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8
CANTIGA DE BANDEIRA MUSICADA POR LACERDA E TACUCHIAN:
por
9
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais José e Antônia pelo apoio de todos estes anos. Em especial o carinho, a ajuda e
A minha querida orientadora por ter acreditado neste projeto desde o começo e por sua
dedicação intensa.
Aos amigos pianistas Jacqueline Luporini, Priscila Bonfim, Kátia Balloussier, Franco Bueno e
10
I
AUTO-RETRATO
11
PRIETO, Clarice. Cantiga de Bandeira musicada por Lacerda e Tacuchian: Duas sugestões
interpretativas. 2008. Dissertação (Mestrado em Música) – Programa de Pós-Graduação em
Música, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
RESUMO
A partir da elaboração de um catálogo com 141 canções para canto e piano sobre
poemas de Manuel Bandeira, escolheu-se duas composições de Osvaldo Lacerda e Ricardo
Tacuchian para o poema Cantiga (o mais musicado de Bandeira). Com base na literatura e no
depoimento dos compositores, buscou-se estabelecer critérios para a interpretação das duas
canções com enfoque na análise do poema e na análise musical. Relacionando-se texto e
música, investigou-se que aspectos da “musicalidade” de Bandeira contribuíram para as
sugestões interpretativas de Cantiga.
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PRIETO, Clarice. Cantiga by Bandeira set to music by Lacerda and Tacuchian: two
interpretative suggestions. 2008. Master Dissertation (Master in Music) – Music Graduate
Program, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
ABSTRACT
From a drafting catalog comprising 141 songs for voice and piano on poems by
Manuel Bandeira, two songs by Osvaldo Lacerda and Ricardo Tacuchian for Cantiga (the top
poem of the ranking) were chosen.. Based on the literature and on interview with the
composers, this author tried to establish criteria to interpret two different Cantiga, focusing on
poetical and musical analysis. By estabilishing a relationship between text and music, it was
investigated which aspects of Bandeira’s “musicality” contributed to the two interpretative
suggestions for Cantiga.
13
LISTA DE FIGURAS, QUADROS E EXEMPLOS
14
ÍNDICE
AGRADECIMENTOS............................................................................................................iii
RESUMO...................................................................................................................................v
ABSTRACT..............................................................................................................................vi
LISTA DE FIGURAS, QUADROS E EXEMPLOS............................................................vii
ÍNDICE.................................................................................................................................... 15
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 17
CAPÍTULO I .......................................................................................................................... 23
VIDA E OBRA DE MANUEL BANDEIRA ........................................................................ 16
1.1 INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA .......................................................................................... 18
1.2 A JUVENTUDE – DOS 18 AOS 30 ANOS (1904 – 1916).................................................... 26
1.3 A MATURIDADE............................................................................................................... 21
1.4 TRANSIÇÃO ..................................................................................................................... 24
1.5 A VELHICE ...................................................................................................................... 31
1.6 ESTILOS UTILIZADOS POR BANDEIRA ............................................................................ 34
1.6.1 O Parnasianismo ..................................................................................................... 35
1.6.2 O Simbolismo........................................................................................................... 38
1.6.3 Transição – O verso livre ........................................................................................ 41
1.6.4 Modernismo ............................................................................................................. 45
CAPÍTULO II ......................................................................................................................... 48
ENSAIO SOBRE A CANÇÃO DE CÃMARA BRASILEIRA .......................................... 48
CAPÍTULO III ....................................................................................................................... 67
ANÁLISE E SUGESTÕES INTERPRETATIVAS: CANTIGA ....................................... 74
3.1 ANÁLISE LITERÁRIA DO POEMA CANTIGA .................................................................... 74
3.1.1 Origem dos versos ................................................................................................... 75
3.1.2 Origem do tema de Cantiga..................................................................................... 76
3.1.3 Morfologia e sintaxe................................................................................................ 77
3.1.4 A construção do poema ........................................................................................... 78
3.1.5 A métrica do poema................................................................................................. 79
3.1.6 Figuras de linguagem do poema e semântica ......................................................... 80
3.1.7 Dicção...................................................................................................................... 82
3.1.8 Pronúncia ................................................................................................................ 83
3.2 A CANÇÃO CANTIGA DE RICARDO TACUCHIAN (1964) ................................................ 85
3.2.1 Forma e harmonia ................................................................................................... 85
3.2.2 Dinâmica e timbre ................................................................................................... 87
3.3 A CANÇÃO CANTIGA I (1950 REVISADA EM 1974) DE OSVALDO LACERDA ................. 89
3.3.1 Forma e harmonia ................................................................................................... 90
3.3.2 Dinâmica e timbre ................................................................................................... 91
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3.4 SUGESTÕES INTERPRETATIVAS A PARTIR DAS ANÁLISES COMPARATIVAS DAS CANÇÕES
.............................................................................................................................................. 95
3.4.1 Forma e harmonia ................................................................................................... 95
3.4.2 Melodia.................................................................................................................... 95
3.4.3 Ritmo........................................................................................................................ 98
3.4.4 Dinâmica ................................................................................................................. 99
3.4.5 Textura................................................................................................................... 101
3.4.6 Relação poesia-música .......................................................................................... 102
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 107
LIVROS ............................................................................................................................... 107
ARTIGOS, PUBLICAÇÕES E VERBETES ................................................................................ 108
ENTREVISTAS E AULAS ....................................................................................................... 109
PARTITURAS ....................................................................................................................... 109
DISCOS E CDS..................................................................................................................... 110
SITES DA INTERNET ............................................................................................................ 110
DISSERTAÇÕES ................................................................................................................... 112
DICIONÁRIOS ...................................................................................................................... 112
ANEXOS ............................................................................................................................... 113
I - QUADRO ESTATÍSTICO POR COMPOSITOR .................................................................. 113
II - QUADRO ESTATÍSTICO DAS 141 CANÇÕES EM ORDEM ALFABÉTICA POR CANÇÃO .... 115
III - POEMAS MAIS MUSICADOS ......................................................................................... 119
IV - PARTITURA DAS CANÇÕES:......................................................................................... 123
Cantiga de Tacuchian..................................................................................................... 123
Cantiga de Lacerda ........................................................................................................ 125
V - FOTOS PESSOAIS DE MANUEL BANDEIRA .................................................................... 128
VI - ENTREVISTAS ............................................................................................................ 129
Tacuchian ....................................................................................................................... 129
Lacerda........................................................................................................................... 135
VII - CD COM 16 CANÇÕES PARA CANTO E PIANO ........................................................... 136
VIII - CATÁLOGO COM 84 PARTITURAS PARA CANTO E PIANO COM POESIAS DE MANUEL
BANDEIRA ........................................................................................................................... 136
16
INTRODUÇÃO
confronto escolhida foi uma canção de Osvaldo Lacerda, O menino doente, canção esta que
despertou imediatamente o nosso interesse pela poesia de Manuel Bandeira. Observamos que
o tema sobre maternidade, sugerido pelo acalanto do piano ao acompanhar a voz da mãe e a
que a melodia conduzia a palavra, aguçou a nossa curiosidade em conhecer outras canções
com poesias do mesmo autor. O interesse crescente sobre o assunto resultou em uma pesquisa
mais abrangente sobre outros compositores que utilizaram poesias de Manuel Bandeira e
foram encontrados nomes como Villa-Lobos, Guerra-Peixe, José Siqueira, Edino Krieger,
Francisco Mignone, Marlos Nobre, Almeida Prado, Ricardo Tacuchian, Radamés Gnatalli,
Jaime Ovalle, Lorenzo Fernandez e Helza Cameu. Quanto mais a pesquisa se adiantava, mais
a pergunta: O que faz Manuel Bandeira ter sido tão “musicável”? Por que tantos outros poetas
como Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade e Mario Quintana, que também
tiveram seus poemas utilizados como letras de música, não se equiparavam a Manuel
selecionadas.
participar de uma roda de poesia no Barteliet 1, para onde levamos quatro músicas para
1 Evento realizado pelos Sabasauers quinzenalmente no Barteliet na Rua Vinicius de Moraes 190/3° andar em Ipanema, Rio de Janeiro.
17
compartilhar com os poetas presentes naquele encontro – Cantiga I e Poema Retirado de uma
Jaime Ovalle. A reação dos presentes ao ouvir as letras musicadas foi impressionante,
poemas por eles conhecidos somente recitados adquiriram um outro caráter: a musicalidade
de cada fonema expressado em cada nota mostrava diferentes nuances para cada poesia.
Houve surpresa e estranhamento, talvez pelo fato de ser poesia cantada com técnica lírica, em
contraste com o habitual som da música popular brasileira, tão coloquial. Um dos
participantes era Geraldinho Carneiro, poeta, letrista e roteirista brasileiro, nascido em Belo
Horizonte, que ficou conhecido na década de 1970, por ter participado ativamente da geração
de poetas da conhecida “poesia marginal2”. Levou, como de costume, sua mão direta ao
queixo e disse: “- Impressionante!” Todos naquela noite pareciam já cantarolar a melodia sem
Cultural Avatar, ambos em 2006. E mais um para crianças da Escola de Música da Rocinha3,
idealizado e mantido pelo alemão Hans Ulrich Koch, onde 450 crianças de 8 a 17 anos
aprendem música erudita e popular. A recepção delas foi impressionante. Seu conhecimento
didático.
2 Eram cabeludos, universitários e poetas. Imprimiam seus livros em pequenas gráficas ou mesmo em casa, num mimeógrafo - uma velha
máquina à base de álcool e papel carbono (nas escolas, quase todas as provas eram mimeografadas). Os livros tinham, assim, um caráter
artesanal, sendo às vezes grampeados, ou simplesmente dobrados e colocados em envelopes. Isso era o menos importante. O que esses poetas
queriam mesmo era que a poesia feita por eles chegasse logo às mãos do leitor. Mello, Heitor Ferraz.
3 http://www.emrocinha.org.br/
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Como resultado dessas primeiras experiências decidimos desenvolver uma pesquisa
mais profunda sobre o assunto e concluímos que deveríamos preparar um catálogo com uma
catálogo inicial com 141 canções de 79 poemas diferentes de Bandeira, fizemos uma
estatística dos poemas mais musicados, que foram Cantiga (9) e A Estrela (8). Decidimos
fazer uma análise comparativa sobre duas canções contrastantes de dois compositores vivos.
Foram escolhidos, então, Osvaldo Lacerda e Ricardo Tacuchian por causa do contraste entre
as canções e por serem compositores vivos para que pudessem ser entrevistados e que seus
Nas entrevistas procuramos averiguar: (1) o que levou cada compositor a escolher um
determinado poema; (2) o que o move à criação da composição e seu percurso para conduzir a
letra à canção; (3) se o ritmo dos versos teve influência sobre o compositor, e (4) outras
apresentadas acima e para tal propõe uma análise interpretativa de duas canções contrastantes
sobre o poema Cantiga, uma composta por Osvaldo Lacerda e outra por Ricardo Tacuchian.
Esta análise baseou-se nas entrevistas realizadas com os dois compositores e o referencial
da música da poesia à música dos músicos” e “Canto e Palavra” do livro organizado por
Cantada. Este modelo de análise tem se mostrado necessário e relevante para uma execução
consistente por parte dos intérpretes, cujo aprofundamento resulta na elevação de seu
19
orientador de outros jovens cantores. Esta pesquisa muito contribuiu para o progresso desta
autora e acreditamos que outros intérpretes também possam se beneficiar deste trabalho.
sobre as questões da musicalidade de Bandeira, que foi a questão de pesquisa que deflagrou
este trabalho. No livro A Canção de Câmara Brasileira, de Vasco Mariz (2002), por exemplo,
há uma apresentação da evolução da canção desde Carlos Gomes até Gilberto Mendes, com
– Musicalidade na poesia de Manuel Bandeira foi a mais próxima do nosso foco. O autor
Monteiro de Castro Silva, Crepúsculo de outono op. 25 n. 2 para canto e piano de Helza
encontramos outras informações que acrescentamos a este trabalho. Na área de interesse deste
Constatamos que os trabalhos consultados não entram em detalhe sobre as causas que
levam um compositor a escolher Bandeira. Daí então que o catálogo se tornou o ponto de
partida para chegar-se a uma análise comparativa detalhada de duas canções contrastantes do
mesmo poema dentre os mais musicados. Através desta análise e das entrevistas com seus
Cantiga.
origem à constatação de que a Cantiga de Bandeira foi sua poesia mais musicada. No
catálogo final estão listadas 141 canções, nas quais foram usados 79 poemas diferentes (ver
Anexo I e II). Procedeu-se a uma análise de todas as nove Cantigas encontradas e foram
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parâmetros musicais: forma, harmonia e timbre, melodia, ritmo dinâmica e textura. Foram
gravadas em CD (ver Anexo VII) as duas Cantigas escolhidas pela autora e acrescentamos
outras canções que aparecem nos exemplos durante este trabalho, para que o leitor possa
acompanhar a análise, assim como suas respectivas às partituras (ver Anexo IV).
Esperamos que este trabalho seja um material relevante de consulta para cantores,
outras pesquisas semelhantes que abordem outros poetas e compositores brasileiros e colabora
para a tendência interdisciplinar dos currículos modernos, no qual literatura e música são
Bandeira abordamos a vida do poeta, sua obra resumida, comentários musicais de seus
enfoque naqueles que musicaram os 79 poemas usados neste trabalho. No Capítulo III
apresentamos uma análise apontando sugestões interpretativas para as duas canções Cantiga
Quadro estatístico por compositor, Quadro estatístico das 141 em ordem alfabética por
canção, Lista dos poemas mais musicados, Partituras das duas Cantigas, Fotos pessoais de
duas cantigas analisadas, os poemas mais musicados e outras canções que ilustram os
exemplos citados.
21
Preparou-se um catálogo com as 84 partituras que foram encontradas e que ficará
22
CAPÍTULO I
“[...] Não há nada no mundo de que eu goste mais do que de música. Sinto que
na música é que conseguiria exprimir-me completamente [...]” (BANDEIRA,
2006, p. 49)
Manuel Bandeira com enfoque em seus livros publicados, e ressaltando de teóricos suas
opiniões do porque Bandeira foi o poeta mais musicado. Usamos como base inicial, a
Durante a pesquisa, analisamos três grandes compositores de canção do séc XX: Villa-
fizeram ao todo 41 canções com poema de Manuel Bandeira para a formação de canto e piano
compositores, que confessam sua preferência por Bandeira, descrevendo com clareza e
23
toda uma simbólica, não só de convenções musicais transitórias, escalas,
harmonia, etc. como de extratemporalidade textual. Verlaine e Bandeira são
fecundos nisso.(...)” (ANDRADE, 2006, p. 375)
Vasco Mariz conclui que Bandeira teve mais aceitação nos poemas que foram musicados:
Bandeira nos confidencia em seu Itinerário de Pasárgada o seu desejo de aproximação com a
música:
“(...) Por volta de 1912, tempo que andei me intrometendo na música e até
ousei entender o Tratado de Composição de Vicent d’Indy, tentei, muito
sugestionado pelo livro de Blanche Selva sobre a Sonata, reproduzir num
longo poema a estrutura da forma sonata. Sempre lamento ter destruído a
minha sonata, onde havia um alegro, um adágio, um scherzo e o final. Não foi
simples exercício: era expressão de uma profunda crise de sentimento: só que
eu, como corretivo ao possível sentimentalismo, desejei estruturar os meus
versos (eram versos livres) segundo a severa arquitetura musical.”
(BANDEIRA, 1984, p.50)
“(...) Mas, a reflexão de Bandeira sobre as relações entre as duas artes, tanto
através de seus conhecimentos de técnica poética e musical quanto de seus
contactos variados com o mundo dos compositores, levou-o a pensar sobre a
natureza especifica dessas vibrações no interior do poema, do ritmo poético, da
musicalidade inerente à poesia e fundamentalmente distinta da esfera da
música propriamente dita.
Por fim, as relações entre poesia e música no Itinerário de Pasárgada
permitem compreender ainda como a aproximação de Bandeira à música
24
significou também uma aproximação ao elemento popular, dando corpo a uma
forte tendência do Modernismo e a uma inclinação funda de sua obra pessoal,
que o poema ‘Cantiga’ mais uma vez exemplifica.
Este fato da maior importância foi assinalado por Aires de Andrade e o poeta
não deixou de frisá-lo, citando diretamente este crítico, que via justamente no
acercamento aos costumes populares, na memória do observador apaixonado
das coisas do povo que foi sempre Bandeira, a razão da preferência dos
compositores que musicaram seus versos.”(ARRIGUCCI, 2003, p. 172)
“Eu trabalho muito com Manuel Bandeira na minha classe de composição por
causa da musicalidade intrínseca da poesia de Manuel Bandeira e porque de
certa maneira, a música emerge da poesia e é mais fácil para quem está
começando a explorar a voz humana, a explorar o texto. Porque é outra coisa
você fazer música onde você tem o problema do texto em si e o problema da
voz humana. Que é um problema muito especial e é um complicador e o
compositor tem que ter domínio disso (...) Mas no Manuel Bandeira a minha
preferência está pelo fato do ritmo. A musicalidade dele é principalmente no
ritmo. Isso facilita muito um compositor jovem que está entrando neste
universo. Carlos Drummond de Andrade já não é tão regular. Mas, à medida
que o compositor vai ficando mais maduro, treinando mais, ele até prefere
porque dá mais uma liberdade.” (TACUCHIAN, Ricardo. Entrevista pessoal,
2007)
Para facilitar a leitura optamos por grafar as poesias de Bandeira apenas com itálicos,
1886, na Rua da Ventura, atual Joaquim Nabuco, filho de Manuel Carneiro de Souza Bandeira
Ginásio Nacional (atual Colégio Pedro II), sendo João Ribeiro4 o professor que mais o
impressiona e com quem os alunos conversam sobre Literatura depois das aulas de História
Universal e do Brasil. Sobre ele declara Manuel Bandeira: "Esse abriu-me os olhos para
4 João Ribeiro (1860-1934) Historiador. Nasceu na cidade de Laranjeiras no Sergipe. Dedicando-se ao magistério particular, lecionou nos colégios D. Pedro de
Alcântara, Alberto Brandão e outros, aplicando - se com todo ardor á lingüística, na qual muito se destacou.
25
muitas coisas". Começou a escrever versos desde os dez anos de idade e o primeiro contato
No final do ano de 1904, aos 18 anos, o autor fica sabendo que está tuberculoso,
abandona suas atividades e volta para o Rio de Janeiro. Em busca de melhores climas para
“(...) Quando caí doente em 1904, fiquei certo de morrer dentro de pouco
tempo: a tuberculose era ainda a ‘moléstia que não perdoa’. Mas fui vivendo,
morre-não-morre [...] Continuei esperando a morte para qualquer momento,
vivendo sempre como que provisoriamente. Nos primeiros anos da doença me
amargurava muito a idéia de morrer sem ter feito nada; depois a forçada
ociosidade. Já disse como publiquei A Cinza das Horas para de certo modo
iludir o meu sentimento de vazia inutilidade. Este só começou a se dissipar
quando fui tomando consciência da ação dos meus versos sobre amigos e
principalmente sobre desconhecidos”.(BANDEIRA, 2006, pg 131)
melancólicos que ficou esquecido no sanatório quando partiu. O poema Cantinela, datado de
1913, salvou-se sendo publicado mais tarde no seu primeiro livro. Podemos perceber neste
poema, o que sente um jovem de 27 anos já tendo convivido por 9 anos com uma doença
Cantinela
O Solitude! O pauvreté!
5 Guillaume Apollinaire (1880-1918). Nasceu em Roma, Itália, mas seria em Paris, França, que faria carreira como grande poeta e agitador cultural. Escreveu
artigos, poemas, contos, romances eróticos e interessava-se bastante por pintura moderna. Em 1905 escreveu o artigo Picasso, Pintor. Tornou-se um dos
expoentes da vanguarda artística do início do século XX, defendeu e empresariou os pintores cubistas. Morreu em 1918, de gripe infecciosa em Paris.
6 Verso livre iniciou-se sob as influências muito diversas do poeta norte americano Walt Whitman e do poeta francês Stéphane Mallarmé. O verso livre é
autônomo em relação a “esquematismos” métricos, mas esta autonomia relativiza-se, pois a poesia não deixa nunca de integrar-se numa certa musicalidade, num
certo ritmo. Ver capítulo 2 deste trabalho.
7 Alfred Louis Charles de Musset (1810-1857). Poeta, novelista e dramaturgo francês do período literário Romântico. Diz-se que ele foi "o mais clássico dos
românticos e o mais romântico dos clássicos". O seu estilo influenciou profundamente a literatura europeia, tendo surgido múltiplos seguidores.
26
Musset8
O céu parece de algodão
O dia morre. Chove tanto!
As minhas pálpebras estão
Como embrumadas pelo pranto
Em 1916, falece sua mãe, Francelina. Sua primeira grande perda de uma seqüência
No ano seguinte publica seu primeiro livro: A cinza das horas (1917), numa edição de
200 exemplares custeadas pelo próprio autor (300 mil-réis), com poemas classificados como
sua mãe que lhe cuidou por muitos anos: o poema O Menino Doente
O Menino Doente
O menino dorme.
Para que o menino
Durma sossegado,
Sentada ao seu lado
A mãezinha canta:
— "Dodói, vai-te embora!
"Deixa o meu filhinho,
"Dorme . . . dorme . . . meu . . ."
Morta de fadiga,
Ela adormeceu.
8 Como publicado no original.
27
Então, no ombro dela,
Um vulto de santa,
Na mesma cantiga,
Na mesma voz dela,
Se debruça e canta:
— "Dorme, meu amor.
"Dorme, meu benzinho . . . "
E o menino dorme.
1.3 A maturidade
No ano de 1918, o autor então com 32 anos, perde a irmã, Maria Cândida de Souza
Bandeira, que desde o início da doença do irmão, havia sido uma dedicada enfermeira.
lançando um livro um ano após este falecimento. Publica, então, seu segundo livro, Carnaval
(1919).
As conversas entre Bandeira e Mario de Andrade nas citações abaixo, nos mostra a
De Mario de Andrade:
“(...) Estava louco de desejo de reler teu Carnaval. Como mudaste o sentimento
de tua dor pessoal! Começavas por onde devias acabar: calmo, solícito e com a
tua inevitável e legítima amargura. (...)”. (MORAES, 2001,p.100).
Bandeira responde:
“(...) Pura ironia as brutezas sensuais do Carnaval, como disse lá (desta feita
sem ironia), o espasmo sexual é para mim um arroubo religioso. Sempre
encontrei Deus no fundo das minhas volúpias. (...)”.(MORAES, 2001,p.102).
O livro Carnaval é elogiado por João Ribeiro, aquele que o inspirava aos 10 anos de
idade, e desperta entusiasmo entre os paulistas iniciadores do Modernismo, pois nessa obra já
faz uso do verso livre, desenvolvido no final deste capítulo no item 1.6.3. Por isso, os
Brasil depois em Paris, tornando-se um pólo de encontro entre músicos e artistas. As reuniões
28
e feijoadas que promovia tornaram-se famosas. De acordo com estudiosos, Villa era
extremamente carismático e estava sempre de braços abertos para novas amizades e oferecia
um ambiente favorável às trocas artísticas. Foi, também, segundo relato do próprio Bandeira,
o primeiro compositor a escrever músicas para versos seus (BANDEIRA, 2006, p. 84). Em
1920, Villa-Lobos musicou o gracioso poema Debussy (do livro Carnaval), intitulado
Novelozinho de Linha e, no ano de 1926, musicou O Anjo da Guarda (do livro Libertinagem)
compositores pediram a Bandeira que colocasse letra na melodia já existente. O poeta usou o
pseudônimo Manduca Piá por se tratar de uma letra e não uma poesia, conforme descreve:
“(...) neste caso procuro colocar a poesia de lado e a única coisa que procuro é
achar as palavras que caiam bem no compasso e no sentimento da melodia.
Palavras que, de certo modo, façam corpo com a melodia. Lidas
independentemente da música, não valem nada, tanto que nunca pude
aproveitar nenhuma delas (...)”.(BANDEIRA, 2006, p. 83)
poetas que flertavam com a estética mais popular. Francisco Mignone, por exemplo, usou o
pseudônimo Chico Bororó para suas composições de cunho popular. Nos chama atenção o
comentário de Bandeira sobre a dificuldade de lidar com esta forma invertida de escrever, ou
“Esta tarefa de escrever texto para melodia já composta, coisa que já fiz duas
vezes para o Ovalle9 e muitas vezes para Villa-Lobos, é de amargar. Pode
suceder que depois de pronto o trabalho o compositor ensaia a música e diz:
‘Ah, você tem que mudar esta rima em i, porque a nota é agudíssima e fica
muito difícil emiti-la nessa vogal.’ E lá se vai toda a igrejinha do poeta! (...)”
(BANDEIRA, 2006, p. 83).
9 Jayme Rojas de Aragón y Ovalle (1894-1955). Foi autodidata no piano e no violão. A celebridade veio com canções como Azulão e Modinha, ambas com letra
de Manuel Bandeira. É autor de obra vasta para canto e piano e para piano. No Rio de Janeiro, suas composições costumavam ser apresentadas para um grupo
seleto de artistas e intelectuais na casa do poeta Augusto Frederico Schmidt, geralmente executadas pelo pianista Mário Neves. Mesmo tendo composto uma obra
de caráter "erudito", deixou temas que se popularizaram, justamente por serem inspirados nas raízes brasileiras.
29
Debussy Modinha (Letra para Jaime Ovalle)
30
1.4 Transição
Outra grande perda em família. O poeta se muda da Rua do Triunfo para a Rua Curvelo,
53 (hoje Dias de Barros), residindo ali por treze anos e escrevendo três livros. O Ritmo Dissoluto
(1924) aonde o poeta vai mais e mais se engajando com os ideais modernistas e começa a
próprio poeta via, de “transição entre dois momentos de sua poesia”; Libertinagem (1930) - o
que está mais dentro da técnica e da estética do modernismo; Escreve o livro Crônicas da
província do Brasil (1937) e muitos poemas de Estrela da manhã (1936). Ao residir na Rua
Curvelo, torna-se vizinho de Ribeiro Couto10 e depois passa a morar, na mesma rua, numa casa
que dava para uma bela vista da Baía de Guanabara e onde se tornaria vizinho do compositor
Jayme Ovalle, do pintor Cícero Dias11 e de muitos outros expoentes da cultura brasileira, que
durante o período de Manuel Bandeira na Rua do Curvelo, entre 1920 e 1933, também estavam
morando naquela rua de Santa Teresa. De Jaime Ovalle, sabe-se que Bandeira tinha uma grande
amizade, porém suas parcerias musicais como: Azulão, Berimbau e Modinha, não se sabe ao
certo em que época foram estabelecidas. O cotidiano de Bandeira nesse período foi
cuidadosamente pesquisado e descrito pela ensaísta Elvia Bezerra em seu livro A Trinca do
10 Ribeiro Couto (1898-1963).Ocupou a cadeira de número 26 na Academia Brasileira de Letras. Jornalista, diplomata, poeta, contista e romancista. Seus poemas
também foram musicados por compositores como Villa-Lobos. Suas obras em prosa romances, contos, crônicas também refletem a mesma atmosfera, ao retratar
episódios simples, a gente humilde dos subúrbios e a vida anônima das pequenas ruas e casas pobres.
11 Cícero Dias (1907-2003). Foi um pintor brasileiro de grande renome internacional. Combinou as mais genuínas tradições pernambucanas com a essência universal
da arte. Sempre adotando posições vanguardistas, participa do movimento modernista brasileiro, aproxima-se do surrealismo e é um dos pioneiros dos Abstracionismos
no pós-Segunda Guerra. Utilizando-se das cores tropicais, inspiradas pelo "verde canavial", "vermelho sangue-de-boi" e "azul céu sertanejo", ficou conhecido desde
cedo como o "Pequeno Chagall dos Trópicos".
31
Curvelo12. A proximidade favoreceu os novos relacionamentos entre estes artistas e o poeta, e daí
surgiram provavelmente grandes trocas, resultando nos primeiros critérios que levariam um
Em 1921, Manuel Bandeira com 35 anos. É um homem solteiro, que em quatro anos
(de 1916 a 1920), assistiu à morte da mãe, da irmã e de seu pai, ao mesmo tempo em que lutava
cotidianamente contra a própria morte. Ele mesmo revela que encontra naquela rua ambiente
propício para descobrir uma vida antes jamais imaginada por quem freqüentou o sanatório de
Devido a todas essas desilusões, Manuel Bandeira tinha todos os motivos do mundo para
ser um sujeito mal-humorado. Não era. Ele sempre teve um sorriso simpático e, apesar da miopia
e de ser "dentuço", adorava ser fotografado, traduzido, musicado. Apesar de ser um homem
apaixonado por mulheres, nunca se casou, ele dizia que "perdeu a vez", como ele mesmo
Neologismo
conhece Mário de Andrade14. Estavam presentes, entre outros, nomes como Oswald de Andrade15
32
e Sérgio Buarque de Holanda16 e a partir deste e de outros encontros as idéias do modernismo
Em maio de 1922, inicia-se a troca de cartas com Mário de Andrade por iniciativa de
cariocas, “exigiu” a presença de Bandeira, cujos poemas de Carnaval descobriu “em uma tarde
nunca esquecida”. Este diálogo travado entre Mario de Andrade e Manuel Bandeira ilumina toda
uma postura frente à sua poesia. É o que podemos perceber ao ler alguns testemunhos do poeta
3 de julho de 1922.
Mario de Andrade,
(...) “Uma qualidade que me fascina em você é a sua musicalidade. É aliás o que
mais me seduz na poesia. Eu faço versos para me consolar de não ter idéias
musicais: nunca a melodia mais precária ou mofina me passou pela cabeça. (...)
Ainda bem que não me falta o sentimento do ritmo e da estrutura musical. Onde
as encontro, gozo-as libidinosamente.” (MORAES, 2001, p. 27)
Paulo, no Teatro Municipal. Declara-se contrário aos ataques aos parnasianos e simbolistas.
“Também não quisemos, Ribeiro Couto e eu, ir a São Paulo por ocasião da
Semana de Arte Moderna. Nunca atacamos publicamente os mestres parnasianos
e simbolistas, nunca repudiamos o soneto nem, de um modo geral, os versos
pregada na Semana de 22, marco de nosso Modernismo a que ela se estende desde a poesia até o romance e o conto, além de suas importantes teses sobre a literatura
em nosso país. Sua grande virtude está em quebrar com o Parnasianismo da elite, criando uma nova linguagem literária, mais brasileira A história da música deve
muito a Mario de Andrade.
15 José Oswald de Sousa Andrade (1890-1954). Escritor, ensaísta e dramaturgo brasileiro. Foi um dos promotores da Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo,
tornando-se um dos grandes nomes do modernismo literário brasileiro. Divulgou seu radical Manifesto Antropofágico (1924) no qual propôs que o Brasil abominasse
a cultura estrangeira e criasse uma cultura revolucionária própria. Foi considerado pela crítica como o elemento mais rebelde do grupo.
16 Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982). Foi um dos mais importantes historiadores brasileiros. Foi também crítico literário e jornalista. Filho de Cristóvão e
Heloísa Buarque de Holanda. Ao longo da década de 1920, atuou como representante do movimento modernista paulista no Rio de Janeiro.
33
metrificados e rimados. Pouco me deve o movimento; o que eu devo a ele é
enorme”. (BANDEIRA, 2006, p. 71)
No Rio de Janeiro, no ano de 1922, estreita laços com Jaime Ovalle, Prudente de Morais
Neto17, Dante Milano18 , Di Cavalcanti19, Villa-Lobos20. Ainda nesse ano, morre seu irmão,
Podemos perceber o que o poeta viveu dos 30 aos 36 anos de idade. Suas perdas de
parentes próximos a cada dois anos - 1916 (mãe), 1918 (irmã), 1920 (pai), 1922 (irmão),
certamente lhe causaram danos, porém, o que parece nos mostrar em sua biografia, não o
transformaram em um ser humano amargo. Muito pelo contrário, sua forma de expressão artística
é sentida em potencial nos seus poemas. Os temas de Bandeira, tão largamente explorados são:
angústia, ausência, amor inalcançável, sublimação, sexo, solidão, dor e o medo da morte. Ao
mesmo tempo em que vivia sua idade sendo solteiro na década de 20 no Rio de Janeiro,
17 Prudente de Morais Neto (1895-1961). Crítico, jurista, cronista, poeta e professor. Redator de A Província (PE), trabalhou no Diário de Notícias, Folha Carioca,
Diário Carioca, dirigiu a sucursal de O Estado de São Paulo. Também conhecido pelo pseudônimo de Pedro Dantas, com o qual assinou crônicas esportivas, foi eleito
Presidente da ABI em 30 de setembro de 1975 e, além do jornalismo, dedicou-se também à poesia. Nos registros da história da ABI, consta que “exerceu o cargo com
uma dignidade invulgar”.
18 Dante Milano (1899-1991). Foi um dos poetas representativos da terceira geração do Modernismo. Para o crítico David Arrigucci Jr., Milano foi “como o amigo
Bandeira, refletiu muito sobre a morte, casando o pensamento à forma enxuta de seus versos - lírica seca e meditativa, avessa ao fácil artifício, onde o ritmo interior
persegue em poemas curtos, com justeza e sem alarde, o sentido”.
19 Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Melo (1897-1976). Pintor, ilustrador e caricaturista. Amigo de Mário e Oswald de Andrade teve um papel central
na Semana de Arte Moderna de 1922, pois criou o catálogo e o programa do evento. Partiu para a Europa em 1923 e expôs em Londres, Berlim, Bruxelas, Amsterdã e
Paris, onde conheceu Picasso, Léger, Matisse, Eric Satie e Jean Cocteau. Em Paris, em 1938, trabalhou na rádio Diffusion Française. Quando voltou, em plena ditadura
do Estado Novo de Getúlio Vargas, ficou escondido na Ilha de Paquetá, no Rio. Libertado, retornou a Paris, onde permaneceu até a iminência da Segunda Guerra
Mundial. Nessa viagem, 40 obras foram perdidas.
20 Heitor Villa-Lobos (1887 /1959) compositor brasileiro, muito conhecido por unir música com sons naturais. Ficou muito entusiasmado com a idéia de ser o
representante musical do movimento da Semana de 22. Foi assim que ele estreiou como "modernista", entre vaias e urros de uma platéia atrelada aos modelos
tradicionais, apresentando Sonata Nº2, Danças Características Africanas, Quarteto Simbólico e Impressões da Vida Mundana. Como maior expressão da música
modernista brasileira, a vanguarda paulista elegeu Villa-Lobos, que já havia ganho notoriedade como um músico controvertido e "diferente". Na educação preocupou-
se com o descaso com que a música era tratada nas escolas brasileiras e acabou por apresentar um revolucionário plano de Educação Musical à Secretaria de Educação
do Estado de São Paulo.
34
Petrópolis, 31 de maio de 1923.
Creio firmemente que estás vivendo a época da tua alma. Eis porque
deposito tanta fé em ti. (...) Perguntas pelos meus poemas e pelos meus projetos.
Não tem projetos quem vive como eu ao Deus dará do amanhã. Sabes o que disse
o médico de Cladavel quando me auscultou pela última vez em 1914? Que eu
tinha lesões teoricamente incompatíveis com a vida! O meu organismo acabou
espontaneamente vacinado contra a infecção tuberculosa, mas fiquei um inválido.
Sou incapaz de um esforço seguido. Se essa mesma arte fragmentária dos meus
poemetos me desnerva? Cada uma dessas pequenas coisas que já fiz representa
um momento de paixão. Como eu teria vontade de fazer prosa, de escrever dois
ou três romances! Isto é completamente impossível.
Mando-te duas coisas minhas com um grande abraço.
Manuel (MORAES, 2001, p.94)
Em 1924 publica, às suas expensas, Poesias, que reúne A Cinza das Horas, Carnaval e
modernistas publicada pelo jornal A Noite, em 1925. Escreve crítica musical para a revista A
Idéia Ilustrada.
Para sua irmã (falecida em 1918), Bandeira escreve um poema O Anjo da Guarda que só
foi publicada no ano de 1930 no livro Libertinagem. Deste ano, está descrito um diálogo muito
de Villa-Lobos.
Mário,
35
(...) Depois do jantar Villa cantou duas coisas que ele está compondo. A 1ª
é pra “Pobre cega” do Álvaro Moreyra. A 2ª é prao (sic) “Anjo da Guarda”. A
música do Anjo está matante parece uma tarde que não acaba mais. Fiquei com os
olhos cheios d’água me atraquei com o Villa, beijei-o. Que bruta comoção, puta
merda! Quando ele diz “um anjo moreno violeeeento e bom – brasileiro” é tal
qual minha irmã, Mário! A música é de uma simplicidade e de uma elevação,
toda consoante mas de técnica bem moderna e imagine, o acompanhamento é um
tema sincopado popular, antes de começar o canto o piano faz um floreio de
violão. (...) Eu senti uma felicidade.
Vai demorar a se publicar (...) Porém eu arranjei com o Villa mandar tirar
uma cópia pra mim. Depois eu tirarei uma pra você, pois estou doido que você
conheça.
pelo autor, no qual foi publicado o poema O Anjo da Guarda (pág. 22) que já tinha sido
musicado por Villa-Lobos anteriormente. Neste ano, Bandeira, também homem de fé católica,
partir de 1931, visita regularmente a prima que era monja carmelita, irmã Maria do Carmo do
Cristo Rei. Desse contato conventual nasceu um texto para oratório há muito tempo
encomendado a Bandeira por Francisco Mignone. Madre Maria José escreveu o poema Alegrias
de Nossa Senhora, e Bandeira sentiu que dali poderia extrair o texto para compor um oratório.
(BEZERRA, 1995. p.51-52). Esta obra, no entanto, não será discutida por se tratar de um oratório
para solistas e orquestra, fugindo do nosso foco principal que são as canções para canto e piano.
Muda-se, em 1933, da Rua do Curvelo para a Rua Morais e Vale, na Lapa. Onde começou
36
Grandes comemorações marcam os cinqüenta anos do poeta, em 1936, entre as quais a
comentários, de autoria dos principais escritores brasileiros. Publica neste mesmo ano o livro
Estrela da Manhã.
Em 1940, é aberta uma vaga para a Academia Brasileira de Letras23. Após dois dias de
hesitação, se candidatou e foi eleito com 21 votos, ocupando a cadeira de número 24. Para
Bandeira a idéia de Academia implicava em casa de Machado de Assis24, de João Ribeiro. Ele se
sentia “desqualificado” para sustentar a tradição. Porém, toma posse em 30 de novembro, sendo
saudado por Ribeiro Couto. Neste mesmo ano publica Poesias Completas, com a inclusão do
na qual o ritmo da letra realmente nos remete a uma forma de embolada25, como vemos neste
exemplo:
Embolada do Brigadeiro
23 O estatuto da Academia Brasileira de Letras estabelece que para alguém candidatar-se é preciso ser brasileiro nato e ter publicado, em qualquer gênero da literatura,
obras de reconhecido mérito ou, fora desses gêneros, livros de valor literário.Seguindo o modelo da Academia Francesa, a ABL é constituída por 40 membros efetivos
e perpétuos. Além deste quadro, existem 20 membros correspondentes estrangeiros.Os imortais são escolhidos mediante eleição por escrutínio secreto. Quando um
Acadêmico falece, a cadeira é declarada vaga na Sessão de Saudade, e a partir de então os interessados dispõem de um mês para se candidatarem, através de carta
enviada ao Presidente. A eleição transcorre três meses após a declaração da vaga. A posse é marcada de comum acordo entre o novo Acadêmico e o escolhido para
recepcioná-lo. De praxe, o vistoso fardão é oferecido pelo Governo do Estado natal do Acadêmico.
24 Machado de Assis (1839-1908), considerado um dos mais importantes nomes da literatura do Brasil e identificado pelo crítico Harold Bloom, como o maior escritor
negro de todos os tempos. De sua vasta obra, que inclui ainda poesias, peças de teatro e crítica literária, destacam-se o romance e o conto. É considerado um dos
criadores da crônica no país, além de ser importante tradutor, vertendo para o português obras como Os Trabalhadores do Mar, de Victor Hugo. Foi também um dos
fundadores da Academia Brasileira de Letras, que também se chama Casa de Machado de Assis.
25 Gênero musical que teve origem no Nordeste brasileiro, aparecendo mais freqüentemente na zona litorânea e mais raramente na zona rural, suas características
principais incluem uma melodia mais ou menos declamatória, em valores rápidos e intervalos curtos. O gênero é simples e não possuiu qualquer composição
preestabelecida, quanto ao número e disposição dos versos. Um estribilho é repetido, num intervalo maior ou menor por um dos cantadores, enquanto o outro
improvisa. A letra é geralmente cômica, satírica ou descritiva. (Dicionário Cravo Albin)
37
Tem preceito, tem ensino:
Foi assim desde tenente,
Foi assim desde menino!
importante. Pela pesquisa que estamos apresentando, já podemos concluir quais de seus livros
foram mais procurados por compositores e quais foram os poemas mais musicados. Selecionamos
1.5 A velhice
No ano de 1954, publica seu livro Itinerário de Pasárgada, onde, além de suas memórias,
expõe todo o seu conhecimento sobre formas e técnicas de poesia, o processo da sua
literária publicada no Brasil, em que não narra apenas o relato da vida pessoal de um escritor,
mas a formação de um poeta. Pasárgada é um local imaginário eleito por Bandeira para a
poesia e música é bem pressentida por Bandeira e inúmeras vezes ressaltadas pelos críticos a
uma força rítmica que supera a palavra, está mais bem explicitado em seu testamento literário, o
Itinerário de Pasárgada. O poeta fala mais de uma vez na intensa experiência lírica que buscou
38
Quadro 1.1 Estatística dos oito poemas mais musicados
39
“Cedo compreendi que o bom fraseado não é o fraseado redondo, mas aquele em
que cada palavra está no seu lugar exato e cada palavra tem uma função precisa,
de caráter intelectivo ou puramente musical.” (BANDEIRA, 2006, p.49)
Nas décadas de 50 e 60, Bandeira dedica-se a traduzir diversos livros e peças de teatro e,
também, recebe sua aposentadoria das funções de professor da Faculdade Nacional de Filosofia.
“Recebo com maior emoção a homenagem que me presta o povo brasileiro (...)
Sou servidor público, de direito, desde o ano de 1935 (...). Mas, de fato, sou
servidor público desde 1917, quando compus meus primeiros versos... Pois todo
poeta é um servidor do povo.” (O Globo, 1955)
Com a saúde cada vez mais comprometida, Manuel Bandeira deixa seu apartamento da
No dia 13 de outubro de 1968, às doze horas e cinqüenta minutos, morre o poeta Manuel
Mausoléu da Academia Brasileira de Letras, no Cemitério São João Batista no Rio de Janeiro.
Consoada
40
1.6 Estilos utilizados por Bandeira
interdisciplinar tal entre poesia e música que prepare o leitor para a compreensão das razões que
fizeram os poemas de Manuel Bandeira serem musicados por tantos compositores diferentes.
Manuel Bandeira foi um dos poetas nacionais mais admirados, inspirando, até hoje, desde
Arrigucci (1990) nos diz que, o "ritmo bandeiriano" merece estudos aprofundados de
ensaístas. Por vezes inspira escritores e outros artistas, não apenas em razão de sua temática, mas,
também devido ao estilo sóbrio de escrever. Manuel Bandeira possui um estilo simples e direto.
Sua poesia caracterizou-se pela variedade criadora, desde o soneto parnasiano, à prática do verso
livre, até por experiências com a poesia concretista. É comum encontrar-se poemas (como o
Bandeira em seus 82 anos de vida (1886-1968) atravessou uma época de fatos marcantes
mundiais: lutas sociais, tentativas de revolução, novas idéias políticas, a primeira e segunda
grande guerra, diversos avanços tecnológicos. O mundo agitado, não tinha mais tempo para o
Romantismo. Era necessária uma arte mais objetiva que atendesse ao desejo do momento: a
análise e a compreensão dos fatos e a crítica. Na literatura, nascem ao mesmo tempo três
promovida por unidades da Marinha que teve início em setembro de 1893 no Rio de Janeiro em
41
oposição ao governo Floriano Peixoto (segundo presidente do Brasil de 1891 a 1894), que
A arte, a literatura, bem como a música refletem essas mudanças. Percebe-se uma enorme
científicas e pelo desejo de retratar o homem e a sociedade em sua totalidade e, à medida que
Os estilos que Cereja & Magalhães (2002) apontam como base dos poemas de Bandeira,
1.6.1 O Parnasianismo
parnasianos acreditavam que o sentido maior da arte reside nela mesma, em sua perfeição, e não
A poesia parnasiana pretende ser universal. Por isso utiliza uma linguagem objetiva que
busca a contenção dos sentimentos e a perfeição formal, e temas universais: a natureza, o tempo,
Na década de 1880, este estilo teve grande importância no Brasil, não apenas pelo elevado
número de poetas, mas também pela extensão de sua influência. O parnasianismo surgiu
42
timidamente no Brasil nos versos de Luís Guimarães Júnior26 e Teófilo Dias27 e firmou-se
O primeiro livro de Manuel Bandeira A Cinza das Horas é classificado como parnasiano-
simbolista. Sendo assim, das poesias classificadas como parnasianas que foram musicadas
queremos destacar: Crepúsculo de Outono, escrita no ano de 1913 em Cladavel, como exemplo
Segundo ele próprio, quando publicou esse livro não tinha a intenção de começar carreira
literária: "desejava apenas dar-me a ilusão de não viver inteiramente ocioso". O eu-lírico vivencia
Crepúsculo de Outono
26 Luís Caetano Pereira Guimarães Júnior (1845-1898) foi um diplomata, poeta, romancista e teatrólogo brasileiro. Seus sonetos revelam um grande apuro da forma,
combinações métricas finas e sutis, e o gosto pelos motivos exóticos que ele pôde sentir e observar em suas peregrinações por terras estrangeiras. Romântico de
inspiração, mas já dentro da orientação parnasiana, ele foi, no apuro da expressão, um precursor da poesia de Raimundo Correia, Bilac e Alberto de Oliveira. Na
carreira diplomática, chegou a ministro plenipotenciário, tendo servido em Santiago do Chile, Roma e Lisboa.
27 Teófilo Odorico Dias de Mesquita (1854-1889) foi um advogado, jornalista e poeta brasileiro. Pertencia à família do consagrado poeta Antônio Gonçalves Dias, de
quem era sobrinho. Sua poesia, influenciada, a princípio, pelos líricos franceses, foi, aos poucos, assumindo novas formas, de acordo com a tendência geral da época.
28 Raimundo da Mota de Azevedo Correia (1859-1911) foi um juiz e poeta brasileiro.
29 Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (1865-1918) foi um jornalista e poeta brasileiro e membro fundador da Academia Brasileira de Letras. Sua obra poética
enquadra-se no Parnasianismo, que teve na década de 1880 a fase mais fecunda. Embora não tenha sido o primeiro a caracterizar o movimento parnasiano, pois só em
1888 publicou Poesias, Olavo Bilac tornou-se o mais típico dos parnasianos brasileiros. Foi, no seu tempo, um dos poetas brasileiros mais populares e mais lidos do
país, tendo sido eleito o "Príncipe dos Poetas Brasileiros", no concurso que a revista Fon-fon lançou em 1o de março de 1913. Alguns anos mais tarde, os poetas
parnasianos seriam o principal alvo do Modernismo. Apesar da reação modernista contra a sua poesia, Olavo Bilac tem lugar de destaque na literatura brasileira, como
dos mais típicos e perfeitos dentro do Parnasianismo brasileiro. Foi notável conferencista, numa época de moda das conferências no Rio de Janeiro, e produziu também
contos, crônicas e obras didáticas.
43
Os pinheiros porém viçam, e serão breve
Todo o verde que a vista espairecendo vejas,
Mais negros sobre a alvura unânime da neve,
Altos e espirituais como flechas de igrejas.
Ao fazermos uma breve análise quanto à forma e conteúdo deste poema, podemos
perceber a presença parnasiana nestes versos. Encontramos os seguintes critérios de escolha que
podem ter levado os compositores a musicá-lo, como foi o caso de: Helza Cameu, Camargo
Guarnieri e Radamés Gnatalli. São fortes características neste poema: (1) as rimas perfeitas, (2)
1ª quadra
/O/cre/pus/cu/lo/cai/man/so/co/mu/ma /bênção/
/Dir/se/á/queo/rio/cho/raa/pri/são/de/seu/leito/
/As/gran/des/mãos/da/som/brae/van/ge/li/cas/pensam/
/As/fe/ri/das/quea/vi/daa/briu/em/ca/da/peito/
e em todo os demais versos. Ele também faz uso de palavras e termos rebuscados ou não usuais,
44
A poesia apresenta uma cena onde a maioria dos termos descreve imagens visuais: O
“outono amarelece”, “rio chora”, “sombra”, “crepúsculo cai”, “flores morrem,” por exemplo.
se muitas poesias desse estilo musicadas, por exemplo, por Nepomuceno “o pai da canção
Compositores que adotam a linguagem musical romântica e impressionista por certo encontram
1.6.2 O Simbolismo
O Simbolismo: a linguagem da música. Nas últimas décadas do séc XIX, surge um grupo
de artistas e intelectuais que põem em dúvida a capacidade absoluta da ciência de explicar todos
social prometidos pela ciência. Este estilo procura sugerir a realidade, e não retratá-la. Para isso
faz uso de símbolos, imagens, metáforas, sinestesias, recursos sonoros e cromáticos, tudo com a
simbolismo é através de um exemplo. Escolhemos o poema Debussy (ver poema na página 23)
como ícone desse estilo. Este poema foi musicado por José Siqueira e por Villa-Lobos (neste
caso com o nome de Novelozinho de lã). Mas é a descrição de Antonio Cândido na introdução do
livro Estrela da Vida Inteira (1993) que nos explica a questão da musicalidade citando este
poema. Afirma que talvez Manuel Bandeira possua o ouvido mais afinado de toda a moderna
poesia brasileira. Ouvido para a musicalidade de um ritmo ou de um verso, para a escolha exata
da sonoridade de uma palavra, para a transposição no plano verbal de uma atmosfera que parecia
45
tipicamente musical, como neste poema Debussy. Vindo da musicalidade obsessiva do
melódico por um novo espaço mais vizinho da música contemporânea, isto é, não mais fluido e
Bandeira, em seu Itinerário de Pasárgada (BANDEIRA, 2006) afirma ter tido a intenção
de reproduzir a linha melódica do autor de La Fille aux Cheveux de Lin” (Ex 1.1), peça escrita
por Debussy (1862-1918), compositor impressionista que é mestre na arte das “cores sonoras”,
presente em seu livro N° 1 de Prelúdios para Piano. Este prelúdio é o oitavo, e evoca através de
sua linha melódica e harmonia, timbres que relembram a era dos Celtas, segundo declaração do
editor na obra. (Urtex Edition, 1985, Prefácio XIV, p. 33). No caso percebemos em Bandeira um
artista criador extremamente aguçado aos sons, visto que, esta música não possui letra é um
Villa-Lobos e José Siqueira musicaram este mesmo poema, porém de formas distintas.
Percebe-se que a canção de Siqueira estabelece uma relação direta com o trecho musical do
prelúdio de Debussy (Ex. 1.2 e 1.3), utilizando a figura rítmica de uma colcheia e duas
semicolcheias, o que não acontece com a canção de Villa-Lobos que se inspirou mais no poema
do que na melodia, sugerindo uma nuance conforme os impressionistas trabalhavam suas formas,
46
Exemplo 1.1 Trecho do Prelúdio para Piano La Fille aux Cheveux de Lin de Debussy
47
Os aspectos poéticos simbolistas que possivelmente atraem os compositores mais
modernos são: a) A forma poética mais livre diferente da rigidez dos sonetos parnasianos; b)
mais abstrata. Estes elementos atraem compositores de canções à medida que estimula coloridos
de Debussy, utiliza a rítmica da peça para piano e inverte a linha melódica. Villa-Lobos já se
através da cor dos acordes e com os glissandos nos dando uma impressão de um som de harpa.
O professor de Teoria Literária e Literatura Comparada, Davis Arrigucci Jr. em seu livro
Humildade, Paixão e Morte (1990), nos dá uma boa explicação sobre a importância do verso
livre. Aponta Manuel Bandeira a figura central e o poeta mais importante a usar esta nova
técnica. Diz que Bandeira foi o primeiro que assimilou organicamente a inovação técnica à sua
apontou, para espaços do próprio escritor, em sua vida diária, muito destacada também pelos
48
modernistas. Com olhos voltados para o presente, confiantes na realidade brasileira do tempo,
“(...) Só me sinto mesmo à vontade no verso livre. Ando com uns projetos de
redondilha para um poema aporrinhado cujo estribilho é “Vou-me embora pra
Pasárgada” mas não tomou jeito de sair até hoje. Pasárgada é uma antiga cidade
persa, você naturalmente sabe. Pasárgada é a coisa estapafúrdia pra onde um
aporrinhado sente gana de ir.”(MORAES, 2001, p. 353).
Na verdade foi um processo longo, de difícil aceitação no começo. Este processo inclui
Revolução de 3030, a expressão literária, bem como nas artes em geral, serviu como um farol para
a tentativa de redescoberta do país e para uma visão modernizante de nossa sociedade. Como
exemplo de verso livre “banderiano”, escolhemos a poesia Andorinha do livro Libertinagem, que
Andorinha
Sua estrutura curta, sem métrica, se presta à criação de canções curtas e de linguagem
Siqueira optou por elaborar sua canção curta, em ostinato na mão direita construído
através em semicolcheias enquanto a mão esquerda cria um baixo marcado por uma figura
30 Segundo o professor de história José Prieto, formado pela Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras (UERJ), dá-se o nome de Revolução de 1930 ou Revolução de
30 ao movimento armado liderado pelos estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul que culminou com a deposição do presidente paulista Washington Luís, em 24
de outubro. Em 1º de março de 1930, houve eleições para presidente da República que deram a vitória ao candidato governista Júlio Prestes. Em virtude do movimento
armado desencadeado a 3 de outubro de 1930, não tomou posse e foi exilado. Getúlio Vargas assumiu a chefia do "governo provisório" em 3 de novembro de 1930,
data que marca o fim da República Velha.
49
Prado desenvolveu a canção dentro de uma ambientação atonal livre.
50
Exemplo 1.5 Trecho de Andorinha de Almeida Prado
51
1.6.4 Modernismo
público as novas tendências das artes do país. Seus idealizadores rejeitam a arte do século XIX e
internacionais para mesclá-las com a cultura nacional, originando uma arte vinculada à realidade
brasileira.
O principal veículo das idéias modernistas é a revista Klaxon, lançada em maio de 1922.
Segundo José Maria Neves, o motivo literário, realmente grande, na época, revela muitos
jovens escritores e poetas, todos eles no caminho da libertação dos velhos cânones e em busca de
música folclórica. Com relação à construção melódica, ele observará a persistência das fórmulas
estruturação harmônica, ele observará “a pobreza do folclore brasileiro, que se contenta com
tendência ao estaticismo, com repetição infinita das pequenas células melódicas, a absorção da
harmonia pela rítmica, com recursos freqüentes a percussão harmônica, ou seja, elementos que
52
Os modernistas também defendem uma dicção brasileira para os atores e cantores, até
então muito influenciados pelo sotaque e à forma de falar de Portugal. Os anais do I Congresso
português brasileiro cantado. Este documento tem sido estudado e em 2008, será publicado o
novo Manual da Pronúncia Neutra para o Português Cantado nos anais da ANPPOM
Até o momento, percebemos que a poesia de Bandeira oferece uma gama variada de
estilos que abre um grande caminho para a criação. Por ter usado o parnasianismo, o simbolismo
e a linguagem modernista em seus poemas, cada compositor pode encontrar os mais diversos
tipos de matéria prima para suas obras. Desde rimas perfeitas ao verso livre, da linguagem
rebuscada à coloquial, dos temas descritivos à temática brasileira. Todos esses elementos fazem
enfoque em todos os compositores que musicaram Manuel Bandeira e que constam nos Anexos II
e II. Ressaltamos que todos os compositores referidos no quadro do Anexo II serão indicados em
negrito.
53
Fig. 1.1 – Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes,
Manuel Bandeira, Mario Quintana e Mendes Campos
54
CAPÍTULO II
A canção de câmara brasileira abordada neste trabalho tem como foco os compositores
eruditos, cujas obras que são apresentadas em salas de concerto, exige preparo vocal técnico no
estilo erudito. Ressaltamos que os compositores serão indicados em negrito e somente Lino
Costa, Oreste Farinello e Guilherme Leanza não foram citados devido à falta de referência sobre
eles.
A base teórica deste capítulo foi centrada em A Canção Brasileira de Câmara (MARIZ,
2002), Música Doce Música (ANDRADE, 2006b) e Ensaio sobre a música Brasileira
(ANDRADE, 2006a).
podemos, nem devemos nos prender a classificação hermética da pessoa que compõe. A intenção
em classificar o compositor segundo estilos não é acertada, pois durante uma vida artística o
compositor é livre para passear por diversos estilos, experimentar novas tendências e técnicas
novas. A análise é feita “a posteriori’. Contudo, sua obra, estando entregue aos intérpretes, esta
sim, pode ser classificada e estudada. A menos que os compositores criem um movimento, como
o Música Viva, por exemplo, estariam neste momento, integrados à uma tendência.
foi a escolha dos textos de Bandeira para conduzirem suas melodias através do canto.
Romantismo, o compositor Antonio Carlos Gomes (1836-1896), que auxiliado por Machado de
55
Assis (1839-1908) e José de Alencar (1829-1877), criou a ópera O Guarani baseado no texto de
José de Alencar. Segundo Mariz, Carlos Gomes deve ser considerado modelo para os
compositores no que se refere à riqueza melódica e tratamento apropriado da voz humana. Pôde
realizar na Itália estudos especiais de como manobrar com habilidade o órgão vocal e por isso
suas óperas, e muitas de suas canções, aí estão para desafiar críticas neste terreno. Suas canções
pareciam árias de ópera devido a influencia do compositor pelas óperas italianas. Sua escrita para
e diplomata Brasílio Itiberê da Cunha (1846-1913). Sua obra, exemplificada pela rapsódia A
sertaneja para piano, anunciou o período do nacionalismo musical. O precursor dessa tendência
foi Alexandre Levy (1864–1892) em cuja obra se evidenciam os traços apenas sugeridos por
Glauco Velásquez (1884-1914) mantiveram-se fiéis ao espírito do século XIX, que era, na música
brasileira, o da submissão aos moldes europeus. A obra de Leopoldo Miguez, ilustrada pelas
sinfonias Parisina (1882) e Prometeu (1896), apresenta influências de Wagner e Liszt. Henrique
Oswald, por sua exclusiva formação européia influenciada por Gabriel Fauré, sempre esteve à
do Lied no Brasil, que também inovou em suas canções o trato da voz, graças aos esforços,
56
contribuiu para a aceitação da música brasileira, da canção em língua nacional nos concertos do
repertório erudito.
alemão, comporta duas leituras. A primeira, cuja prova é quase auto-evidente pela mera audição
de suas obras, é que Nepomuceno pretendeu compor canções brasileiras com a mesma ambição
artística que o Lied tinha na cultura européia. Em outras palavras, canções com uma relação
intrínseca entre música e poesia extraída de fontes literárias, canções com uma escrita harmônico-
melódica comprometida com as linguagens musicais avançadas em seu tempo. A segunda leitura,
mais sutil, que requer comprovação, é que para a realização do seu projeto de canções em língua
portuguesa, Nepomuceno teria transplantado modelos da tradição européia, para dar conta dos
objetivos acima referidos. Sem dúvida Nepomuceno teve um papel importantíssimo para a
novas tendências musicais: adoção das técnicas de vanguarda importadas da Europa e valorização
do tema brasileiro. Foi o primeiro grande artista brasileiro cuja obra assumiu características
verdadeiramente nacionais. Dotado de uma impetuosa força criadora, é capaz da mais refinada
simplicidade. As raízes negras têm presença marcante em muitas de suas peças. Emprestou,
magistralmente, envergadura sinfônica aos choros recolhidos nos ambientes populares do Rio de
Janeiro e utilizou, nas Bachianas brasileiras, o estilo próprio de Johann Sebastian Bach dentro de
Por sua contemporaneidade e sua amizade com Bandeira foi o primeiro compositor a
musicá-lo. Compôs muitas canções para canto e piano, como as vinte páginas do Poema de
Itabira, por exemplo, mostra a elaboração de mais de cem peças vocais para todas as vozes.
57
Entretanto, Villa-Lobos confessou um dia para Cecília Meireles que o texto de um poema
não tem a maior importância para o compositor e serve apenas para dar maior apoio ao cantor!
Imagino que sua Modinha ou O Anjo da Guarda seriam completamente diferentes com
As canções podem tomar rumos completamente diferentes com a mesma poesia. Teremos,
a seguir, alguns exemplos dos quatro poemas mais musicados: Cantiga, Estrela, Madrigal e O
Menino Doente
Cantiga que teve 9 composições diferentes, foi a única canção com poema de Bandeira
feita por Lorenzo Fernández (1897-1948). Intitulada Canção do Mar, é cheia de elementos
58
Francisco Mignone (1887-1986), foi um dos maiores compositores de canções. Ao todo
escreveu 165 canções para canto e piano e, é um dos prediletos dos cantores eruditos, embora não
tenha sido um compositor exclusivamente nacionalista, teve seus melhores momentos na música
de inspiração brasileira. A curiosidade nas peças que temos no catálogo (e felizmente estão todas)
é que Mignone mostra predileção pelas vozes de tessitura aguda. Não utiliza, porém, agudos
muito altos, talvez sua intenção seja obter mais brilho, o que se torna um desafio interessante aos
sva
ldo Lacerda (1927) compôs sua segunda Cantiga em 1964, por não estar completamente
satisfeito com a primeira cantiga de 1950. Segundo Mariz (2002), a primeira ficou mais
interessante.
59
Exemplo 5. Cantiga de Heitor Alimonda
O segundo poema mais musicado, com 7 canções, foi A Estrela de 1940, que trata de algo
distante, inatingível. As melodias da primeira frase destas canções ora são tratadas
ascendentemente, ora descendentemente. Podem ser com saltos ascendentes como a de Ricardo
Tacuchian (1939), ou, ter um caráter impressionista como a do compositor Almeida Prado
(1943).
60
Temos outros exemplos de composições de A Estrela como a canção de Guilherme
O Madrigal31 que foi composto 7 vezes com o caráter similar a de um madrigal antigo tem
31
O madrigal aborda assuntos heróicos, pastoris, e até libertinos. Por sua flexibilidade, que
nenhuma outra forma musical havia até então oferecido aos músicos, assim como pela variedade
dos textos sobre os quais se constrói, ele favorece a imaginação criadora e o lirismo de expressão.
(Grove on line)
61
Exemplo 10. Canção da Jamaica de Frutuoso Vianna
Marcelo Tupynambá (1889-1953), tem uma canção de estilo romântico e não muito
62
Exemplo 12. Madrigal de Helza Cameu
63
Exemplo 14. O menino Doente de Francisco Mignone
Azulão foi certamente foi o maior sucesso de Jaime Ovalle (1894-1955). Uma miniatura
de música de 16 compassos onde o amor é transportado pelo pássaro com grande lirismo. O
motivo rítmico (colcheia, semínima, colcheia) que Bandeira colocou na letra “vai azulão, azulão
companheiro” se assemelha à utilizada por Lacerda em sua Cantiga I “nas ondas da praia nas
ondas do mar”.
64
Bandeira, com sua musicalidade, soube encontrar na prosódia elementos que rimassem e
encontrá-lo, Mário de Andrade ficou encantado, mas viu que Ovalle não tinha instrumental, ou
seja, não tinha meios para formalizar a arte, e nutria planos ambiciosos. Este talentoso,
livro O Santo Sujo (2008), costumava freqüentar os bairros cariocas da Lapa, Glória, Largo do
Machado, bebendo com amigos nos cafés Lamas, reduto de intelectuais e jornalistas, que
Camargo Guarnieri (1907-1993) compôs uma melodia para a letra que Bandeira criou
para o Azulão de Ovalle. Chamada Vai, Azulão, podemos apreciar os diferentes caminhos que
A canção brasileira é de extrema riqueza e tem como inspiração retratar os costumes e sua
história. Seus ritmos podem ser fortes como os atabaques dos ritos de umbanda ou tão seresteiras
como Coração Incerto de José Vieira Brandão (1911-2002) ou, a Modinha de Radamés
65
Exemplo 18. Modinha de Radamés Gnatalli
Ou ainda ser descritiva como Trem de Ferro de José Siqueira (1907-1985), onde
66
internacionalização. O movimento Música Viva, de 1939, liderado pelo compositor e professor
época; promover uma educação musical ampla, revendo conceitos e posições doutrinárias; e,
de várias épocas, além de primeiras audições de criações dos compositores participantes e muita
Tudo isso representou uma nova dinâmica na vida musical, movimentando-a em direção à
participaram do Movimento Música Viva: Cláudio Santoro, Edino Krieger, Ester Scliar, Eunice
De Marlos Nobre (1939), que é uma compositor de extrema importância para a música
brasileira, não temos canções para exemplificar, pois este compositor não musicou, até os dias de
De Edino Krieger (1928) temos o Desafio como seu único representante da união
poesia/música com Bandeira. Sua rítmica e sua melodia com uso da quinta diminuta (lá #) na
67
Exemplo 20. Desafio de Edino Krieger
Guerra Peixe (1914-1993) que procurou conciliar a música serial com elementos nacionais tem
Esta poesia que Bandeira burilou em diversas tentativas, demorou muitos anos para
concluí-la. Aos dezesseis anos, o jovem Bandeira viu o nome “pasárgada”, campo dos persas,
num autor grego e imaginou um jardim das delícias. Vinte anos depois, na Rua do Curvelo,
desanimado pelos impedimentos da doença, saltou-lhe o grito: “Vou-me embora pra Pasárgada!”.
Conta o poeta em seu Itinerário pra Pasárgada: “Senti na redondilha a primeira célula do poema”.
Tenta escrever, mas fracassa. Anos depois, “o mesmo desabafo de evasão da ‘vida besta’. Desta
vez, o poema saiu sem esforço, como se já estivesse pronto dentro de mim”. Os elementos
musicais usados como, parte cantada e falada, podem nos remeter a uma ambigüidade entre o
mundo real e o imaginário. E a parte em que o poeta expõe seus sentimentos mais profundos e
mais uma vez traz o tema da morte, o compositor utiliza tons menores, numa quebra abrupta,
juntamente com a letra, trazendo de volta ao ritmo inicial mais movido. Observe no exemplo 21
68
Exemplo 21. Vou me embora pra Pasárgada de Guerra Peixe
69
É muito provável que todos conheçamos Bruno Kiefer (1923-1987) mais por sua
importante obra musicológica registrada em livros como: História e significado das formas
musicais (1976), História da música brasileira (1977), A modinha e o lundu (1977), Villa-Lobos
e o modernismo na música brasileira (1981) do que pelas canções. Sua única canção foi O
Menino Doente.
Ernst Mahle (1929), alemão, radicado no Brasil desde 1951, é autor de várias canções
muitas delas de mérito, como a Série sobre poemas de Bandeira de 1961 a 1963.
Cantiga e A Estrela, ambas encontram-se no Centro Cultural de São Paulo para pesquisa.
Lourenço da Fonseca Barbosa (1904-1997), mais conhecido como Capiba era filho de
uma família de músicos, seu pai foi maestro da banda municipal de Surubim. Escreveu mais de
200 canções, em sua maioria de frevos, mas também sambas e música erudita. Várias são sempre
lembradas nos carnavais de Pernambuco como por exemplo: São do Norte os que Vêm, Valsa
Verde, É de Tororó, É de Amargar, Quem Vai Pro Faról é o Bonde de Olinda. Compôs 9
Dos jovens compositores temos, Ernesto Hartmann (1970), com Três ponteios,
Guilherme Bernstein Seixas (1968) que é atualmente professor de regência orquestral e regente
70
canções e Luciano Leite Barbosa (1986) que é bacharelando do curso de Música - Habilitação
Composição, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO, criou uma peça para
mezzo soprano e piano a pedido da autora deste trabalho. A canção Poema encontrado por
71
Exemplo 23. Poema encontrado por Thiago de Mello no Itinerário de Pasárgada de Luciano
Leite Barbosa
72
A diversidade de compositores que elegeram Bandeira como poeta, mostra que a
dissertação desenvolveu uma vasta pesquisa sobre esta musicalidade. No próximo capítulo
apresentamos uma análise comko duas sugestões interpretativas para duas canções do poema
73
CAPÍTULO III
Através da comparação entre duas canções com o mesmo poema, tentaremos, responder
algumas de nossas questões iniciais de pesquisa, como, por exemplo, os elementos encontrados
na poesia de Manuel Bandeira que podem servir de material inspirativo para se compor uma
canção. Para esta análise literária inicial utilizamos como referência a comunicação O
sobre Relações Luso Brasileiras) em 2004, no Real Gabinete Português do Rio de Janeiro e a
Manuel Bandeira. Dutra (2001) aponta formas de análise de canções através do conhecimento do
74
3.1.1 Origem dos versos
Cantiga
Camões, o grande poeta lusitano, escreveu várias redondilhas menores, que poderiam ter
sido musicadas pelos compositores de sua época e pelos contemporâneos, devido aos elementos
poético-musicais encontrados nela, desenvolvidas mais adiante neste capítulo. Alguns dos
elementos poéticos que o poema Cantiga apresenta principalmente, são: (1) a lentidão com pouca
variação rítmica; e (2) a simplicidade que favorece composições curtas, de fácil memorização,
75
3.1.2 Origem do tema de Cantiga
popular e que propicia margens a várias interpretações. Por exemplo, Davi Arrigucci Jr diz ter a
impressão de uma fala de devaneio neste poema, onde a simplicidade é tanta, que surpreende, até
Para Luis Câmara Cascudo (2001) em seu Dicionário do folclore brasileiro, a relação
estabelecida pelo poeta entre a estrela d’alva (Vênus) e Iemanjá não parece encontrar apoio no
existencialista:
76
Vasco Mariz (2002) aponta que a melodia que surge do texto poético pode receber
diversas versões musicais por compositores de preparo técnico diferentes, ou orientados por
correntes estéticas díspares. Surge daí um questionamento sobre o caráter ou ambiência que a
música deve dar àquele poema. Tal questionamento também é levantado pelo próprio Bandeira
Segundo esta colocação de Bandeira não lhe parecia simples a arte de escrever poemas
que poderiam vir a ser musicados. Logicamente os compositores têm preferências pessoais que
nenhum poeta pode sempre agradar. Mas, sem dúvida, pelas estatísticas positivas apresentadas
neste trabalho, sendo árdua ou não a sua tarefa, Bandeira fazia sucesso com os compositores.
O primeiro evento que chama atenção é a insistência do verbo querer, que aparece
conjugado na primeira pessoa do singular (quero), em todas as estrofes. Na primeira, duas vezes,
na segunda uma vez, e na terceira três vezes. Querer que é ter vontade de fazer (MOISÉS, 1967),
ou conseguir fazer alguma coisa parece manifestar o forte desejo do poeta em encontrar seu
sossego. Pela ordem de aparição temos uma seqüência: Quero ser, Quero me afogar, Quero a ...,
Quero ser, Quero esquecer, Quero descansar, onde o verbo também aparece conjugado com
outros verbos, denotando seu desejo de querer existir, querer para mim, querer alguma coisa,
querer existir, querer perder a lembrança, querer tranqüiliza, o que reforça uma afirmação
77
Das 41 palavras do poema, incluso as repetições, nove são substantivos descritivos do
lugar: ondas (repete duas vezes na primeira estrofe, e uma vez nas seguintes), praia (repete uma
vez na primeira e uma vez na segunda estrofe), mar (repete uma vez em cada estrofe); e, três
substantivos femininos: rainha e estrela, d’alva (= de alva), totalizando 12, mais ou menos 30%.
Quatorze (34%) são verbos, sendo treze transitivos e um intransitivo, o que nos mostra que a
(em) de lugar nas (10%). Completando 26%, temos as 10 palavras restantes: três contrações da
preposição de + artigo o = do, duas contrações da preposição de + artigo a = da, duas repetições
do adjunto feliz, duas repetições do pronome pessoal me, um pronome indefinido tudo.
Neste poema observamos que a pontuação auxilia não só a visualização da leitura como a
pensamento. As frases do poema podem ser consideradas enunciativas e ativas, com exceção do
verso 2 da segunda estrofe, onde temos uma frase interrogativa; quem vem me beijar? O que
Segundo Arrigucci (2002), a primeira quadra do poema é composta por catorze palavras, seis
das quais repetidas uma vez cada uma. A simetria da disposição espacial das palavras é
certamente reforçada pela medida regular de cinco sílabas que formam as linhas do verso. Na
78
Como efeito sonoro, a oposição entre praia e mar ressaltam um contraste. Os dois termos
termos usados na primeira quadra. Com sua forma interrogativa, o verso quem vem me beijar? e,
a revelação do foco desejo nos dois versos finais quero a estrela d’alva, rainha do mar, coloca
dúvidas da conveniência de estar nas onda da praia, ou seja, o lugar mais próximo do sujeito. A
rima consoante entre beijar e mar coincide com a concordância entre o movimento do desejo,
manifestando um possível traço erótico. O terceiro verso, ao ter sua inversão assumida: quero ser
feliz, nas ondas do mar, reitera, com um efeito rítmico, a idéia de felicidade no interior do mar.
Os dois versos finais, construídos com a anáfora (ver item 3.1.6: quero esquecer tudo, quero
descansar, parecem justificar a busca da felicidade que implica na morte, mas é descanso;
da Idade Média. Das 41 palavras, foram encontradas, sem as repetições, dez monossílabas, seis
O mais importante na métrica dos versos está no desvio de prosódia, como mostramos a
seguir em todas as ocorrências do verbo Quero, onde a pronúncia se torna [kǫ'Ȏu]32 no lugar de
['kǫ.ȎȚ], dependendo do tratamento que o compositor der a esta questão. Lacerda, por exemplo,
32
Na representação fonética em IPA (International Phonetic Alphabet) o diacrítico ' aponta a sílaba tônica
à sua direita, enquanto o ponto separa sílabas. Os demais símbolos no exemplo são: [ǫ] para “e” aberto, [Ȏ]
para “r” , com uma única vibração, intervocálico e [Ț] para “o” final átono, que é reduzido ou alçado
(sobe em direção ao [u]) no português brasileiro.
79
sinaliza a correção através dos tempos musicais nos compassos 11,12/17,18. Tacuchian resolve o
problema através dos tempos musicais que seguem a prosódia variável dos versos.
Cantiga
v1 Nas/on/das/da/praia 1º quadra
v2 Nas/on/das/do/mar
v3 Que/ro/ser/fe/liz
v4 Que/ro/mea/fo/gar.
v1 Nas/on/das/da/praia 2º quadra
v2 Quem/vem/me/bei/jar?
v3 Que/roaes/ter/la-/d’alva
v4 Ra/i/nha/do/mar.
v1 Que/ro/ser/fe/liz 3º quadra
v2 Nas/on/das/do/mar
v3 Que/roes/que/cer/tudo
v4 Que/ro/des/can/sar.
figuras de linguagem:
nas ondas da praia, nas ondas do mar, são repetidos na segunda quadra: nas ondas da praia (v1) e
na terceira quadra nas ondas do mar (v2), este paralelismo causado pela repetição produz um
1ª quadra
• Nas ondas da praia. Nas ondas do mar. Quero ser feliz. Quero me afogar
3ª quadra
80
• Quero ser feliz. Quero esquecer tudo. Quero descansar
As seqüências finais dos versos da primeira quadra parecem continuar a imitação sonora pelo
uso de anapestos (duas átonas e uma tônica): -das da praia/-das do mar, reforçada pela aliteração
de várias consoantes /d/ , /p/ e /m/ o que pode ser associado ao estoura das ondas do mar.
encontrados aqui na primeira quadra, terceira e quarta estrofe. Neste caso feliz se opõe a afogar.
PLEONASMO - Neste caso encontramos um pleonasmo literário e não um vicioso onde o autor
esta figura de linguagem aparece em todas as quadras. O lugar é apresentado primeiro e depois o
que se deseja.
Nas ondas da praia, nas ondas do mar ...Quero ser feliz ...
Outro aspecto relevante para a execução da canção brasileira é a dicção que discutimos a
seguir. Como por exemplo, o uso ou não de “r” rolados ou a palatização dos “s” e “t”.
81
3.1.7 Dicção
O estudo de dicção33 inclui a fonética que, segundo Louzada (1982), é subdividida em três
áreas distintas: a) Fonética articulatória, a ênfase é dada na forma como os sons da fala são
emitidos pelo aparelho fonador; b) Fonética acústica, estuda-se os sons da fala sob o prisma da
Acústica, que é a parte da Física que estuda os sons em geral; c) Fonética auditiva, estuda-se
como os sons da fala são tratados pelo aparelho auditivo e como são decodificados e
compreendidos pelo cérebro humano. Iremos focar na fonética articulatória por ser a abordagem
Uma boa dicção não deve comprometer a qualidade da voz, mas é o resultado da
liberdade do instrumento vocal. Resulta do equilíbrio de certos fatores tais como vogais
distinguíveis, consoantes iniciais e finais claras, articulação firme, porém flexível, e músculos
baseiam em uma forma apropriada do ressonador (trato vocal) e abrange o fluxo do texto e a
texto: (1) a competição sonora entre vogais (som propriamente dito) e consoantes (ruídos) no
qual o excesso de espaço oral e faríngeo perturbam os formantes que fazem com que as vogais
sejam identificadas pelo ouvinte. Rubim aponta que a solução para este problema é evitar-se
escrever canções nos registros agudos (mais adequados para óperas) e pensar no canto em
33
Do Latim “dictione” maneira de dizer;expressão;vocábulo (CARVALHO,1972)
82
português com uma aproximação maior da fala, com espaços reduzidos, e associar a isto uma
“Eu procuro escrever de uma maneira que o cantor se sinta confortável para dizer
a palavra. Há certas sílabas que são difíceis de entender na região aguda. E
obviamente quando eu trabalho com orquestra e mesmo canto e piano, eu tenho
que dar espaço pra voz. Não posso permitir que o instrumento cubra, que a
orquestra cubra a voz.” (TACUCHIAN, 2007)
Este cuidado precisa ser levado com afinco nos cursos de composição para que as obras
3.1.8 Pronúncia
No uso da pronúncia dentro dos padrões eruditos, segundo o compositor Tacuchian, sua
principal preocupação ao compor a canção é que seja bem compreendida. Ele aponta: “Temos
algumas preocupações essenciais como a voz muito “entubada” com a qual não poderemos
Para descrever a pronúncia34 do poema Cantiga decidiu-se pelo uso do IPA por três
razões: (1) registrar sonoramente a pronúncia das palavras usando este alfabeto aceito por grande
parte dos alunos e professores de canto nacional e internacional; (2) permitir que cantores
estrangeiros, por exemplo, tenham acesso à pronúncia do poema, facilitando o seu estudo e
ajudando a divulgar a música brasileira; (3) não deixar margens de dúvidas quanto à pronúncia,
como aconteceu no Congresso Nacional da Voz Cantada de 1937, cujos registros fonêmicos
foram dúbios e inconsistentes. Hoje não se pode falar em fonologia, pronúncia ou dicção sem uso
34
Emissão de vozes da linguagem falada; acto ou modo peculiar de pronunciar (CARVALHO,
1972)
83
Com base na tabela publicada em 2008 na revista OPUS35 referente aos Anais do
Cantiga
kãɪtȓi.gǠ36
Quero me afogar.
ɪkǫ.ȎȚ mja.foɪgaȎ
Rainha do mar.
xaɪi.ȂǠ dȚ ɪ maȎ
35
Link da revista eletrônica Opus 13 - http://www.anppom.com.br/opus/opus13/202/02-Kayama_et_al.htm
36
O símbolo fonético adotado pelo Congresso da ANPPOM para representar o a nasal é um Ǡ
com til ~. Para evitar inconsistências editoriais optamos por escrever o ã convencional utilizado
pela fonte Lucida Sans Unicode, encontrada em todas as versões do Word.
84
A seguir encontra-se uma análise musical com base nos depoimentos dos compositores
Para Tacuchian, o que o atraiu inicialmente ao poema, foi principalmente sua métrica com
rimas e suas figuras de linguagem como a anáfora, por exemplo. Devido a esta repetição de
com a alternância das notas sol-sib, sol-si, e o compasso 3/4, onde, como Tacuchian exemplifica,
ao juntar dois compassos de 3/4 teremos um 6/8 utilizado em uma barcarola. Que reforça a
ondulação do mar.
Para o compositor, o poema Cantiga de Bandeira, inspira nostalgia e fuga do mundo real
para a fantasia. Quando o poeta fala em se afogar tem o sentido de se afastar daquilo tudo,
descansar. E por ser o poema parecido com o estilo do poeta trovadoresco Martin Coda a melodia
O poema foi utilizado de forma completa, linearmente do princípio ao fim. Não houve
repetições ou decapitações
de introdução e apresenta um centro tonal em Sol. Sobre esta descrição Schoenberg acrescenta,
“uma sucessão de acordes pode carecer de função, pode expressar inequivocamente uma
85
A parte A vai do compasso 5 ao compasso 17 com dinâmica em pianíssimo. Na mão
esquerda do piano ocorre alternância de acordes com alterações de (b9) e de (9/11), sem função
harmônica definida, como se fosse um pedal, quase “ostinato”. Na mão direita os acordes se
abrem, trazendo uma dinâmica que sugere mais brilho, até a conclusão do primeiro tema do canto
com os versos 1 e 2 (nas ondas da praia, nas ondas do mar). Nos versos 3 e 4 (quero ser feliz,
quero me afogar) o compositor repete a forma, porém dá um salto descendente de 7ª maior (lá-
sib), o que intensifica a palavra afogar, realçando sua semântica. Este é um efeito de cor (“color
tone”) que pode ser usado pelo intérprete, pois, neste salto, tem a opção de usar mais mistura de
“voz de peito” com ressonância baixa ou trazer um pouco de “cobertura”, fazendo com que a nota
O termo “voz de peito” se refere às ressonâncias que vibram na região do externo como
resultado de uma coaptação mais intensa das pregas vocais e aumento de pressão na região dos
fisiológicos que envolvem adaptações posturais realizadas pelo véu palatino durante a emissão
das diferentes vogais. O uso da “cobertura” propicia uma emissão fácil e fluida com brilho e
igualdade na voz, mantendo a potência do som. É necessário que haja um aumento da pressão
aérea causada pela ação dos músculos abdominais, de abertura das costelas por ação,
ressonância nos seios da face, como forma de não se produzir uma emissão conhecida como
A parte B, do compasso 18 ao 29, inicia com dinâmica forte reafirmando o sib, que
terminou a sessão anterior na melodia do canto, agora uma oitava acima, criando uma oposição à
primeira (A) e terceira parte (A’). Neste momento o contraste já é percebido no poema, na
86
pergunta: Quem vem me beijar? Quero a estrela d’alva, Rainha do mar. O seu desejo não está
mais em se afogar, existe uma fantasia do ideal feminino. No piano, os tons inteiros da escala
pantonal, como acordes errantes37, aparecem com o baixo descendente e com as sucessivas 4as
aumentadas (trítonos).
que está agora no piano. Iniciando A’, a melodia do canto se repete como no início. Os versos 1 e
2 (Quero ser feliz/Nas ondas do mar) e 3 e 4 (Quero esquecer tudo/Quero descansar). Porém, a
palavra “descansar” repousa na nota ré♭, sendo mantida até o final com a afirmação do piano em
Os parâmetros analíticos propostos por Jean LaRue relativos ao som baseiam-se nas
observações da dinâmica, da textura e do timbre. (LaRue apud Dutra, 2001) que serão discutidos
a seguir.
canto. Ao analisarmos a partitura verificamos que a canção tem textura homofônica e timbre mais
densa na seção B, devido ao aumento de massa sonora como acordes em oitavas e trítonos.
37
Acordes errantes não tem uma definição tonal.(TACUCHIAN, 2007)
87
Moderato.
Introdução (1 – 4)
V1. V2.
Nas ondas da praia Nas ondas do mar (5 – 10)
pp
A
V3 V4
Quero ser feliz Quero me afogar (12 – 17)
V1 V2
f diminuendo ............................................
B
V3 V4
V1 V2
V3 V4
A’
Quero esquecer tudo quero descansar (47 – 54)
pp
Sumindo
88
3.3 A Canção Cantiga I (1950 revisada em 1974) de Osvaldo Lacerda
Em entrevista concedida para esta autora, Lacerda, falou a respeito dos três importantes
ítens que ele utiliza como compositor: a) A motivação: o impulso que o faz musicar esta ou
aquela peça – pode ser uma leitura de um poema, um ritmo brasileiro que o chama atenção ou, no
seu caso específico, muitas vezes sua motivação inicial vem através da idéia de um fragmento
musical; b) A inspiração: aquele caminho escolhido para compor; c) A técnica: esta tem que estar
a serviço do compositor. Lacerda aponta que se deve conhecer bem todas as técnicas
sua criação. A técnica, segundo Lacerda, ajuda a manter a unidade de composição da peça do
início ao fim.
Quando lhe perguntamos porque ele musicou tantos poemas para canto e piano, e para
coro, com textos de Manuel Bandeira, pois queríamos saber o que lhe chamava atenção nestes
“(...) Conheci pessoalmente Manuel Bandeira perto do ano em que faleceu (1968).
É o meu poeta preferido, suas poesias já inspiram canção. Gosto muito do
Poemeto Erótico onde a sua sutileza em falar do desejo para com uma mulher se
estabelece na redondilha, ou seja, no verso da poesia.”
Lacerda compôs duas canções para o poema Cantiga, a primeira em 1950 com revisão em
1974 e a segunda em 1964. Segundo Mariz (2002), estão muito bem escritas, apesar do
compositor não ter ficado completamente satisfeito com o resultado da primeira cantiga, por isso,
talvez, tenha feito uma revisão em 1974. Contudo, dez anos antes, em 1964, tentou criar outra
canção com este mesmo poema, que no entender do crítico não apresentou maior avanço técnico
Faremos uma análise da Cantiga I, por ter sido mais executada pelos intérpretes atuais.
89
A canção tem 44 compassos sendo os quatro primeiros a introdução. O motivo rítmico-
melódico da canção parece ter sido a inspiração inicial da composição, como o próprio Lacerda
admitiu.
Esta canção tem uma forma tradicional AABA’ mais uma codeta, onde o compositor
dilata a poesia. A primeira e a segunda quadras são aproveitadas na 1ª parte da música (A). A
terceira quadra introduz a 2ª parte da música (B). No retorno (A’), a primeira parte da música é
repetida com a 1ª e a 2ª quadra da poesia. A codeta segue finalizando com o 2º e 4º versos (Nas
A parte A segue do compasso 5 e vai até o 13, no ritornello completa esta parte do
compasso 14 até o 21, onde inicia, na casa 2, a parte B, que vai do compasso 22 até o 30.
Voltamos a ver o primeiro tema apresentado iniciando A’, que vai de 31 até 39. De 40 a 44
apresenta-se a codeta.
O caráter da música, pela sugestão do autor, é sem pressa metrônomo com a mínima = 56.
É uma canção com características modais menor, modo Dó dórico, tem caráter modal. Na
parte A, encontra-se o modo eólio em Dó, flertando com o modo Fá dórico. Os encadeamentos
gira em torno do relativo maior, Mi♭, III grau, sendo que também é utilizado o seu homônimo
menor de empréstimo nos compassos: 17 (lá♭ menor IV grau menor), 19 (si♭ menor V grau) e
21 (ré♭ VII♭ grau) e , os encadeamentos são: I - V (com 5 aumentada e sétima) - I (mi♭ com
sétima maior) – I - IVm – I – Vm – I – VIIb – I do tom relativo ou, III de Dó menor (tom inicial)
que com Sol menor do compasso 23 faria uma modulação com este acorde que pode ser chamado
90
de pivô V - I (volta a Tônica Dó menor) . A’ com a codeta está encadeado da seguinte forma: I
diminuendos. Sua textura é homofônica. Nesta canção, principalmente, o movimento das ondas é
sentido nesta dinâmica, sendo que o único compasso em que a escrita está f é no compasso 41.
interiorização, na palavra mar apoiado em um acorde de Fá maior (IV grau da tônica menor).
Sem pressa
V1 V2
Nas ondas da praia Nas ondas do mar (5 – 7)
V3 V4
Quero ser feliz Quero me afogar (7 – 9)
mp
A
V1 V2
Nas ondas da praia Nas ondas do mar (9 – 11)
V3 V4
Quero ser feliz Quero me afogar (11 – 13)
91
V1 V2
V3 V4
A
V1 V2
V3 V4
V1 V2 mp
V3 V4
B
V1 V2
92
V3 V4
V1. V2.
A’
Nas ondas da praia Nas ondas do mar (31-33)
V3 V4
Quero ser feliz Quero me afogar (33-35)
V1 V2
V3 V4
93
Quadro 3.2 Parâmetros literários e musicais
Canção para canto e piano Ricardo Tacuchian Osvaldo Lacerda
Título da canção Cantiga Cantiga
Ano da composição 1964 1950 (revisada em 1974)
Parâmetros literários
Autor do poema Manuel Bandeira Manuel Bandeira
Temática do poema eu-poético está diante do mar, nas ondas da praia, confessando sua angústia
Parâmetros musicais
Padrões No piano: mínima e semínima na mão No piano: semínima pontuada, colcheia, duas
rítmicos esquerda e no segundo tempo da mão direita semínimas
acorde de mínima no segundo tempo No canto: colcheia, semínima, colcheia
No canto: semínima alternado com mínima
Melodia Extensão Sib 2 a Ré 4 Dó 3 a Fá 4
As duas canções escolhidas para este trabalho, são para canto e piano e muito
contrastantes e por essa razão merecem atenção especial no que se refere às diferenças no
Tacuchian optou por utilizar o poema inteiro sem modificá-lo, isto nos dá o sentido
completo do poema. Lacerda, dilatou repetindo a primeira quadra inteira e depois com a
mesma melodia repete a 2ª quadra inteira. Na parte B, criou melodia para a 3ª quadra, da
mesma forma, repetindo-a. Finalizou com a reafirmação do lugar (nas ondas do mar) e a
3.4.2 Melodia
transitar pela melodia sem que a prosódia seja afetada, mas nos compassos 7 e 8, a tessitura
aguda perturba a inteligibilidade do texto. Isto se deve à competição sonora entre as vogais e
as consoantes. Quanto mais agudo um som, maior a projeção da vogal, maior a estridência
vocal, que compete com as consoantes que são produzidas em freqüências altas próximas às
Porém, esta canção parece remeter-nos a uma prosódia de música francesa, devido ao
emprego do acento silábico atenuado. Segundo Thomas Grubb (1979), a acentuação tônica -
“stress” – ou, a ênfase dada a algumas sílabas mais que outras, pode afetar a qualidade sonora.
Na canção francesa, não existe acento tônico comparado com as outras línguas, podemos
situar a canção de Lacerda neste universo onde, por exemplo, a alteração de acentuação da
95
palavra Quero no salto de 4ª nas notas sol3 – dó4 do compasso 7, pode apresentar problemas
para sua emissão. Contudo, se pensarmos nesta técnica de atenuar a sílaba tônica, poderemos
conseguir um efeito, uma equalização que seja semelhante ao utilizado para entoar as canções
francesas.
Por outro lado, quando a autora deste trabalho teve a oportunidade de cantar a Cantiga
de Lacerda, para o primeiro intérprete desta canção, o cantor Eládio Perez Gonzalez, uma das
colocações feita por Eládio, foi para termos atenção para a este momento de dificuldade
apresentada na palavra dissílaba Quero, que sendo paroxítona, traz realmente uma tendência à
ininteligibilidade, devido ao seu desvio de prosódia, visto que, a sílaba tônica Que, e o ritmo
da melodia (colcheia) leva o intérprete a acentuar a sílaba átona ro. Veja o exemplo:
recriar uma acentuação que respeitasse a tonicidade das palavras. Thurmond menciona em seu
livro sobre a importância da Arsis, onde a primeira nota do compasso deve ser considerada tão
importante quanto a thesis devendo ser dada a ela mais acento. E continua, sugerindo que
38
James M. Thurmond (1909-1998). Professor de música da Navy School of Music em
Washington que criou método baseado no conceito arsis-thesis (valorizando as anacruses),
abrangendo temas como o ritmo.
39
sobre as barras de compasso.
96
Esta possibilidade pode amenizar o problema de prosódia desta canção e de outras
não ultrapassa a nota mi bemol 4 no decorrer da música, pois, se tivesse que emitir a nota mi 4
(natural) repetidas vezes, estaria em uma das passagens de mezzos ou barítonos, talvez
dificultando sua emissão. A nota mais aguda se dá apenas na nota fá 4 no final da canção,
atingida por um salto de sétima maior, que denota um caráter de finalização para a canção.
40
41
Lacerda explora mais os intervalos de 3ª e 5ª, passeando pelos arpejos das escalas.
Tacuchian mantém a canção na faixa central da voz, sugerindo uma voz falada, o que ajuda a
manter a inteligibilidade, com exceção do compasso 16, que escreve um salto de 7ª maior
descendente. Sugerimos que se acentue a nota com voz de peito “coberta”, para não pesar este
Os padrões melódicos das canções são bem divergentes. Lacerda dilui a melodia do
movimento diatônico.
97
3.4.3 Ritmo
Os padrões rítmicos das canções são bem diferentes entre si. Lacerda utiliza
unicamente dois acordes de tétrade que se localizam na codeta nos compassos 40 e 41 (ver
exemplo 3.2. Com isso, ele afirma, o que julga ser a frase mais importante e conclusiva do
trítonos na mão direita e oitavas na mão esquerda. E a melodia do canto, move a linha da
poesia de forma que a acentuação cai em lugares que correspondem à métrica da poesia.
98
Exemplo 3.4. Cantiga compassos 24 à 29
3.4.4 Dinâmica
Tacuchian (ex 3.5 b) fazem uso dos crescendos no membro de frase “quero ser feliz” e
diminuendos no membro de frase “quero me afogar”. Podemos supor que esta dinâmica
parece ser inspirada na reprodução das ondas do mar. No caso de Lacerda, esta dinâmica é
99
Exemplo 3.6 Cantiga de Tacuchian compassos 12, 13, 14, 15
formando uma frase afirmativa, contendo dois incisos cada, o que nos remete à explicação do
próprio compositor quanto à possibilidade de comparar o compasso 3/4 desta canção a uma
barcarola em 6/8, já que estes dois membros de frase Nas ondas da praia, nas ondas do mar,
concluem os versos 1 e 2, induzindo um movimento cíclico pois a Arsis estaria em Nas ondas
da e a Tesis na sílaba praia, continuando nas ondas do, Arsis e, Thesis na palavra mar.
100
Exemplo 3.8 Cantiga de Lacerda: inciso
Este evento pode, também, propiciar a sensação cíclica que esta canção produz. O
piano (ex. 3.9) reafirma em vários momentos quando a anacruse é sincopada na mão direita
Thesis Arsis
3.4.5 Textura
Outra questão que deve ser apresentada neste trabalho é a textura do acompanhamento.
Os pianos de cauda modernos apresentam cada vez mais projeção e brilho, por se tratarem de
pianos de concertos. Os grandes teatros e as grandes orquestras exigem tal tipo de piano.
Entretanto para o cantor, o ideal é um piano com uma sonoridade mais suave, o que nem
sempre está disponível nas salas de concerto. Por esta razão, uma textura muito densa poderá
101
acompanhamento. Se o compositor não se preocupa com este fato, sua criação será
inadequada para o canto. No caso de Lacerda, observamos que pelo fato do acompanhamento
ser caracterizado pelo arpejo, o que dilui a força sonora, a textura do piano não produz
competição com a voz. Já no caso do Tacuchian, observamos que, nos compassos 6, 7, 12, 13
e 14 , o piano e a voz têm marcações de dinâmica idênticas. Nossa sugestão é que, nestes
casos, o pianista acompanhador procure amenizar o impacto sonoro dos acordes sendo
executados em pp (pianíssimo), pois com alguns decibéis a menos, a voz não ficará
entre feliz e afogar com o movimento melódico entre feliz (mantendo a nota mi3) e afogar (no
salto de sétima maior descendente). Lacerda não enfatizou, mas conclui com uma cadência
plagal, sobre a palavra afogar. Quanto à apóstrofe, Tacuchian conduz a melodia para um salto
ascendente de quinta, promovendo mais brilho na conclusão com a palavra mar. Lacerda não a
poema, podemos observar que a forma popular e trovadoresca da métrica, o tema escolhido
pelo poeta, a forma como conduz as palavras e seu ritmo interno, a “carioquice”, inspiram
compositores a fazer uso de técnicas composicionais distintas. como foi dito pelo Fernando
Sabino em Livro aberto pela Editora Record – Rio de Janeiro, 2001: "CARIOCA, como se
sabe, é um estado de espírito: o de alguém que, tendo nascido em qualquer parte do Brasil (ou
102
CONCLUSÃO
Manuel Bandeira (1990) forneceu dados importantes para o capítulo I sobre a questão poesia-
poesia de Bandeira. Em Mário de Andrade, no livro Ensaio sobre a Música Brasileira (2006a)
panorama da canção de câmara brasileira desde Carlos Gomes até Gilberto Mendes, com
Bandeira (UNICAMP, 2003) parecia estar mais próxima do nosso foco, mas o autor analisou
a musicalidade de apenas três poemas que não foram musicados. O trabalho da professora
Querra Peixe e Ernst Widmer sobre um poema de Carlos Drummond de Andrade) (UFRJ,
mestrado de Luciana Monteiro de Castro Silva – Crepúsculo de outono op. 25 n. 2 para canto
(UFMG, 2001) – forneceu subsídios valiosos para este trabalho no que se refere à análise
por fim, foram encontradas 141 canções, das quais colecionamos 84 partituras em uma
antologia. Constatou-se a dificuldade na obtenção das partituras, tanto para compra quanto
para fotocópia, o que impediu que colecionássemos o total listado no catálogo do Anexo II.
103
Algumas de Helza Cameu e Radamés Gnatalli, por exemplo, não chegaram a ser editadas.
na verdade, de grande inspiração. Seu legado é o resultado de sua história, de sua trajetória e
Possivelmente, seu agrado com a música e sua vontade de tocar um instrumento, como o
vemos em fotos com um violão, mostram indícios de sua musicalidade, justificada com mais
detalhes em sua biografia apresentada no primeiro capítulo deste trabalho. Sua inspiração
influenciou tanto os compositores brasileiros que, segundo Mariz (2006), Bandeira foi o poeta
mais musicado dentre 60 compositores modernos e eruditos, em um levantamento feito por ele
em 1997.
Para achar o poema mais musicado procedeu-se à confecção de um catálogo com 141
canções. Com base neste catálogo, foi feita uma estatística dos poemas mais musicados dentre
musicaram Bandeira. O poema Cantiga foi musicado 9 vezes pelos seguintes compositores:
atualmente e por terem disponibilidade para dar entrevistas. Das entrevistas ressaltamos ao
poemas por causa de (1) sua temática, aproveitando-se da vasta gama de temas de Bandeira
sobre o amor, as perdas e o cotidiano, (2) seu ritmo, ou métrica do poema, reforçado pelas
figuras de linguagem, que acabam influenciando as escolhas dos compositores para adequação
à sua linguagem composicional. Por exemplo, Crepúsculo de Outono, por ser um poema
parnasiano, sugere uma composição mais clássica, em contraste com Andorinha, que por ser
104
em verso livre pode sugerir o use de uma linguagem musical mais contemporânea. (3) E
conteúdo e a forma de dizer sem dizer totalmente, tornam suas palavras fonte instigante para a
criação de melodias e ritmos musicais. Os teóricos acrescentaram que o poema Cantiga, por
ser de versos curtos e não muito extenso (CEIA, 2005), por ser uma barcarola e com um ideal
platônico (MARTINS, 2004), pelo efeito sonoro que as palavras produzem, por sua métrica
Claro que, como Manuel Bandeira mesmo disse: “Os músicos é que poderão explicar a
preferência, sendo muito provável que os motivos não sejam os mesmos para
todos”.(BANDEIRA, 1984, p.78-79) Porém, como ele lidera com muita vantagem o “ranking”
dos poetas mais musicáveis, os fatores descritos acima o tornam praticamente o ícone dos
poetas musicáveis.
timbre, melodia, ritmo, dinâmica e textura e relação poesia-música. As entrevistas com os dois
compositores forneceram a matéria prima para esta análise, uma vez que ofereceram
musicais encontrados nas duas canções são apresentados no capítulo III (Quadro 3.2).
A poesia de Manuel Bandeira, escolhida por diversos compositores desde 1926 (data
da primeira canção por Villa-Lobos), até os dias atuais, tem “uma musicalidade subtendida”.
Como Marques (2003) escreveu em sua dissertação, “a noção de musicalidade do poeta não se
fecha nela mesma, conecta-se com outras inquietações”. Ao analisar sua obra literária e ao
concluirmos o catálogo das partituras, nos deparamos com uma enorme gama de estilos e
105
técnicas diferentes de composição. É notório observar como um poeta com sua vasta obra
Sua poesia agrada as diversas idades, aos compositores, alunos de canto e profissionais
da área de música e literatura. Esta pesquisa serviu de estímulo para o jovem aluno de
composição da UNIRIO, Luciano Leite Barbosa, que compôs uma canção para mezzo e piano,
dedicada à autora desta dissertação, e incluída no catálogo que se encontra no Anexo III.
Por fim, foram constatadas várias lacunas que originaram as seguintes sugestões de
pesquisa: (1) a continuação do estudo das outras oito canções existentes com o poema
Cantiga; (2) o aprofundamento do estudo sobre canções com poemas de Manuel Bandeira,
tendo como referência o catálogo e a antologia elaborados para este trabalho; (3) um estudo
relação com a região da fala; e (4) que mais trabalhos sejam elaborados explorando-se outros
poetas e compositores brasileiros para que se crie uma musicologia útil à performance, rica de
autora deste trabalho. Por fim, nos anexos encontra-se um material complementar de caráter
informativo que inclui fotos, partituras, entrevistas, quadros estatísticos dos compositores e
poemas.
106
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Entrevistas e aulas
Partituras
DEBUSSY, Claude “Prelúdio XVIII” La Fille aux Cheveux de Lin. Wien:Urtex Editon,
1985. 1 partitura (p.1) Canto e Piano.
109
TACUCHIAN, Ricardo. Cantiga. 1 partitura. Canto e piano.
VILLA-LOBOS, Heitor. Novelozinho de Linha. Rio de Janeiro. 1920. 1 partitura (p.1). Canto
e Piano.
Discos e CDs
ADRIANA ALMEIDA. Canções Brasileiras. Porto Alegre: APAC, 2003. 1 CD (ca. 47’33
min). ADA 016-04.
ALMEIDA PRADO. O Som de Almeida Prado. Rio de Janeiro: PPGM/UNIRIO, 1999. 2 CDs
(ca.100 min). Série Interpretação e Música Brasileira, 1. SIMB - 1.
ANNETE CELINE. Cantigas. São Paulo: BRANA RECORDS 1 CD (ca. 55’38 min).BR
0003.
LAURO MOREIRA. Manuel Bandeira: O Poeta em Botafogo. São Paulo. Produção: Luiz
Chaffin, 2005. 1 CD (ca. 70’34 min). LMB001.
MARIA LUCIA GODOY. Maria Lucia Godoy Canta Manuel Bandeira. Rio de Janeiro:
Programa Arte sem Barreiras/ FUNARTE, 2003. 1 CD (ca. 29’43 min). PASBCDMLG001.
PAULO GILL & MARIA FERNANDA. A Poesia de Manuel Bandeira e Mário Quintana.
Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).1 CD (ca. 66 min).
VICTORIA KERBAUY. Victoria Kerbauy Canta Almeida Prado. Produção Gilberto Matté. 1
CD (ca.72’50 min). MS43-0700.
Sites da Internet
ALBIM, Cravo. “Embolada”. In: Dicionário Cravo Albim da Música Popular Brasileira.
Home: <http://www.dicionariompb.com.br>
110
Home: <http://www.academia.org.br>
BARBOSA, Virginia. “Manuel Bandeira 120 anos de nascimento”. In: Fundação Joaquim
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Home: <http://www.fundaj.gov.br/geral/pesquisa%20escolar/manuel%20bandeira.pdf >
BARRENECHEA, Lucia & OLIVEIRA, Gisele. “Quatro Líricas de Francisco Mignone com
poesia de Manuel Bandeira. Análise das Canções com enfoque pianístico”. In: ANPPOM
Anais
Home: <http://www.anppom.com.br/anais>
111
Dissertações
ALMEIDA, Sonia Walker de. Considerações estilísticas sobre a obra poética de Manuel
Bandeira. Fonologia, sintaxe e vocabulário. Dissertação (Língua Portuguesa) – Universidade
Federal Fluminense, Rio de Janeiro,1990.
DUTRA, Luciana Monteiro de Castro Silva. Crepúsculo de outono op. 25 n. 2 para canto e
piano de Helza Camêu aspectos analíticos, interpretativos e biografia da compositora.
Dissertação (Performance Musical) – Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais,
2001.
RUBIM, Mirna. Pedagogia Vocal no Brasil: Uma Abordagem Emancipatória para o Ensino-
Aprendizagem do Canto. Dissertação (Performance Musical) – Universidade do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2000.
Dicionários
MOISÉS, Massand. Pequeno Dicionário de Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1967.
p. 59.
Enciclopédia de música brasileira, popular, erudita e folclórica. São Paulo: Art Editora,
1998.
112
ANEXOS
COMPOSITOR POEMA N° DE
POEMAS
Alimonda, Heitor Cantiga, A Estrela 2
Barbosa, Luciano Poema encontrado por Thiago de Mello no Itinerário de Pasárgada 1
Leite
Brandão, J.Vieira Coração Incerto, Paráfrase de Ronsard, Haicai 3
Cameu, Helza Imagem , Suíte Líricas - Op.25 (1-Desencanto,2-Crepúsculo de outono I 10
e II ,3-Madrugada,4-Madrigal,5-A estrela,6-Dentro da noite,7-
Confidência,8-Ao crepúsculo)
Capiba Arte de Amar, Cotovia, Desafio, D. Janaína, Trem de Ferro, Ingênuo 9
Enleio, Poema de uma quarta-feira de cinzas em ritmo de marcha
rancho, Alumbramento, Tu que me deste o teu cuidado
Cavalcanti, Nestor de Confissão 1
Hollanda
Costa, Lino Valsa Romântica 1
Farinello, Orestes Canto de Natal 1
Fernandes Nêmia Trem de ferro, Madrigal 2
Fernandez, Lorenzo Canção do Mar 1
Fonseca, Carlos A Estrela 1
Alberto
Gnatalli, Radamés Modinha, Azulão, Letra para uma Valsa Romântica n° 1, Letra para 11
uma Valsa Romântica n° 2, 6 canções com tema de Manuel Bandeira
(1.Dona Janaína, 2.Canto de Natal, 3.Temas e Voltas, 4.Cantiga,
5.Canção,
6. Acalanto para John Talbot), Crepúsculo de outono
Guarnieri, Camargo Vai, Azulão, O Impossível Carinho, Oração a Terezinha do menino 9
Jesus, Pousa a mão na minha testa, Pai Zuzé, Cabedelo, És na minha
vida, Desafio, Crepúsculo de outono
Hartmann, Ernesto Três Ponteios de Manuel Bandeira 1
Frederico
Kiefer, Bruno O Menino Doente 1
113
Marias), Cântico do Colégio Santo André
114
II - Quadro estatístico das 141 canções em ordem alfabética por canção
115
Cantiga (Quatro Líricas) 5. Mignone, Francisco 1938 Aguda BN
Cantiga I40 6. Lacerda, Osvaldo 1950 Média CM
Cantiga II 7. Lacerda, Osvaldo 1964 Aguda CM
Cantiga 8. Setti, Kilza 1960 CA
Cantiga (Cinco Canções) 9. Mahle, Ernst 1961 Média BN
Canto de Natal 1. Farinello, Orestes Média BN
Canto de Natal (6 canções) 2. Gnatalli, Radamés NE
Confidência Cameu, Helza 1943 UFMG
Confissão Cavalcanti, Nestor de Hollanda 1992 NE
Coração Incerto Brandão, J.Viera 1957 Média BN
Cotovia Capiba 1955 Média BN
Crepúsculo de outono I op 25 1.Cameu, Helza 1943 Média BN
Crepúsculo de outono II op 25 2.Cameu, Helza 1943 Média BN
Crepúsculo de outono 3. Guarnieri, Camargo NE
Crepúsculo de outono 4. Gnatalli, Radamés NE
Debussy Siqueira, José Aguda BN
Debussy (intitulada Novelozinho de Lobos, Villa 1920 Aguda MVL
linha)
Dentro da noite 1. Cameu, Helza 1943 BN
Dentro da noite (Quatro Líricas) 2. Mignone, Francisco 1938 Aguda BN
Desafio (Quatro Líricas) 1. Mignone, Francisco 1942 Média BN
Desafio 2. Krieger, Edino Média BN
Desafio 3. Capiba Média BN
Desafio 4. Guarnieri, Camargo BN
Desencanto 1. Cameu, Helza 1943 Aguda BN
Desencanto 2. Vianna, Frutuoso BN
Dona Janaína (Quatro Líricas) 1. Mignone, Francisco 1938 Aguda BN
Dona Janaína 2. Capiba Média BN
Dona Janaína (6 canções) 3. Gnatalli, Radamés BN
D. Janaína 4. Mahle, Ernst 1997 Média BN
D. Janaína 5. Guarnieiri Camargo NE
E que eu adoro em ti Seixas, Guilherme B. 2003 Média CA
Embolada para brigadeiro Mignone, Francisco 1945 Aguda BN
És na minha vida Guarnieri, Camargo 1974 BN
Felicidade 1. Seixas, Guilherme B. 1999 Média CA
Felicidade 2. Lacerda, Osvaldo 1951 Média CM
Garoto Nunes, João NE
Haicai Brandão, José Vieira NE
Hino 4° centenário da cidade do Rio Mignone, Francisco BN
de Janeiro
40
Osvaldo Lacerda musicou duas vezes o mesmo poema, sendo Cantiga I para voz média e Cantiga II para voz
aguda
116
Hino da Rádio MEC Mignone, Francisco 1961 Média BN
Irerê meu passarinho – Bachianas 5 Lobos, Villa Aguda MVL
Segundo Movimento - Dança
(Martelo)
Imagem Mignone, Francisco 1943 Aguda BN
Imagem Cameu, Helza 1945 BN
Ingenuo Enleio Capiba 1956 Média BN
Irene do céu 2. Siqueira, José 1947 Aguda BN
Lenda Brasileira (Cinco Canções) Mahle, Ernst 1961 NE
Letra para uma Valsa Romântica n° Gnatalli, Radamés BN
1 e n° 2
Macumba de Pai Zuzé 1. Siqueira, José 1951 Aguda BN
Macumba de Pai Zuzé (Intitulada 2. Guarnieri, Camargo CCBB
pai Zuzé)
Madrigal 1. Cameu, Helza 1945 BN
Madrigal 2. Fernandes Nêmia Média BN
Madrigal 3. Leanza, Guilherme BN
Madrigal 4. Seixas, Guilherme B. 2004 Média CA
Madrigal 5. Tupynambá, Marcelo Média BN
Madrigal 6. Siqueira, José 1958 Aguda BN
Madrigal 7. Vianna, Frutuoso BN
Madrugada Cameu, Helza 1943 BN
Mandaste a sombra de um beijo 1.Lacerda, Osvaldo 1962 Aguda CM
Mandaste a sombra de um beijo 2. Gnatalli, Radamés 1937 Aguda BN
(intitulada Modinha)
Marchinha das Três Marias Lobos, Villa MVL
Modinha Lobos, Villa 1926 Aguda BN
Modinha Ovalle, Jaime Média BN
Mozart no céu Lacerda, Osvaldo 1991 Aguda CM
Na rua do sabão Siqueira, José Aguda BN
O anjo da guarda 1. Mignone, Francisco 1942 Aguda BN
O anjo da guarda 2. Lobos, Villa 1926 Aguda BN
O Brasil Tavares, Heckel BN
O impossível carinho 1. Guarnieri, C amargo 1930 Aguda BN
O impossível carinho 2. Mignone, Francisco BN
O impossível carinho 3. Siqueira, José 1948 Aguda BN
O menino doente 1. Lacerda, Osvaldo 1949 Média CM
O menino doente (Quatro Líricas) 2. Mignone, Francisco 1938 Aguda BN
O menino doente 3.Kiefer, Bruno BN
O menino doente 4. Pádua, Newton Meneses UFMG
O menino doente 5. Mahle, Ernst 1961 BN
Oração a Terezinha do menino Jesus Guarnieri, Camargo 1930 Aguda BN
Outro improviso Mignone, Francisco 1943 Aguda BN
117
Paráfrase de Ronsard Brandão, J.Viera 1962 BN
Poema tirado de uma notícia de Lacerda, Osvaldo 1964 Aguda CM
jornal
Poema de uma quarta-feira de Capiba 1956 Média BN
cinzas em ritmo de marcha rancho
Poema encontrado por Thiago de Barbosa, Luciano Leite 2008 Media CA
Mello no Itinerário de Pasárgada
Poemeto erótico Lacerda, Osvaldo 1951 CM
Pousa a mão na minha testa (Quatro 1. Mignone, Francisco 1942 Aguda BN
Líricas)
Pousa a mão na minha testa 2. Guarnieri, Camargo 1941 Aguda BN
Profundamente (intitulado Noite de Seixas, Guilherme B. 1999 CA
São João)
Quadrinha Lobos, Villa MVL
Sinos 1. Pádua, Newton de Meneses UFMG
(Os) sinos 2. Mahle, Ernst 1980 BN
Solau do desamado (Quatro Líricas) Mignone, Francisco 1942 Aguda BN
Tema e Variações 1. Nunes, João BN
Tema e Variações (Cinco Canções) 2. Mahle. Ernst 1961 Média NE
Temas e Voltas Gnatalli, Radamés BN
Teu nome (Quatro Poemas) Prado, Almeida 1962 Aguda BN
Trem de ferro 1. Siqueira, José Aguda BN
Trem de ferro 2. Nunes, João 1936 Aguda BN
Trem de ferro 3. Fernandes Nêmia Média BN
Trem de ferro 4. Capiba Média BN
Três Ponteios de Manuel Banderia Hartmann, Ernesto Frederico 2006 UNI RIO
Tu que me deste o teu cuidado Capiba Media BN
Valsa Romântica 1. Costa, Lino BN
Valsa Romântica 2. Lacerda, Osvaldo 1997 Aguda CM
Vou-me embora pra Passágada Peixe, Guerra Média BN
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III - Poemas mais musicados
Cantiga
Nas ondas da praia
Nas ondas do mar
Quero ser feliz
Quero me afogar.
A Estrela
Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.
Madrigal
A luz do sol bate na lua...
Bate na lua, cai no mar...
Do Mara ascende à face tua,
Vem reluzir em teu olhar...
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Trem de Ferro
Café com pão Café com pão Café com pão
Café com pão Café com pão Café com pão
Café com pão Café com pão Oô...
Virge Maria que foi isso maquinis ta?
Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força Muita força Muita for ça Oô...
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
Da ingazeira Debruçada No riacho
Que vontade De cantar! Oô...
Quando me prendero No canaviá
Cada pé de cana Era um oficiá
Menina bonita Do vestido verde
Me dá tua boca Pra matar minha sede
Vou mimbora vou mimbora Não gosto daqui
Nasci no sertão Sou de Ouricuri Oô..
Vou depressa Vou depressa
Vou correndo Vou correndo
Vou na toda Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente...
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O menino doente
O menino dorme.
Para que o menino
Durma sossegado,
Sentada ao seu lado
A mãezinha canta:
— "Dodói, vai-te embora!
"Deixa o meu filhinho,
"Dorme . . . dorme . . . meu . . ."
Morta de fadiga,
Ela adormeceu.
Então, no ombro dela,
Um vulto de santa,
Na mesma cantiga,
Na mesma voz dela,
Se debruça e canta:
— "Dorme, meu amor.
"Dorme, meu benzinho . . . "
E o menino dorme.
Dona Janaína
D. Janaína
Sereia do Mar
D. Janaína
De maiô encarnado
D. Janaína
Vai se banhar.
D. Janaína
Princesa do mar
D. Janaína
Tem muitos amores
É o rei do Congo
É o rei de Aloanda
É o sultão –dos-matos
É S. Saravá!
Sarava saravá
D. Janaína
Rainha do mar!
D. Janaína
Princesa do mar
Daí-me licença
Pra eu também brincar
No vosso reinado.
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Desafio
Não sou barqueiro de vela,
Mas sou um bom remador:
No lago de São Lourenço
Dei prova de meu valor!
Remando contra corrente,
Ligeiro como a favor,
Contra a neblina enganosa,
Contra o vento zumbidor!
Sou nortista destemido,
Não gaúcho roncador:
No lago de São Lourenço
Dei prova de meu valor!
Uma coisa só faltava
No meu barco remador:
Ver assentado na popa
O vulto do meu amor ...
Mas isso era bom demais
- Sorriso claro dos anjos,
Graça de Nosso Senhor!
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IV - Partitura das canções:
Cantiga de Tacuchian
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Cantiga de Lacerda
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V - Fotos pessoais de Manuel Bandeira
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VI - Entrevistas
Tacuchian
TACUCHIAN
- Eu trabalho muito com Manuel Bandeira na minha classe de composição por causa da
musicalidade intrínseca da poesia de Manuel Bandeira e porque de certa maneira, a música
emerge da poesia e é mais fácil para quem está começando a explorar a voz humana, a
explorar o texto. Porque é outra coisa você fazer música onde você tem o problema do texto
em si e o problema da voz humana.Que é um problema muito especial e é um complicador e o
compositor tem que ter domínio disso
CLARICE
- Você tem alguma preferência quanto à tessitura?
TACUCHIAN
- Pra escrever de um modo geral, não. Agora eu acho que, na minha experiência, na língua
portuguesa, o mezzo ou barítono é muito mais .... Tanto que eu tenho muita coisa pra voz
média e pouquíssima pra voz aguda. E geralmente quando tem pra voz aguda é por
encomenda, quando por iniciativa minha eu trabalho pra voz média.
CLARICE
- È mais próximo da voz falada?
TACUCHIAN
- exatamente. É engraçado, ontem eu tava ouvindo uma gravação de música brasileira que foi
gravada em LP, foi gravada talvez há uns 50 anos atrás e um amigo meu copiou e me deu num
cd. Eu tava ouvindo, e não se entende nada da soprano e, aí, eu me lembrei que na minha
juventude era a maior queixa nossa, que a gente não entende o que os cantores tão cantando.
Essa mentalidade tá mudando agora. Era até uma voz linda, mas a impostação da voz que a
gente não entendia nada que o cantor cantava.
Agora, existem duas linhas estéticas de composição para canto que é a seguinte.Tem
compositores que quando usam o texto tem uma forte preocupação semântica e há outros tem
uma forte preocupação fonética. São dois diferentes. É claro que uma coisa não exclui a outra.
Eu, por exemplo, sou muito semântico, mas isso não quer dizer que eu não vá explorar os
aspectos musicais da palavra.
CLARICE
- É isso que você sente na música brasileira na musicalidade da letra?
TACUCHIAN
- Exato. Usa todo aquele jogo de palavras com as mesmas sílabas. Eu me lembro de uma
poesia que ele fala Capiberibe, Capibaribe. Ora, eu interpretei isso com cromatismo, porque o
rio tem os dois nomes, tem pessoas que chamam de Capiberibe e outras de Capibaribe. A
mameluca é uma maluca saiu sozinha da maloca. O boto bate bite, bite, bite, bite.
Eu me lembro que uma poesia que eu musiquei. Então esses são aspectos fonéticos que
obviamente eu aproveitei na música. Mas no Manuel Bandeira a minha preferência está pelo
fato do ritmo. A musicalidade dele é principalmente no ritmo. Isso facilita muito um
compositor jovem que está entrando neste universo. Carlos Drumond de Andrade já não tão
129
regular. Mas, à medida que o compositor vai ficando mais maduro, treinando mais, ele até
prefere porque dá mais uma liberdade.
Clarice
- O que você tinha me comentado é sobre a carioquice de Manuel Bandeira.
TACUCHIAN
- É. Eu sempre digo de brincadeira que Manuel Bandeira apesar de ser Pernambucano é o
mais carioca dos poetas. É muito carioca a poesia dele.No começo ele tem a produção das
reminiscências da época que ele era menino, mas depois não.
CLARICE
-Você tem lembrança dos estilos, dos livros dele. Há uma preferência?
TACUCHIAN
-Olha. Eu não sou um especialista em literatura, em poesia. Eu sou um consumidor. Então eu
não tenho autoridade pra classificar a obra de Manuel Bandeira. Eu conheço bem porque eu li
muito, já produzi esse disco. E quando eu trabalho com os meus alunos eu não imponho a
poesia eu sugiro, olha pega a cronologia de Manuel Bandeira e cada um escolhe a sua poesia.
CLARICE
- Quando você escuta uma cantor o que você espera ouvir? Que tipo de interpretação? O que é
mais importante no português brasileiro?
TACUCHIAN
- Eu procuro, quando escuto música. Eu procuro escrever se uma maneira que o cantor se sinta
confortável para dizer a palavra. Há certas sílabas que são difíceis de entender na região
aguda. E obviamente quando eu trabalho com orquestra e mesmo canto e piano, eu tenho que
dar espaço pra voz. Não posso permitir que o instrumento cubra, que a orquestra cubra a voz.
Outro dia eu fui ao Teatro Municipal e assisti o Antonio Meneses, um concerto para
violoncelo e orquestra de Dvorjak. Você ouve o violoncelo o tempo inteiro. Ele tem técnica,
sabe fazer a coisa. Outro exemplo é o concerto para violino e orquestra de Tchaikovsky
Violino é um instrumento de 60 cm de tamanho e você ouve o tempo todo. Mas tem uma
razão pra você ouvir. Tem segredos. O compositor cria uma ilusão que a orquestra tá tocando
o tempo todo, mas não está.Quando você capta a música, você não capta um monte de
pedacinhos. Você capta um todo, compreendeu? Então, isso acontece com a voz, você tem
que saber em que regiões ou registro que funciona melhor. É muito importante com um coro,
se você erra a mão uma das vozes.
TACUCHIAN
- Então o compositor cria uma ilusão de que a Orquestra está tocando o tempo todo. Mas não
está. Mas você, quando a gente capta a orquestra, quando você capta a música, você não capta
um monte de pedacinhos, você capta o todo. Entendeu? Então, isso acontece com a orquestra.
Você tem que saber em que regiões determinadas vozes, determinados registros, funcionam in
loco. Isso é muito importante, por exemplo com o Coro. Com o Coro, porque? Você as vezes
está trabalhando com o Coro e você quer que as vozes sejam mais intimistas. Mas você erra a
mão e uma das vozes você joga lá de cima. Ai, de repente, parece que sobra. Porque? Porque
não era aquilo que você queria. Que todas as vozes tomaram (confusão entre as vozes 10:05)
Isso é um compositor que não tem técnica. Quer dizer, que não tem experiência de voz.
Porque? Por que nunca cantou em Coro, essas coisas.
130
TACUCHIAN
- Então, é… eu pessoalmente, eu gosto que a minha música, o texto seja efetivo. E, às vezes,
isso não é totalmente possível. Na Europa, é….eu viajo muito, eu vou muito a
concerto…qualquer concerto em conservatório, com Piano, com Orquestra, têm um texto na
lingual original que tem a tradução na lingual do país em que você está. Pode ser o concerto
mais simplezinho, mais modesto, isso vai gastar mais papel no programa. Você não vê um cd
em que você não tem um texto no encarte, e aqui no Brasil não se usa.
CLARICE
- Não se usa. É uma dificuldade para se fazer isso.
TACUCHIAN
- Porque? Por que se você vai fazer um disco seu, se você é brasileira…é bilíngüe, aí você vai
ter aquela tradução para o inglês da poesia. Bom, você já vai ter a despesa de pagar um
tradutor que tem que ser narrativo, não pode ser….porque poesia é a coisa mais difícil do
mundo. E você vai gastar mais papel, mas tem que ser, não tem saída, porque canção é texto e
música. Então pra mim aquelas duas coisas estão intimamente….agora, eu não posso tratar a
voz como instrumento musical. Aí é outra coisa. E o texto é apenas o pretexto, é apenas o
suporte para eu explorar a voz do ponto dela não usar um simples vocalize, eu parto do
pretexto da voz, então… o entendimento do texto não é…é…
CLARICE
- Não é tão reforçado…
TACUCHIAN
- não é isso….não é necessário. Ele apenas sugere o drama da música, tipo, êxtase de natureza,
sentimental, dramática…
CLARICE
- Como é que você faz? Você lê o texto ou você fala em voz alta? Como é que é a linha em
você?
TACUCHIAN
- Bom, quando eu estou lendo um texto eu tenho tido algumas encomendas de obras, de textos
que são pré-determinados que não são escolhidos por mim. Então quando eu recebo um texto,
agora mesmo, eu vou ter uma obra minha, para Soprano e Orquestra que é uma homenagem
aos 80 anos do Teatro de Manaus e vai ser levada pela Orquestra de lá do Amazonas, que é
tido como uma Orquestra muito boa e… o texto, o tema é a Floresta Amazônica. Então, o
Teatro de Manaus é na Amazônia, quase tudo que se escreve é sobre a Amazônia e…e
também nós estamos vivendo uma época que as próprias questões ecológicas estão em obra,
então, é… foi perfeito. O próprio objetivo do texto, eu li o texto várias vezes. Poesia, você não
entra dentro dela numa primeira vez, entendeu? Então, eu li duas, três vezes e deixei de lado e
uma semana depois novamente li. E ai, eu vi que a minha interpretação do texto, porque a
poesia é como música e ela não tem uma interpretação só, ela tem várias. O próprio Manuel
Bandeira, quando fez o Berimbau, pra que? Foi um mistério…Por quê que o Manuel Bandeira
escrevendo sobre coisas mitológicas da Amazônia ele dá o nome de Berimbau (ruídos) da
Bahia?… esse tema foi um mistério. Até que eu encontrei uma explicação, que é minha, que
nunca deve ter passado pela cabeça do Manuel Bandeira.
Manuel Bandeira queria fazer poesia brasileira. Aquele tema era o tema dos Mitos da
Amazônia. É… na poesia da grécia, você chamava genericamente a poesia de lira, dos
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instrumentos dos anjos, dos Deuses e da mitologia grega. Então aquela lira, uma coleção de
poesias, era chamada de lira do poeta. Então o Manuel Bandeira ao invés de chamar de Lira,
chamou de Berimbau.
CLARICE
- É a lira brasileira…
TACUCHIAN
- Porque foi a única explicação que eu encontrei para uma poesia sobre mitos amazonenses ter
esse nome. Então, são essas coisas… Eu tenho também muita coisa sobre Carlos Drummond
de Andrade… o Carlos Drummond de Andrade, o poeta não tem uma linguagem direta. A
linguagem do poeta é sempre simbólica, né?! E… às vezes você têm que, por exemplo, o
Carlos Drummond de Andrade tem um poema muito interessante é… que ele diz o seguinte:
E durante a poesia inteira ele está falando de… é, o ato eterno é o amor. A briga e a
conciliação, briga e conciliação que é a história eterna do amor, né?! E ele sempre usa essa
reversão que é o quê? Então, eu fiz uma interpretação que é minha…é… e eu não sei o que se
passou na cabeça do poeta, não interessa! O que interessa é o que eu vi e o pito, pito você sabe
o que significa, né? Pito significa bronca. Vou dar um pito em você! Não sei se você conhece
essa palavra..
CLARICE
- Conheço, conheço.
TACUCHIAN
- Essa deve ser da minha época e não da sua… Por que ele tá falando do Amor e Guerra. Mas
ao mesmo tempo pito é o cachimbo. Então eu imaginei que ele usou a pipedade da palavra
pito e ele usou o cachimbo como o cachimbo da paz. Porque você brigou e depois você entrou
em paz. Bom, pode até ser uma coisa muito fantasiosa minha, mas eu acho que quem escreve
poesia é poeta e quem lê poesia também é poeta.
CLARICE
- é pra poder interpretar, né?!
TACUCHIAN
- é…então você tem que interpretar… Então, eu peguei esse texto desse poeta amazonense e
eu fiquei assim uns 15 dias penetrando, dando a minha…é… ele até usa palavras que são
típicas da região que eu não conhecia e eu tive que ir num dicionário para saber o que era
aquele cara tava falando… que não fazia parte do meu vocabulário, e ai eu decodifiquei pra
poder…, uma vez decodificado eu ai fui fazer o planejamento da obra por seções. Você sabe
que… um poeta quando escreve uma poesia ele junta versos com estrofes. São estrofes de 5,
6, 8 versos. Isso já é um seccionamento do poeta.
132
CLARICE
- do assunto, né? Da música.
TACUCHIAN
- é mas não precisa ser seccionamento do músico. Eu às vezes subverto. Eu respeito o
poeta…, mas é que a forma da música é diferente da forma da poesia, muitas vezes. Porque
quando eu estou fazendo uma música sobre uma poesia, já deixou de ser poesia, já é música
para poesia. É outra coisa.
CLARICE
- mesmo a poesia tendo ritmo, sendo musical.
TACUCHIAN
- Eu reorganizo e essa reorganização muitas vezes coincide, eu não preciso reorganizar eu
aproveito a organização do poeta; mas outras vezes eu reorganizo. Então, a primeira, faz uma
obra em três partes: a primeira parte é introspectiva, a segunda é movida. Por que em música
você tem que pensar um pouco também na variedade, entendeu? Eu uso as minhas estratégias
pessoais de compositor, entendeu? Eu tenho estratégias, que são minhas e cada compositor
tem as suas. E eu tenho que organizar o texto em função dessas estratégias. Ai eu organizo e
eventualmente, eventualmente no texto a subversão que eu me permito, que outros
compositors fazem é valorizar um verso ou uma palavra da seguinte forma: é repetindo.
CLARICE
- Sim, isso é muito comum.
TACUCHIAN
- isso é muito comum. E às vezes até mudando de lugar. Vou dar um exemplo: Eu tenho uma
cantata de câmara que vai sair gravada agora em disco pelo Marcelo Coutinho que é para
barítono, clarineta e piano, e tem também uma versão para barítono, clarineta e cordas, mas a
gravação vai sair com piano. Em que…o verso…é sobre Garcia Lorca. Ele poeta, Carlos
Drummond, chorando a morte de Garcia Lorca. E ele termina de uma maneira positiva. Ele se
diz…lamentável, se lamentar, se diz envergonhado porque um poeta tão jovem foi assassinado
brutalmente lutando pela sua patria com a Guerra Civil Espanhola, e etc. Ele termina da
seguinte maneira, de uma maneira de muita esperança: “para sempre viverão os poetas
martirizados” O que que significa isso? Significa que Garcia Lorca não morreu, ele está vivo.
Então, é…, depois de chorar a morte do poeta, no final ele diz, o poeta está vivo. Eu achei
esses versos sensacionais, então eu super valorizei: eu começo a música com esses versos!
CLARICE
- é como filme né?!
133
TACUCHIAN
- o trovão termina. Eu uso no início, no meio e a obra tem vários movimentos, e no último
movimento, eu retomo. Isso é o que se chama de liberdade poética que o compositor tem. Isso
que eu tô te falando não é novidade… Eu acho que todo compositor tradicional de carreira
tem esse tipo de trabalho…
CLARICE
- uhu. E sobre seus alunos? Você tem sempre feito assim, sistemático? A primeira composição
deles você pede que seja de Manuel Bandeira?
TACUCHIAN
- É… eu até que tenho uma certa liberdade. Eu sugiro…geralmente a sugestão é sempre
Manuel Bandeira, quase sempre ele é destacado, mas eles não são obrigados. A maioria, de
uma forma geral, não me lembro, a primeira canção eles fazem e eu comento com eles e eu
mostro muitas outras canções, trabalhos tanto de outros compositores como meus e etc. depois
disso, agora vamos fazer a segunda. A segunda, o poeta é você quem vai escolher…
CLARICE
- Caramba…
TACUCHIAN
- Entendeu? Porque a composição, a composição é um exercício de liberdade. Então você tem
que soltar logo, porque se você amarrar muito ele vai ser uma imitação de você mesmo. E eu
não quero que meu aluno componha igual a mim [...]
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Lacerda
Sua formação pessoal passa também pelo conhecimento da filosofia indiana. Disse: ”A
inspiração de uma boa composição vem do ser espiritual, através do conhecimento dos
chakras41 e, a composição média vem do ser intelectual.”
Perguntei-lhe por que musicou tantos poemas para canto e piano e para coro com texto
de Manuel Bandeira. Queria saber o que lhe chamava atenção nestes textos. Ele respondeu:
“ (...) Conheci pessoalmente Manuel Bandeira perto do ano em que faleceu (1968). É o
meu poeta preferido, suas poesias já inspiram canção. Gosto muito do Poemeto Erótico onde a
sua sutileza em falar do desejo para com uma mulher se estabelece na redondilha, ou seja , no
verso da poesia.”
41
Segunda a filosofia indiana o seres humanos possuem 7 chackras, ou pontos de energia vital, que se relacionam
com as 7 cores do arco íris. Este chakras devem estar em perfeita harmonia.
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VII - CD com 15 canções para canto e piano
VIII - Catálogo com 84 partituras para canto e piano com poesias de Manuel Bandeira
(encadernação separada)
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