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Neste trabalho, investigamos os aspectos teóricos e político-institucionais que consideramos responsáveis
pela absoluta marginalização do interesse pela recepção cinematográfica nos estudos brasileiros de cinema:
1) a sobrevivência do glauberianismo como cânone estético-teórico; 2) a ausência de vontade político-
acadêmica para dialogar com a produção internacional – como os estudos culturais e o cognitivismo – que,
surgindo a partir dos anos 1980, se contrapõe ao textualismo modernista dos estudos de cinema dos anos
1970; e 3) a hipertrofia e o anticontextualismo da área da análise fílmica.
Originaltitel
Mascarello, Fernando-Os estudos culturais e a recepção cinematográfica
Neste trabalho, investigamos os aspectos teóricos e político-institucionais que consideramos responsáveis
pela absoluta marginalização do interesse pela recepção cinematográfica nos estudos brasileiros de cinema:
1) a sobrevivência do glauberianismo como cânone estético-teórico; 2) a ausência de vontade político-
acadêmica para dialogar com a produção internacional – como os estudos culturais e o cognitivismo – que,
surgindo a partir dos anos 1980, se contrapõe ao textualismo modernista dos estudos de cinema dos anos
1970; e 3) a hipertrofia e o anticontextualismo da área da análise fílmica.
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Neste trabalho, investigamos os aspectos teóricos e político-institucionais que consideramos responsáveis
pela absoluta marginalização do interesse pela recepção cinematográfica nos estudos brasileiros de cinema:
1) a sobrevivência do glauberianismo como cânone estético-teórico; 2) a ausência de vontade político-
acadêmica para dialogar com a produção internacional – como os estudos culturais e o cognitivismo – que,
surgindo a partir dos anos 1980, se contrapõe ao textualismo modernista dos estudos de cinema dos anos
1970; e 3) a hipertrofia e o anticontextualismo da área da análise fílmica.
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Encontro Anual da Associao Nacional dos Programas de Ps-graduao em Comunicao
COMPS, XIV, 2005, Niteri/Rio de Janeiro.
Mdia e Recepo
Os estudos culturais e a recepo cinematogrfica: um breve mapeamento crtico
Fernando Mascarello 1
Partindo de esforos anteriores de tericos como Jackie Stacey, Graeme Turner, Robert Stam, Judith Mayne e Jostein Gripsrud, este ensaio oferece um mapeamento dos trabalhos em torno espectatorialidade cinematogrfica inspirados pelos estudos culturalistas de audincia de pesquisadores como David Morley, Ien Ang, Janice Radway e outros. Tendo em vista que estes trabalhos foram promovidos por acadmicos tanto culturalistas quanto no-culturalistas, e tambm com o intuito de contrast-los da investigao textualista, propomos denomin-los "estudos contextualistas da espectatorialidade cinematogrfica (em lugar de culturalistas). Descrevemos o lento processo que possibilita o deslocamento da reflexo e pesquisa desde o texto flmico (canonizado como objeto de estudo na screen theory dos anos 70) para o contexto de recepo.
1. Do perodo que sucede ao maio de 68 at a contemporaneidade, a histria da teoria do cinema em geral e, mais particularmente, a da teorizao da espectatorialidade cinematogrfica - seu tema condutor ao longo deste percurso - pode ser narrada em termos de um deslocamento desde as perspectivas da homogeneidade, tpicas das teorias dos anos 70, para as da heterogeneidade, que orientam a reflexo mais significativa a partir dos 80 (MAYNE, 1993). Durante a maior parte da dcada de 70, pensa-se a espectatorialidade do cinema mainstream sob a tica de um absoluto determinismo textual, que
1 Unisinos/RS " promove a homogeneizao seja da instncia textual, seja da espectatorial, ambas retiradas do contexto scio-histrico da produo e recepo cinematogrficas. Reduzido a uma mera "inscrio textual, o espectador compreendido como uma entidade abstrata e passiva, as suas leituras e prazeres com o texto flmico dominante sendo condenadas como instrumentos de um "posicionamento subjetivo no interior da ideologia capitalista. J a partir dos anos 80, na esteira de uma ruptura terico-metodolgica contextualista, produz-se uma heterogeneizao das concepes de espectador. Passa-se a examinar a relao entre texto flmico e audincia em termos de suas manifestaes pontuais, historicizadas, contemplando-se a diversidade encontrada, extratextualmente, nos momentos da produo e da recepo. Com isso, desenvolvem-se as formulaes da "audincia ativa, e as interpretaes, usos e prazeres do filme dominante comeam a ser teoricamente respeitados e afirmados. Dois grandes corpora tericos ocupam papel de destaque nesta trajetria. O primeiro, protagonista da homogeneizao original, mais conhecido como "modernismo poltico, caracteriza-se pelo amalgamento estruturalista/ps-estruturalista entre a semiologia "metziana, a psicanlise lacaniana e o marxismo althusseriano. O segundo corpus, responsvel pelo mpeto inicial de heterogeneizao da teoria - um impulso posterior, e tambm fundamental, viria a ser a teorizao cognitivista inaugurada em meados dos anos 80 -, abrange o que propomos, neste trabalho, designar como "estudos contextualistas da espectatorialidade cinematogrfica. So os trabalhos realizados, a partir do princpio dos anos 80, e fundamentalmente no cenrio anglo- americano, sob a inspirao do que denominamos "horizonte terico- metodolgico culturalista, isto , as inovadoras formulaes avanadas pelos "estudos culturalistas de audincia implementados, desde o final dos anos 70, por pesquisadores ligados ao CCCS (Centre for Contemporary Cultural Studies) da Universidade de Birmingham, na # Inglaterra, como David Morley, Charlotte Brunsdon e Dorothy Hobson 2 . No campo dos estudos de cinema, o contextualismo definidor destas investigaes gradativamente assimilado por tericos e pesquisadores filiados ou no aos estudos culturais, como Christine Gledhill, Barbara Klinger, Richard Dyer, Elizabeth Ellsworth, Janet Staiger, Valerie Walkerdine, Jacqueline Bobo, Jackie Stacey, bell hooks e Robert Stam, entre outros. O estatuto deste segundo corpus de trabalhos - ao qual propomos referir como estudos contextualistas da espectatorialidade cinematogrfica - porm bastante controverso em teoria do cinema. Embora se reconhea, de modo geral, que a moldura culturalista tenha constitudo uma presso terico-metodolgica de extrema importncia sobre os estudos do espectador de cinema, dois fenmenos, que surpreendentemente permanecem negligenciados, so sintomticos das difceis relaes entre os campos acadmicos dos estudos culturais e dos estudos de cinema. Em primeiro lugar, a despeito do reconhecimento da relevante contribuio dos estudos culturais teoria do cinema, a abordagem contextualista espectatorialidade cinematogrfica segue decisivamente marginalizada entre os tericos e pesquisadores da rea. Em segundo, a marginalizao dos estudos contextualistas envolve a inexistncia de esforos mais compreensivos de mapeamento dos avanos j identificveis na rea. No parece haver um consenso - ou sequer um entendimento -, entre os autores, em torno dinmica e ao significado histrico-tericos das repercusses, sobre os estudos de cinema que percebem a eroso de seu paradigma textualista, da ruptura contextualista determinada pelos estudos culturais. Alm de raros, os esforos empreendidos neste sentido so concisos e contraditrios, o que vem demonstrar, nos parece, as dificuldades do campo acadmico
2 Aqui, como ao longo do restante do texto, empregamos os termos "culturalista e "culturalismo num sentido bastante estrito, ou seja, em referncia aos estudos culturalistas de audincia acima mencionados, os quais se originam no seio dos British Cultural Studies, ao final dos anos 70, e se disseminam internacionalmente a partir dos 80. $ cinematogrfico em lidar com os inegveis efeitos que produz, sobre seu trabalho investigativo, o desenvolvimento conceitual oferecido pelo rival culturalista. Com este artigo, esperamos contribuir para o projeto de um mapeamento mais exaustivo dos estudos contextualistas da espectatorialidade cinematogrfica 3 - o qual, acreditamos, poderia enfatizar a necessidade de uma maior ativao das possibilidades oferecidas pela moldura culturalista nos estudos de cinema, disponibilizando, ao mesmo tempo, algum instrumental para o encaminhamento de tal ativao, graas compreenso tanto das conquistas quanto das limitaes do trabalho realizado na rea. Para tanto, analisamos, primeiramente, as lacunas e controvrsias verificadas em torno ao tema das repercusses do trabalho culturalista nos estudos de cinema, revisando as contribuies de historiadores da teoria como Graeme Turner (2000), Robert Stam (2000), Jostein Gripsrud (2000) e Judith Mayne (1993). A seguir, propomos a noo de "horizonte terico- metodolgico culturalista sobre a espectatorialidade, com vistas ao aprofundamento da compreenso de tais repercusses. Por fim, descrevemos esquematicamente as cinco diferentes vertentes de trabalho que identificamos, no processo de deslocamento da teoria e pesquisa em cinema, desde o texto flmico ao contexto da recepo cinematogrfica: (1) o debate "mulher x mulheres na teoria feminista do cinema, (2) os "estudos da intertextualidade contextual, (3) os "estudos histricos de recepo, (4) os estudos etnogrficos de audincia e (5) a "poltica da localizao.
2. Graeme Turner, em seu texto "Cultural studies and film (2000), desenha um breve apanhado das relaes histricas entre os estudos de cinema e os estudos culturais. O autor aponta que, "ao longo das duas ltimas dcadas, estabeleceram-se fortes paralelos entre os dois % projetos intelectuais e analticos (p. 193). Porm, para ele, "os estudos de cinema mostram um marcado interesse pelo texto individual e mantm um reconhecimento fundamental do valor esttico, ao passo que "os estudos culturais rejeitaram a noo de valor esttico desde o princpio e apenas recentemente esto voltando a considerar como poderiam dar conta de uma lacuna to fundamental em sua verso do funcionamento da cultura. Alm disso, o autor salienta que, enquanto "a histria dos estudos culturais testemunhou o seu deslocamento desde um foco sobre o texto para a anlise da audincia, e da para o mapeamento dos contextos discursivos, econmicos e regulatrios no interior dos quais ambos convergem, "o projeto dos estudos de cinema na academia segue sendo primariamente interpretativo - de anlise textual. Entretanto, apesar destas fundamentais diferenas, de acordo com Turner "pode-se todavia traar importantes ligaes histricas entre as duas tradies e sugerir maneiras como o intercmbio entre elas tm sido e pode continuar sendo proveitoso (p. 193). Assim, depois de relatar a disputa terica entre os grupos de Birmingham e da revista Screen na segunda metade da dcada de 70, que culmina com a eroso do paradigma textualista da screen theory (vertente britnica do modernismo poltico), Turner indica, como conseqncias, a possibilidade de "identificar uma srie de rumos comuns aos estudos de cinema e aos estudos culturais a partir de meados dos anos 80. Em primeiro lugar, a devoo `alta teoria [high- theory] (tal como a associada a Screen) foi consideravelmente abrandada. E, alm disso, "na medida em que os estudos culturais deslocaram-se dos textos para as audincias, e desta forma para as estruturas sociais que situam os indivduos como audincias, tambm os estudos de cinema voltaram a examinar seus contextos culturais e econmicos constitutivos (p. 197). Porm, comentando a forma como os avanos culturalistas na investigao da espectatorialidade tm sido
3 Efetivamente apresentamos um mapeamento mais extensivo em nossa tese de doutoramento, Os estudos culturais e a espectatorialidade cinematogrfica: Uma & assimilados pelos tericos e pesquisadores de cinema, afirma que, "onde os estudos culturais ainda podem ter algo a oferecer aos estudos de cinema, na rea da pesquisa de audincia (p. 197). Para Turner, "os ritmos contextualizantes dos estudos de audincia [culturalistas] ensinaram-nos muito sobre a forma como lemos os textos televisivos e como integramos estas leituras com outros aspectos de nossa vida cotidiana. Mas, infelizmente, afirma, "existem poucos paralelos a esta tradio nos estudos de cinema, embora haja alguns trabalhos historiogrficos muito interessantes que efetivamente partem de apropriaes das pesquisas de audincia (Hansen 1991) (p. 198). Esta posio "pessimista de Turner com respeito acolhida e replicao dos estudos culturalistas de recepo pelos estudos de cinema no equivocada (sobretudo em termos quantitativos), mas necessita ser qualificada. Embora isso seja verdade, por outro lado h toda uma repercusso das conquistas da nova abordagem sobre a teoria e pesquisa da espectatorialidade cinematogrfica. Apesar das inegveis resistncias poltico-institucionais, os estudos de cinema tm paulatinamente recepcionado os avanos terico-metodolgicos contextualizantes dos British Cultural Studies nas reas da teorizao feminista, da poltica da localizao e, principalmente, dos estudos da intertextualidade contextual, dos estudos histricos de recepo e da pesquisa etnogrfica. A gradativa acolhida das formulaes culturalistas apontada por diversos autores. Jostein Gripsrud, por exemplo, avaliando a situao do estudo da espectatorialidade cinematogrfica na dcada de 70, afirma que "o problema da Screen theory era que o tema das audincias reais era ou descartado como `empiricista, ou adiado indefinidamente (2000, p. 207). Em seu ponto de vista, isso contrastava com os avanos nos estudos literrios (de que a maior parte dos estudos de cinema se originou), nos quais os estudos das instncias histricas, concretas da recepo estavam, por assim dizer, experimentando uma "exploso em muitos pases nos anos 70 -
abordagem relativista (ECA, USP. So Paulo, 2004). ' inspirados, em parte, pelos tericos da recepo alemes. Os estudos de cinema somente tomaram um rumo semelhante depois que os estudos culturalistas da televiso demonstraram que a anlise textual e os estudos de audincia podiam ser combinados de maneira inteligente e produtiva (2000, p. 207, grifo nosso).
De um modo bastante similar, tambm Robert Stam assinala que, "nos anos 70, a teoria psicanalizava os prazeres da situao cinematogrfica como tal, para logo afirmar que, "nos anos 80 e 90, os analistas tornaram-se mais interessados pelas formas socialmente diferenciadas de espectatorialidade (2000, p. 229), movimento que acredita ter dado expresso a um cmbio "j verificado nos estudos literrios, ora referido como reader response theory (Stanley Fish, Norman Holland), ora como teoria da recepo (associada especialmente Escola da Esttica da Recepo de Constana) (p. 230). De acordo com Stam, "Stuart Hall, recorrendo a Umberto Eco e Frank Papkin, antecipou e concretamente formatou este cmbio em seu influente artigo `Decoding and Encoding[sic] (p. 231). Tanto Gripsrud como Stam seguem sua argumentao arrolando como conseqncia desta virada terico-metodolgica uma srie de trabalhos na rea da espectatorialidade cinematogrfica. Gripsrud apresenta sucintamente (2000, p. 208) os estudos de Hansen (1991), Kuhn (1984), Petro (1989), Dyer (1979) e Stacey (1994), enquanto Stam (2000, p. 231-232) comenta os de Hansen (1991), Staiger (1992), Diawara (1988) e hooks (1992). bem provvel que Turner, em suas consideraes sobre a existncia de poucos paralelos, nos estudos de cinema, aos estudos culturalistas de recepo, esteja se referindo especificamente pesquisa etnogrfica das audincias, e no s repercusses do culturalismo, num sentido mais amplo, sobre o campo cinematogrfico. Neste sentido, interessante comparar as suas observaes s de Judith Mayne a respeito da assimilao da etnografia culturalista pelos tericos e pesquisadores de cinema. Escrevendo em 1993, Mayne afirma que ( a abordagem etnogrfica audincia tem sido mais um horizonte de pesquisa nos estudos de cinema do que uma prtica concreta. [...] Como um horizonte, a abordagem dos estudos culturais porm influente, e algumas anlises textuais ou tericas recentemente publicadas julgam necessrio explicar sua prpria falta de investigao sobre a resposta das audincias (p. 59-60).
Mayne aponta os resultados de uma pesquisa promovida pela revista Camera Obscura junto a tericas feministas de cinema como uma das manifestaes mais emblemticas desse fenmeno. 4 Na maior parte das respostas, estas "manifestam sua frustrao com (ou pelo menos reconhecem) a dificuldade com que as teorias do sujeito permanecem apartadas das espectadoras reais (p. 60).
3. Uma anlise mais detida das observaes dos quatro autores citados (Turner, Gripsrud, Stam e Mayne) mostra-se extremamente reveladora com relao ao tema da assimilao, pelos estudos da espectatorialidade cinematogrfica, do horizonte de trabalho culturalista. Em que pese o fato de terem sido escritas em diferentes datas (as dos trs primeiros em 2000, a de Mayne em 1993), todas terminam curiosamente por constituir, elas prprias, testemunhos das dificuldades deste processo de recepo. Turner e Stam, por exemplo, no fazem meno a nenhum dos quatro estudos etnogrficos que citamos mais abaixo. Isso surpreendente em dois autores reconhecidamente associados aos estudos culturais, e poderia sugerir, quem sabe, alguma discordncia terica com respeito ao carter mais celebratrio e afirmativo dos prazeres dominantes encontrado em importantes estudos etnogrficos como os Valerie Walkerdine (1986), Jacqueline Bobo (1995) e Jackie Stacey (1994). O caso de Mayne ainda mais significativo; embora, ao contrrio dos demais autores, faa meno a trs destes trabalhos - os de Richard Dyer (1986), Walkerdine e Bobo -, no os lista como exemplos
4 Janet Bergstrom e Mary Ann Doane, "The female spectator: contexts and directions (Camera Obscura, v. 20-21, May-Sep. 1989).
) na seo de seu livro em que aprecia a pesquisa etnogrfica, a dos "modelos empricos da espectatorialidade (1993, p. 53-62). Surpreendentemente, o contedo da subseo sobre a etnografia limita- se, de incio, s observaes que citamos mais acima, sobre o funcionamento da abordagem etnogrfica como sendo "mais um horizonte de pesquisa nos estudos de cinema do que uma prtica concreta (p. 59), e a uma anlise, logo a seguir, de suas limitaes metodolgicas. Assim, enquanto o estudo de Dyer meramente equiparado a outros vrios trabalhos na rea dos "star studies, na seo sobre os "modelos histricos da espectatorialidade (p. 65), Bobo telegraficamente referida, nesta mesma seo, como exemplo de uma terica que "define a recepo de uma maneira mais compatvel com a abordagem dos estudos culturais (p. 67-68); e, por fim, algumas consideraes metodolgicas presentes no inovador trabalho de Walkerdine so mobilizadas (p. 62), de forma absolutamente descontextualizada (para no dizer distorcida), para comentar as lacunas exibidas pela etnografia culturalista. Alm disso, ao contrrio de Stam, Gripsrud e mesmo Turner, que explicitamente listam trabalhos como os de Hansen (1991), Petro (1989), Dyer (1979) e Staiger (1992) como tributrios da inspirao culturalista, Mayne os examina, no referido captulo, sem fazer qualquer meno a este fato, preferindo arrol-los simplesmente como exemplos dos citados "modelos histricos (p. 62-70). De toda maneira, embora as manifestaes de Turner, Stam, Gripsrud e Mayne se apresentem, desta forma, elas mesmas como sintomticas das tenses e resistncias envolvidas na acolhida cinematogrfica do contextualismo culturalista, fornecem pistas relevantes tanto para a constatao da efetividade desta assimilao, quanto para a compreenso do modo de seu processamento, em termos quantitativos e qualitativos. Ou seja, em primeiro lugar, verifica-se um consenso entre estes autores quanto ao fato de que os estudos culturalistas de audincia de fato inspiram importantes deslocamentos *+ ocorridos nos estudos de cinema, de modo geral, e nos estudos da espectatorialidade cinematogrfica, em particular. Por outro lado, com relao aos efeitos especficos dos influxos dos estudos culturais, no parece haver o mesmo grau de consensualidade, o que deriva, de certa forma, da falta de um maior aprofundamento de seus esforos de reflexo histrico-terica neste sentido. frente a esse panorama histrico-terico algo confuso que propomos a noo de "horizonte terico-metodolgico culturalista. Tomando de emprstimo a Mayne o entendimento de que os estudos etnogrficos culturalistas so de fato influentes, enquanto horizonte, sobre o campo acadmico cinematogrfico, julgamos necessrio, porm, explicitar este horizonte como conceito e proceder a um entendimento mais completo, em maior profundidade, da dinmica de suas repercusses histrico-tericas. Em primeiro lugar, portanto, a nosso ver este horizonte terico-metodolgico consiste na perspectiva contextualizante dos estudos culturalistas de audincia, originalmente concebida por pesquisadores vinculados ao CCCS de Birmingham (Morley, Brunsdon e Hobson, na esteira do trabalho de Stuart Hall) e, a seguir, internacionalmente disseminada (Ien Ang, Janice Radway, John Fiske etc.), segundo a qual os sentidos e os usos do texto miditico so produzidos na interao pontual entre as instncias do texto, do espectador e do contexto de recepo, o que traz como conseqncias a compreenso do aspecto ativo das audincias, a afirmao dos prazeres espectatoriais com a produo dominante e a utilizao da metodologia etnogrfica de pesquisa. Por outro lado, o emprego desta noo de horizonte terico- metodolgico nos habilita a melhor descrever o conjunto das repercusses dos estudos culturalistas de audincia sobre o campo dos estudos de cinema. Quer-nos parecer que a primeira e talvez mais evidente conseqncia o abandono, na virada para a dcada de 80, da empreitada de preservao do paradigma textualista modernista-poltico - essencialista, determinista e a-histrico, e, portanto, incapaz de ** assegurar um espao terico ao espectador concreto e aos contextos scio-histricos de recepo. J o segundo resultado, a partir dos anos 80, seria a inspirao, por este horizonte terico-metodolgico, de dois grandes deslocamentos no interior dos estudos de cinema. Em um destes deslocamentos, o majoritrio, o mainstream terico cinematogrfico procura negociar uma assimilao do conceitual culturalista que mantenha relativamente intacto seu foco textual e semio-psicanaltico. Este movimento, que propomos entender como um efeito indireto da moldura contextualista dos estudos culturais (e por isso, talvez menos claramente perceptvel como resultado de sua influncia), caracteriza-se como um esforo de reviso - ou pluralizao - da teoria do posicionamento subjetivo setentista (Passa-se a buscar nos textos flmicos, em lugar de uma posio unitria e determinista, uma multiplicidade de construes discursivas passveis de habitao pelos espectadores histricos). Portanto, somente no interior de um outro deslocamento, relativamente marginal ao mainstream terico ainda semio-psicanaltico, que se comeam a investigar os contextos scio-histricos de produo e recepo cinematogrfica, compondo o que postulamos, finalmente, considerar como os efeitos diretos do horizonte terico-metodolgico culturalista. De um lado, surge um interesse significativo, na rea da historiografia, pelos determinantes econmicos e tecnolgicos da esttica cinematogrfica (cf. TURNER, 2000, p. 197). E de outro, por fim, a investigao do espectador de cinema experimenta um progressivo deslocamento "do texto ao contexto. Este movimento no sentido da contextualizao da teoria e da pesquisa sobre a espectatorialidade replica, de um modo geral, o verificado no desenvolvimento dos prprios estudos de recepo culturalistas, no percurso que conduz das pesquisas sobre Nationwide ao trabalho de Fiske. Ou seja, da constatao inaugural da insuficincia da moldura textualista, passa-se a uma investigao do contexto de recepo e da instncia espectatorial que ter como ponto culminante, *" na seqncia, a adoo da metodologia etnogrfica para o estudo das audincias e, a reboque, a afirmao e mesmo a celebrao dos prazeres com o dominante 5 . Observam-se, no entanto, uma srie de especificidades. Em contraste com o sucedido com os estudos culturalistas de audincia, cabe sempre reafirmar, primeiramente, que o processo to-somente marginal, tangencial corrente cine- psicanaltica que segue dominante nos estudos de cinema. Em segundo lugar, em razo desta marginalidade e, num sentido mais amplo, das resistncias do campo cinematogrfico que a determinam, o processo de deslocamento no apenas mais tmido, como substancialmente mais lento que o acontecido em Birmingham. Alm disso, este deslocamento do texto ao contexto protagonizado no apenas por autores vinculados, em maior ou menor grau, ao culturalismo - e que representam a maioria -, mas ainda por outros com diferentes filiaes marxistas - com a prpria cine-psicanlise (Annette Kuhn), com a Escola de Frankfurt (Patrice Petro, Miriam Hansen) etc. neste sentido, e tambm com o intuito de contrastar estes trabalhos com relao investigao textualista at ento dominante, que julgamos mais adequado designar o corpus resultante deste processo de contextualizao como "estudos contextualistas da espectatorialidade cinematogrfica, e no simplesmente "culturalistas. Por fim, observa- se, durante o processo, uma produtiva incorporao das peculiaridades da condio espectatorial cinematogrfica, em razo da qual, ao contrrio do que parecem entender Turner e Mayne, no apenas na rea da pesquisa das audincias que se devem buscar as repercusses dos avanos culturalistas sobre os estudos espectatoriais no campo do cinema. Neste, em razo de suas especificidades epistemolgicas e disciplinares, pelo menos duas outras linhas de trabalho, que descreveremos a seguir, se constituem sob a clara inspirao da moldura contextualizante dos estudos culturalistas de audincia: a dos
5 Para um apanhado histrico-terico deste processo, ver, por exemplo, Moores (1990) e Mascarello (2000). *# estudos da intertextualidade contextual e a dos estudos histricos de recepo.
4. Uma primeira manifestao do deslocamento do texto ao contexto a presso acusada pela teoria feminista do cinema no sentido de preencher a lacuna, que passa a ser denunciada, entre "a mulher (woman) inscrita textualmente, objeto das investigaes tericas e analticas, e "as mulheres (women) membros das audincias, as espectadoras concretas. a este debate, fundamentalmente, que se refere Mayne (1993, p. 60) quando reconhece que "algumas anlises textuais ou tericas recentemente publicadas julgam necessrio explicar sua prpria falta de investigao sobre a resposta das audincias (p. 70-76). Tambm Gripsrud faz meno a estas discusses, as quais descreve (p. 208) como uma "transio geral nos estudos de cinema feministas de um interesse apenas por uma espectadora textualmente construda a estudos pelo menos igualmente preocupados com as audincias concretas, apresentando como exemplo o artigo de Annette Kuhn, "Womens genres, de 1984. 6 O debate caracteriza-se, no entanto, por formulaes no plano terico desde um ponto de vista textual, ou seja, de uma teoria do texto que procura pensar a existncia das espectadoras concretas. As investigaes sobre o extratexto - mesmo quando puramente tericas - de fato se iniciam apenas em uma segunda vertente do deslocamento, ao aparecerem estudos cujo objeto o espao interdiscursivo, construdo em torno aos filmes, e que influenciam na sua recepo. Este grupo de trabalhos, aos quais nos referimos, utilizando um conceito de Barbara Klinger (1989), como estudos da "intertextualidade contextual, podem ser tomados como exemplo da preocupao com os "contextos culturais e econmicos constitutivos que, de acordo com Turner (2000, p. 197), os estudos de cinema
6 Tambm o trabalho de Christine Gledhill [1978, 1988] bastante representativo desta vertente de trabalho. *$ passam a ter em conseqncia da inspirao culturalista. nestes estudos 7 que identificamos um dos resultados da convergncia entre a moldura contextualizante dos estudos culturalistas de audincia e as especificidades epistemolgicas e disciplinares do cinema, uma vez que a intertextualidade extratextual que investigam configurada por duas sries de textos bastante caractersticos da instituio cinematogrfica: os textos crticos e os promocionais. 8
Esta mesma convergncia vai se verificar, ainda, na linha a que denominamos "estudos histricos de recepo - desta feita, conforme a denominao empregada por Janet Staiger (1992). Aqui, a especificidade diz respeito tradio da rea historiogrfica nos estudos de cinema, significativamente mais desenvolvida que nos estudos de televiso. Com a inteno de contribuir para a elaborao de uma histria das audincias, estas pesquisas so o produto da combinao de esforos entre a historiografia e os estudos da espectatorialidade, e compem os "trabalhos historiogrficos muito interessantes que efetivamente partem de apropriaes das pesquisas de audincia, mencionados por Turner (2000, p. 198). 9
Pode-se afirmar que apenas uma quarta vertente de trabalho que ativa, em suas possibilidades mais radicais, o horizonte contextualista dos estudos culturais. Nela, encontramos os poucos estudos etnogrficos de audincia realizados no campo dos estudos de cinema, como os de Dyer (1986), Valerie Walkerdine (1986), Jacqueline Bobo (1988, 1995) e Jackie Stacey (1991, 1994) - dos quais apenas o de Stacey (1994) mencionado por Gripsrud. Estes trabalhos
7 Entre os quais podemos situar o de Patrice Petro (1989), citado por Gripsrud (2000, p. 208), ou os de Richard Dyer sobre as estrelas (1982, 1986), mencionados pelo prprio Turner (2000, p. 197). 8 Entre os trabalhos fundamentais da vertente encontramos ainda os de Tony Bennett (1982), Bennett e Janet Woollacott (1987) e Klinger (1989), para no mencionar os de Michael Budd (1981), Mary Beth Haralovich (1982), Dana Polan (1986), Michael Renov (1988, 1989) e Susan Ohmer (1990). 9 Dos quais este alinha como exemplo o de Miriam Hansen (1991) e o de Staiger (1992) - tambm citados, respectivamente, por Gripsrud e Stam -, aos quais devemos ainda acrescentar os importantes estudos de Elizabeth Ellsworth (1986) e Klinger (1994). *% constituem a instncia mais bem-sucedida de assimilao do horizonte terico-metodolgico culturalista, ao operarem a aplicao do mtodo etnogrfico investigao das audincias cinematogrficas, afirmando, neste processo, os prazeres espectatoriais dominantes de espectadores agora considerados ativos frente ao texto flmico. Alm disso, em seus exemplos mais instigantes (WALKERDINE, 1986 e STACEY, 1994), que procuram articular a cine-psicanlise e a etnografia, conseguem ainda intervir, tanto terica quanto metodologicamente, sobre, de um lado, o mainstream terico semio-psicanaltico, e, de outro, os prprios estudos culturalistas de audincia. Embora a etnografia das audincias represente, assim, o momento da mais intensa ativao terico-metodolgica do horizonte culturalista, devemos considerar uma quinta e ltima vertente, ainda, como constitutiva do deslocamento das preocupaes dos estudos da espectatorialidade cinematogrfica desde o texto para o contexto. Trata- se da chamada "poltica da localizao, termo empregado por autores como Stam (2000, p. 241) ou Stacey (1994, p. 34, 257) em referncia a trabalhos que expressam o novo interesse pelas "formas socialmente diferenciadas de espectatorialidade mencionado por Stam (2000, p. 229), entre os quais se incluem os de Manthia Diawara (1988) e bell hooks (1992), citados por Stam (p. 232) como conseqncia da inspirao culturalista, e o de Stam e Shohat (2000). Estes estudos refletem uma transformao mais generalizada das formulaes sobre a espectatorialidade no campo dos estudos de cinema, ainda que se concentrem, especialmente, nas reas da teoria feminista negra e da teoria ps-colonial. Da mesma forma como o debate "mulher x mulheres na teoria feminista, que responde pela primeira etapa do processo de contextualizao dos estudos do espectador de cinema, suas formulaes se articulam sobretudo no plano terico, desde uma perspectiva essencialmente textual. Ao contrrio daquela etapa, porm, que configurava as primeiras reaes mais propositivas dos estudos de cinema aos avanos culturalistas, a poltica da localizao no *& apresenta, em geral, um carter to inovador, vindo consolidar teoricamente, junto ao mainstream dos estudos de cinema, principalmente o aspecto pontual, tanto histrica quanto socialmente, da espectatorialidade cinematogrfica.
BIBLIOGRAFIA
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A HISTÓRIA SOCIAL DA CULTURA E A HISTÓRIA CULTURAL DO SOCIAL: APROXIMAÇÕES E POSSIBILIDADES NA PESQUISA HISTÓRICA EM EDUCAÇÃO - Ribamar Nogueira Da Silva