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INTRODUÇÃO
O presente ensaio tem por fim delinear as principais questões atinentes ao cheque pré-datado
frente à Lei do Cheque; focando, sobretudo, o que concerne ao “tormentoso” conflito sobre a
partir de quando se inicia a contagem do lapso prescricional do cheque pré-datado, por meio da
doutrina e da jurisprudência.
CHEQUE PRÉ-DATADO
Apesar de o cheque, em sua definição, ser uma ordem de pagamento à vista, na qual o
sacador (emitente) ordena ao sacado (banco ou uma instituição financeira) que efetue o
pagamento de determinada quantia ao beneficiário ou credor; apresenta-se com muita
frequência no meio social a figura do cheque pré-datado. Neste, o sacado, baseado num prévio
acordo entre as partes, emite o cheque em uma data, mas, insere no próprio título uma data
futura e artificial, a partir da qual o cheque deverá se depositado.
Sob a égide dessa linha de raciocínio, percebe-se que o cheque pré-datado contraria, a priori, a
própria definição de cheque, visto que enquanto neste a ordem de pagamento é à vista,
naquele a ordem de pagamento, de acordo com o desejo e a vontade do emitente, é que seja
feita na data futura, pactuada pelas partes. No entanto, à luz da Lei do Cheque (Lei nº 7.357,
de 2-9-1985), verifica-se que não há em tal caso nenhum problema, pois, o artigo 32 é
suficientemente claro ao arrematar que o cheque é pagável à vista, sendo considerada como
não-escrita qualquer menção ao contrário. Nesse contexto, inegável observar que se trata de
uma norma eminentemente cogente, não admitindo que as partes, por acordo de vontades,
deliberem o contrário. Destarte, o cheque pré-datado, conforma a Lei do Cheque, continua a
ser considerado uma ordem de pagamento à vista e; por conseguinte, caso seja apresentado
antes da data futura inserida no título, a instituição financeira ou o banco é obrigado a
descontá-lo ou devolvê-lo com o carimbo de insuficiência de fundos. Obviamente, caso o
cheque seja apresentado em data diferente do acordado entre as partes e expressa na cártula,
caberá indenização frente àquele que promeveu o desconto antecipado do cheque, o
beneficiário ou o portador; preenchidos, em todo caso, os requisitos das ações de indenização,
como comprovar com clarividência o prejuízo sofrido pelo emitente, o ato ilícito e o nexo causal
entre ato e dano.
PRESCRIÇÃO
A Lei do Cheque, em seu artigo 59, reza que prescreve-se em 6 meses, contados do prazo de
apresentação, a ação de execução. O prazo para apresentação, por sua vez, segundo o artigo
33 da mesma lei, é de 30 dias, se se tratar de cheque da mesma praça, isto é, caso o local de
emissão do cheque coincida com o do banco pagador, ou de 60 dias, em se tratando de
cheque de praça diferente.
Supedaneado por tais normas, nos casos de cheques simples, que não sejam pré-datados, não
há nenhum mistério na contagem do lapso prescricional. Cite-se, por exemplo, um caso no qual
o emitente emitiu um cheque da mesma praça, em 04/07/07. Considerados, nesse exemplo,
todos os dias como úteis, o fim do prazo de apresentação seria em 03/08/07 e, por
conseguinte, a prescrição ocorreria em 03/02/08.
Na realidade, o grande busílis reside em relação à contagem de a partir de que data fluirá o
lapso de apresentação, influenciando, por conseguinte, na prescrição da ação cambial em face
do cheque pré-datado. O operador do direito, em tal caso, depara-se com a seguinte questão: “
Conta-se o prazo de apresentação do cheque pré-datado tendo por base sua data de emissão
ou se conta de acordo com a data artificialmente nele posta ?
De fato, não há nenhuma resposta uníssona e conclusiva; aliás, leia-se que a jurisprudência
nacional é bem fecunda e polarizada a esse respeito. Observam-se, de um lado, julgados
consignando que o lapso prescricional flui a partir da data artificialmente posta no título. Nessa
esteira, colhem-se as seguintes ementas:
(STJ- REsp 620218/GO. 2003/0229391-7. Rel. Min. Castro Filho. DJ. 27.06.05 p. 376).
No lado oposto, pugna-se pela outra posição: o termo a quo do lapso prescricional do cheque
pré-datado é da sua data de emissão; consideração essa que, com a devida vênia dos adeptos
da vertente anterior, parece-me ser a mais lógica e clara.
Ora, se o cheque, conforme o artigo 32, da Lei do Cheque, é pagável à vista, não sendo
considerada cláusula que estabeleça o contrário; não há nenhum óbice jurídico para que o
prazo de apresentação e, por conseguinte, o de prescrição sejam computados a partir de sua
data de emissão. Nesse sentido, observa-se a valiosa lição de Fábio Ulhoa Coelho: "O cheque
é uma ordem de pagamento à vista, sacada contra um banco e com base em suficiente
provisão de fundos depositados pelo sacador em mãos do sacado e decorrente de contrato de
abertura de crédito entre ambos. O elemento essencial do conceito do cheque é a sua
natureza de ordem à vista, que não pode ser descaracterizada por acordo entre as partes.
Qualquer cláusula inserida no cheque com o objetivo de alterar esta sua essencial
característica é considerada não escrita e, portanto, ineficaz (Lei n. 7.357, de 1985 Lei do
Cheque, art. 32). Desta forma, a emissão de cheque com data futura, a pós-datação, não
produz nenhum efeito cambial, posto que, pelo contrário, importaria em tratamento do cheque
como um título de crédito a prazo. Um cheque pós-datado é pagável em sua apresentação, à
vista, mesmo que esta se dê em data anterior àquela indicada como a de sua emissão (art. 32,
parágrafo único). (4)”.
Importante salientar também que a data de emissão é um dos requisitos essenciais do cheque,
com supedâneo no artigo 1º, V, da mesma lei; e caso tal requisito elementar venha a faltar, não
existirá cheque, mas, sim um documento apto a munir outra ação que não seja a de execução.
Ora, nota-se que o legislador, ao inserir a data de emissão como requisito essencial, não o fez
por mero deleite, mas, sim, pois, com base nela é que será contado o lapso de apresentação
do cheque e a sua prescrição, inclusive no que tange aos cheques pré-datados. Nesse
diapasão, não haveria o porquê de o legislador considerar a data de emissão como requisito
necessário para a existência do cheque, caso não o fosse para a partir dela decorrer contagem
de prazo; se assim não o fosse, pela inocuidade e prescindibilidade daquele requisito, correr-
se-ia o risco de se estar perante a letra morta da lei, o que não é o caso.
Outrossim, no campo da jurisprudência dos tribunais brasileiros, para melhor compreensão, eis
a transcrição de alguns votos, compactuando com a última tese:
“Ressalta-se, ainda, que à luz do art. 32, caput, da Lei n. 7.357/85, o cheque constitui
ordem de pagamento à vista, motivo pelo qual, mesmo que pós-datado (ou pré-
datado), a verificação da ocorrência de prescrição da ação de execução leva em
conta o dia consignado na cártula como sendo o de sua emissão, e não aquele
acordado entre as partes para a satisfação da importância nele expressa”. (5)
(TJSC – Rel. Des. Ricardo Fontes. Apelação Cível nº. 2005.002696-8. 31/03/05).
“E, discordamos da sentença quanto ao prazo que deu início à contagem a prescrição,
esta que a nosso ver tem como marco inaugural a data de emissão do cheque, e não
eventual data aprazada em apartado na cártula, eis que sendo o cheque um título para
pagamento à vista, não existe em nosso ordenamento respaldo jurídico para a
utilização do cheque pré-datado”. (6)
(TJSC – Rel. José Trindade dos Santos. Apelação cível n. 2004.007548-0. 30/06/05).
Conclusão
Diante de todo o exposto, por fim, conclui-se que o lapso de apresentação e a prescrição do
cheque pré-datado contam-se de sua data de emissão e não da data pactuada entre as partes
e nele artificialmente posta. Ademais, não se deve olvidar que a prescrição tratada pela Lei do
Cheque é quanto à ação de execução e tão-somente a ela; destarte, ainda que o cheque esteja
prescrito, poderá ele ser cobrado pelas ações idôneas do próprio diploma adjetivo, como a
monitória e a ação de cobrança pelo rito ordinário.