nao tiraría muito tempo de


voces... Se nos atrevéssemos a reconhecer onde estamos e a admitir,
voces como eu, nossos medos, acaso isso tornaría menos valiosa sua
competencia profissional? Estaría realmente excluido que nos comuni
quemos como pessoas, de forma que, quando nos chegue a hora da morte

216
"EUTANASIA. UM DESAFIO PARA A CONSCIÉNCIA" 25

no hospital, tenhamos a nosso lado pessoas amigas?" (R. Delgado, em


JANO [6-17-11-1985] 61).

O outro texto é o depoimento de um homem famoso indiferente á


religiáo nos dias de sua gloria, mas voltado para Deus ao se sentir próxi
mo da morte.

II. DECLARAQÓES DE FREDERICO FELLINI


O famoso diretor de cinema italiano manifestou numa sugestiva en
trevista as vivencias e profundas experiencias que Ihe proporcionou a grave
enfermidade que sofreu em agosto de 1993, meses antes de morrer. In
ternado num hospital depois de ter sofrido um ataque cerebral, sofreu
urna paralisia no lado esquerdo, o que nao era um bom sinal. Pouco de
pois foi transladado para outro hospital para dar inicio ao tratamento de
reabilitacáo da parte esquerda de seu corpo.

Fellini sempre esteve, e nao teve dificuldade em afirmar isso quando


o achou oportuno, afastado do mundo da fé. Por isso, as suas decíara-
cóes tornam-se significativas nestes momentos em que se encontrou, como
ele diz, "com alguém maior que este pobre homem, que ocupou meu lu
gar na cadeira de diretor".

Reproduzimos, em seguida, parte de sua jocosa entrevista:

"- No seu "scrípt", ou, se prefere, na encenagáo de sua existencia,


vocé previra este golpe de cena?

- Em verdade, nao. Nao esperava. Esta é a verdade. N§o estava


preparado, nem sequer me passara pela imaginacáo, e creio que, pela
primeira vez, alguém maior do que este pobre homem que sou eu, ocupou
minha cadeira de diretor e me contou urna piada que nao é de todo má.

- Melindrou-o esta intromissáo?

- Nao, nao creio que me tenha incomodado, mas cansou-me...

- Que significa para vocé agora o medo?

- Antes de tudo, nao Ihe escondo que tive medo. Quando no hospital
me veio visitar meu amigo Titta, precisamente ele, o materialista e
blasfemador, me disse: "Sabe, Fellini? Rezei por vocé". Naquele momen
to tive medo. Meu medo é mais que o temor de nao ver mais as luzes que
dáo colorido ao filme de minha vida ou de vé-las desaparecer pouco a
pouco, como se meu ser se afastasse lentamente délas.

- Rezou durante esses dias?

- Sim, rezei.

- Que é a oragao?

217
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

- Urna maneira extremamente racional e inteligente de por no chao


os fardos mais pesados da vida e de confiar a alguém o peso das angus
tias e das dúvidas.

- Pensou em Deus?

- E como se poderia viver sem pensar nele?

- No filme de sua vida, o protagonista se converteu num crente?

- O caminho é longo e as tentacóes muitas, e creio que meu prota


gonista terá fortes crises, mas nao me faca dizer mais, porque, de outra
maneira, revelaría todas as minhas surpresas " (Labor Hospitalaria, n°
228, 122-123).

Como se vé, o diálogo termina em reticencias... é importante, porque


revela como a chegada da morte transforma as pessoas: as mais auto-
suficientes e indiferentes a Deus sentem o vazio de toda a gloria humana
e concebem a necessidade de se voltarem para Deus, o único amigo que
nao falha, Aquele que fica quando tudo passa, Aquele com quem todo
homem se encontra definitivamente no momento final da sua caminhada
terrestre.

Continuagáo da pág. 237:

é urna vitória para o pesquisador. Todavía, se o dentista nao sabe impor


limites as suas aspiracóes, respeitando os valores da ética, a ciencia pode
tornar-se um instrumento daninho ao homem, em vez de beneficiar o ho
mem. Isto, alias, já se tem verificado mais de urna vez; a bomba atómica,
por exemplo, é o produto da ciencia nao orientada pela consciéncia ética.

Apontam-se razoes de ordem médica e sentimental para justificar a


eventual clonagem do ser humano. - Observe-se, porém, que seria iní-
quo produzir artificialmente urna criatura humana para a esquartejar em
beneficio da saúde de adultos ou para dar prole a um casal estéril; a
crianca nao é urna coisa, á qual os cónjuges tenham direito, como tém
direito á casa própria, ao carro próprio e aos seus eletrodomésticos; a
enanca é um ser transcendental, que traz em si algo da sabedoria e do
misterio do próprio Deus, de modo que ela há de ser obtida pelas vías
estabelecidas pela natureza mesma ou pelas leis do Criador. Nada, em
suma, legitimaría a clonagem do ser humano.

Á guisa de esclarecimento, deve-se aínda notar que o ser humano


eventualmente obtído por clonagem, se for auténtico ser humano, terá
verdadeira alma humana, criada e infundida pelo Senhor Deus para vivi
ficar a materia produzida artificialmente. No caso, porém, de se produzir
algum monstro (o que nao é para se descartar), tal produto, sendo indefi
nido, nao terá alma humana.

218
Respeito á vida Humana:

PLANEJAMENTO FAMILIAR E ANTICONCEPQÁO


Dr. Joáo Evangelista dos Santos Alves

Em síntese: O autor recomenda o planejamento familiar, segundo o


qual nao se devem colocar no mundo changas sem que naja condigóes
de as educar dignamente. A seguir, analisa os meios artificiáis de conten-
g§o da natalidade, mostrando o que cada qual tem de contra-indicado.

Publicamos, ñas páginas subseqüentes, o segundo artigo da serie


de autoría do Dr. Joáo Evangelista dos Santos Alves sobre o respeito á
vida do embriáo. O primeiro artigo versava sobre "como se transmite a
vida humana" (ver PR 419/1997, pp. 176-180). Mais urna vez agradece
mos ao autor a sua valiosa colaboracáo.

1. PLANEJAMENTO FAMILIAR

O problema da natalidade últimamente tem sido tema freqüente nos


meios de comunicacáo de massa. Informacóes, as mais contraditórias
possíveis, nem sempre provenientes de fontes idóneas, sao diariamente
transmitidas ao público em geral. Do emaranhado de opinioes emerge,
quase sempre, a falsa idéia de que a difusao de métodos anticoncepcio-
nais (e também os abortivos) constituí remedio - senáo suficiente, pelo
menos necessário e indispensável - para a cura dos diversos males que
afligem a humanidade, como a miseria, a fome, a violencia, o analfabe
tismo, etc.

Nao pretendemos, aqui, discutir os varios aspectos que envolvem


essas questóes, ñas o bom senso e a experiencia mostram que nao é
possível resolver problemas humanos com a desvalorizacáo da própria
vida humana, permitindo-se a destruí cao de um ser humano na aurora de
sua existencia, ou impedindo o "seu existir" pela interferencia ñas fontes
da vida.

É inegável, porém, a ocorréncia de situacóes em que urna familia se


veja na contingencia de planejar o número de filhos, a curto ou a longo
prazo. Nao podemos inclusive ignorar que é grande o número de familias
que se encontram nessas circunstancias, pois todas as pessoas, as fa
milias em geral, comunidades inteiras, sofrem as tensóes provenientes

219
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

do ritmo de vida atual, conseqüente a varios fatores e também, em gran


de parte, a urna mentalidade utilitarista, hedonista, viciada e distorcida,
porém real e influente.

Teóricamente, pode-se até admitir, para raciocinio, que venha a hu-


manidade a correr o perigo de superpopulacáo mundial e, conseqüente-
mente, tenha necessidade de reduzir o número dos nascimentos no mun
do inteiro.

Em tais circunstancias, diante de motivos serios, nao seria desones-


to o espacamento da prole, desde que os meios utilizados fossem lícitos,
pois os fins, mesmo bons, nao justificam meios maléficos; é importante
repetir.

Vemo-nos, assim, diante do problema do planejamento familiar e da


necessidade de encará-lo objetivamente. Entre os varios aspectos a con
siderar, surge ¡mediatamente urna questáo primordial: a escolha dos mé
todos a serem adotados e as providencias paralelas a serem tomadas, de
modo a se atingir os fins sem produzir efeitos sociais graves, que possam
denegrir a dignidade humana, criando um círculo vicioso de conseqüénci-
as imprevisíveis. O remedio inadequado ou mal formulado, ao invés de
representar urna solucáo para a doenca social, poderá acrescentar mais
miserias á agitada humanidade deste final de século. A anticoncepgáo e
o aborto provocado nao sao remedios nem solucóes; sao problemas...

É obvio que urna das principáis e urgentes providencias a ser toma


da - nao so por motivos éticos, mas também com vista á procriagao res-
ponsável e ao planejamento familiar - é a de prover, pelos meios cabí-
veis, o saneamento do ambiente moral e espiritual da sociedade. Entre
outros aspectos, naquilo que se refere á exploracáo exagerada e abusiva
do sexo por parte dos poderosos meios de comunicacáo de massa. Es
tes criam e sustentam urna atmosfera moralmente poluída e depreciam
os valores fundamentáis da vida familiar, estimulando de maneira cons
tante o exercício desordenado do impulso sexual.

É necessário e imprescindível que o homem nao perca o sentido


ético de suas acóes. Os meios a serem utilizados devem respeitar o valor
e a dignidade da vida humana no próprio nivel das fontes da vida, preser-
vando-se, portanto, a integridade na transmissáo da vida e rejeitando-se
tudo o que significa dizer Nao á vida.

Eis o problema fundamental: como fazer um honesto e consciente


planejamento familiar, sem agredir a saúde da mulher, sem atingir a dig
nidade dos cónjuges, sem desvalorizar a vida humana, sem deturpar a
finalidade intrínseca do ato procriador, sem fechar as portas á vida? Os
métodos propostos exigem criterioso exame de todas as suas particulari-

220
PLANEJAMENTO FAMILIAR E ANTICONCEPgAO 29

dades e conseqüéncias, antes de serem aceitos. A aplicado do método


é materia do ámbito da Medicina: nao pode o médico prostituir-se com o
exercício profissional que esvazie a Medicina de seu conteúdo ético.

Considerando o que foi dito anteriormente e tendo como ponto de


referencia o respeito á vida humana, podemos agrupar os métodos atu-
almente propostos para o planejamento familiar em tres grupos:

I - Métodos que destróem a vida: aborto provocado (métodos crimi


nosos);

II - Métodos que impossibilitam a vida, tornando infecundos os atos


sexuais que seriam normalmente fecundos: anticoncepgáo ou contra-
cepcáo (métodos artificiáis);

III - Métodos que respeitam a vida e as fontes da vida: fisiológicos


(métodos naturais).

2. ABORTO - ANTICONCEPCÁO - MÉTODO NATURAL

Podemos compreender perfeitamente a diferenca ética e científica


entre os tres grupos de métodos propostos para o planejamento familiar:
aborto, anticoncepgáo (contracepcáo) e método natural.

Os métodos abortivos agem destruindo a vida já concebida; os mé


todos contraceptivos agem impedindo o eclodir da vida por impossibilitar
a concepgáo, tornando infecundos os atos que seriam naturalmente fe
cundos; enquanto os métodos naturais respeitam as fontes da vida, va-
lendo-se dos períodos naturalmente férteis e inférteis da mulher.

No aborto provocado, a nova vida humana, já concebida, é destruida


para nao sobreviven Na contracepgáo, esta mesma vida teria sido impe
dida de iniciar sua existencia pela interrupcáo do processo fisiológico de
sua formacáo, desencadeado pelo ato sexual realizado. Há, portante,
urna diferenca entre esses dois métodos, mas verifica-se também urna
importante semelhanca: ambos constituem urna atitude voluntaria contra
a vida humana, destruindo-a (aborto), ou obstando-a (anticoncepgáo).

Já os métodos naturais - baseados nos períodos férteis e inférteis


da mulher - diferem de ambos ácima referidos porque respeitam a vida e
as fontes da vida, pois todos os atos sexuais realizados seguem sua evo-
lugáo natural permanecendo abertos á vida. Esta, no período infértil, nao
se consuma naturalmente, apesar de nada ter sido feito para impedi-la; e
no período fértil o ato nao é realizado; o casal é livre para realizá-lo ou nao.

É importante compreender bem a diferenga entre a natu reza dos


métodos propostos. Muitas máes que, por exemplo, já praticaram aborto

221
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

- algumas até varias vezes - ignoravam a realidade da acáo que pratica-


ram, pois nao tinham plena consciéncia do que acontecía. Urna vez co-
nhecendo o que realmente significa o aborto, concordam em levar a ter
mo urna gravidez em curso, acolhendo o filho ou entregando-o a quem
possa cuidar dele, e murtas vezes optam por urna mudanca de vida. Ou-
tras trocam a contracepcáo pelo método natural de planejamento familiar.

3. O ABORTO

A propósito deste tema, vamos insistir no que já comentamos mais


amplamente em varias outras oportunidades*.

Em termos gerais, o aborto consiste na morte da nova vida humana


dentro do ventre materno ou na sua expuisáo ainda vivo, porém antes da
viabilidade extra-uterina, isto é, sem maturidade suficiente para sobrevi-
ver fora do útero.

3.1. Aborto Natural e Aborto Indireto

Aborto espontáneo ou natural é aquele que, como o nome indica,


ocorre espontáneamente, naturalmente, em decorréncia de fatores vari
os, que escapam aos nossos designios. É a morte natural do concepto.
Aborto indireto. A morte do concepto pode ocorrer também como
conseqüéncia nao visada, embora prevista, de ato médico realizado para
curar gestante portadora de enfermidade, cuja natureza grave nao per
mite adiar o tratamento até a viabilidade fetal.

Assim, por exemplo, em urna gestante cardiópata, no primeiro tri


mestre da gravidez, com indicacáo de tratamento cirúrgico cardiovascular
inadiável, o risco do abortamento existe, mas nao invalida a conduta ci-
rúrgica, que é legítima, pois visa a salvacáo da máe e nao constituí agres-
sao direta ao feto. Se ocorrer, o abortamento será ¡ndireto, acidental, nao
desejado pelo ato médico, embora previsto.

Do mesmo modo, varias outras enfermidades, como os tumores ova-


ríanos, os miomas uterinos volumosos com confuto de espago, etc.,
constituem casos em que a indicacáo cirúrgica é imperativa e legítima,
no que pese encerrar grave risco para a vida fetal, devendo-se tomar
todas as providencias cabíveis para protegé-la, o que nem sempre se
consegue.

Até mesmo no cáncer do coló uterino, o tratamento da máe - retira


da do útero pela cirurgia (histerectomia radical), ou sua irradiacáo (radio
terapia intra-uterina) - é lícito e pode ser efetuado, nao obstante implicar

* ALVES, J.E.S., BRANDÁO, D.S., TORTELLY COSTA, C, BRAGANCA, W., Aborto-


O Direito á Vida, Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1982. E outras publicares.

222
PLANEJAMENTO FAMILIAR E ANTICONCEPgÁO

em morte certa do concepto. Conseqüéncia esta ¡ndireta, nao visada,


mas inevitável. A conseqüente morte do concepto constituí aqui o que se
chama, em Moral, ato indireto, isto é, o que nao foi desejado, nem visado ,
quer como fim, quer como meio de obter um fim, mas foi previsto como
conseqüéncia possível ou certa, porém inevitável, de um ato diretamente
desejado (no caso, a destruicáo do cáncer uterino pela retirada do órgáo
ou pela ¡rradiacáo).

Nessas circunstancias, a morte do feto nao constituí a finalidade do


ato praticado, pois ocorre contra o objetivo do médico, ainda que nao
contra suas previsóes. Fundamenta-se a liceidade do ato no principio do
duplo efeito, assim compreendido:

a) á prática de um ato, moralmente bom ou indiferente, seguem-se


dois efeitos paralelos, um bom e outro mau;

b) apenas o efeito bom é visado pelo ato praticado;

c) o efeito mau, embora inevitável, nao é desejado nem visado pelo


ato, sendo apenas previsto e tolerado;

d) o efeito mau nao se constitui no meio de se obter o efeíto bom;

e) o efeito bom é conseqüéncia direta do ato praticado, nao sendo,


portanto, secundario nem conseqüente ao efeito mau;

f) o efeito bom visado é suficientemente importante para tolerar-se o


efeito nocivo previsto.

Assim, em mulher portadora de cáncer do coló uterino, a conduta


terapéutica ácima referida (ato bom) visa a extirpagáo do cáncer (fim
bom). O fato de a paciente engravidar no decorrer da avaliacáo pré-ope-
ratória, ou mesmo já estar grávida antes, nao Ihe tira o direito ao trata-
mento adequado, ainda que, paralelamente ao fim bom (extirpacáo do
tumor uterino canceroso para a cura da máe) — objetivo do ato terapéutico
— preveja-se como inseparável urna conseqüéncia má (morte do feto
que se encontrava dentro do útero canceroso).

A morte do feto assim ocorrida nao infringe principio deontológico,


nem constitui objeto de atencao de nenhum Código de Ética Médica ou
Código Penal, sendo pacifica e universal sua aceitacáo do ponto de vista
moral e legal.

3.2. Aborto Provocado

Aborto provocado é aquele que resulta de ato direta e delibe


radamente destinado á morte do concepto. É a morte provocada e pre
meditada de um ser humano inocente.

223
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

Os métodos utilizados pelos aborteiros variam de acordó com a ida-


de do concepto e outras circunstancias.

A maneira mais precoce de provocar o aborto consiste em transfor


mar a mucosa uterina — ambiente adequado e acolhedor que normal
mente é — em ambiente hostil e inadequado ao novo ser humano, impe-
dindo a sua nidacáo no útero ou, ocorrida esta, provocando a sua morte
antes que o trofoblasto (anexo fetal) inicie a producáo de hormónios ne-
cessários á sua própría subsistencia.

Os principáis meios utilizados para esse tipo de aborto sao dois: o


dispositivo intra-uterino (DIU) e a chamada "pílula pós-coital" ou "pílula
do dia seguinte".

3.2.1. O DIU

O Dispositivo Intra-uterino (DIU) é um artefato construido sob for


matos e tamanhos diversos, para melhor se adaptar á cavidade do útero
a que se destina. Existem varios modelos, que se tornaram conhecidos
pelos nomes de seus autores, pelas suas formas ou pelo material com
que sao fabricados.

Em outras palavras: o referido artefato — intencionalmente coloca


do dentro do útero e ai mantido por tempo indefinido — é um corpo estra-
nho intra-uterino que impede, por efeito de sua presenca, o desenvolvi-
mento da gravidez todas as vezes que sua portadora concebe um filho.

Obviamente, qualquer artefato que provoque a morte do novo orga


nismo nao pode ser chamado de anticoncepcional, visto nao haver im
pedido a concepcio, mas atuando após a mesma. Pode parecer supérfulo
chamar a atencáo sobre esse fato, mas isso se justifica em razáo da
existencia de autores que insistem, erróneamente, em denominar o DIU
de "anticoncepcional", quando eles próprios sabem que quase todos os
mecanismos de acáo do DIU agem após a fecundacáo, sendo, portanto,
abortivos.

A inibicáo que podem exercer sobre a motilidade dos


espermatozoides nao é suficiente para deter totalmente a enorme quan-
tidade desses gametas que ascende em direcáo ás trompas de Falópio,
como admitem os próprios adeptos do DIU.

Como se sabe, a natureza prodigalizou um grande excesso de ga


metas masculinos para assegurar a reproducáo. Variando entre 1,5 a 5
mi de sémem, cada ejaculagáo encerra urna concentracáo de
espermatozoides que varia entre 60 a 200 milhoes por mi. Concentra-
cóes bem menores sao suficientes para lograr a fecundacáo, sendo con
siderado viável até o limite mínimo de 30 milhóes ou até mesmo 20 mi
lhóes de células por mililitro.

224
PLANEJAMENTO FAMILIAR E ANTICONCEPQÁO 33

Normalmente, o número de gametas que ascendem ao útero e ás


trompas é muito maior que o mínimo necessário. A elevada concentra-
cáo de células reprodutoras masculinas resguarda um possível desper
dicio das mesmas, no decorrer do processo gerador, para que isto nao
implique em impedimento da fertilizacáo do óvulo. É conhecida a resis
tencia do semen á acio de substancias químicas espermatotóxicas de
positadas no fundo vaginal, cujo objetivo anticoncepcional é muitas ve-
zes frustrado, posto que suficiente quantidade de espermatozoides per
manece capacitada para ascender ás trompas e exercer a fecundac3o.
Portanto, o fato de o uso do DIU criar condicóes desfavoráveis á vida dos
espermatozoides, dificultando sua ascensáo ás trompas, nao constituí
motivo razoável para admitir-se que este artefato possa impedir a con
cepto. Sabe-se ser curto o lapso de tempo em que os espermatozoides
se expóem, no meio uterino, ás hostilidades causadas pela presenca do
DIU, que nao impede seu trajeto para as trompas.

Vencidas as dificuldades e ocorrida a fecundacáo, o novo ser recém


concebido desee através da luz tubária com destino á cavidade uterina
para ai permanecer e implantar-se no endométrio, já na fase de blastocisto.
Constituí, portanto, a cavidade uterina nao urna breve passagem, mas o
"habitat" do novo ser até o nascimento. Se as condicóes naturais, favorá-
veis ao seu desenvolvimento, forem modificadas e transformadas em meio
hostil, como acontece pela presenta do DIU, o concepto certamente pe
recerá antes ou logo após a nidacáo, ocorrendo, em seguida, a menstru-
acáo.

Portanto, no caso do DIU, o que está em causa é a inviolabilidade


da vida do novo ser, que já existe antes da nidacáo, e que é desrespeita-
da pela aplicacio do DIU.

Ainda que os aplicadores de DIU queiram rejeitar o valor de conclu-


soes de trabaihos científicos que demonstram a acáo abortiva precoce e
sistemática destes dispositivos, e aleguem a ignorancia de certos aspec
tos do mecanismo de aguo dos mesmos, nao podem, de forma alguma,
deixar de aceitar, ao menos, que existem fortes indicios bem fundamen
tados de que tais instrumentos sao agentes abortivos que impedem a
implantado do blastocisto ou o deslocam logo após a implantado. Fi-
cam, portanto, ainda assim, éticamente impedidos de propagá-los e aplíca
los amplamente como fazem, ainda mais portratar-se, como alegam eles,
de métodos cujo mecanismo íntimo de a?3o é incompletamente conheci-
do. A ignorancia nao os impede de aplicar o dispositivo, mas querem que
os absolva de culpa pelos efeitos antiéticos dos mesmos.

Nao obstante serem desconhecidos alguns aspectos do mecanis


mo íntimo de acáo do DIU, o seu efeito ocisivo sobre o óvulo já fecunda-

225
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

do — isto é, sua acáo abortiva — é fato plenamente admitido, como pode


ser visto em farta literatura nacional e estrangeira.

Quase todos os trabalhos científicos sobre o DIU — ainda que o


denominen), impropriamente, de anticoncepcional — ao referir-se a
seu efeito, o fazem citando este artefato como fator que impede a
nidacáo do ovo, destruindo-o, quando este alcanca a cavidade uterina
(aborto). Vale assinalar que seus autores sao , na maioria, adeptos do
método, e exercem suas atividades e experiencias em servicos que o
adotam, sendo, portanto, insuspeitos de parcialidade, quando assim
se pronunciam, reconhecendo o efeito ocisivo do DIU sobre o novo
ser já concebido.

O efeito abortivo do DIU, inclusive o de cobre, fica evidenciado, so-


bretudo, com a preconizacáo que se faz atualmente para uso pós-coital,
visando a impedir a nidacáo do concepto resultante de ato "desprotegido".

Além do efeito abortivo, exerce o DIU acáo nociva sobre a saúde da


mulher em que é colocado.

A principal complicado consiste na infecgáo pélvica, patología ge-


ralmente grave, podendo levar á morte ou deixar seqüelas nem sempre
passíveis de cura, como a esterilidade e dores pélvicas crónicas, conse-
qüentes a aderéncias inflamatorias englobando os órgáos pélvicos.

Complicacáo mais freqüente e nao menos desprezível é o sangra-


mento uterino anormal, causando anemia ou agravando anemia preexis
tente.

Entre as complicacóes menos freqüentes, destaca-se a perfuracáo


uterina causada pelo artefato abortivo (DIU), de conseqüéncias impre-
visíveis. Deve-se considerar ainda a possibilidade de reacáo orgánica ao
cobre, quando o DIU contém este material.

3.2.2. A "Pílula do Dia Seguirte"

A "pílula do dia seguinte" ou "pílula pós-coital" consiste em medi


camento de natureza hormonal que, sendo ingerido dentro de 72 horas
após o ato sexual, é capaz de causar importantes alteracóes no
endométrio — mucosa muito sensível a certos hormónios e que reveste
a cavidade uterina, onde o embriáo se aloja — provocando a sua
descamacáo semeihante a urna menstruacáo normal ou um pouco mais
intensa, e, se houve concepcáo, eliminando também o concepto. Como
o DIU, é a pílula pós-coital um cripto-abortivo, pois provoca o aborto ocul
tamente, sem que a mulher tenha conhecimento de haver gerado um
filho, já que a menstruacáo ocorre nos limites do prazo habitual.

226
PLANEJAMENTO FAMILIAR E ANTICONCEPgAO 35

3.2.3. Outros Métodos

Á medida que a gravidez evolui e a crianga cresce dentro do útero


materno, os aborteiros usam outros métodos abortivos "melhor adapta
dos " á idade do concepto:

RU - 486 - É um medicamento que compete com a progesterona


(hormónio necessário para manter a gestacio), neutralizando os seus
efeitos. Sem a agio da progesterona, o útero grávido se contrai continu
amente até ínterrom per a gravidez, expulsando o concepto. Os aborteiros
o recomendam só até sete semanas após a última menstruacáo.

Método de aspiracáo - consiste em dilatar o coló uterino e ¡ntrodu-


zir urna cánula ligada a urna máquina aspiradora com forca varias vezes
superior á forca de um aspirador de pó. A criancinha é aspirada junto
com a mucosa uterina, transformando-se numa massa de tecido e san-
gue, quase nao sendo possível identificar-se as partes fetais.

Método de curetagem - exige também a dilatacáo do coló uterino


para permitir a introducao de urna "colher" cortante (a cureta), que raspa
a mucosa uterina, dilacerando e esquartejando a chanca, cujas partes
podem ser identificadas e, inclusive, reconstituido o seu corpo após lavar
e retirar os coágulos sanguíneos e fragmentos da mucosa uterina.

Método da injecáo salina - consiste na injecáo de urna certa quan-


tidade de solucáo salina hipertónica no líquido amniótico, no interior do
qual a crianga se movimenta normalmente. A solucáo salina hipertónica
injetada soba pele de qualquer pessoa, no tecido celular subcutáneo,
provoca forte dor e necrose do tecido, seguindo-se ferida e escara. Inje
tada no interior do líquido amniótico, provoca verdadeiras queimaduras
na crianga, matando-a aos poucos, sendo, algumas vezes, eliminada aínda
viva para acabar de morrer fora do útero.

Método das ¡njecóes ocitócicas - substancia principal é a pros-


taglandina, que, injetada na mulher, provoca a contragáo uterina e a ex-
pulsáo da crianga, aínda incapaz de sobreviver fora do útero, principal
mente se nao for assistida. Provoca o aborto em qualquer fase da gesta-
gao, sendo mais usada pelos aborteiros no segundo trimestre.

Método da Operacáo Cesariana - consiste geralmente na chama


da micro-cesária, porque é realizada em idade de inviabilidade fetal fora
do útero, vindo o feto a morrer por imaturidade. Mas a operagáo cesaria
na com fim abortivo tem sido realizada também até próximo ao termo da
gestagáo em muitos países onde o aborto foi liberado. As changas, mes-
mo retiradas com vida - inclusive as viáveis - sao abandonadas até mor
rer, como se fossem animaizinhos sem valor, sendo, inclusive, conforme

227
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

varios relatos divulgados, remetidas a laboratorios experimentáis para


estudos e experiencias biológicas.

Como vimos, os métodos abortivos sao aplicados para destruir urna


vida humana concebida, sendo utilizados desde o inicio até o final da
gravidez.

3.3. Ponderacóes Gerais

Varios sao os motivos com os quais se quer justificar o aborto: mo


tivos terapéuticos, económicos, sociais, sentimentais, de honra, etc. Mas
o respeito á vida de um indefeso, inocente e frágil ser humano nao seria
motivo mais que suficiente para se proibir e condenar o aborto?

É incontestável que o aborto é urna acáo contra a vida, é atentado


contra urna existencia humana. Afirmar contrariamente é falsear a verda-
de para justificar atos "convenientes" ás difíceis circunstancias do mo
mento.

Sem nenhuma dúvida científica ou ética, o aborto provocado consti


tuí violenta agressao á máe e á enanca que vive em seu ventre, sendo,
para o filho, de efeito mortal, constituindo-se, portanto, em verdadeiro
assassinato.

Por mais dramáticas que sejam as circunstancias arroladas — como


perigo de práticas clandestinas, doenca da máe, familia numerosa, pro-
miscuidade, pobreza, miseria, desonra, violencia, incesto, estupro,
malformacQes fetais, explosáo demográfica, etc. — nao se justifica a le-
galizacáo do abortamento voluntario, pois seria legalizar um ato de vio
lencia premeditado.

A legalizacáo dessa prática, em qualquer das circunstancias referi


das, representa gravíssimo afrouxamento, quase equivalendo, na práti
ca, a verdadeira liberacáo, com todas as suas conseqüéncias deletérias
sobre a pessoa humana como tal, sobre a familia como instituicáo, sobre
a sociedade em geral.

O abortamento voluntario legalizado constituí falsa e contraditória


tentativa de solucáo de problemas que afligem a humanidade, pois con
siste em ato, por sua natureza, contrario á ordem moral e que atinge
aínda mais a dignidade humana, desvalorizando a vida que se quer pro
mover. É urna tentativa de resolver problemas humanos com desprezo
da própria vida humana.

Permitindo-se, sob qualquer pretexto, a supressáo voluntaria de urna


vida humana inocente em sua fase intra-uterina, como impedir-se a su
pressáo de urna vida humana em qualquer fase de sua existencia, quan-
do constituí pesada carga: aleudes, inválidos irrecuperáveis, loucos agres-

228
PLANEJAMENTO FAMILIAR E ANTICONCEPQAO 37

sivos, velhinhos arterioscleróticos, comatosos irreversíveis, doentes cró


nicos de difícil manuseio, etc.? Só com o respeito aos di reítos de cada
um, inclusive dos mais fracos e indefesos, é possível salvaguardar o di-
reito de todos.

Por rebaixar o valor da vida humana ao nivel dos animáis irracio-


nais, constituí o abortamento provocado serio atentado aos alicerces na-
turais da familia, desagregando-os pelo triunfo do egoísmo, que rejeita
riscos e repele sacrificios.

Os tres pretextos mais freqüentemente invocados para a liberacáo


do aborto sao: risco de vida para a máe (aborto dito terapéutico), gravi
dez decorrente de estupro (aborto dito sentimental) e malformacao con-
génita (aborto dito eugénico).

Aborto terapéutico- No que concerne ao aspecto estritamente mé


dico, as opinióes convergem para a aceitagáo do fato de que se tornam
cada vez mais raras as situagóes patológicas em que se poderia concluir
pela impossibilidade de evolucao da gravidez até a viabilidade fetal. Em
tais casos é impossível afirmar que o aborto salvará a máe.

Os extraordinarios recursos de que dispóe atualmente a Medicina,


oferecem ao médico meios para prosseguir na luta, visando a salvacáo
do binomio máe-filho. Na época atual, aquela desconcertante situacao
de "expectativa com os bracos cruzados" nao mais prevalece.

É correto, como dissemos anteriormente, afirmar que a gestante por


tadora de enfermidade de natureza grave pode ser tratada como se nao
estivesse grávida. Nao quer isso dizer, obviamente, que nao se envidem
esforgos para impedir que o feto venha a sofrer as conseqüéncias do
tratamento materno. A obstetricia moderna dispóe de recursos semióticos
e terapéuticos que devem ser postos em prática com vistas ao concepto,
coadjuvando o tratamento materno.

Nao faltam no Brasil centros médicos suficientemente desenvolvi


dos e aparelhados para oferecerem a melhor assisténcia aos casos mais
graves. Nao seria difícil a remocao, para tais centros, das gestantes resi
dentes no interior, desde que, para isso, se voltasse a atengáo dos res-
ponsáveis.

Assim, pois, o direito ao tratamento nao é postergado na mulher


grávida, podendo esta ser sempre tratada, desde que nao se utilize mé
todo que agrida diretamente a vida do concepto, mas pelo contrario se
envidem esforgos para preservá-la, sempre que seja possível (ver aborto
indireto, pág. 222s).

Vemos, pelo exposto, que a moral de modo algum impede que a


gestante enferma seja tratada adequadamente.

229
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

O apelo ao chamado "aborto terapéutico" como meio de salvar a


vida da gestante nunca constituiu recurso científico, e muito menos nos
dias atuais, em face das modernas conquistas da Medicina.

Aborto sentimental - A prática do estupro configura problema


gravíssimo e extremamente doloroso, mas o recurso ao aborto — exter
minio deliberado da nova vida inocente — nao constitui solugáo, pois
consiste em outra brutal violencia, incompatível com a consciéncia hu
mana. E com que fim?

Evitar urna crueldade já praticada? Impossível!

Repará-la? Nao com o sacrificio de urna vida inocente, mas, isto


sim, proporcionando á mae assisténcia adequada.

Ocultar o ato bestial e suas conseqüéncias? Nem mesmo isso, pois


a prova de violencia exige tramitacáo policial e judiciária demorada, jus-
tificável pela gravidade do caso, o que nao pode ser feito em segredo e
tem inevitável repercussáo e conseqüente divulgacao, embora indesejada.

Enquanto isso, a gravidez evoluindo até a viabilidade fetal acabará


por absolver da "pena de morte" o "réu" sem culpa, o filho inocente pelo
crime que seu pai cometeu. Por tal motivo tem sido comentada a
impraticabilidade desse injusto inciso do Código Penal.

"Por que, se nao existe o amor no ato genésico, o feto nao merece
férvida extra-uterina?

É a teoría do desamor.
Mas qual o maior desamor, qual o maiorcríme? A vida chegada de
um ato onde o amor foi ausente, ou a morte consentida pelo desamor?

Onde o desamor maior?

Creio que na segunda proposigáo. Isto é induvidoso. Traumas futu


ros podem ser equacionados, evitando-os através de psicólogos, psiqui
atras e terapéutica adequada; muito mais tratándose da inesgotável fon-
te de amor- a maternidade" (Dr. Celso Panza - Juiz de Direito).

O estupro nao interfere comprometedoramente no processo fisioló


gico da gestacáo dele resultante, e o fato de ser brutal violencia nao
constitui problema específicamente obstétrico, nao cabendo, portanto,
outra conduta médica que nao seja a correta assisténcia pré-natal,
coadjuvada pelo amparo psicológico e espiritual.

Aborto eugénico (caso de malformacáo congénita) - Consiste no


exterminio, em nome da Eugenia, de fetos defeituosos. Ora, a Eugenia,
considerada como Ciencia, jamáis se poderia afirmar patrocinando a

230
PLANEJAMENTO FAMILIAR E ANTICONCEPgAO 39

destruicáo de vidas humanas. Legitimada essa prática abortiva, envere


daríamos numa linha de raciocinio até a justificativa de todas as barbari
dades já praticadas em nome de urna falsa idéia de Eugenia.

Truncando o obvio, para confundir, alega-se — em defesa do abor


to... — "o dimito de urna críanga nascer perfeita e saudável, visando a
plenitude de sua vida e sua integragáo na sociedade". Certamente nin-
guém deixará de advogar essa tese. Mas, na realidade, o que se preten
de com o aborto nesses casos é bem outra coisa: é que só as criancas
perfeitas e saudáveis tenham o direito de nascer, as deficientes nao! Se
sao cegas, se sao defeituosas, se sao aleijadas, devem ser destruidas
no ventre materno?...

Ora, se é crime abominável matar um ser humano inocente e sadio,


por que deixará de sé-lo se o indefeso inocente apresentar deficiencia
física ou mental? A vida deficiente necessita de ajuda e protegió, e nao
de violencia e agressáo.

É obvio que o ser humano nao pode ser julgado pela ¡ntegridade de
seus órgáos ou de suas funcoes. "Nao se avaliam homens como se ava-
liam animáis, como se avaliam gados para o corte ou como se avaliam
cávalos para os hipódromos".

A proposta de aborto para esses casos fere o respeito devido á dig-


nidade da vida humana, que nao permite a injusta distincio entre defici
entes e normáis: estes seriam dignos de existir e aqueles nao...

Ninguém ignora que existem situacóes delicadas, dificílimas e até


dramáticas, mas em nenhum caso o exterminio pré-natal do deficiente
constituí solugáo digna, nem eficaz.

Compete á sociedade buscar solucóes justas, positivas e compatí-


veis com a dignidade humana, sem conspurcar a Medicina, arrastando-a
para práticas anti-éticas, contrarias ao seu espirito e finalidade.

É urgente promover o desenvolvimento da assisténcia pré-natal em


todo o territorio nacional. É também importante estimular a criacáo de
instituicoes com finalidade de prestar assisténcia a todos os portadores
de deficiencia grave. Nao apenas aos assim provenientes do ventre ma
terno, mas também aos que a adquirirem no decorrer dos anos. Recupéra
los o quanto possível e desenvolver suas potencialidades, por mínimas
que sejam, é dever da comunidade, é tarefa que exige a participacáo de
toda a sociedade. O crescente progresso científico e tecnológico possibi-
lita o diagnóstico pré-natal, ou logo após o nascimento, de ¡numeras
malformacóes, o que favorece a correcáo precoce de muitas deficienci
as, inclusive com procedimentos intra-uterinos.

231
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

Casos especiáis - A permissividade legal para a prática do aborto


em "casos especiáis" servirá apenas para acobertar delitos ou propiciar
alternativa mais fácil, tora da verdadeira solucáo, diante de situacoes
difíceis a exigir tarefa ardua e de responsabilidade. Constituí, aínda, gra
ve injustiga para com aqueles catalogados entre "os casos especiáis",
excluindo-os, injustamente, de protegáo legal, além de enfraquecer, na
comunidade, a consciéncia do devido respeito aos direitos humanos na-
turais e inalienáveis.

É fato bem conhecido que as leis nao sao apenas punitivas, pois,
quando retamente formuladas, constituem, pela sua expressao educativa,
importante fator para a formacáo moral do povo.

Qualquer iniciativa, destinada a remediar táo grave mal social, per


dería sua eficacia diante de urna legislacáo permissiva, com varias con-
seqüéncias fácilmente previsíveis.

A legislacáo e todos os recursos devem ser colocados a servico da


maternidade e da vida, protegendo-se o filho e a m§e. Protegendo-se
também o médico, pois as leis e as circunstancias, sendo ordenadas
para o prosseguimento da gravidez, servem-lhe de apoio para que nao
resvale, por fraqueza ou por ambicao, para práticas contrarias ao seu
juramento. Este é o caminho: cuidar da máe e proteger o filho. Este é o
dever do médico: assistir o seu paciente desde o inicio da vida, na con-
cepgáo, até seu último alentó.

Sem dúvida nenhuma, repito, o aborto provocado consiste na des-


truigáo de urna vida humana inocente e indefesa na aurora de sua exis
tencia e, certamente, também em um atentado á consciéncia da máe, á
do pai e á do médico. E mais que isso: constituí o aborto provocado um
processo de destruigáo da própria consciéncia humana.

Nao é necessário recorrer á religiáo para condenar o aborto provo


cado, poís se trata de problema de ordem natural, que fere o respeito ao
direito humano basilar, que é o direito á vida, cujo desrespeito atinge
todos os outros direitos. Obviamente, o direito á vida é atributo de todos
os seres humanos: materialistas e espiritualistas; católicos, protestantes,
espiritas, agnósticos e ateus, velhos, jovens, criangas, recém-natos e nas-
cituros, desde a concepgáo, pobres e ricos, brancos e negros, etc. Por-
tanto, qualquer atentado contra a vida humana inocente constituí falta
condenável, quer seja praticado por pessoa religiosa, quer por ateu con
victo.

"A questao da vida e da sua defesa e promogáo nao é prerrogativa


únicamente dos crístáos. Mesmo se recebe urna luz e forga extraordina
ria da fé, (...) tratase, com efeito, de um valor que todo ser humano pode

232
PLANEJAMENTO FAMILIAR E ANTICONCEPgAO

enxergar, mesmo com a luz da razéo, e, por isso, diz necessaríamente


respeito a todos".1

Quanto ás máes que procuram o aborto para solucáo de seus pro


blemas, acredito que muitas sao influenciadas pela malfazeja mentalida-
de antinatalista difundida pela mídia, e outras s3o movidas também pelo
sofrimento, pelo medo e pelo desespero, sem pleno conhecimento do
horror em que consiste essa prática criminosa. Compete a quem as as-
siste esclarece-las e orientá-las na busca de reais solucóes para suas
dificuldades, excluindo o aborto, que nunca será solucáo para nada; pelo
contrario, constituirá sempre um novo problema, acrescentado ao que se
pretende resolver.

E aquelas máes que já passaram pela triste e infeliz experiencia do


aborto provocado, longe de serem repudiadas, devem ser ajudadas, pelo
conselho sincero e acolhedor de pessoas amigas e esclarecidas, a recu-
perarem os valores esquecidos e a reencontrarem o caminho perdido,
podendo incluir-se, com seu doloroso testemunho, entre as mais convin
centes defensoras da vida humana nascente.

Mas "o problema ético da natalidade n§o se resume na salvaguarda


da vida humana existente, nem se reduz a urna questao de técnicas,
encaradas exclusivamente sob o prisma da conservagSo indispensávei
de todo ser humano concebido. O horizonte dessa materia é bem mais
ampio. Antes mesmo de se configurara situagao dramática e extrema do
aborto, o valor da pessoa humana exige que sua dignidade seja respeita-
da no próprio nivel das fontes da transmiss§o da vida",2 rejeitando-se
assim a contracepcáo (que desvincula o ato sexual da procriacáo) e a
manipulacáo do embriáo humano ñas técnicas de fecundacao "in vitro"
(que desvincula a procriacSo do ato sexual).

1 JOÁO PAULO II, Evangelium Vitae (101) -1995.


2 Sá Earp, N. A.

233
Inculturacáo ou Profanacáo?

A MISSA DO CAMPEIRO OU DO BOIADEIRO

Em síntese: A Missa do Campeiro ou do Boiadeiro é um ensato de


inculturagáo no qual prevalecem os aspectos folclórícos e teatrais sobre o
sagrado. Vem a ser a profanagao do rito eucarístico, contrariando as nor
mas da Igreja e desnorteando os fiéis ou o público em geral.
* * *

Tem sido celebrada no Brasil a Missa do Campeiro ou do Boiadeiro,


com seus trajes, símbolos e ritos próprios, que fogem as prescricoes da
Liturgia da Igreja e deixam as mentes confusas.

Vamos, a seguir, expor alguns tragos do respectivo ritual e tecer-lhe


alguns comentarios.

1. O RITO DA MISSA CAMPEIRA

Eis o que se lé logo no cabecalho do folheto respectivo:

"Preparagao: Preparase o altar com ornamentos típicos sobre um


carro de boi ou um palco com urna cruz de bambú ou lenha rústica; ao
lado, bem destacada urna lamparina no lugar das velas e pode haver urna
tocha ao lado da cruz. Os campeiros e campeiras colocam-se em forma
de meia-lua ao redor do altar, de preferencia a cávalo com traje típico.
Providenciase um bom servigo de som, com microfone sem fío, de prefe
rencia. Fazse o comentario e durante o canto de entrada vém chegando
campeiros com o herrante, a bandeira do Brasil, do Estado, da cidade e
da Igreja; logo atrás vem o Padre com trajes típicos ladeado por duas
campeiras; todos a cávalo. (É bom que o cávalo do Padre seja bem man
so). Ao chegar, ele veste a túnica alva e a estola e fica a cávalo até o
momento do Ofertorio; depois monta, após a Comunháo, para dar a bén-
gao e participa do desfile".

O Canto de entrada é acompanhado pelo toque do berrante.


Por ocasiSo do ato penitencial "os presentes depositam suas armas
diante do altar".

Ao Gloria é previsto que "04 pares com trajes típicos podem fazer
coreografía ou dancar diante do altar".

A primeira leitura é introduzida por um campeiro, que "chega a galo


pe e diz em tom bem forte: 'Com licenca, seu Padre. - Pois nao, com-

234
A MISSA DO CAMPEIRO OU DO BOIADEIRO 43

panheiro; o que vocé traz para a gente? - Trago urna mensagem do Pa¡
Santo, lá da estancia eterna. - Óchente! Pois entáo leía pra nos1".
Ao Ofertorio reza a rubrica: "Urna equipe pode trazer as ofertas dan-
cando e continua dancando diante do altar até o final do canto. Dois
campeiros recolhem as ofertas com o chapéu".
Por ocasiáo da Consagracáo manda a rubrica: "Toca-se o berrante e
dá-se um tiro, depositando, em seguida, a arma descarregada sobre o
altar num gesto de paz e vida nova".
Na Oracáo Eucarística, o Papa é chamado "capataz", o Bispo "admi
nistrador". Na introducao ao Pai-Nosso, Jesús é dito "o Divino Campeiro".
"Após a Comunhao o Padre pode distribuir 02 paes e 02 cantis de
vinho, que estaráo sobre o altar, para que cada um passe adiante. Dois
campeiros a cávalo podem ser ministros para irem distríbuindo pao e vi
nho".

Terminada a Oracáo final, "o Padre monta a cávalo e procede á bén-


cáo e pode seguir-se um desfile com os campeiros e campeiras enquanto
se canta o canto final".
Durante o canto final, "toca-se o berrante e pode-se soltar rojóes.
Cada um guarda em lugar apropriado as suas armas. O povo pode dan-
car durante o canto".

Eis o depoimento de alguém que assistiu á Missa do Boiadeiro:

«No domingo p.p., esteve aquí, em minha paróquia, um Padre para


celebragao de urna missa "campeira", mais conhecida como missa do
boiadeiro. A mesma foi celebrada num dos morros da cidade, encontrán
dose o celebrante, durante todo o tempo, montado em cima de um cáva
lo, com trajes típicos de um boiadeiro, com chapéu inclusive, até o mo
mento do ofertorio. A consagragáo foi feita em cima de um carro de boi,
sendo certo que, neste momento, o celebrante colocou túnica.

Durante a consagragáo, foram consagrados páes, que foram distri


buidos aos pedacinhos para os participantes. O vinho foi consagrado num
chifre de boi, e, em pequeñas jarras. Em seguida, era bebido na própría
vasilha e passado de boca em boca».

Pergunta-se agora:

2. QUE DIZER?

Proporemos seis comentarios ao fato:

1) A primeira pergunta que muitas pessoas colocam a respeito,


concerne á validade de tal celebracáo. - Pode-se dizer que foi válida,

235
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

embora sacrilega e totalmente ilícita, ... válida desde que o celebrante


(devidamente ordenado) se tenha servido de pao de trigo puro, vinho de
uva, e tenha tido a ¡ntencáo de consagrar, pronunciando a fórmula exata
da consagracáo eucarística. Note-se que algo pode ser ilícito, pecamino
so, mas válido, como o ato de roubar é ilícito e pecaminoso, mas, em
certos casos, válido para pagar urna divida.

2) Se a Missa foi válida, nem por isto é tolerável, como dito. Trata-se
de urna tentativa falha e abusiva de inculturar, que nao respeita o caráter
hierático ou sagrado das celebracóes litúrgicas. A Liturgia nao pode ser
reduzida a folclore, muito interessante e atraente por suas imagens, seus
cantos, seus símbolos...; ela é a celebracáo do misterio da fé, que requer
urna atitude de sobriedade e reverencia. O Senhor disse a Moisés, para o
tornar mais consciente da presenca de Deus: "Tira as sandalias dos pés,
porque o lugar em que estás, é urna térra santa...". Continua o texto: "En
tilo Moisés cobriu o rosto" (Ex 3,5s). Na verdade, os gestos corpóreos sao
a expressáo do que há no íntimo do ser humano; a reverencia a Deus
manifesta-se em gestos contidos e sobrios.

3) Deve-se evitar distribuir a S. Comunháo "em massa" ou a todos os


participantes da assembléia. O pao eucarístico nao é símbolo, um pre
sente dado a amigos; é o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade de
Jesús Cristo, que só pode ser adequadamente recebido por quem esteja
isento de pecado grave; o fato de se celebrar urna confraternizacáo nao
justifica a distríbuicáo indiscriminada da Eucaristía. Ademáis, para a con
sagracáo do vinho eucarístico, requerem-se vasos fabricados precisamente
para tal fim, segundo as normas da Liturgia; nao é lícito usar qualquer
vasilha. Também os paramentos litúrgicos sao obrigatórios, conforme as
rubricas do Missal, de tal modo que nao é permitido usar trajes profanos
para a celebracáo da Eucaristía.

4) A tarefa de inculturacao dos valores religiosos nao pode consistir


em baixar o nivel do sagrado, adaptando-o totalmente aos conceitos e
costumes da assembléía. A verdadeira inculturacáo parte do nivel em
que se acham os fiéis e procura elevá-los a niveis superiores de compre-
ensáo religiosa; há de ser urna pedagogía que faga crescer na fé e na
vivencia cristas. O Transcendental tem que transparecer através das for
mas de expressáo popular; se ¡sto nao acontece, a inculturacáo "achata"
o povo e impede-o de subir a planos mais elevados de fé católica; presta
um desservico em vez de servir.

5) Somente a Santa Sé é competente para autorizar qualquer mu-


danca no rito oficial da celebracáo da Eucaristia; as adaptacoes de incul
turacáo háo de ser submetidas ao julgamento da autoridade eclesiástica
para que se evite que, alterando os símbolos, se altere também a mensa-
gem da fé. Nao raro pode acontecer que tal ou tal forma de cultura ponha

236
A MISSA DO CAMPEIRO OU DO BOIADEIRO 45

em relevo um aspecto interessante, mas secundario, da Liturgia e deixe


na penumbra os aspectos principáis.

6) É, pois, para desejar que cesse ¡mediatamente o costume de cele


brar a Missa do Boiadeiro, por mais bem intencionado que esteja o seu
autor. O Santo Padre o Papa tem pedido aos Bispos do Brasil que vigiem
sobre a fiel observancia das normas da Liturgia, de modo que nao se
cometam abusos - o que sempre desconcerta e prejudica a fé do povo de
Deus, a quem todos os ministros do Senhor desejam servir.

Estévao Bettencourt O.S.B.

A CLONAGEM FAZ PENSAR...

A noticia de que alguns dentistas escoceses conseguiram produzir


urna ovelha sem o concurso do elemento macho ou por clonagem, sur-
preendeu a humanidade... De mais a mais que se prevé que o mesmo
processo será aplicado ao ser humano. - Que dizer a propósito?
É lícito fazer clonagem com ovelhas e animáis irracionais, porque
nSo tém personalidade nem amor nem compromisso familiar. Sendo as-
sim, o cientista considera apenas o aspecto bioquímico da reproducáo e
a manipula segundo interesses económicos, científicos, medicináis... -
Ao contrario, o ser humano nao é meramente material; vivificado por urna
alma espiritual, emerge ácima dos demais viventes deste mundo. Daí o
respeito que se deve á pessoa humana; a sexualidade e a reproducáo
humanas estáo associadas ao amor e ao compromisso familiar. A prole é
o fruto da doacáo mutua do homem e da mulher comprometidos entre si
para formar um lar onde a crianca possa nascer e ser educada.

Com outras palavras: a Moral católica apela para a lei natural, que é
a lei de Deus. O Criador fez dois sexos para que se complementem mutu
amente tanto no plano psíquico como no plano físico. Em conseqüéncia,
todo tipo de uso da sexualidade que desrespeite essa ordem natural con
traria os ditames do Senhor e já nao é lícita ao homem.

"A ciencia nao para", diz-se. Até certo ponto os dentistas tém ra-
záo; compete-lhes conquistar sempre mais o mundo material, a fim de o
adaptar á inteligencia humana. Todavia nao háo de esquecer que as suas
conquistas devem servir ao homem, e nao o homem deve servir á ciencia.
O cientista pode-se deixar dominar pela volúpia de dominar a natureza,
penetrando mais e mais em setores ainda indevassados; cada conquista
Continua na pág. 218

237
Sempre em foco:

ABORTO: SIM OU NAO?

Publicamos, a seguir, dois pronunciamentos sobre o aborto: o primeiro,


da Uniáo dos Juristas Católicos do Rio de Janeiro, e o segundo do Deputado
Severino Cavalcanti, de Pernambuco. O segundo completa o anterior.

1. FALAM OS JURISTAS CATÓLICOS

UNIÁO DOS JURISTAS CATÓLICOS DO RIO DE JANEIRO


Rúa Benjamín Constant, 23 - sala 420
20241-150 RIO DE JANEIRO - RJ - BRASIL
A propósito do Projeto de Le¡ n° 20/91, que dispóe "sobre a obrigatoriedade
de atendimento dos casos de aborto previstos no Código Penal, pelo Sistema
Único de Saúde", entendemos dever externar as consideracoes que seguem.
A Constituicáo Federal no caput do art. 5o estabelece que:
"Art 5o - Todos sao iguais perante a lei, sem distincáo de qualquer natu-
reza, garantindo-se... a inviolabilidade do direito á vida..." (grifamos)
Tal texto, que abre o titulo "Dos Direitos e Garantías Fundamentáis", é
notavelmente claro e direto ao colocar o "direito á vida" a salvo de qualquer
violacáo, nao sendo lícito á legíslacáo infra-constitucional estabelecer "distin
cáo de qualquer natureza".

Seria, portanto, inconstitucional, urna lei que, direta ou indiretamente,


permitisse fosse violado o direito á vida em urna determinada fase de sua
existencia, no caso, na fase intra-corpo materno.
A propósito, vale transcrever a informacáo de um dos maiores dentistas
de nosso secuto, intemacionalmente laureado, o Professor JÉRÓME LEJEUNE,
geneticista francés, descubridor da causa da Síndrome de Down:
"As leis biológicas, após estabelecidas, entram ¡mediatamente em vigor
e definem a vida...

O mesmo se passa quando o ser humano é concebido, isto é, quan-


do a incorporacáo veiculada pelo espermatozoide vai se encontrar com a que
está no óvulo: urna nova "Constituicáo" humana se manífesta ¡mediatamente e
um novo ser dá inicio á sua existencia." (Conferencia pronunciada no Audi
torio Petrónio Portella, Senado Federal, no dia 27 de agosto de 1991 - publica
do de 1992 - grifamos)
Definido qual seja o inicio da vida humana, cabe á sociedade nao só
pelo bom senso, mas também porexpressa disposicáo constitucional, garantir
"a inviolabilidade do direito á vida".

Verifica-se, ademáis, que o Projeto de Lei n° 20/91 é equívoco desde a


sua emenda, pois propóe dispor "sobre a obrigatoriedade de atendimento dos

238
ABORTO: SIM OU NAO? 47

casos de aborto previstos no Código Penal..."


O Código Penal, no capitulo relativo aos crimes contra a vida, tipifica o
aborto (arts. 124 a 127) e estabelece duas hipóteses (art. 128 I e II) em que
nao é punido, sendo certa que a nao punibilidade nao torna a conduta lícita e,
muito menos, um direito.
Quanto ao aborto praticado como único meio de salvar a vida da ges
tante (art. 128,1), há que se considerar os notáveis avancos da Medicina, que
devem estar a servico da vida e nao da morte. A nao punibilidade neste caso
exige que o objetivo buscado seja salvar a vida da máe e que inexista outro
meio para tal além daquele que provoca o aborto.
Nos trágicos casos de gravidez resultante de estupro, há que se consi
derar que o ensinamento de BECCARIA, de que a pena nao deve passar da
pessoa do réu, está normatizado a nivel constitucional (art. 5°, XLV) e, princi
palmente, que já existe urna nova vida humana, que tem direito á protecáo,
devendo-se concluir, pois, pela incompatibilidade do art. 128, II, do Código
Penal com o art. 5°, caput, da Constituicáo. Também por este motivo, conviria
fosse editada norma legal determinando que, nessa hipótese, coubesse ao
Estado amparar a mulher no curso da gestacáo e, se assim o desejar a máe,
responsabilizar-se pela vida e educacáo condignas da crianca.
Por último, cabe realfar um aspecto que tem considerável importancia
na formacáo da opiniáo pública e dos responsáveis pela elaboracao das leis,
que é a informacáo ou a manipulacáo desta, a desinformagáo. A propósito,
convém citar um estudioso sobre o assunto, o emérito Professor da Universi-
dade de Louvain, na Bélgica, MICHEL SCHOOYANS:
"A desinformagáo aparece sobretudo quando se trata dos meios utiliza
dos no intuito de chegar á liberalizacáo do aborto.
As observacóes do Dr. BERNARD NATHANSON a respeito dos EUA
concordam com as de RENE BEL sobre a Franca.
Nos EUA, recorreu-se a urna prática habitual que consiste em aumentar
as cifras correspondentes aos abortos (pseudoclandestinos, bem como dos
acidentes fatais por eles ocasionados). Além disto, as cifras das sondagens
foram manipuladas" (in "O Aborto: Aspectos Políticos", Ed. Marques Saraiva,
Rio, 1993, p. 82).

O "Estado Democrático de Direito" e a "sociedade fraterna" configura-"


dos pelos constituintes exigem o respeito á vida como primeiro fundamento,
pois dele decorrem e dependem todos os demais direitos e a própria possibili-
dade de "harmonía social".
Admitir a supressáo da vida de seres humanos inocentes e indefesos,
no inicio de sua existencia, e direcionar verbas públicas para tal, significa nao
só desrespeitar a Constituicáo Federal mas, também, abrir caminho para as
mais variadas formas de arbitrio e violencia.
Rio de Janeiro, 27 de fevereiro de 1997.

239
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

O texto que se segué, é interessante porque, entre outras coisas, ex


plícita a manipulacáo da informacáo, tendente a deformar a opiniáo pública.
2. EM DEFESA DA VIDA1

Dep. Severino Cavalcanti


A vida humana é "una e única", do comeco ao fim, e o aborto nunca
poderá ser proposto no nosso país: nossa Constituicáo (art. 5o) prolbe qual-
quer emenda tendente a abolir os direitos e garantías individuáis, sem determi
nar que estes estejam assegurados somente a partir do nascimento.
A opiniáo pública mundial recentemente ficou chocada com as declara-
?6es do Premio Nobel de Biología, o cientista americano James Watson, de
que é favorável á eliminacáo dos homossexuais no útero materno, caso che-
gue a serdescoberto um gene da homossexualidade. E urna monstruosidade
inconceblvel e que só faz fortalecer a nossa conviccáo de que é preciso com-
bater, com as armas de que dispomos no Congresso Nacional, todas as teses
e propostas defendidas por grupos abortistas ou que atentem contra a vida
humana, como a despenalizacáo do aborto, a legalizacáo da uniáo civil entre
pessoas do mesmo sexo - que perdería a sua razáo de ser com a tese defen
dida por Watson - e o planejamento familiar através da esterilizacáo.
Em 1973, ao legalizar o aborto, díziam que nos Estados Unidos ocorri-
am de cinco mil a dez mil mortes com o aborto clandestino, quando as estatls-
ticas oficiáis mostravam que, de fato, somente 39 muiheres haviam morrido
porcomplicacóes de práticas abortivas. Como nao pensar que estáo usando a
mesma tática no Brasil? Dizer que o número de abortos diminuí com a legali
zacáo nao é verdade. Na Franca, havia cerca de 80 mil abortos por ano. De-
pois de sua legalizacáo, esse número passou para 300 mil.
Reconhecemos que um número cada vez maior de meninas engravidam
no nosso país. Mas nao é podando o fruto prematuro dessas meninas grávi
das que estaremos "solucionando" o problema. Suas causas sao muito mais
profundas. Somos todos vitimas de urna sociedade hedonista, consumista e
sensualizada. Os próprios meios de comunicacáo se prestam a incutir esse
modo de vida ñas pessoas. Agravada com a situacáo de miseria em que vive
parte da populacáo, toda essa propaganda resulta na situacáo de
permissividade que vivemos hoje.

É preciso dar o remedio certo e nao o paliativo. O Executivo e o Legislativo


- e quem tem o poder de agir - devem garantir mais educacáo, melhores
condicóes de vida e a mais ampia promocáo posslvel dos métodos naturais de
anticoncepcáo. Muitos nao querem isto, pois é mais lucrativo trabalhar com
entidades como a Bemfam, afiliada á IPPF, que tem no Brasil um orcamento
de US$ 2,5 milhóes anuais para financiar o aborto, de acordó com publicacáo
do Fundo de Populacáo da ONU.

1 Publicado em O GLOBO, de 1'/3/97, p. 7.

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