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OS RATOS NÃO TOMAM PROZAC

“A avoa contáralle que había dúas clases de ollos que nunca choran: os do demo e os da
cabra.”
(Manuel Rivas, in Os ollos da cabra non teñen bágoas)

I.
pensando direitinho, nunca poderia mesmo ter sido um sujeito de bem, e pensava isto
enquanto enfiava um toco tosco – parte de uma geringonça chamada à época pau-de-arara –
rabo adentro do outro, relembrando também naquele mesmo instante que desde menino
gostava mesmo era de brincar roçando com uma vareta de piaçava fina os dentro da coluna
vertebral de uma rã – depois de decepado e devidamente escalpelado o bicho.

II.
aliás, falando em rãs e araras, certa vez alguém sugeriu-lhe ratos e outros bichos, igualmente
repugnantes (ou não) - mesmo porque (entendia) toda a repugnância daqueles atos se fazia ali,
à hora; agora mesmo, por exemplo, logo após a sessão com o troço tosco, sentia-se que a
simples presença do rato fazia do rosto do outro a própria máscara do medo – de Münch.

III.
olhando bem, via-se mesmo o zelo na função, porque não se limitava(m) apenas a ofertar a
dor; não se comprazia(m) do outro, deixando-se enredar nos mares de lamúrias, suores,
chiados estranhos, odores, lágrimas, excrementos de toda ordem; fosse quem fosse o outro –
mulher velho velha ou criança ainda – o sujeito e o rato destarte cumpriam seu quarto de hora.

IV.
(mesmo) roendo o que visse, embora sempre que alcançasse as partes pudentas e a cara
causasse um maior pavor, o rato - também mandatário do estado - ali fosse talvez o mais
razoável, porque lhe cabia apenas o rescaldo da cena, o pente fino, conforme diziam; ao
homem: primeiro fazer com que o outro fingisse que dor é algo que dá e passa, assim como o
peso do pecado ao cristão tão logo o mesmo confesse; ademais, confessasse ou não, haveria
sempre um jeitinho de esquadrinhar (o outro), entrar pelos sete buracos de sua cabeça, quiçá
não fundar outros além dos mais ou menos nove que lhe há pelo corpo? esgarçar mesmo,
porque era a senha.

V.
(naquele tempo) era permitido o correr de sangue; claro que para isto então não era suficiente
apenas um telefone, dois; talvez de três em diante e em seqüências esparsas, posto que
haveria tímpanos resistentes; depois, nos olhos, algo como gás lacrimogêneo, que causasse
uma cegueirazinha de momento; mas não o suficiente, enquanto não se pudesse então
prender a língua do outro ao magneto da maquininha e rodar, rodar a roletinha: inimaginável a
dor; e é claro que a coisa não se dava necessariamente nesta seqüência, porque nessa hora
mesmo também, segundo a cartilha, poder-se-ia estar submergindo vez ou outra o outro em
água, no limite, posto que causasse efeito a conjunção: água e choque, água e choque.

VI.
fosse velho, dentadura ao largo, fazê-lo sorver o próprio excremento, como se volumosa sopa;
fosse moça, o cabaço em lágrimas: à força, o sexo; fosse mulher e haveria além das
humilhações gerais e das sevícias de praxe (estivesse grávida) o prazer de exterminar com a
vida do outro, ab ovo: quase um gozo, para depois, olhos eclipsados, vê-lo se desfazer em
ininteligíveis clemências, semi-morto, sem face: mercê do rato.

VII.
contudo (quando) em casa, o mais comum dos mortais: zoológico com a família aos domingos
dar pipocas aos macacos; algum sexo; suores, lágrimas. missa pela manhã.

PERFIL:
Lucio Valentim é poeta, contista e músico, mas ganha a vida como Doutor em Literaturas.

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