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CAPITULO 0 Principio da legalidade fiscal na Constituig&o portuguesa de 1976 Secgao I Preliminares e antecedentes 1. Cousideragaes introdutérias ‘A Constituigdo portuguesa de 1976 estabelece um catéilogo de principios em matéria fiscal, que tém sido arrumados em prineipios formais € materiais, desenhando, no seu conjunto, (um)a constituigéo fiscal. Deste catélogo faz parte o principio da legalidade, objecto, por seu turno, de cinco artigos que abrangem: (1) a vertente das competéncias ¢ divisiio vertical de poderes tributarios - distribuii io de competéncias entre Assembleia da Repiiblica e Governo ¢ competéncias das regides auténomas e das autarquias locais em matéria fiscal (arts. 165.°, n.° 1, al. i), en! 2, 227°, n2 1 al. i), 232.°n.° 1 e 238.2." 4); (2) 0 objecto da reserva de lei, que inclui a criagi de impostos e sistema fiscal (de que fazem parte os elementos essenciais dos impostos, beneficios fiscais e garantias 34 dlos contribuintes), € 0 regime geral das (taxas ¢) demais contribuigdes financeiras a favor das entidades pitblicas (arts. 165.°, n° 1, al. i) ¢ 103.%, n.° 2); mate (3) a verte |, no sentido das exigéncias de densificagao da lei fiscal quanto aos elementos essenciais de imposto - exigéncias estabelecidas na primeira parte lidade cipio de leg do art? 103° n2 2 (incidéneia ¢ taxa), garantindo um p substancial; reito_de_resisténcia (4) © a consagragiio de um a tributagio que viole a Constituigdo ou a lei, exprimindo uma concepgdo garantista da legalidade fiscal (art.? 103.9, n.° 3)”, E para além destas disposigdes que se referem especificamente & matéria fiscal, lembrem-se aqui ainda o art.° 2° que caracteriza a Republica Portuguesa como um Estado de Direito democratico, ¢ 0 art 3.%, n.°2, segundo 0 qual o Estado se subordina 4 Constituigao e se funda na legalidade democritica: ndo nos esquegamos que a reserva de lei fiscal é também “uma expresso ou explicitagio do principio do estado de direito + 68 demoeratico” Amul cidade de preceitos sobre a legalidade fiscal na Constituigao de 1976 contrasta, por exemplo, com a Constituigao alema, que nfo tem nenhuma disposi ; > Geena especifica sobre a reserva de lei fiscal, mas apenas um artigo sobre & distribuigtio de © Como jé escrevemos, “[dJos projectos de Constituiglo apresentados pelos diferentes partidos, com assento no parlamento apés as primeiras eleigdes democréticas que se seguiram a revolugao de 1974, apenas os projectos do Partido Socialsta (PS), Centro Democritico Social (CDS) e Partido Popular Democrata (PPD) continam normas sabre a legalidade fiscal (reserva de lei) © apenas os projectos do PPD e do PCP... continham normas sobre a legalidade substancial, limitando-se os outros projectos mencionados a estabelecer a reserva de lei fiscal..{ ] A reserva de competéncia do parlamento, nos projectos do PPD e do CDS, era uma reserva relativa, com possibilidade de delegagao da competéncia no Governo, ¢ existia a possibilidade de ser exercida, em caso de urgéncia e de necessidade ou interesse nacional, pelo érgdo revolucionario de transigdo (Consetho da Revolugio)": ANA PAULA DOURADO, “O Principio da legalidade fiscal na Constituigdo portuguesa”, Perspectivas constitucionais, nos 20 anos dda Constiuigao de 1976, vol.ll, Coimbra, 1997, pp. 430-431, nota 4; V. ainda a bibliografia ai citada, de Gque se destaca, JORGE MIRANDA, Fontes e trabalhos preparatirios da Constituigao, voli, Lisboa, 1978, pp. 271, 355 e 35. 368, 418, 456 e ss. € 469, Acrescente-se que as duas Plataformas do Acordo Consrnucional celebradas entre a Assembleia Constituinte e 0 Movimento das Forgas Armadas em 13 de [Abril de 1975 e 26 de Fevereiro de 1976 no interferiram na matéria da legalidade fiscal, discutida © provada em comisstio em Setembro de 1975: Actas da Assembleia Consttuinte, Organizacao do Poder politico, 1975-1916, preficio de Jorge Miranda, Lisboa, 1981, Introdustio e pp. 51-53; ef. ANA PAULA DOURADO, Iden. © “(E} indissoluvelmente ligadla) & figura dos deveres fundamentais, na medida em que do seu néicleo duro faz necessariamente parte a definiso das relagdes entre a liberdade individual, consubstanciada nos direitos fundamentais, e a responsabilidade comunitiria dos individuos consubstanciada nos deveres" \SE CASALTA NABAIS, O Dever fundamental de pagar impostos, Coimbra, 1998, p. 148. competéncias fiscais entre Estado federal e Estados federados (art.° 105.° da GG). A nossa Constituigdo dedica também mai disposigdes legalidade fiscal do que a Constituigao italiana, que reserva lei as "prestagdes pessoais ou patrimoniais" (art.° 23.9), onde se consideram incluidos os impostos, e cujos arts. 119.° ¢ 128.° consagram as competéncias tributdrias das regides ¢ das autarquias locais. Podemos dizer que o elenco de preceitos sobre a legalidade fiscal na Constituigao de 1976, parece revelar uma grande preocupagdo do legistador constituinte sobre a matéria, Neste capitulo, vamos analisar o principio da legalidade fiscal na Constituigaio de 1976, mais concretamente, a vertente das competéncias legislativas e a distribuigZio destas entre Assembleia da Repiblica e Governo, o object dessas competéncias (dando especial ateng&o aos elementos essenciais da relagao juridica de imposto), e propomo- nos ainda comegar a delinear as exigéncias minimas de determinago da lei fiscal - ou principio da tipicidade fiscal -, fambérn decorrentes da Constituigiio, nomeadamente, do art? 1032 n° 2. No capitulo que dedicamos ao principio da tipicidade fiscal, aprofundaremos esta questo, demonstrando que se trata de um conceito dogmatico supra-ordenamental cujas exigéneias minimas sio comuns a outros ordenamentos proximos do nosso, e ensaiando os critérios que devem presidir a tais exigéncias minimas. E para 0 efeito, cabe desde ja clarificar que nao nos vamos debrugar sobre todas, as disposigées da constituigio fiscal. Uma vez que 0 objecto do nosso trabalho é limitado as exigéncias de determinagao da lei que disciplina os elementos essenciais do imposto (elementos essen 's da relaglo obrigacional fiscal) ¢ as consequéncias da abertura desta lei (nomeadamente, através de conceitos juridicos indeterminados) na sua aplicagio, cabendo saber se essa abertura implica uma margem de livre apreciagao governamental ¢ administrativa e em que termos ela deve ser exercida, néio vamos analisar © regime de todas as disposigdes constitucionais em matéria fiscal, mais ou menos relacionadas com o principio da legalidade — 0 que alids jé foi feito entre nés por Casalta Nabais, que, a0 tratar pormenorizadamente os “limites constitucionais formais € materiais” ao poder tributério, se debrugou sobre todos os artigos integrantes da 36 eminence ene REN constituigao fiscal ®. E no vamos, tio pouco, analisar em detalhe a divisao vertical de poderes tributirios - fal como no vamos tratar, por exemplo, da relagio entre a Jegalidade ¢ os contratos fiscais, nem dos limites da interpretagio admissivel, da retroactividade, ou das cléusulas gerais anti-abuso. Sendo certo que 0 tema da ‘cal esti relacionado com muitos outros principios e regimes ¢ pode por legalidade isso ser estudado sob miltiplas vertentes, estas perspectivas que excluimos do objecto do nosso trabalho sto marginais ao estudo da relagdo entre exigéncias de determinagio legal e margem de livre apreciagdo na aplicagio da lei Mas pode-se sempre dizer que as conclusdes a que chegarmos para as relagdes centre exigéncias de determinagao das leis de imposto, ¢ margem de livre apreciagiio no desenvolvimento regulamentar de conceitos legais indeterminados ou aplicagio destes a0 caso concreto, valem, com as necessérias adaptagdes, para as relagdes entre decreto- legislativo regional e regulamentos regionais, ou lei geral da Repiiblica e regulamentos regionais, ou lei geral da Republica e regulamentos municipais. Esclarega-se finalmente que vamos dedicar-nos apenas a legalidade dos impostos - entendidos estes como tributos de cardcter unilateral por contraposigao as taxas (“critério estrutural” "°), e cuja finalidade seja a arrecadagéo de receitas a titulo principal ou secundaria, of até, excepcionalmente, a prossectigdio de quaisquer outras finali ficar dependente de uma justificago material bastante, como exige alguma doutrina lades piblicas no sancionatérias. Mas neste tiltimo caso, a sua legitimidade deve alemi para as receitas extrafiscais "', sob pena de subvertermos a fungdo dos impostos nos Estados de Direito democraticos, i.e., no Estado fiscal ”. Lembre-se que 0 Tribunal Constitucional adopta um conceito mais restritivo de imposto, do qual nfo faz. parte a extrafiscalidade, O Tribunal contrapde um conceito @ JOSE CASALTA NABAIS, O Dever fundamental... cit, tito UL ”° JM, CARDOSO DA COSTA, “O Enquadramento constitucional...”, cit., p. 402. * KLAUS TIPKEJOACHIM LANG, Seuerreh 17 ed, Koln, 2002.45 »'V-JOSE CASALTA NABAIS, “0 Principio da Izatide Taleo atais desis da tibuto3o" Separata do BEDC, Volume comemoraio, Coimbra, 2002, pp. 4-14, fazendo a erica 4 "alguns deutrina actual que, “eeuperando eis de Joseph Schumpeter ientia Estado fiscal com Estado itera. Como dz Casa Nabas “0 estado fea coveceu dus modaldades ao longo da sia evolu o exado sel liberal, movida pela preoeupato de neuialidade econdmicae sci, e esta fea social economizamente intervenor e socialnenteconfrmador"(p.5).V. ainda ¢ aor, caateriando devine 0 Eno Tal coma pa CRP 19cm O ver finda ch es, normativo-constitucional de imposto - parecendo exigir uma _finalidade predominantemente fiscal - a um conceito financeiro ™: esta metodologia conduz a um ™ Diz-nos CARDOSO DA COSTA: “[e}m boa verdade .. no € ..] ertério «estruturaly 0 tinico com 4que 0 Tribunal opera .. na sua jurispnudéncia, para delimitar o conceito de «imposto» - e para, desse modo, circunserever o mbito da reserva parlamentar da alinea i) do n.° 1 do artigo 168° a0 lado dele, de facto, nio deixou de recorrer também a um critério «finalisticon, centrado sobre a razdo de ser ou 0 objectivo das receitas em causa” ("O Enguadramento consttueional..”, cit, p. 403). O Tribunal tem colocado de fora das exigéncias da reserva de lei a extrafiscalidade, definindo-a como @ conjunto de {rfbutos que no tém quaisquerfinalidades de arrécadagao de receta. Mas se repararmos nos easos por ele analisados, parece-nos que, muitas vezes, o Tribunal exige que a finalidade fiscal seja a “finalidade Principal” (veja-se caso dos “direitos niveladores agricolas”, ac. n.° 70/92, de 24.2, Aedrddos do TC. vol. 21, pp. 225 e ss.). N6s diremos que, no nosso ordenamento constitucfonal, e nomeadamente, para efeitos de reserva de lei fiscal, impostos sfo 05 “impostos fiscais” (cujafinalidade principal é a obtengio de receitas) ¢ “extrafiscais” (cuja finaidade principal ¢ a prossecugtio de “finalidades sociais" ou de “orientagao de comportamentos"), devendo exigr-se, em regra, que a finalidade secundaria seja ainda a. btengao de reeetas. Segundo a concepeao adoptada pelo nosso TC, algumas recetas extrafiscais, como os diferenciais de Pregos, slo “Yinanceiramente (isto é, do ponto de vista da ciéncia das Finangas) “impostos”. quando constitugm receita” da entidade que-prossegue. finaidades piiblicas (por exemple, 0 Fundo. de Abastecimente), porque “ocorre ai uma prestasSo pécuniria em favor de um organismo publi sem que nada se receba em toca, ¢ de tal modo que as entidades adstitas a essa presiagdo ficam desse modo unilateralmente despojadas de uma parte do seu “Iucro” ... em proveito do Estado (lato sensu concebido)”; mas io constituiriam impostos do ponto de vista juridico-consttucional porque "20 estabelecé-los, 0 legislador nfo se move na érbita tributéria (a dos artigos 106. ¢ seguintes da CConstituigdo da Repiblica), mas ainda na érbita da direcgo econémica ~ou da repulamentagao “directa 4 economia pelo Estado”: declaragao de voto de vencido de JOSE MANUEL CARDOSO DA COSTA, no aeérdao do TC n° 7/84, DR, 2." Série, 3.5.1984, p. 543. Lembre-se 0 caso dos diferencias de presos da Empresa Piblica do Abastecimento de Cereais (EPAC) e do Fundo de Abastecimento. A EPAC atdguria em exclusivo todo o trigo de produgio nacional e, em regime de interven, as quantidades de Aquaisquer outros cereais de produto nacional entregues pelos produtores. Por despacho ministerial eram éslabelecidos os pregos de compra venda do cereais. Os pregos eram fixados por diplomas ministrias Quando houvesse alteragio nos presos ~ “diferenciais de precos” -, para mais, essas. diferencas constituiam receitas do Fundo de Abastecimento. A finalidade dessas reccitas era a de que o Fundo suportasse parte do custo de algumas mercadorias indispensiveis ao abastecimento piblico, ou seja um. bjeetivo econémico intervencionista~ relcionado com o papel do Estado na economia e cujas reeres estariam apenas sujeitas & constituigio econémica, V. acérdio n.° 7/84, de 24 de Janeiro, Acdrddos do TC, vol.2, 1984, pp. 85 e ss. A distingZo no nosso ordenamento entre “fiscaidade” e “extraiscalidade” complicou-se, porque o forte papel intervencionista do Estado na economia durante o Estada Novo e apés a Revolugao de 1974, até final dos anos 80, fez com que alzumas das receitas de fundos estivessem relacionadas com o papel do Estado como produtor ¢ empresirio, e por isso fossem enguadradas apenas 1a consttuigo econdmica e nao fiscal. Enquanto a parafisealidade, que ni era submetida a reserva delet durante 0 Estado Novo (as “taxas” dos “organismos de coordenagio econdmica” slo. verdadeiros impostos, como fez notar ALBERTO XAVIER, Manual de Direito Fiscal, Lisboa, 1981(1974), pp. 73- 75), passou a sé-lo pelo TC no dmbito de vigéncia da CRP de 1976 (V., por exemplo, acérdao do Tribunal Constitucional n° 616/03, proc. n.* 340/99), © mesmo nfo aconteceu com a extrafiscalidade (por exemplo, a propésito dos direitos niveladores agricolas e diferencias de pregas eabrados pela EPAC ¢ pelo IROMA, acérdos do Tribunal Constitucional n° 60297, de 14.10, des. do TC. vol38, 1997, pp. 179 ess, n° 70/92, DR, Il Série, de 18.8.1992, n° 194/92, DR, Il Série, de 25.8.1992); mas, na verdad, ‘algumas das “taxas” dos referidos “organismos de coordenagio econémica” nao prosseguem em primeina linha fins fiseais, mas também tm estado entre nés relacionadas com o papel intervencionista do Estado nna economia, ie. com finalidades extrfiscais (ALBERTO XAVIER, Manual. cit, p. 74: AL. SOUSA, FRANCO, Financas Piblicas e Direito Financeira, Il, 4 ed, Coimbra, 1993, p. 77, JOS: CASALTA NABAIS, O Dever fandamental... ct, pp. 630-631). Pelo contrério, na Aletnanha, o “adicional de 38 ais restritiv do que o adoptado por grande parte da doutrina nacional Me conceito 8 também mais resritive do que o adoptado pelos seus homélogos alemao e espanhol pono rls com a conjutura cconiea”Konunturzuschl), bem come a bug speci imps ec pris das empresas” edo “ransprte rodovro de mereadoris” (BVen/GE, 16,p. 161 es ay arm cosiderados mpostosexrafiscais, mas ainda "erdadetos” imposts, suet & oe) ale portanto também A reserva de lei fiscal. Ineuindo os impestos extafiseis no care posto JJ. TEIXEIRA, RIBEIRO, “Os Principios consttucionis da fiscalidade conetines, BFDUC, vl. XLI, 1966, p. 234236, Ligdes de Financas Piblicas, Coimbra, 1984, 2* rae 211-213e ainda, tendo posterionnente madado de opnido, .M, CARDOSO DA COSTA,

Parlamento *’. Na versio , origindria da Constituigao, para além da reserva de lei fiscal prevista no art. 70°, 5" artigo 27. n2 3, da CR 1911, ats citado, Segundo PEDRO SOARES MARTINEZ, 0 artigo 8, 16, da CR de 1933, teve por forte inspiradora o § 30, do ar.* 72.°, da Constituigso brasileira de 1891 Direito Fiscal, cit, 72 ed., p.91 "y. |, M.CARDOSO DA COSTA, Curso... cit, p. 163. Em 1951, ARMINDO MONTEIRO aproveitou para fazer o elogio da reserva de lei parlamentar, como a dinica admissivel em matéria de imposes, Fovecondo argumentos de garantia dos contribuintes, os quais estariam consagrados no art 8° n° 16 da Constituigto (Introducdo .. 1, cit, 1951, pp. 82-83). 5 Embora a revistio de 1971 tenha alterado a redacedo deste § 1 do art. 70.°, passando a referir-se 8 taxa “ow aos seus limites” e as “isenges a que possa haver lugar” * Todavia, j8 durante 0 Estado Novo, € embora a Constituigdo de 1933 nito fizesse referéncia a um ‘qualquer poder tributirio ou autonomia financeira dos municipios, © Codigo Administrativo enumeray® {3 impostos que as Camaras Municipais podiam langar ¢ fixava os limites mximos das taxas desses iimpostos, atrbuindo-lhes competéncia na determinagdo da taxa em concreto: V., por exemplo, ALEXANDRE PINTO COELHO DO AMARAL, Direito Fiscal, Segundo as prelecgBes... it, 1957, pp. 33.04, ® Mencionando essa divida, ALBERTO XAVIER, Conceito ¢ natureza... cit. pp. 288-289; mas 0 autor lembra que ao mesmo tempo, a reserva de lei formal consagrada pelo art. 70.” tinha wm aleance maior anlerionmente 2 revisto, pois, antes desta, as taxas dos impostos e as isengGes tinham de ser fixadas por Ici enquanto apés a revisho apenas os limites das primeiras e o quadro das segundas tinha de ser definido por lei B nenhuma disposigao reservava expressamente tal matéria 4 Assembleia Nacional. como notou Cardoso da Costa, a degradacao do significado do principio da legalidade fiscal ocorreu especialmente a partir da revisdo constitucional de 1945, que equiparou os poderes legislativos da Assembleia Nacional e do Governo **. A revisio de 1951, ao delimitar as matérias da competéncia legislativa exclusiva do Parlamento, das quais nfo constavam 0s impostos, tomava claro que 0 Governo podia também intervir “no dominio circunserito pelo art.’ 70.° e seu § 1° ". Ainda segundo o autor, “[a] ‘competéncia para a criagiio de impostos e para a definigao dos seus elementos essenciais passou, pois, a partir de entdo, a estar atribuida, em pé de igualdade, a Assembleia Nacional € ao Governo como érgio colegial” **. E também os érgaos legislativos para o ultramar podiam legislar em matéria de impostos, a0 abrigo do art.° 151° da Constituigao ©, _. Mas 0 entendimento da doutrina sobre este assunto nfo foi undnime, havendo quem defendesse que a matéria fiscal continuava reservada a Assembleia Nacional. Encontramos em Pessoa Jorge a sintese dos argumentos num e noutro sentido ”°. Assim, a favor do entendimento de “lei” do art.° 70.° da CR de 1933, como significando J. M. CARDOSO DA COSTA, Curso... cit. pp. 164-165. Na verdade, a revistio de 1945 veio prever a ratificagao de decretos-leis publicados fora dos casos de autorizagio legislativa, a qual era concedida lacitamente, se nio fosse requerida a submissdo desses decretas-leis a apreciagao da Assembleia, nas dez primeiras sess6es posteriores & publicagio por pelo menos cinco deputados (art® 109. § 3). "J. M. CARDOSO DA COSTA, Curso... cit, pp. 164-165. Mas nem toda a doutrina dew essa interpretagio ao art 70.°, § 1: V. a referéncia breve em PEDRO SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, cit, 10. ed, p. 94. E 0 conjunto de argumentos apontados por FERNANDO PESSOA JORGE, todos relacionados com a demonstragdo de que 0 ar.° 93.% ao enunciar as matérias sujeitas a reserva de ‘competéncia legislativa parlamentar, nfo continha uma enumeracao taxativa das mesmas. Assim, segundo © autor, o art” 70, § 1, tinha autonomia perante o art.°93.°,¢ dele resultava directamente, a reserva de lei parlamentar em matéria fiscal: Curso... cit, pp. 98 ess, V. desenvolvidamente, a nota adiante, “1. M. CARDOSO DA COSTA, Curso... cit, p. 163. © Segundo os arts. 150.° € 151., introduzidos pela revisio constitucional de 1951, a competéncia legislativa para o Ultramar pertencia no s6 a Assembleia Nacional e Governo, como também ao Ministro do Ultramar, sob a forma de decreto, diploma legislativo ministerial ou portaria legislativa, € aos Governadores e Conselhos Legislativos das provincias, revestindo neste caso a forma de diploma legislativo (cf. arts. 150.° e 151.° da Constituigdo ¢ Bases X, XXIV, XXVI e XXXIII da Lei Orginica do Ultramar Portugués), ¢ entendendo-se nao ser aplicdvel o art° 70, § 1 da Constituiglo; mas padendo a Assembleia Nacional ¢ 0 Governo da metrépole legislar sobre matéria fiscal do ultramar - embora tal ‘pinigo nao fosse undnime ~ valia a preferéncia de lei: V., ainda antes da revistio constitucional de 1971, JM. CARDOSO DA COSTA, Direito Fiscal, Licdes ao 3.° ano juridico de 1967-68, Coimbra, 1968, pp. 119-121 " PESSOA JORGE, “Poderdo os impostos ser criados por decreto-lei?", Separata da RFDUL, vol. XXIL, Lisboa, 1968, Entendendo que a Constituigio de 1933 consagrava uma reserva de lei parlamentar 44 lei da Assembleia Nacional e decreto-lei do Governo, foram aduzidos os seguintes argumentos: a partir de 1945, 0 Governo passou a ter competéncia legislativa normal; a criagdo de impostos nfo se achava compreendida na reserva de lei do art.” 93.° da Constituigiio; apesar de os defensores da tese contraria afirmarem que 0 art 70.° da Constituigao tinha como fungo histérica assegurar a “defesa dos cidadaos”, essa tese nao seria valida, porque a Assembleia Nacional tinha de autorizar anualmente o Governo a cobrar as receitas na geréncia ediata (art? 91.° n.° 4); a palavra lei no tinha necessariamente o sentido estrito de lei da Assembleia Nacional ”!, Segundo Pessoa Jorge, esta argumentago suscitava diividas. O autor considerava, por um lado, que o art.° 93,° era excepeional, “porque cont{inha] desvios a0 principio da igualdade legislativa” do Govemo ¢ da Assembleia Nacional, mas além disso, a enumeragio do art 93.° nao seria exaustiva: “a prépria Constituigééo abr[e] mais excepcdes” de que eram exemplo ~ para além do art” 70.° § 1 - a criagao de leis para o Ultramar (art.° 150.°n 1), ¢ a aprovagao de convengGes e tratados internacionais (art? 91.°, n° 4)”, O argumento de que a protecgio dos cidadios se bastava com a autorizagdo anual de cobranga de impostos também nio seria vilido, pois o art? 70.° § 2 86 exigia tal autorizagio, quando estes eram estabelecidos por tempo indeterminado, ou por perfodo ‘certo “que Htrapassasse uma geréncia® e pderiamos, pelo menos teoricamente, ter impostos novos criados em cada geréncia ”. A revisio de 1945 nao ‘em matéria de impostos, mesmo antes da revisto de 1971: ARMINDO MONTEIRO, Introdugdo... 1 cit, 1951, pp. 82-83; PEDRO SOARES MARTINEZ, Curso de Direito Fiscal, ., cit, 1960, p. 94; Da Personalidade tributdria, ct, p. 270; Em sentido contrario, por exemplo, J.J. TEIXEIRA RIBEIRO, “Os Pri =, cit, (1966), pp. 226-230. Este artigo resulta de uma conferéncia proferida esse ano em Lisboa, no mbito da Associagdo Fiscal Intemacional, tendo 0 autor tecido, nas entrelinhas, critcas a inexisténcia de uma reserva de lei parlamentar em matéria de impostos; ef. ainda, sem tomar Posiedo, e referindo que entendimento dominante sobre o art. 70° § 1 considerava “em pé de igualdade, a lei € 0 decreto-lei", Direito Fiscal, Apontamentos das ligies dadas pelo Excelentissimo fenkor Professor Doutor Pedro Soares Martinez ao 3.* ano de 1968-69 e coligides pela Comissao radagégica & folhas, Lisboa, 1969, p, 147; FERNANDO PESSOA JORGE, Curso... cit, pp. 98-105, FEZAS VITAL, Direito Consttucional, Ligdes publicadas, com autorizagao, por Mauricio Canelas Martinho Simdes, Lisboa, 1945-46, pp. 244-246; MARCELLO CAETANO, Manual de Direito dministrativo, 2. ed., Coimbra, 1947, p. 418; parecendo colocar em pé de igualdade a lei da Assembleia Nacional ¢ 0 Decreto-lei do Governo, MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrative, 5 ed., Coimbra, 1960, pp. 77-78 " F, PESSOA JORGE, “Poderto os impostos "cit, pp. 8-10 "'B. PESSOA JORGE, "oderdo os impostos ..”, cit, p. 1 ” F, PESSOA JORGE, “Poderdo os impostos.." pel4 teria dado um novo sentido ao conceito de “lei”, e no caso do art.” 70.°, tal sentido novo ndo era possivel *’. E finalmente, segundo o § tnico do art.° 181.° da Constituigao, os decretos regulamentares poderiam excepcionalmente revogar determinadas leis ou decretos-leis, mas ja nao, por exemplo, as matérias do § 1 do art.° 70.° ¢ do art.° 93.9 °°, Com a revisto de 1971, numa interpretagio isolada do art.° 93.°, a competéncia Iegislativa em matéria de impostos estava exclusivamente reservada & Assembleia (art.° 932, al. h)), quanto aos elementos do art.® 70.° § 1 (na redacgfio que Ihe foi dada em 1971, 0 art 70.° § 1 estabelecia que em matéria de impostos, a lei deveria determinar “a incidéncia, a taxa ou os seus limites, as isengGes a possa haver Iugar, as reclamagdes 0 recursos admitidos em favor do contribuinte”). Mas do § 1.° do artigo 93.° decorria a possibilidade de o Governo legislar sobre a por autorizagao parlamentar ou em caso de urgéncia e necessidade piblica, ficanda. nesses casos o decreto-lei sujeit o a ratificagio da Assembleia, sob pena de caducidade do mesmo °?. Embora as autorizagdes legislativas nao pudessem ser utilizadas mais do que uma vez, nao era qualquer referéneia ao contetido das mesmas, 0 que permitia que a Assembleia Nacional concedesse ao Goveno autorizagdes legislativas em branco, e Ihe delegasse uma competéncia global sobre a matéria das autorizagdes °*, ao que acrescia o facto de a Constitui fo ndo prever a fiscalizagdo organica da constitucionalidade ”. Nao se pode assim falar de uma ° F, PESSOA JORGE, “Poderio 0s impostos..", cit, pp. 15-16. °F PESSOA JORGE, “Poderio 0s impostos ..", cit, p. 16. °F. PESSOA JORGE, “Poderdo os impostos..., cit, pp. 17-18. Todavia, em sentido contrério, anos antes, © mesmo PESSOA JORGE, Curso... cit, 1963, pp. 70 € ss.: a palavra lei do art.” 70.° da Constituigéo designaria tanto a lei da Assembleia Nacional como o decreto-lei do Governo, desde 1945. E (0 autor admite aqui os regulamentos, porque a Constituigo s6 reservaria a lei os principios gerais em matéria de impostos (pp. 72-73). °7y., assim, ALBERTO XAVIER, Manual... cit., p. 113; J. M. CARDOSO DA COSTA, Curso... cit, pp. 168 ess. % Como ja escreveu JM. SERVULO CORREIA, Legalidade ¢ autonomia contratual nos contratos administatives, Coimbra, 1987, pp. 186-187. E no mesmo sentido, J. M. CARDOSO DA COSTA, Curso... Cit, p. 169, nota 1 Desde que os diplomas fossem promulgadas pelo Presidente da Repiblica, como resulta do art 123°, § 2°, na versio de 1971; € pot todos, J. M. CARDOSO DA COSTA, Curso... cit, pp. 180-185. E certo ‘que PESSOA JORGE, por exemplo, defendeu que do art.° 8.° n° 16 decorria uma garantia individual, dando aos tribunais © poder de nao aplicarem normas de tributagao feridas de inconstitucionalidade formal ou orginica, mesmo que elas constassem de diplomas promulgados pelo PR (“Podertio os impostos.., cit, p. 21), mas esta interpretago nunca vingou, 46 scompeténeia excepcional do Governo” em matéria fiscal, como pretendia Alberto 100 Xavier Como escteveu Alexandre do Amaral, a propésito do prineipio da legalidade fiscal na Constituigdo de 1933, “[s}e a matéria que tem de obrigatdriamente ser objecto de disciplina da lei ordindria & apenas aquela que apontamos acima [a enumerada no art. 702, § 1], logo se vé que uma parte bastante extensa da regulamentagao da relagio juridica fiscal pode ser realizada através de regulamentos ... Deve notar-se além disso, que, quando estes regulamentos revestem a forma de decretos regulamentares, que so promulgados pelo Chef de Estado ..., poucas garantias existem de que eles nao invadam a matéria reservada a lei formal, pois nos termos do § tnico do art. 123.° do texto constitucional, é vedado aos tribunais apreciarem a inconstitucionalidade organica ‘ou formal dos diplomas promulgados pelo Chefe de Estado” '"" Decorria ainda do art? 702, § 1.°, que a conereta taxa de imposto bem como as isengdes (entendidas como sinénimo de beneficios fiscais) podiam ser definidas por regulamento ' Na vigéncia da Constituigao de 1933, a semelhanga aliés do que aconteceu no mbito de vigéneia das Constituiges monirquicas e liberal, foi o Governo quem exerceu as competéiicias legislativas tributarias '°. A Cénstituigdo esérita é a realidade™” constitucional conjugaram-se de tal modo que (também) em matéria de impostos nao se pode falar de um Estado de Direito no ambito da Constituigao de 1933 '*. Assim, apesar das similitudes da disciplina da legalidade fiscal nas constituigdes escritas de 1976 ¢ de 1933 — nomeadamente, tendo em conta a versio inicial desta e a versio de 1971 -, 0 significado actual da reserva relativa de competéncias legislativas deve distinguir-se da figura vigente durante a Constituigo de 1933, que repudiou a separagdo de poderes do liberalismo, e em que a Assembleia Nacional nio s6 nfo tinha ALBERTO XAVIER, Manual... cit, pp. 113-114, "" ALEXANDRE PINTO COELHO DO AMARAL, Direito Fiscal, cit, 1957, p. 31. A situagao ‘manteve-se mesmo apos 1971 V., por exemple, ALBERTO XAVIER, Conceito... eit, pp. 287 € ss.; J. M. CARDOSO DA COSTA, Curso... cit., pp. 175-176. Este autor admitia mesmo a possibilidade de as isengdes e a taxa serem cconcretizadas por “simples acto administrative individual” (Idem, p. 176). "® V. por tados, PEDRO SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, cit, 102 ed. pp. 94-95 (89 ess.) "Assim, ¢ em geral, JORGE MIRANDA, “A Competéncia legisativa..., it, pp. 9 es. supremacia legislativa, como a produgdo normativa desta auténtica vontade popular” |. correspondia a “mais E certo que, no quadro da revi 0 de 1971, alguma doutrina se esforgou por interpretar o principio constitucional da legalidade fiscal, segundo os parametros de um Estado de Direito, em que a ideia de auto-tributagdo teria sido novamente consagrada, “regressando & tradigio e ao figurino da generalidade dos sistemas constitucionais estrangeiros”, numa Idgica nao apenas garantista, mas democratica, propria dos Estados is de Direito '"*. oe Secedo II Delimitacao de competéncias (ou vertente competencial da legalidade), objecto alcance da reserva de lei 1. Delimitagéo de competéncias em matéria de criagdo de impostos e sistema fiscal: linhas gerais Quer se salientem as semelhangas ou as diferengas do principio da legalidade fiscal, nas constituiges de 1933 e de 1976, ndo hi davida que nesta tiltima, ele se enquadra na tradi¢do do liberalismo, numa légica de Estado social de Direito, com as viriudes e as manifestages de crise que encontramos nos _ordenamentos ™ Como faz notar JM. SERVULO CORREIA, Legalidade... cit, p. 186. E esta diferenciagao € tanto ‘mais necessétia, quanto, como esereve PAULO OTERO, “{clomparando 0 tempo de vigéncia dos diferentes momentos constitucionais analisados, a histéria constitucional portuguesa revela, em primeiro Jugar, um claro predominio das experiéncias poiticas que envolvem uma supremacia do drgdo executivo sobre 0 6rgao parlamentar”: Legalidade e administragdo publica, O Sentido da vinculagiio administrativa @ juridicidade, Coimbra, 2003, p.113, verificando-se ou 0 “apagamento ou mesmo a supressio do érgio parlamentar, assumindo a lei a natureza de uma fonte (directa ow indirectamente) de autovinculagdo normativa do executivo” (Idem. p. 111): pp. 110-116. © Assim, por exemplo, J. M. CARDOSO DA COSTA, Curso... cit, pp. 166 e ss. nota 1, pp. 166-167, 48 contemporaneos que nos sio proximos '"”. O facto, por exemplo, de a competéncia ativa em matéria de criagdio de impostos e sistema fiscal estar reservada ao le Parlamento e de este poder delegd-la ao Governo, nos termos do art.? 165.°, n° 1, ie ne 2 da CRP, ja ndo deve ser interpretado como uma auséncia de legalidade democritica. Pelo contrario, ela insere-se na lgica do Estado social de Direito, vos. transmitindo uma “ideia de partilha diacrénica do poder? "> no ambito de um “policentrismo institucional” '”, e traduzindo uma (quase) “homogeneizagio politica da Assembleia da Repiiblica e do Governo”, em que ambos séio democraticamente legitimados '". Na verdade, no contexto do Estado de Direito do pés segunda guerra, a reserva a legislativa esté associada & afirmagio corrente de que os relativa de competér govemos dispdem de legitimago democritica por emanarem das maiorias parlamentares, e de que a actual divisdo de poderes ocorre entre a maioria (de que fazem parte o Governo ¢ 0 Parlamento) e a minoria que se constitui em oposigiio !!” Neste contexto, as autorizagies legislativas ao Governo em matéria fiscal, previstas no n.° 2 do art. 165.° da CRP, tém como objectivo contrabalangar 0 poder legislativo parlamentar com um poder legislative governamental mais especializado ¢ nte das imperfeigdes da lei na sua aplicagao efettiva, pela sua proximidade’ da administragao fiscal e de organizagdes internacionais como a OCDE ¢ a Comunidade Europeia — Casalta Nabais refere-se a este propésito ao “contrabalangar do. poder legislative pelo poder fictico e técni 0 da administragio”, a “uma certa "" Procurando, pelo contririo, salientar as semelhangas entre as duas constituigbes, quanto ao “estatuto funcional do Governo”, considerando que “merece especial atengio ... a excepcional concentragio de competéncia normativa no Governo ~ em especial a amplitude da sua competéncia legislativa prevista ‘a Constituigdo de 1976 e directamente “herdada” do texto constitucional anterior", e de tendéncias ‘antiliberais": PAULO OTERO, Legalidade e administragao piiblica,.. cit, pp. 125, 129 (125-130). CE. do autor, O Poder de substituigdo em direito Administrative ~ enquadramento dogmatico-constitucional, 11, Lisboa, 1995, pp. 626 e ss.. Justamente para se evitarem este tipo de leituras - que, é certo, néo tém em Conta que nos Estados de Dircito do pés segunda guerra, os governos tém uma legitimagio demoeritica Préxima da dos parlamentos -, deve exigir-se, no caso da legalidade fiscal, e como referimos adiante, que 5 autorizagoes legislativas contenham verdadeiras orientagdes politicas, "JOSE CASALTA NABAIS, O Dever fundamental... cit, p. 332. J.M, SERVULO CORREIA, Legaidade... cit, p. 214 (toda esta ieia esti presente desde ap 188) '” JORGE REIS NOVAIS, As Restrigdes aos direitos fundamentais..., cit., p. 829. "" Por exemplo, por todos, JORGE REIS NOVAIS, As Resirigdes aos direitos fundamentals... ct, pp. 829 es, governamentalizago dos impostos traduzida na iniciativa legislativa governamental na delegagéio legislativa” '"?, que designa também de “governamentalizagao fiscal material” "3, 'Exemplo deste fendmeno sao as autorizagées legislativas orgamentais, que centre nés sfio dadas anualmente ao Goveno a pedido deste, para, através de decreto-tei, modificar a redacgdio de preceitos dos eédigos de imposto que levantaram duvidas de interpretagdo aos servigos, ou que, segundo informagdes desses servigos, ou por Ievantamento cruzado inter-estadual e recomendagio dos grupos de trabalho da OCDE, demonstraram nao cobrir um conjunto de actos ou negécios juridicos que deveriam estar previstos na lei ¢ que sio utilizados no planeamento fiscal ou para elidir a lei fiscal. Também manifestagdio da governamentalizacZo fiscal nos Estados europeus do final do século XX e principio do século XXI, € a transferéncia do poder fis il (no sentido de eompeténcias para criar impostos e alterar os seus elementos essenciais) para os governos no quadro da harmonizagao fiscal comunitéria, isto é, para o Conselho da CE, e que Casalta Nabais designa de “governamentalizagao fiscal formal” '"* Refira-se ainda, como um trago do Estado social de Direito no principio da legalidade, a distribuigao ve 1 do poder tributério, ¢ esta sim constitui uma novidade da Constituigdo de 1976 em relagio as anteriores constituigdes portuguesas: 0 legislador constituinte portugués compreendeu que 0 principio democritico, que constitui um dos fandamentos da reserva de lei, ja nfio € cabalmente assegurado pelo Parlamento nacional, ¢ atribuiu aos Parlamentos regionais, ¢ as autarquias locais, poder tributério ~ 12 JOSE CASALTA NABAIS, O Dever fundamental... cit, p. 332. Sendo certo que, como reverso da imedalha, a lei formal deixa de exprimir a razio ¢ a justiga para passar a ser produto de interesses Frutculeres organizados: assim também JOSE CASALTA NABAIS, dem: “O Prinepio da lgslidade Fecal e os actuais desafios..", cit, pp. 23-25. E V. ainda no mesmo sentido, aduzindo varios argumentos para ilustar que as competéncis parlamentares em maria financera e que o principio da legalidade Fecal denota uma =progressiva perda de significado juridico e politico,” ANTONIO LOBO XAVIER, 0 Greamento como le, Contribute para a compreensao de algumas especificidades do Direito orcamental ‘portugués, Coimbra, 1990, pp. 20 € ss. €34.€, 'D JOSE CASALTA NABAIS, “O Principio da legalidade fiscal e os actuais desafios..", cit, p.23, 1M José CASALTA NABAIS, “O Principio da legalidade fiscal eos actuais desafios da tributagao”, cit, .23 (ef pp, 2824 e37 ess) ANTONIO LOBO XAVIER, O Orcamento como le... cit pp. 26:28; FT JORO MIRANDA, O Papel da Assembla da Repiblica na construeao europeia, Coimbra, 2000, to td ess. Defendendo a pouca influéncia da CE na governamentalizarao pola e legislativa, antes de Pr jaticht, MARCELO REBELO DE SOUSA, “A Integraglo europeia pos-Manstricht € o sistema de wevemo dos Estados-meoros", Andlise Social, 1992, ns. 118-119, p. 795. Sobre as competéncias do Beyelho, FAUSTO DE QUADROS, Direito da Unido Europeia, Coimbra, 2004, pp. 257-258 ¢ ss. 50 i.e, legislative ou regulamentar — nos termos previstos na Constituigao e ma lei. Nas patavras de Casalta Nabais, a “clissica divisio horizontal de poderes provou ser pouco cficaz, é democraticamente insuficiente e jé no é um obsticulo eficaz & absolutizacio do poder” ', ne 13/98, de 24 de Fevereiro, veio abrandar a discusstio doutrinaria ¢ jurisprudencial sobre o No que diz respeito as regides auténomas, a lei das finangas regionai significado ¢ alcance do “poder tributirio proprio [de que dispdem as regides auténomas}, nos termos da lei”. Recorde-se que esta discussio foi desencadeada com a revisio constitucional de 1982 '"%, que introduziu tal poder no art.° 229.°, al. 1, da CRP, ¢ que nfo foi eliminada com a revisio de’ 1989, apesar de esta ter desdobrado as competéncias legislativas regionais em matéria fiscal, num “poder tributério proprio” num “poder de adaptago” do sistema fiscal nacional as especificidades regionais. Recorde-se ainda que o significado de “poder tributério proprio” dividiu as opiniges dos mais regionalistas ~ que admitiram um verdadeiro poder de criar impostos regionais, sempre que houvesse interesse especifico, ¢ nos termos da lei geral da Reptblica '"7 - e dos mais centralistas ~ que admitiam, no méximo, um poder de 1 JOSE CASALTA NABAIS, O Dever fundamental... ct, pp. 278-29. V. também JOAO BAPTISTA MACHADO, Participapio e descentraitacio, democratizacdo ¢ newtralidade na consttuigdo de 76, Coimbra, 1982, que caracteriza a “perfeitaimplementagio da democracia no quadro estadua.. (Como onduzindo) 8 limitasfo [do} poder poltico da maioria. {em que o} Estado modemo .. aparece como tina eapdcie de worgunizagloy de segundo grau, ot insttuigdo-cipula..” (pp. 78-79); 0 autor distingue fm pp. anteriores, a deseenttalizagio imperfeta ou impropria ("descentralizayio_ meramente partspatva”) da descentralizago plena "com adjudicaga de aribuigdes prépras e exclusivas”(p. 57). TM. SERVULO CORREIA, Nogdes de Direito Administrative 1, Lisboa, 1982, pp. 125-127. E PAULO OTERO, Legalidade ¢ adninistragdo pilica... cit, pp. 147-152. Quer a CR de 1911 (art? 66., 6.9, quer a de 1933 (art? 120°, da versio origindria), previam a autonomia financeira dos corpes ‘Niministrativos lois, “na forma que a lei determina?” Ne Sobre o aleance da autonomia legislativa regional antes da revisiio constitucional de 1982, V. por todos, JORGE MIRANDA, “A Autonomia legislativa regional e o interesse especifico das regides auténomas”, Estudos sobre a constituiedo, vol. 1, Lisboa, 1977, pp. 307 e ss.. Sobre a discussfo antes € apis a Lei n® 13/98, V., por todos, EDUARDO PAZ FERREIRA, “O Poder tributério das Resides ‘auténomas: desenvolvimentos recentes”, BCE, vol. XLV-A, 2002, pp. 286 e ss. "7 EDUARDO PAZ FERREIRA, 4s Finangas Regionais, Lisboa, 1985, pp. 103 € ss “O Redimensionamento dos poderes econémicos € financeiros das regiGes auténomas pela jurisprudéncia constitucional", Estudos de Direito Financeiro Regional, Ponta Delgada, 1995, 153-155; republicado em Estudos de Direito Regional, Lisboa, 1997, v. pp. 582-583; em 1983, A. L. SOUSA FRANCO (“Sobre a constituiga0 financeira de 1976-1982, Estudos, CEF, Comemoragio do XX aniversirio, I, Lisboa, 1983, Pp. 117 ess.) entendia que 0 “poder tributarig proprio 56 podlia) ser o poder de criar impostos, com todas as consequéncias ¢ contetido do art? 106.°, desde que fossem respeitadas as restrigies estabelecidas pelos estatutos regionais, pela lei geral e pela tei definidora da forma e contetido desse poder tributario proprio (p. 118). Admitindo, na linha do TC, apenas o poder de eriar impostas novos para a regio, mas sl adaptagio dos impostos nacionais ''*, O Tribunal Constitucional entendia que do cardcter unitdrio do Estado portugués € do entao art.° 115.° n.° 3 da CRP (na versio de 1982, e correspondendo grosso modo ao actual art.’ 112°, n° 4), segundo o qual os decretos-legislativos regionais no podiam dispor contra as leis gerais da Republica, decorria uma proibigao de adaptagdo, por decreto-legislativo regional, das leis fiscais parecendo nfo admitir 0 poder de adaptagio, em 1985, e jé admitindo este poder em 1993: J.1. GOMES CANOTILHOIVITAL MOREIRA, Constituigdo da Reptiblica Portuguesa Anotada, vol. 2, 2 ed. Coimbra, 1985, pp. 362-362; IDEM, 3" ed. (1993), pp. 858-859. Admitindo quer a criago quer a adaptagio, diz-nos J.J. TELXEIRA RIBEIRO: “..o que se pretende saber se, depois de a Constituigdo ter concedido poder tributério proprio as Regides AutOnomas, a alinea i) do artigo 168.° ainda deve ser interpretada como tendo reservado a Assembleia da Republica a criago de todos e quaisquer impostos, ‘ou se ja deve sé-lo no sentido de pertencer as Regides Auténomas a eventual criagao de alguns”. A esta {questi responde o autor afirmativamente, desde que estejam preenchidos os seguintes requisites: “o artigo 229° da Constituigdo exige, no seu corpo, que o poder tributério das Regides Auténomas seja definido nos respectivos estatutos, cuja aprovago cabe & Assembleia da Repiiblica; exige, depois, na sua alinea a), que ele se conforme com a Constituigao © as Leis Gerais da Repiiblica que sto leis da Assembleia ou decretos-leis do Governo sob autorizagao; ¢ exige, finalmente, que ele seja exercido nos termos da lei, Que também é lei dimanada da Assemblela da Repablica” (“Criagao de impostos pelas regites auténomas”, Estudos de Direito Regional, cit, pp. 456-457). O autor equipara ainda, e bem, a ‘eriaglo de impostes & alterago dos seus elementos essenciais, para efeitos de reserva de lei ¢ competéncias tributiias das regides (Idem, p. 457): 0 autor mantém a posigo expressa em 1986, pois este artigo ja tinha sido publicado na RLJ, 1986, n° 3743, pp. 33-36. Também MARIA LUISA DUARTE se refere a um “poder de auto-limitaglo” da AR, através da aprovarao da lei da qual depende o exercicio do poder tributrio pelas regides auténomas: “com a aprovagdo da referia lei, verifica-se uma deslocagio dde uma matéria originariamente da competéncia reservada para uma competéncia partthada com as regiGes auténomas, embora sujeita a limites fundamentais”, ie., interesse especifico, limite territorial, inderrogabilidade das leis gerais da Republica, enquadramento legal e principios constitucionais (“As receitas tributarias das regiées autonomas”, Estudos de Direito Regional, cit. pp. 502-503); CARDOSO DA COSTA, na declaragdo de voto no acdrdao do TC n.* 267/87, repensando a doutrina do acérdao n.* 191/84, que tinha subscrito, admite agora expressamente o poder de adaptagao do sistema fiscal nacional as especificidades da regio; A. L. SOUSA FRANCO, “A Autonomia tributéria das regides”, Estudos de Direito Regional, Lisboa, 1997, pp. 467-468 (Comunicagio a VIII Semana de Estudos dos Agores realizada em Angra do Herofsmo ‘em Junho de 1987, incluida no volume A Autonomia Como Fenémeno Cultural e Politico editado pelo Instituto Agoriano de Cultura). Para SOUSA FRANCO, decorria do art.” 106.%, n° 2, que a eriagio de mpostos estava reservada A lei da Assembleia da Repiblica, mas “nada obstaria @ que a Assembleia da Repiblica, através duma lei-quadro, fixasse principios gerais sobre a adaptagao do sistema fiscal regional € cometesse 0 seu desenvolvimento aos érgios legislativos regionais, em primeira linha, porque se trata de matéria que € do seu interesse especifico” (IDEM, p. 468). E mesmo depois da revisSo constitucional de 1989, em que 0 “poder tributério proprio” e o “poder de adaptagtio do sistema fiscal nacional as ‘especificidades das regides” s80 autonomizados, SOUSA FRANCO, interpretando da mesma forma 0 significado de “poder de adaptagio” (Finangas do sector piblico, introduedo aos subsectores instiucionais, Lisboa, 1991, pp. 693-694) defende que o poder méximo das regides auténomas em mmatéria tributiria & 0 poder de adaptagao, considerando que © poder tributério préprio € um poder que se situa entre aquele © o poder administrativo: Jdem, pp. 695-696. Todavia, lembre-se que o Tribunal Constitucional, antes da revisto de 1989, embora também tenha feito uma interpretagdo restrtiva de “poder tributério proprio”, f@-la no sentido de considerar que este apenas podia consistir na possibilidade de criagdo “ex novo” de impostos regionais: acorddos n° 91/84, de 29.8; 348/86, de 11.12; 267/87, de 31.8. V. ainda J.L. SALDANHA SANCHES, anotagio ao acérdio n° 91/84, CTF, ns. 310/312, pp. 408- 409. O Professor entendia que nos Estados unitérios como o portugués, o poder tributério se encontrava ‘concentrado num . Por isso, vamos tentar dar um contributo para a reformulagdo dessa concepgio tradicional do principio da legalidade fiscal, quanto as obrigagdes de determinagao do legislador € ao grau de vinculago da administragio fiscal a lei, sendo certo que cabe sempre aos tribunais o controlo dos limites de qualquer margem de livre decisto do fisco atribuida por lei. Expresso do principio de Estado de Direito, e corolério indissociével da i legalidade fiscal (¢ nao s6 desta), & ainda o art.” 268.° da CRP, cujos ns. 4 e 5% consagram direitos ¢ garantias que no encontram paralelo na Constituigao de 1933. Embora a revisdo constitucional de 1971 tenha introduzido no art.° 8°, respeitante aos dir fos € garantias individuais dos cidadios, 0 recuiso contencioso dos actos 7 _ tdministrativos definitivos ¢ executérios arguidos de ilegalidade, o art.° 70.°§ 1 referia- se as reclamagdes e recursos admitidos em favor do contribuinte, o que permitiu que 0s cédigos de imposto continuassem a impedir os recursos contenciosos. Sio a este propésito célebres os arts. 114°, § 2, e 78°, do Cédigo da Contribuigéo Industrial. Nos termos do art 114.°, § 2, do CCI, “{s}empre que em face do exame a escrita se verififeasse] a impossibilidade de controlar a matéria colectavel” determinada segundo o grupo A (ie., segundo 0 “lucro real”), ou se desse exame resultassem “fundadas dividas” sobre a correspondéncia do resultado apurado a realidade, a “matéria colectavel” era “determinada de novo”, pelo chefe de repartigao de finangas, segundo as regras do grupo B (i.e., segundo o lucro presumido), Os valores determinados pelo chefe de repartigio podiam ser objecto de 4 reclamagio (dirigida, como se sabe, 20 mesmo chefe da reparti io), € desta s6 havia © JOSE CASALTA NABAIS, O Dever fundamental... ct, p. 218; of ainda, por exemplo, CARLOS i PAMPLONA CORTE-REAL, “A Reforma fiscal e a inerente dignificagio ciemitica do Direito Fiscal" | Coléquio sobre o sistema fiscal, Comemoragdo do XX aniversério do Centro de Estudos Fiscais, Lisboa, | 1984, pp. 77-79, referindo-se & “eficdcia da acco governativa”, nesta matéria “técnica”, n3o dominada \ pelos Seputades, © 20 ppel da cireulares instars despacbos, oo qusis sriam mais stents & | fquidade (0 que € muito discutivel, como teremos oportunidade de ver no sltimo capitulo da tese, dedicado a tipificagao). 5 Lembre-se que o n° 4 assegura aos administrados a tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou inteesses legalmente protegidos, a impugnasao de quaisquer actos administrativas que os lesem, 2 \ determinagdo da prtica de actos administativos legalmente devidos e a adopeo de medidas eautelares recurso para uma “comissio distrital de revisio” de tais valores, constituida pelo director distrital de finangas (que presidia e tinha voto de qualidade, nos termos dos arts 722 € 16° do CCI), um delegado da fazenda nacional ¢ dois representantes dos de contribuintes. As deliberagdes desta comissao nfo eram, por seu tumo, susce| impugnagao judicial, excepto em caso de preterigao de formalidades legais (art. 78.° do cep”. ‘Além de nao ser possivel recorrer contenciosamente dos valores determinados ~ discricionariamente - pelo chefe da repartigao de finangas, ao abrigo do grupo B, nfo ‘era também sindicada judicialmente a propria decisio administrativa de mudanga de grupo de tributago, a0 abrigo do art.” 114.°, § 2, do CCI. Por outras palavras, nfo eram sindicados judicialmente os pressupostos da mudanga de grupo (“impossibilidade de controlar a matéria colectavel” ou “a existéncia de fundadas diividas sobre se 0 resultado corresponde ou nao a realidad”). O STA, em jurisprudéncia constante, referia-se a um dominio de “discricionariedade técnica” do fisco. Estas disposigdes sobreviveram & Constituigao de 1976, No acérdao n.° 233/94, de 10 de Margo, 0 Tribunal Constitucional declarou o art.® 114, § 2, do CCl, inconstitucional, face aos arts. 106.°, n.° 2, € 268.°, n.° 3, da versio entdio em vigor da ilidde de-controlo judicial bs CRP, com base numa argumentagad que relaciona a impossit da actividade administrativa com a insuficiente densificagao da lei Na verdade, 0 problema no residia na indeterminagao do art.® 114.°, § 2, do ibunais Ihe davam. Estes deveriam controlar a CCI, mas na interpretagdo que-os verificagaio dos pressupostos da sua aplicagao — ainda que relativamente indeterminados ow indeterminados quanto aos “casos dificeis” '” -, e nfio o faziam. Adiante, quando analisarmos problema da margem de livre apreciagéo resultante dos conceitos juridicos indeterminados e criticarmos 0 conceito de discricionariedade técnica, perceberemos melhor esta questio. aadequadas; ¢ nos termos do n2 5 € reconhecido a0 cidadao 0 direito de impugnar as normas _udministrativas com eficdcia externa lesiva dos scus direitos ou interesses legalmente protegido. V. também, para uma deserigto do regime, PEDRO SOARES MARTINEZ, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 1984, pp. 491-493. "* Acdrdaos do TC, vol. 27, 1994, pp. 595 ss. 61 Inconstitucionais eram as disposigdes que proibiam o recurso contencioso das decisdes administrativas. Lembre-se também a este propési 10.0 § 3, do artigo 1388, do ‘Cédigo da Contribuigdo Industrial, que ndo permitia recurso judicial do despacho do ministro das finangas. Este tinha a ultima palavra sobre, por exemplo, correcgdes da determinagao do lucro tributavel, quando nao fosse observado o principio das entidades independentes, nas transacgdes entre entidades com relagdes especiais (art 51.°-A do CCI). Quer a doutrina quer o STA e o Tribunal Constitucional consideraram esta disposigo inconstitucional '“°, e a questo foi definitivamente ultrapassada com a entrada em vigor da reforma fiscal de 1988/89, cujos cédigos, respeitando 0 art.° 268.° da CRP, passaram a admitir a impugnagdo judicial de qualquer ilegalidade A situago mantém-se no quadro da lei geral tributéria e do cédigo de procedimento e de processo tributirio, salvo quando a liquidagio tiver por base 0 acordo entre os peritos no ambit do procedimento de revistio da matéria tributdvel fixada por métodos indirectos (arts. 91. 92° e 86.2 n. 4 da LGT). Neste caso ~ e desde que 0 representante do sujeito passivo nao defenda nem aceite posigdes distintas da defendida por este ~ 0 sujeito passivo esté vinculado pelo acordo obtido. Embora de uma interpretagdo literal dos arts. 86.° n.° 4 da LGT e 62.%, n.° 1, do CPPT, parega resultar que s6 poderd haver impugnago ju ial da liquidagao fixada por acordo, se a decisto “violar manifestamente competéncias legais” (art 62.°, n.°1, do CPPT), deve entender- "* A indeterminagio verificar-se-ia pelo menos quanto a um conjunto de casos que nfo caissem na auréola do conceito: V. adiante, a propésito do principio da determinacio e no capitulo da margem de liyre apreciagdo, o conceito que adoptamos de indeterminagio e determinagao. "Face ao art” 269.° n° 2 da CRP. Tais dividas ja eram suscitadas face ao art.° 8°n.° 21 da CR de 1933, ap6s 1971. V. Em sede de fiscalizagao conereta da constitucionalidade, ac. do TC n.° 437/89, de 15.6. Acérdéos do TC, vol. 13, tomo Il, 1989, pp. 1291 e ss.; ac. do TC n.° 312/92, de 6.10., Acérdltos do TC, vol. 23, 1992, pp. 292 e'ss.. Cf. ainda 0 acérdio do STA de 4.12.1991, rec. n° 13676, que considerou inconstitucional o § 3 do art° 138°, E V. ainda, ANA PAULA DOURADO, Fisco, 1992, n° 40, pp. 46- 48; ac, do STA rec. n° 13676, de 4.12. 1991; VITOR FAVEIRO, Nogaes Fundamentais de Direito Fiscal Portugués, Il, Coimbra, 1982, pp. 676-677; ALFREDO JOSE DE SOUSA E JOSE DA SILVA PAIXAO, Cédigo de Processo das Contribuigées e Impostos Anotado, 2.*ed., Coimbra, 1986, anotagio ao art.°3.° (efinitividade dos actos tributérios), pontos 16 e 17, p. 39; ef ainda o ac. do TC, de 4.5.1988, Apéndice 20 DR, de 30.11.1989, p. 626; 0 ac. do STA (I* Secgio), de 10.7.1986, rec. n.° 20846; 0 ac. do TC n& 114/89, de 12.1. (Aedrddos do'TC, vol.13, tomo I, 1989, pp. 641 e ss.) declarou inconstitucional a norma do § I do art® 138.° do CCl, “na interpretagdo que the foi dada pelo Tribunal a quo, segundo a qual das decisdes da Direcra0-Geral das Contribuigdes e Impostos a que se refere 0 artigo 51.°-A do mesmo Cédigo apenas cabe recurso hierarquico para o Ministério das Finangas” (ponto IV do sumério). Na declaragao de voto, 0 Juiz Conselheiro Cardoso da Costa assinalou que © problema nao residia no § 1, 1mas no § 3 do mesmo art.° 138.° do CCI (Idem, pp. 653-654). 62 se que esta inimpugnabilidade se restringe ao objecto do avordo, ie, & medida da materia tributavel ' Note-se ainda que o (actual) art? 268° n° 4 da CRP pressupse leis (relativamente) determinadas '? mas nJo as exige. Assim, embora a actividade ulministrativa esteja submetida a controlo judicial, cabe ao legislador, dentro dos limites constitucionais, proporcionar esse mesmo controlo € 0 seu aleance ', Isto é, as exivéncias de determinagao da lei nao decorrem do art® 268.° n° 4, mas de outras disposigdes constitucionais ~ nomeadamente, dos arts. 165.°, n.° 1, al. i) en. 2, 227.%, n.” Ial. i) e 238. n.2 4, € 103.9 n2 2, da CRP -, porque em si, 0 art.° 268.° n° 4 niio proibe a atribuigdo, por lei, de discricionariedade administrativa ou de uma margem de livre apreciagao, 2. Justificagao e funcito da reserva de lei fiscal Neste quadro de explanagio do principio da legalidade fiscal, a nossa doutrina us em justificado a reserva de lei parlamentar através de preocupagdes garanti: '""y, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES, JORGE LOPES DE SOUS. Lei Geral Tributéria comentada e anotada, ¥* ed,, Lisboa, 2003, anotagao ao art” 86." n° 4, da LGT, ponto 7-9, pp. 429-431. Bscrevem os autores que “a medida da inimpugnabilidade da liquidagao feita com base no acordo, tendo a sua raziio de ser na existéncia deste acordo, tera de ser restringida ao que foi cobjecto deste, que € a medida da materia tributavel. (] Por isso, a existéncia deste acordo nio poder afustar 0 direito do contribuinte impugnar a liquidagdo feita com base no acordo por qualquer razio que do the esteja ligada, como, por exemplo, vicios de forma (falta de fundamentagio, incompeténcia, violagao de direitos procedimentais) ou de violagdo de lei (como erro na taxa aplicavel, ou sobre a cexisténeia de uma isengdo total ou parcial) (ponto 9, p. 431). "V6 conceito de determinagio, no ponto em que tratamos do “prinefpio da determinagao”, como um clemento da tipicidade fiscal. "Assim para o Direito alemao, a propdsito do art 19°, n° 4 da GG, semethante ao nosso art.° 268° n? 1 da CRP, HARTMUT MAURER, “Rechtstaatliches Prozessrecht”, FS 50 Jahre BVerfG, Hrsg. Peter Badura e Horst Dreier, Bd. 2, Tubingen, 2001, pp. 476-477 ‘Assim, CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL, Direito Fiscal, Apontamentos, Lisboa, 1980, p. 109. No Estado de Direito liberal, o principio da lepalidade “desdobrava-se mim’ duplafangao: a) delimitagao de competéncias entre 0 Parlamento e o Executivo, entre poder lenslativo da representagao popular © poder regulamentar origindrio do monarca (este era originirio nos sistemas dualists); b) garantia da liberdade individual dos cidadaos através da comparticipagio dos seus representantes na Feira das les, Esta dtima fungao aponta para a conexdo da reserva de Tei com a cliusula da garantia da liberdade © propriedade, clausula esta que, em tltimo term, pressupde 0 mesmo critéio da repra de dieito” - GOMES CANOTILHO, “A Lei do orgamento na teori da lei, Esudos em homenagem ao Prof Doutor JJ, Teixeira Ribeiro, BFDUC, Juridica, I, Coimbra, 1979, p. 573. V. ainda, PEDRO SOARES 63 embora uma parte dos autores assinale a crise que esta fungaio da reserva de lei parlamentar atravessa, e com ela o proprio principio da legalidade fiscal '"> -, da fungao parlainentar de orientagéo politica e do principio democratico, acentuando ora um, ora outro destes aspectos '“° - e demonstrando, como ja foi dito, que “no constitucionalismo portugués, as ideologias dominantes so quase todas de proveniéncia estrangeira ...[e] que a natureza e os fundamentos da legalidade administrativa [tm] merecido nos hossos textos constitucionais um tratamento muito semethante ao verificado noutras eis fundamentais coeténeas...” "7. Parece-nos inegivel que nos primeiros anos de vigéncia da Constituigao de 1976, a fungao garantista estava muito presente nas interpretagdes doutrindrias da reserva de lei fiscal, talvez como forma de reacgo ao ordenamento anterior © a aplicagio que se fez do prineipio da legalidade fiscal. Escreve; por exemplo, Sousa Fragco, referindo-se & conjugagdo do grt” 167. al. 0) (actual art 165.°, n° 1, al. i), MARTINEZ, Direito Fiscal, cit, 10. ed., pp. 106-108 (96 e ss..); JOSE LUIS SALDANHA SANCHES, A Seguranga juridica no Estado de Direito...cit, pp. 279-283, “© Veja-se por exemplo, ANTONIO LOBO XAVIER, O Oreamento como lei. ct, pp. 18 € 85,20 € 8 © 34 ess. Todavia, alguns argumentos apresentados pelo autor, ligados ao Estado intervencionista, com elevadas receitas © despesas patrimoniais e divida publica elevada, ja no se adequam as Finangas Piiblicas do final do século XX e prineipios do século XX1, dos Estados da OCDE (ef. pp. 20-21). E de qualquer forma, 20 contrrio do que parece insinuar LOBO XAVIER, o Estado social de Direito foi e & tim Estado fiscal (e ambém a CRP de 1976 consagra um Estado fiscal, tendo-se dissipado todas as diividas com as revisdes constiucionais de 1982 ¢ 1989), porque as suas necessdades financeiras sio ¢ devem ser cobertas no essencial, pr impostos,e nfo um Estado produtor ou empresarial e muito menos um Estado patrimonial ou proprietirio. V. JOSE CASALTA NABAIS, “O Principio da legalidade fiscal e os actusis desafos..", cit, pp. 4-1 ® Acentuando o prineipio do Estado de Direito Demacritica, JOSE CASALTA NABAIS, O Dever fundamental... ci, pp. 340 e ss; € preciso nao esquecer que o autor também dé o devido relevo a func fgarantsta, e é'a conjugacto dessa fungao com o principio democratica que, segundo o autor, justifica a reserva relativa de lei parlamentar, “em sede de concretizagio dos deveres fundamentais em geval” (Idem, p. 170); ANTONIO LOBO XAVIER, O Oreamento como le... cit, pp. 34-38. A. L. SOUSA FRANCO fundamenta a legalidade fiscal num conjunto de razies, em parte ainda ligadas ideia de origem novecentista, ¢ em crise, de que a lei € razio e por isso garante a igualdade e a justiga, mas faz também referéncia ao Estado de Direito: “A especial relevancia deste principio em maiéria fiscal explica-se na medida em que a tributagio representa uma das modalidades mais directas de intervengo na esfera dos particulares, valendo como garantia individual, como critério de generalidade, igualdade e justiga, e ainda como consequéncia da ideia de Estado de Direito”: “Sistema financeiro e constituigao financeira no texto constitucional de 1976", Estudos sobre a Consttuigdo, vol. 3, Lisboa, 1979, p. 526, nota 52. Tratando das fungdes da legalidade’ em geral, e identificando “fungaes” com “fundamentos”, J.M. SERVULO CORREIA, Legalidade.... cit, pp. 188 e ss; JORGE REIS NOVAIS, As Resirigdes aos direitos fundamentais... eit, p. 832. "© |.M, SERVULO CORREIA, Legalidade... cit, p. 179.0 autor equipara fundamentos a fungdes, como se pode ler na p. 338: “os fundamentos da reserva de lei, isto é, a funeSo garantista (a), a fungio de ‘indirizo» (b) ¢ a fungdo de salvaguarda da prossecugio do interesse publico e da racionalidade administrativa (c)”. com o art? 106.°, ser “manifesto que ao estabelecer uma reserva de lei com um ambito tuigdio assegurou uma garantia individual da maior importincia, pois tao vasto, a Cons isso desde logo tem como consequéncia, nos termos do n° 3 do art? 1068, que «ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que nao tenham sido criados nos termos da Constituigio © cuja liquidagao e cobranga se no fagam nas formas prescritas na lein U8, Uma nota comum a doutrina que analisa as fungdes do principio da legalidade na Constituigio de 1976 e que atribui relevancia a fungao garantista, é porém, 0 facto de ndo a associar exclusivamente a lei parlamentar, transpondo-a para a actividade legislativa do Governo ~ isto é, para a relagao entre decreto-lei (autorizado) regulamento ou acto administrative (ou acto tributério) -, embora tal fungdo tenha surgido em conexao com a reserva de lei parlamentar “?. Casalta Nabais, por exemplo, acentua 0 aspecto garantistico da legalidade fiscal, afirmando que ele encontra notavel expresso no n.° 3 do art.° 103.°, da CRP - na parte em que € consagrado um verdadeiro direito de resisténcia ao pagamento de impostos cuja liquidagao © cobranga se nao fagam nos termos da lei.’ Segundo o autor, a fungaio garantista implica uma reserva de lei muito restrita quanto aos elementos essenciais de imposto, previstos no art.” 103.° n.° 2, mas a verdade é que adiante nao retira as devidas consequéncias deste entendimento, pois os elementos do art? 103° n° 2 nio sao to é, lei parlamentar ou decreto-lei . associados a lei parlamentar, mas a lei formal '*° — "ALL. SOUSA FRANCO, “Sistema financeiro...", cit, p. 528, “ Com algumas excepgdes: por exemple, PEDRO SOARES MARTINEZ que interpretava 0 art 106° 2 no sentido de lei da AR (Direito Fiscal, cit, 7. ed., pp. 96-97) e CARLOS PAMPLONA CORTE- REAL em 1980, quando a Constituigdo autorizava que todas as matérias da “competéncia exclusiva” da lei da AR fossem delegadas ao Governo (arts. 167.” al. 0), © 1682, n.° 1) da CRP de 1976, na versio origindria), relacionava expressamente o “valor da seguranca” & lei da AR, relacionando as autorizagies legistativas do art 168.%, com objectivos de “superagio da normal morosidade parlamentar”, de “eficicia” e “celeridade”: Direito Fiscal, cit, pp. 111-112. "° JOSE CASALTA NABAIS, O Dever fundamental... cit, pp. 343-344 e 347 e ss. Assim também em “O Principio da legalidade fiscal ¢ os actuais desafios datributasao”, cit, pp. 1d 15. De forma aida mais clara, Direito Fiscal, cit, 2.* ed.,p. 136; e associando a fungo garantsta ¢ outras @ reserva de acto legislativo, J.M. SERVULO CORREIA, Legalidade... cit, pp. 338-340. V. ainda LUIS CABRAL DE MONCADA, que apesar de caracterizar a reserva de lei fiscal, como tendo um “cunho parlamentarista”, estando reservado ao Parlamento “o tratamento da parte principal do conteiido dos impostos”, esvazia logo adiante esta afirmagto, ao dizer que “[d]a lei de autorizago em matéria fiscal essencial nao tém de Constar jos elementos essenciais dos impostos. A lei de autorizagio ¢ igual as outras” (Lei ¢ pp. 932-933), regulamento, 65 | Fie Soivevimaneciooon omantieamecrea asta mere cavers were cree ee oeueeanemreat7| autorizado e também decreto legislativo regional - ¢ até ao regulamento autarquico '*!, 0 que significa uma leitura nova da fungao garantista; embora no ordenamento it 00 Governo também possa legislar em matéria de impostos, através de autorizagaio legislativa parlamentar, alguma dou ina desvaloriza a fungao garantista ', procurando antes invocar 0 “interesse piiblico em obter boas leis tributarias” ¢ a crise da actividade do Parlamento, para defender amplos espagos de normagio primaria e secundaria do executivo, em escolhas fundamentais de matéria fiscal '**, Estas posig6es relacionam 0 .° da Constituigao italiana, que exige a “concorréncia de todos para as despesas pablicas, em razo da capacidade contributiva” e o art.° 23.° (reserva de lei) da mesma Constituigdo. Pela conjugagio das duas normas, o legistador deveria escolher os instrumentos mais eficazes para regular os diversos aspectos dos impostos '™, Mas 0 certo é que a fungao da legalidade fiscal, segundo Casalta Nabais, vai para’ além dos aspectos de garantia, Assim, segundo 0’ Professor de Coimbya, & configuragao da legalidade na Constituigio de 1976, “mais do que uma ideia de limita ‘io subjaz uma ideia de partitha diacrénica do poder que deixa livre curso ao poder econémico-social do Estado contempordaneo” '*>. Por seu turno, numa visao muito céptica da legalidade parlamentar, como a que defende Reis Novais, a propésito das restrigdes aos direitos fundamentais, sé 0 procedimento legislativo parlamentar tem virtudes “especificas intrinse s” (ie. “processo de criagéo legislativa (...) piblico, desde a apresentago do projecto ou da proposta de lei na AR; (...) procedimento (...) Assim em “O Principio da legalidade fiscal e os actuais desafios da tributago”, ct, pp. 14 15. 18 Nem toda: V. AUGUSTO FANTOZZI, Corso di Diritto tributario, Torino, 2004, Ristampa aggiomata, p. 46. GIANFRANCO GAFFURI, Lezioni di Dirtto Tributario, Parte generale e compendio della parte speciale, 4? ed., Padova, 2002, p. 21; E ha autores que, para além da fungdo garantista se referem aos interesses piblicos gerais para fundamentar a reserva de lei parlamentar e 30 principio democratico: BALDASSARE SANTAMARIA, Diritto Tributario, Parte generale, 4 ed., Milano, 2004, pp. 33-34; SALVATORE LA ROSA, Principi di Diritto Tritutario, Torino, 2004, p. 8; FRANCESCO TESAURO, Compendio di Diritto Tributario, Torino, 2004, p. 9; referindo-se ao papel do Parlamento no indirizco politico € wa tutela das minorias, GASPARE FALSITTA, Corso Istituzionale di Diritto Triburario, Padova, 2003, p. 52. ) V_ a referéncia em M. ANTONIETTA GRIPPA SALVETTI, Riserva di legge e delegificazione nell ordinamento tributario, Milano, 1998, pp. 33-35. 1+ VM, ANTONIETTA GRIPPA SALVETTI, Riserva di legge... it, p. 34 ' JOSE CASALTA NABAIS, O Dever fundamental... cit, p. 332 66 sujeito ao contradit6rio publico com intervengo das minorias '86) que ainda justificam a reserva de lei daquele Grgio de soberania, pois 0 Governo teria tanta legitimidade democratica como o Parlamento '*’, ¢ ao Governo deveria ser “deixada uma margem intocada de auto-responsabilizagao pela politica que pretende levar a cabo” '** '*?, Da interpretagaio que fazemos do principio da legalidade fiscal vigente no nosso ordenamento e do alcance que Ihe damos ao longo deste trabalho (nomeadamente, do art? 165. n2 Lal. i) en? 2.e do art? 103.° ns. 2 € 3), resulta que a fungo garantista da reserva de lei fiscal deve ser entendida com contornos diferentes dos que dominaram 0 — pelo menos em teoria, pois na verdade, a reserva de lei parlamentar em matéria fiscal, nosso Estado de Direito das monarquias constitucionais e da primeira Republi embora constitucionalmente prevista, nunca foi observada até & Constituigo de 1976. Mas ela tem ainda hoje razio de ser, pois esta associada a previsibilidade do montante de imposto a pagar (¢ assim também a seguranga juridica '). Cabendo A Assembleia da Republica a necessiria orientagdo politica sobre a matéria fiscal, tentaremos demonstrar que a fungo garantista da reserva de lei, associada a previsibilidade e calculabilidade da obrigagio de imposto e dos seus elementos essenciais, postula uma densificago normativa progressiva, para a qual contribuem ‘Parlamento, Governo, adminisiragao e “tribunais, E a previsibilidatle e calculabilidade do imposto, tendo em conta a complexidade dos ordenamentos tributirios actuais’e a coexisténcia da legalidade ‘com prineipios constitucionais materiais, nfo deve ser entendida como um calcul antecipado do imposto pelo contribuinte leigo a partir da lei do Parlamento - como parece defender 0 BVerfG JJ. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituigao...cit., 3. ed., antago ao art? 167. p. 662, ponto TIL "TIORGE REIS NOVAIS, As Restrigdes aos direitos funglamentais... cit. pp- 829, #34838. } "JORGE REIS NOVAIS, As Resiricdes aos direitos fundamentais... cit, pp. 839-840. ° Reconhecendo uma ampla margem de livre apreciagio 8 administragdo, na restrigio de direitos Fundamentais, Reis Novais sujeita porém tais decisées a controlo dos tribunais: JORGE REIS NOVAIS, «ts Restrigdes aos direitos fundamentals. cit, por exemplo, pp. 849-850, e nota 1541 *® V., por todos, KLAUS TIPKENJOACHIM LANG, Stewerrecht, cit, 172 ed. p. 97. JOSE CASALTA NABAIS, 0 Dever fundamental... cit, pp. 344 e ss. alemdo (embora de forma inconsequente, porque nunca declarou inconstitucionais leis, fiscais indeterminadas) '°', e que aliés 0 nosso Tribunal Constitucional rejeita '®, De qualquer modo - ¢ acrescente-se em jéito de parénteses esclarecedor -, fungdo garantista da reserva de lei (parlamentar) fiscal , dos elementos essenciais do imposto ou do Tatbestand de garantia do imposto '®) tem estado tradicionalmente associada as referidas previsibilidade e calculabilidade, entendidas de forma mais ou menos rigida '*', ¢ nao ao sentido em que sao alterados esses mesmos elementos ~ i.e., agravamento versus desagravamento. Por outras palavras, o alcance da reserva de lei fiscal nunca esteve apenas ligado, nem no Estado de Direito liberal, nem no Estado social de Direito, ao agravamento da carga fiscal, ao contrario do que parece fazer crer © Tribunal Constitucional no acérdao n.° 48/84 '*, Questio diferente é o facto de a legalidade do Estado de Direito liberal ou das monarquias dualistas s6 dizer respeito as iniesverigges ablativas do Estado (liberdades e propriedade) — traduzindo uma concepgao de “lei limite” -, por contraposigéio 4 “lei critério” que deve orientar toda a actuagao administrativa '® e onde se podem incluir os beneficios fiscais e nfo apenas as normas ablativas. No quadro do Estado de Direito liberal, a alterago dos elementos essenciais do imposto — a alteragao das “normas '@ Y., por todos, KLAUS TIPKEJOACHIM LANG, Steuerrecht, cit, 174 ed, pp. 102-103 e as referéncias a jurisprudéncia do BVerfG, "® CE, os acdrdaos ja citados do TC, n.° 233/94, 756/95 e 236/01 "© Designagio que atribuimos adiante aos elementos essenciais da obrigagdo fiscal, sujeitos a reserva de kei “* KLAUS TIPKE, Die Steuerrechtsordmung, I, cit, 2* ed, pp. 136-145 "© Sendo por isso jurdicamente inaceitivel e sem qualquer base de apoio - a argumentagao do Goveno no acérdio do Tribunal Constitucional n.° 48/84, que tentou justificar a nfo observancia do sentido & extensio da lei de autorizagdo legislativa, alegando que as modificagdes ao imposto complementar aprovadas por decreto-lei eram mais benéficas para o cidadao contribuinte, do que o regime existente e do ‘que 0 Parlamento autorizava: V. ponto 11 do acérdéo. Essa argumentacio foi afastada pelo Tribunal Consttucional, que infelizmente se limitou a reeité-la por entender que a fungi garantista € actualmente uficiente para justificara reserva de lei fiseal: V. pontos 1 12. Referindo-se a este acérdio e também parecendo associar a fungo garantista ou liberal da legalidade fiscal ao aumento dos impostos, excluindo a diminuigdo da earga fiscal, JOSE CASALTA NABAIS, “O Principio da legalidade fiscal e os actuais desafios..., cit, pp. 14-15. Fazendo essa associagao quanto ao alcance da reserva de lei no caso das garantias dos contribuintes, JOSE CASALTA NABAIS, Contratos fiscais... cit, p. 245; e O Dever fundamental... cit. p. 368. y,, por exemplo, a propésito do constitucionalismo mondrquico aleméo, J.M. SERVULO CORREIA, Legalidade... cit, pp. 80-82. 68 fiscais” em sentido estrito - foi sempre entendida como uma interferéncia ou ablagao na propriedade e liberdade, mesmo que se tratasse de reduzir a carga fiscal Repare-se que esta concepgdo de reserva de lei adstrita as intervengdes na “jiberdade ¢ propriedade”, é propria dos regimes dualistas como os germénicos, ¢ no se aplica a0 constitucionalismo monérquico portugues, de influéncia francesa, como ja esta esclarecido pela doutrina '®’, e lembraremos adiante, a propésito da margem de livre apreciagiio concedida por conceitos juridicos indeterminados. Mas para além da fungo garantista subjacente a reserva de lei, deve dar-se especial destaque ao prineipio democratico. Com efeito, tendo em conta a legitimidade popular dos parlamentos € dos governos nas constituigdes liberais do pés Segunda- Guerra, é 0 principio democritico que fundamenta e postula a reserva de lei parlamentar, no sendo suficiente a reserva de lei formal. Manifestagéio deste principio democritico € 0 procedimento legislativo parlamentar que permite a discussao piblica da lei ¢ 0 contributo da oposigiio, razio pela qual a interveng&o da Assembleia da Republica na elaboragiio ¢ aprovagtio da lei nao fiscal, nao deve ser equiparada A legislagdo fiscal aprovada por decreto-l autorizado, Como nos diz Sérvulo Correia, 0 principio democratico impede que a réserva-de lei se reconduza a uma “simples reserva de norma juridica, isto é, uma reserva reportada a0 ‘bloco de legalidade’ no seu conjunto, sem acepgio de proveniéncia parlamentar ou do valor formal legislativo dos preceitos requeridos”, pois “nem a constituigio concebe Jo entre a vontade um poder que se niio funde no povo, nem seccionamento da liga popular e a emissdo de normas deixaria de pér em causa a bondade do conteiido destas” 168 jidade das decisGes) € 0 Note-se que a fungio garantista (associada & previsibi principio democratico estio relacionados, como podemos ver em qualquer estudo de Teor indeterminagao. E ponto assente para a tradi¢io democratica liberal que num Estado de do Direito sobre a necessidade de leis determinadas ¢ significado da Direito, especialmente em matérias sujeitas a reserva de lei, os “resultados legais” "©, portodos, 1M. SERVULO CORREIA, Legalidade... cit, p. 182 "5 JM. SERVULO CORREIA, Legalidade... cit., pp. 196-197. devem ser determinados, porque é exigido aos individuos que eles se comportem segundo a lei '®. E uma vez que os “resultados legais” so executaveis coercivamente, eles s6 sao justificados (democraticamente legitimados) quando garantidos por lei '”” Isto é, a democracia no é incompativel com a indeterminagao legal, mas é incompativel com uma indeterminagao legal muito elevada e generalizada (e se nao estiverem asseguradas a previsibilidade, a estabilidade e a fundamentagio racional da decisio), porque ela pressupde que sejam as legislaturas eleitas que formam juizos, os aprovam e os véem seguidos pelos tribunais ‘7 = caso contrario estaremos perante decisées arbitrérias ditatoriais "”, E preciso notar ainda, como ja referimos, que a reserva de lei fiscal parlamentar "nunca foi verdadeiramente observada entre nés até Constituigao de 1976, pois os impostos eram frequentemente criados e alterados por decretos, decretos: regulamentares, partariag ¢ despachos (quer duranie as monarquias constitucionais, quer na primeira Republica, quer durante o Estado Novo) ' "5; “além disso, e por seu turno, “ V. adiante, as referéncias desenvolvidas a JULES L. COLEMANIBRIAN LEITER, “Determinacy, Objectivity, and Authority”, cit, p. 229; ANDREI MARMOR, “The Rule of law and its limits”, Law and Philosophy, 2004, pp. 38-43. Lon Fuller (The Morality of law, Yale, 1964, 1969, apud, ANDREI MARMOR, cit, p. 5, nota 9); TIMOTHY ENDICOTT, Vagueness in Law, cit., pp. 185 © ss; HLL.A. HART, The Concept of law, cit, pp. 138-150; RONALD DWORKIN, Law's empire, cit, pp. 93 e Ss. STEPHEN GUEST, Ronald Dworkin, 2 ed., Edinburgh, 1997, pp. 171 ess. ™ JULES L. COLEMAN/BRIAN LEITER, “Determinacy, Objectivity, and Authority”, eit, p. 229. "JULES L. COLEMAN/BRIAN LEITER, “Determinacy, Objectivity, and Authority”, cit, p. 228-240. '? Se estivermos perante o sentido 4 de arbitrariedade de TIMOTHY ENDICOTT, ie, se as decisbes no puderem ser justificadas com base na razAo de ser da lei: Vagueness in Law, cit, pp. 186-187 e ss, ™ pois s6 na Constituiso de 1933, 0 Governo tinha competéncia legislativa em matéria fiscal: JORGE MIRANDA, “Os Actos legislativos no Direito Constitucional portugués”, Separata da Revista de Informagio Legislativa”, 1991, p. 32;“A Competéncia legislativa..”, cit, pp. 9 ess. ""., por todos, PEDRO SOARES MARTINEZ, Curso... cit, 1960, pp. 95-96 € 5s; diz o Professor que a partir de 1946, “e a fim de evitar uma extraordindria extensao do niimero de soberanos fiscais, as leis de autorizagao de receitas e despesas tém feito depender a criagdo e o agravamento de taxas ou receitas de {déntica natureza por parte dos servigos do Estado, organismos corporativos e de coordenago econémica (trata-se, em regra, de mal disfargados impostos) de concordincia prévia e expressa do ministro das finangas. Esta solugdo timbém néo parece correcta mas tem evitado males maiores... Até ai um imposto podia ser criado, por qualquer terceiro oficial” (pp. 95-96); V. ainda, ARMINDO MONTEIRO, “Introdugio ao estudo do Direito Fiscal”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. VIL, 1950, capitulo Il, ponto 12, pp. 154-167 e ss; Direito Fiscal, Apontamentos estenografadas das ligées do Prof. Armindo Monteiro, ao 3.° ano da Faculdade de Direito de Lisboa, em 1951/52, Segunda Parte, Lisboa, 1951, pp. 11 € ss; ALEXANDRE PINTO COELHO DO AMARAL, Direito Fiscal, cit. pp. 31-33. V. ainda referéncias ao papel das cortes no consentimento dado aos impostos durante a idade ‘média e durante 0 antigo regime, consentimento esse que nem sempre foi procurado, nem o foi em relagdo a todos os tributos, ANTONIO SANCTOS PEREIRA JARDIM, Programma das prelecedes de 70 LOR gs tribunais nunca fisealizaram devidamente a aplicagao da lei fiscal ~ parlamentar ou do Governo ~ a0 caso conereto, refugiando-se na figura da discricionatiedade técnica 176. Na verdade, existe uma infeliz tradigdo da nossa jurisprudéncia, no sentido de nao controlar a aplicagio da lei pela administragio fiscal — e pela administragio em geral, que se prolonga inexplicavelmente até aos dias de hoje e que deve ser tida em conta na amilise que fazemos do principio da legalidade fiscal '7’, Estes aspectos, que exprimem .gfio. dos poderes, nao devem ser subestimados na analise do significado a intera fungdo da reserva de lei fiscal. no sentido E € de observar que no ordenamento alemio, a tendéncia actual v de uma crescente densidade de controlo judicial da legalidade administrativa — ites A discricionariedade e 4 margem de livre apreciagao ‘78 - apesar de o incluindo Ii Governo dispor apenas de competéncia normativa secundiria, pelo que a margem de selencia e legistagao de fazenda para 0 anno lective de 1866-67 na Universidade de Coimbra, s.., 4. pp. 87 € ss., 100-104, 110, 158 e ss...E nas ligbes de Marndco e Sousa, podemos ler que os impostos durante 0 século XIX (no tempo de Mousinho da Silveira e posteriormente) e no principio da | Repiiblica, ceram criados por decreto: MARNOCO E SOUSA, Financas, Apontamentos coligidos de harmonia com tas prelégdis feitas pelo Exm.* Sr. Dr. Marnéco e Sousa ao curso do 3.° ano juridico de 1913-1914, por Martinho Simbis, Ambrésio Neto e José Fortes, Coimbra, 1913-1914, pp. 412 € ss, " Interpretagdo diferente faz BRAZ TEIXEIRA: segundo o autor, a violaeHo do principio da legaidade desde gyidventp do consttuciénalismo até a.Coyptituigdo de 1933 teria sido excepcional, eentre 0 eiro quartel do séc. XIV ¢ o adyento crescenté do absolutismo real o principio da legalidade teria’sido afirmado com vigor, 0 mesmo acontecendo, por periodos, desde as Cortes de Coimbra de 1261." ANTONIO BRAZ TEIXEIRA, Principios de Direito Fisca, J cit.,3. ed., pp. 81 e ss. Faremos referéncia a jurisprudéncia do STA nesta matéria no capitulo sobre a mangem de livre apreciagao e a disericionariedade técnica, "Essa tradigdo ou Praxis judicial ja levou recentemente um autor alemio (Eckhard Pache), na sua Habilitationsschrift sobre a margem de livre apreciagao administrativa - onde dedicou umas paginas & densidade de controlo judicial nos ordenamentos dos Estados-membros da Comunidade Europeia, incluindo © Direito portugues - a regista a atitude dos tribunais administrativos portugueses, que apesar de disporem dos instrumentos necessérios 20 controlo dos limites, da discricionariedade (pois a Consttuigto de 1976 consagra os principios da legalidade, da igualdade e da proporcionalidade) nao fazem uso deles, ¢ a questionar se essa atitude & compativel com 0s arts. 20.° e 268° da CRP, © com 0 Direito Comunitirio: ECKHARD PACHE, Tatbestandliche Abwagung und Beurteilungsspieiraum, Zur Einheitichkeit adminisirativer Enischeldungsfreirdume und zu deren Konsequenzen im verwaltungsrechtlichen Verfahren ~ Versuch einer Modernisierung, Tubingen, 2001, pp. 216-217. Para luma critica sucinta a essa situagdo no “Direito Fiscal dos anos sessenta”, V. DIOGO LEITE DE CAMPOS, “A Determinago administrativa da matéria colectivel: fixaglo de rendimentos ¢ avaliagao de bens", “Estudos efectuadas por ocasiao do XXX Aniversario do Centro de Estudos Figcait, 1963-1993, Lisboa, 1993, pp. 132-134, Neste contexto, parece demasiado optimista a afirmagao-de J.M. SERVULO. CORREIA, segundo a qual “nas decisdes judiciais portuguesas ¢ agora claro que nio hi “decisdes Aiscricionérias” da administragdo, ie., que existem sempre limites a discricionariedade: “Separation of powers and judicial review of administrative decisions in Portugal”, RFDUL, vol. XXXIV, Lisboa, 1993, P. 95. Nas paginas seguintes, o autor transmite uma visio mais realista da jurisprudéncia administrativa Portuguesa (pp. 98 € ss.) | | | | | livre conformagio e deciséo deste é necessariamente menor do que a do Governo em Portugal, 3. As autorizacoes legislativas em matéria fiscal Tendo em conta que, no quadro da Constituigao de 1976, 0 Governo tem sido 0 6rpHo legislative por exceléncia, dominando a acti idade legislativa em relagio ao Parlamento, é importante tragar as linhas da competéncia parlamentar em matéria de impostos. Perigoso seria atribuir um papel secundério & Assembleia na orientagdo politica em matéria fiscal, sob pena de, juntando a esse papel a auséncia de controlo judicial da margem de livre apreciagao administrativa na aplicagao das leis, o Governo a administragao deterem 0 monopélio da criag&o, interpretagdo e desenvolvimento das, leis fiscais. : ae Como se sabe, na Constituigio de 1976, a reserva relativa de competéncia legislativa em matéria de eriagdo de impostos ¢ sistema fiscal, significa uma delimitagdo de competéncias legislativas entre Assembleia da Replica e Governo, em que este disp6e de competéncia legislativa ordindria, mas cujo exercicio depende de autor 0 legislativa parlamentar; ¢ significa também a exclustio da “iniciativa ... de normagao regulamentar origindria por parte do Governo”, da matéria fiscal sujeita a reserva de lei 1, Segundo o art 165, n° 2, da CRP, cuja redacgdo actual & semelhante ao art.° 80.° I da Constituigdo alema, a autorizagao legislativa deve definir 0 objecto, o sentido, a extensio ¢ a duragao da autorizagao, a qual pode ser protrogada. Mas ao contrério do que acontece no ordenamento aleméo, em que as autorizagdes legislativas a que se refere o art.’ 80.° I da GG, so autorizagdes a0 Govemo para este emitir regulamentos, que esto previstas nas proprias leis de imposto, "" ECKHARD PACHE, Tarbestandliche Abwagung... cit, p. 5, Assim, abordando o problema em geral, JM. SERVULO CORREIA, Legalidade... cit,, pp.198-199. Assim também quanto & proibigdo de regulamentos auténomos, quanto aos elementos essenciais dos impostos, no quadro da Constituigao de 1933, e apés a revisio de 1971, 1. M. CARDOSO DA COSTA, Curso. cit, pp. 179 € 35.. V. a jurisprudéncia e a doutrina citadas adiante, sobre 0 papel dos regulamentos, quando ha reserva dele. R ¢ dizem respeito a desenvolvimentos da disciplina legal — e por isso 0 sujeito € o objecto dle imposto, a base de avaliagao do imposto e a taxa do imposto devem ser definidos por lei, ¢ ao regulamento € deixado apenas o desenvolvimento de aspectos téenicos do regime fiscal -, entre nés, o decreto-Iei autorizado contém uma normago primaria ¢ nao . Por esta razdo, as autorizagies legislativas tém, desde logo, um objecto secunda muitissimo mais vasto que as autorizacées legislativas ao abrigo do art.° 80.° I da GG. No nosso ordenamento, as leis de autorizagio so “linhas de conduta”, “no criam uma fonte de direito aplicdvel as relagdes que pretende reger” '*' Na verso origindria da Constituigdo de 1976, o art 168.° n° 1 previa que a ‘Assembleia da Repiblica podia “autorizar 0 Governo a fazer decretos-leis sobre matérias da sua exclusiva competéncia, devendo definir 0 objecto ¢ a extenstio da autorizagio, bem como a sua durago, que poder[ia] ser prorrogada”. Nao se fazia pois referéncia ao sentido da autorizagio, 0 que na pratica significou, nomeadamente em matéria fiscal, que o Parlamento nfo desempenhava a fungi de orientagfo politica dos decretos-leis governamentais — no definia os “pardmetros ou orientagées bisicas materiais a que os diplomas autorizados dev[essem] obedecer”, fungdo esta que 12 competia as leis de base '*?. Um exemplo dessa pritica é-nos dado pelo acérdio n° 385/97-do Tribunal Constitucional. "Neste caso, a autorizagao legisliti¥a limitava-sea autorizar a prorrogagao € a revisdo do regime de uma sobretaxa sobre importagdes de determinados bens industriais, no se definindo a taxa nem os elementos do regime a rever, tendo o Tribunal entendido ndo existir qualquer inconstitucionalidade, porque 0 art? 168° n.° 1, na versio originaria da CRP, em vigor no momento em que foi dada a autorizagiio legislativa, nao exigia que esta definisse o sentido '*?, Este acérddo n° 385/97 dé-nos conta das discussdes parlamentares sobre 0 alcance do art. 168.°, n.° I, nessa versdo origindria, Sugeria-se entdo que o artigo fosse revisto e passasse a exigir que o sentido dos decreto-leis autorizados fosse definido nas "° V., por todos, KLAUS TIPKEOACHIM LANG, Stewerrecht, cit, 172 ed.,p. 99, "1M, SERVULO CORREIA, Legalidade... cit, pp. 198-199 e nota 348. "* J. M, CARDOSO DA COSTA, “Sobre as Autorizagdes legislativas na lei do orgamento”, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Teixeira Ribeiro, Ill, luridica, Coimbra, 1983, pp. 427-428 e ss. "® Acérdao do Tribunal Constitucional, n° 385/97, de 14.5, Aedrddos do TC, vol. 37, 1997, pp. 197 e ss. 7B ae casa errememmcmaccainas | leis de autorizagio. Desta forma evitar-se-ia que elas fossem meros cheques em branco a0 Governo a Esta discussao produziu as suas consequéncias. A revisio constitucional de 1982 deu nova redacgio ao art” 168.°, n° 2 (actual art.° 165. n° 2), € as autorizagdes legislativas passaram a definir, para além do objecto, da extensio e da duragtio da autorizagao, 0 sentido da mesma, versdo que a aproximou do art.” 80.° I da GG, ¢ que se mantém, Recorde-se ainda, a propésito da fungao orientadora ¢ fiscalizadora da Assembleia da Republica sobre 0 Governo, que 0 decreto-lei autorizado podera ser submetido 4 apreciagao parlamentar para efeitos de cessagio de vigéncia ou de alteragio, podendo neste caso ser suspenso temporariamente (art.° 169.° da CRP). Se as leis de autorizagao legislativa devem definir 0 objecto e o sentido do decreto-lei autorizado, e no podem ser meros cheques'em branco, isso significa que <5, tla devem ter uina determinago minima. Quanto as exigéncias dessa determinagio minima em matéria fiscal, vale a pena comecar por citar 0 adr io do. C ne 358/92, que considerou inconstitucional a autorizagao legislativa dada a0 Governo, para este aprovar 0 cédigo das avaliagdes da contribuigao autarquica '*°. Nos termos da al. b) do art 50.° da autorizagao legislativa, pretendia-se atingir, com a aprovagao do cédigo, “uma maior equidade de tributagdo, um reforgo das garantias dos contribuintes ¢ uma determinagao mais rigorosa da matéria colectavel, através da aplicagao de critérios objectivos”. Segundo 0 Tribunal, “os elementos constantes do preceito em causa, se bem que estabelegam alguns limites ao uso dos poderes delegados (0 principio da equidade da | | | tributagao, o reforgo das garantias dos contribuintes e a aplicago de crité na determinagiio da matéria colectivel), nao encerram, em si mesmos, nenhum critério orientador do uso dos poderes delegados... Ora, porque nos movemos num dominio como ja foi as | | onde mais directamente podem ser afectados direitos e interesses dos particulares, tal | nalado a propésito da jurisprudéncia do Tribunal Constitucional Federal \\ alemao, justifica-se plenamente que se seja mais rigoroso e exigente na determinago do ‘| sentido da autorizagao em causa, por forma que o preceito autorizador cumpra a tripla "Ac, do Tribunal Constitucional, n,° 385/97, cit,, pp. 200 e ss. Ac, do Tribunal Constitucional, n° 358/92, de 11.11, Acérdidos do TC, vol. 23, 1992, pp. 109 e ss I m4 fungZo a que anteriormente aludimos (contetido material bastante da lei de autorizacZo, linha de orientagio do legislador delegado, elemento de formagio genérica das inovagées a introduzir no ordenamento para os particulares). De outra forma estarfamos perante uma «autorizagao em branco», esvaziadora da fungao habilitante que a0 Parlamento cabe assumir num processo legislativo especial como & 0 das autorizagies legislati ie ripla fungio” das autorizagdes legislativas a que se refere 0 Tribunal Constitucional, ¢ antes “a tripla vertente” que reveste 0 “pano de fundo orientador da acgaio do Governo” a que se refere Anténio Vitorino, autor que o Tribunal cita '*”, Esta “tripla vertente” também se apli a as autorizagées legislativas em matéria fiscal, mas a ela podem acrescentar-se outros eritérios orientadores. Diga-se, em primeiro lugar, que & a fungio de indirizzo da Assembleia da Repiiblica que permite determinar o grau de determinago minima ex autorizagio ao abrigo da al. i) don.” 1, e do n° 2, do art? 165.°, e, como reverso da medalha, o grau da margem de livre apreciagio governamental admissivel '**, Da fungao de indirizzo decorre que o Parlamento, unilateralmente ou com a colaborago do Governo, através de lei ou de autorizacao legislativa, deve definir jitica em materi sempre as linhas de orientagio p de impostos. Embora, como nos diz Sérvulo Correita, a Constituigdo de 1976 nfo concentre a fungao de orientagéo politica na Assembleia da Repitblica, verificando-se um “policentrismo institucional caracterizado pela distribuigdo dos poderes de direcgao politica pelo Parlamento, Presidente da Republica ¢ Governo”, que se divide Ac. do Tribunal Constitucional, n.° 358/92, de 11.11, Aedrdaos do TC..., cit, p. 194 Segundo Vitorino, “[pJor um lado, 0 sentido de uma autorizagao deve permitir a expressio pelo Parlamento da finalidade da concessio dos poderes delegados na perspectiva dindmica da intengao das 'ransformagées a introduzir na ordem juridica vigente (é 0 sentido da dptica do delegante); Por outro lado, © sentido deve constituir indicagdo genérica dos fins que 0 Governo deve prosseguir no uso dos poderes «lelezados, conformando, assim, a lei delegada aos ditames do érgdo delegante (é 0 sentido na éptica do delegado); Finalmente, o sentido da autorizagdo devera permitir dar a conhecer aos cidadaos, em termos Plblicos, qual a perspectiva genérica das transformagdes que vio ser introduzidas no ordenamento juridico ..(é 0 sentido da 6ptica dos direitos dos particulares)”: ANTONIO VITORINO, 4s Autorié exislarivas na Constituiedo Portuguesa, Lisboa, 1985, pp. 238-239. Também Sérvulo Correia, para tragar os critérios orientadores do grau de discricionariedade administrativa admissivel, recorre as fungdes da reserva de lei — e invoca as fungdes de garantia, de indirizzo e€ de prossecugio do interesse publico ¢ da racionalidade administrativa: J.M. SERVULO CORREIA, Legalidade... cit, pp. 338-339. 75 especialmente entre Parlamento ¢ Governo, “com alguma primazia do primeiro” '*°, este policentrismo nao deve ser interpretado no sentido de a orientagdo poder ser alternativamente dada pelo Parlamento ou pelo Governo. Se a competéncia é reservada a0 Parlamento, ele nao tem de partilhi-la com o Governo ~ ¢ dai a sua primazia -, mas se 0 Parlamento a delegar, a orientagao politica deve ser partilhada, ou seja, a reserva de competéncia deve implicar sempre um assentimento parlamentar dessa orientagio, iva mesmo que ela seja proposta pelo Governo, cabendo normalmente a este a ini legislativa originaria '. Num sentido préximo do nosso, Gomes Canotilho e Vital Moreira defendem “uma predefinigo parlamentar da orientagao politica da medida legislativa a adoptar”, considerando “claramente proibidas as autorizages genéricas” '"! Ora bem — e em segundo lugar -, no caso dos “impostos e sistema fiscal” (entendido este como o sistema de impostos, “ou seja, os impostos vistos como um conjunto dotado de uma dada articulagaio ou estrutura interna” '%), o sentido a que se "1M, SERVULO CORREIA, Legalidade... cit, p. 215 (pp. 214 ess.) " Os decretos-leis traduzem-se, como bem nota Gomes Canotilho, numa auto-vinculagtio do Governo através de acto legislativo (JJ. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional.. elt, 7." ed, p. 836). Lembre-se que o instituto da apreciagao parlamentar dos decretos-leis autorizados permite um controlo, Por parte da Assembleia da Republica, dos mesmos decretos-leis, os quais podem ser suspensos (até ser publicada a lei que o vier alterar) ou alterados, podendo ainda a sua vigéncia cessar — todos estes efeitos decorrem de deliberagdo parlamentar_nesse sentido (JJ. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional... cit, 7.* ed., pp. 799-800). Por outro lado, a dependéncia do decreto-lei da lei de autorizagio, também ¢ ilustrada pela impossibilidade de o decreto-lei autorizado poder ser revogado ou alterado por novo decreto-lei, sem nova autorizacdo legislativa (J.J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional... cit, 7+ ed., p. 771) °" B também J.L, SALDANHA SANCHES, Manual... cit, 2 ed., p. 32, referindo-se a uma autorizagio legislativa “que pré-determine o conteiido fundamental da lei a criar” JOSE CASALTA NABAIS, “Jurisprudéncia do Tribunal Constitucional., cit, p. 389 (ef. pp. 389- 391), A revisio de 1997 (que introduziv na reserva relativa de competéncia legislativa da AR “0 regime geral das taxas demais contibuigdes financeiras a favor das entidades publicas”) dissipa quaisquer Aividas quanto ao facto de o “sistema fiscal” nao dizer respeito a “impostos e mais qualquer coisa, por exemplo,taxas e outras contribuigdes financeiras a favor de entidades (que exergam fungdes) publica, sistema fiscal € o conjunto dos impostos e de tributos com a mesma natureza, como vinha sendo defendido pela esmagadora maioria da doutrina: V., por todos, A. L. SOUSA FRANCO, Finanas Piilicas... I it, 42 ed, p. 167-168; 14. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constnucdo.. cit,, 32 ed., anotagdo ao art.’ 106, ponto I, p. 457 e art? 168°, ponto XIV, p. 674; JOSE CASALTA. NABAIS, Contratas fiscais, cit, p. 237, nota 740; 1M. CARDOSO DA COSTA, “O Enquadramento constitucional..", cit, pp. 405-406; J.J. TEIXEIRA RIBEIRO, “O Sistema fiscal na Consttuigio de 1976”, BCE, vol. XXII, Coimbra, 1979, p. 1 (pp. 1-3); 0 TC jf se pronunciou, embora sem grandes desenvolvimentos e de uma forma indirect, no mesmo sentido: ef ac.n.? 205/87, de 17.6, Acérdaos do TC, vol. 9, 1987, pp. 209 e ss, ac. n° 461/87, de 16.11, Aeérdos do TC, vol. 10, 1987, pp. 181 ess. 16 refere o art. 165. n.° 2, tem de ser definido quanto aos elementos enumerados no art. 103.*n.° 2 (quanto a um ou mais desses elementos, consoante o objecto da autorizagio). Ou seja, o sentido dado pela lei de autorizagdo legislativa deve ter “um contetido material bastante” e dar “informacio genérica das inovagdes a introduzir no ordenamento” (como referiu 0 TC no acérdao n.° 358/92), ¢ esse contetido material bastante define-se por referéncia aos elementos do art 103. n.°2, da CRP. Por isso, os arts. 165.° n.° 2 ¢ 103 n.° 2 devem ser conjugados, como defendeu logo em 1976, Sousa Franco, na qualidade de deputado ", e também Jorge Miranda na 4 Assembleia Constituinte » € como tem feito o Tribunal Constitucional '% ¢ a generalidade da doutrina '°°. embora néo tivesse sido exactamente esta a interpretagaio ‘ada pela Comissio Constitucional e pelo Conselho da Revolugio, que “aligeirafram Jo controlo preventive da inconstitucionalidade orgénica ou formal [ao considerarem) por Cent a de 18.2, Aetrddes do TC, vol. 14, 1989, pp. 227 © aa @ eeu" 26R97, & 193 (ice grbunalconstitucionalp); pode ainda defender que sistema fiscal abrange também todas as oe Procedimentais ¢ processuais tais como a LGT e o CPT. Entendendo que “sistema freed” abrangia as Lisboa 903 ues ot fevisto consttucional de 1997, NUNO SA GOMES, Manual de Direito Ponce 4, {sbom 1983, p. 43; e ef. 9 mesmo Manual de Dire Fiscal, Il, 9. ed, Coimbra, 2000, pp. 47 e ss, “sistema de todas as cobrangas de prestagdes patrimoniais coactivas” (p. 48) V. AL. SOUSA FRANCO, “Sistema financeiro..", cit, pp. 530 € s.,¢ nota 62: 8 propésito do pedido Hegatieagto do DL. n° 765/76, de 22 de Outubro, dipioma que vervava mattrie ree do art? serena gigi ERP, “Ieloube a0 deputado Sousa Franco explicar as razBes por qe o sea partido Fequerera a sujeigao a ratificagao do Decreto-L ei.” "JORGE MIRANDA, “A Competéncia levislativa..., cit, pp. 15, 16 es, MV neste sentido, os acérdfos do Tribunal Constitucional, n° 324/93, de 5.5, (oww tribunalconstitucional pt); n° 274/86, de 8.10, Aedrddos do TC. vel, & 1986, p. 31 e ssn? 1029196, de 9-10 (wwwtibunalconstitucional pt), referents & autorizagao para’o Gevenv ‘caracterizar Emmons n de, Stbsidios © outros beneficios ou regalias sociais considerados Fendimenies de wake ayer. © Tribunal tenha relacionado os ent arts. 168, n I, ali) e 106, n°) de CRP, a questao no qinka a vet com a insuficiénei da autricagdo, mas com a ndo observincia pelo'Geverne de wens da 15806 ye ia, ac. n.* 70/92, de 25.2, Acdirdaos do TC, vol.21, 1992, pp. 225 eae. we age Cn 1.8196, de 7.2 (oww.tribunaleonstitucional pt), a propésito da ampliagao da hacencas ie derrama por Geeretorlei autorizado, a autorizagio legislaiva habilitava “o govermo de male vago, genético & {otslmente indeterminado, a “aperfeigoar” o regime financeiro local, clarificantens 2 adequando-0 as sosgar es das autarguias”, ¢ por isso, foi declarada inconstiucional: ef. sobre o mesmo natene ne £06195, de 8.11, Aedrls do TC, vol. 32,1995, pp. 461 e..Jaem 1979, dial, SOLCS FRANCO, Sao Comet nlagdo razodvel”, em contraposigdo &orientagao “pragmatica” da Comisste Cenctnorry © 20 Conselho da Revolugao: “Sistema financeiro..., cit, p. 527, De; SALDANHA SANCHES, A Seguranca Juridica... cit, pp. 281 e ss JOSE CASALTA NABAIS, 6 Dever fundamental... cit, p. 345 (implictamentey, pelo eontririo PEDRO SOARES MARTINEZ, Diteito Fiscal, cit, 102 ed., p96, ndo associa as autorizagdes legislativas eam c wa 103. 1.2 2 (entaa jos, 2) Porque entendia que os elementos prevstos neste artigo extavam sujetos y ect de lei parlamentar; ef, CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL, “A Refarma fiscal ¢ sincere ignificagio ciemtifica..”, cit, p. 77 diversas vezes ... como constitucionais decretos-leis do Governo sobre matéria da competéncia reservada da Assembleia” '” Se a relago entre as duas disposigdes € hoje incontroversa, em 1976 houve quem defendesse que sé a criago dos impostos estava sujeita a reserva de lei parlamentar '%*, Sousa Franco defendeu entio “a necessidade da interligagao entre o art. 167.° € o art 106.° da Constituiggo, demonstrando que a entender-se que a criagio de impostos deveria ser interpretada como referindo-se apenas a ctiagdo «ex novo», a Assembleia seria completamente esvaziada de poderes tributdrios...”; e acrescentava 0 Professor que “[oJu ... a criagio de impostos significa o estabelecimento de novos impostos, € entéo as palavras «sistema fiscal» hio-de designar todos os outros elementos referidos no art.° 106.°; ou entendemos que a criag&o se reporta, entendida como indnimo de formagao, estabelecimento ou instituiglio, em termos genéricos, & legislagtio ordinéria ou superveniente sobre os elementos essenciais definidos no art? 106. € 0 sistema fiscal teria o significado, mais amplo na dignidade € mais restrito no contetido, de principios gerais definidores do sistema de impostos. Qualquer destas duas imterpretagdes, que literalmente se equivalem, em todo 0 caso cobre claramente as matérias ora em causa: a incidéncia, a definigdo da taxa ¢ a definigdo das isengdes em matéria de imposto” !”, Assim, mesmo que seja o Governo a tomar a iniciativa legislativa de reformas fiscais m: ou menos profundas, ou de alteragdes & legislago em vigor, como acontece na pratica —e, especialmente também por essa razdo -, a autorizagio legislativa deve ser suficientemente detalhada quanto aos elementos mencionados no n.° 2 do art.° 165.°, da CRP, de forma que o Parlamento possa tomar conhecimento e dar o seu acordo politico ~ respeitando os principios materiais constitucionais - sobre todos os elementos npostos, beneficios fiscais e garantias dos contribuintes, tal como enumerados no art.° 103.° n.° 2. "'V. ALL. SOUSA FRANCO, “Sistema financeito..., ct, pp. 527 ¢ss., sobre a interpretagdo dada a esta questo nos primeiros anos de vigncia da CRP de 1976. "** Foi o caso do Partido Socialista: V. A.L. Sousa Franco, “Sistema financeiro..." cit, pp. 531-532, nota 2 AL. Sousa Franco, “Sistema financeito..., cit, pp. 531-532, nota 62, e quanto a esta titima transcrigio, Apud, Didrio da Assembleia da Repiiblica, |. legislatura, 1 sessio, n° 56. 78 Como veremos adiante, 0 chamado principio da tipicidade fiscal refere-se a um conjunto de elementos comuns a todos os impostos — que classificaremos como istematico de imposto - que esto sujeitos a elementos do tipo ou do Tathestand reserva de lei, e fazem parte do que designaremos por Tatbestand de garantia. A identificagzio dos elementos do Tatbestand de garantia deve obedecer A procura do aleance da ratio da reserva de lei fiscal, mas no caso do ordenamento juridico portugués, essa indagagdo esté relativamente facilitada, porque os elementos do Tatbestand de garantia esto consagrados no art.° 103.°, n.°2, da CRP. 20 Isto €, j4 0 dissemos anteriormente *°, ¢ voltaremos a referir neste trabalho, todos os elementos que contribuem para o céleulo do montante de imposto a pagar, esto (e devem estar) sujeitos a reserva de lei (trata-se dos referidos elementos do Tatbestand de garantia), ¢ a eles actescem, segundo o art. 103.°, n° 2, da CRP, os 01 ios fiscais e as garantias dos contribuint Sob a capa de uma linguagem muito especializada e hermética, os eddigos de imposto escondem opgées politicas de repartigao da carga fiscal, de que o Parlamento or detalhadamente autorizadas por este. deve estar ciente, e que por isso devem s Basta darmos alguns exemplos: a opsio entre deduzir & matétia tributivel ou deduzir A colecta despesas de satide ~ opgo que para um leigo poderia parecer um mero aspecto ténico -, tem consequéncias na progressividade do imposto, e portanto na concretizagio do principio da capacidade contributiva, e deve por isso, ser autorizada pelo Parlamento; se as categorias e os montantes de provisdes admitidas variarem consoante o tipo de sujeito passivo de IRC (empresa comercial ou instituigao financeira, Por exemplo), as consequéncias na carga fiscal resultam também de uma opeao politica; 4 opcao entre um sistema de isengo na fonte ou de crédito de imposto relativamente a tendimentos de sujeitos passivos ndo residentes, tem também consequéncias quanto ao Montante de receitas fiscais a que um Estado abdica, ¢ por isso deve também ser autorizado pelo Parlamento. © mesmo se diga quanto a incidéncia de imposto — por exemplo, a identificagao das entidades sujeitas a um regime de transparéncia fiscal em “ANA PAULA DOURADO, “0 Prineipio da legalidade fiscal. cit, pp. 450-451. 5.4, GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituigdo... cit, 32 ed., p. 678, ponto XVI 79 IRC; ow imagine-se que os rendimentos de capitais em IRS ficam sujeitos a tratamento diferenciado, optando-se por sujeitar os juros a englobamento ¢ os dividendos nao A lei de autorizago dos cédigos de IRS e de IRC (Lei n.° 106/88, de 17 de Setembro), por exemplo, nao cobre alguns destes aspectos, nem outros ~ nota-se especialmente a auséncia de ori ntag&o quanto ao regime de determinagao da matéi tributivel de IRC — parecendo que o legislador parlamenta conjuga efectivamente 0 art.” 165.°n.° 2 com 0 art.° 103.° n° 2 da CRP, mas que interpreta a “incidéncia” num sentido quase limitado ao objecto e ao sujeito de imposto. Em autorizagdes legislativas mais recentes, nomeadamente as que ne 30- desencadearam as alteragdes parciais aos cédigos de imposto em 2000 (Lei G/2000, de 29 de Dezembro, chamada lei da reforma da tributagao do rendimento), ¢ a reforma dos impostos sobre 0 patriménio (Lei n.° 26/2003, de 30 de Julho), 0 grau de pormenorizagio j4 cumpre, em regra, as exigéncias de orientagdo politica do Governo relativamente a determinagio da matéria tributivel e em matérias de elevada especializagao juridico-fiscal, de que siio exemplo o regime das fusdes, cisées, entrada de activos e permuta de acgdes, ou da criagio de um regime de reserva fiscal para cal da zona franca investimento para determinadas pessoas colectivas, ou do regime da Madeira. Mas jt nos susci fa diividas a autorizagao legislativa para harmonizagao das disposigées de procedimento tributério, em que nao é dada qualquer orientagaio de contetido, € nao € inequivoco o sentido da harmonizagao (art.° 43.° n 2 da Lei n. 32- B/2002, de 30 de Dezembro). Digamos entio que, sendo a iniciativa origindria da autorizagao legislativa, da exclusiva competéncia do Governo (art.” 198.° n.° | a) do Regimento da Assembleia da Reptiblica), nao ¢ de modo nenhum pernicioso que a Assembleia se debruce sobre os proprios anteprojectos de decreto-lei (a reforma sobre o patriménio € disso um bom * Podemos recorrer a um célebre acérdao do BYerfG alemio, de 1991, para percebermos como a sujeigao dos rendimentos de capitais a uma diferente disciplina, esta relacionada com opgées de politica fiscal ou pode ter implicagdes mais ou menos indesejadas nesse dominio. Assim, neste acérdi0, 0 BVerfG entendeu ser contrdrio ao principio da igualdade, o englobamento dos juros - © que no acontecia com outros rendimentos de capitais que eram retidos na fonte ~ com 0 argumento de que a disciplina legal incentivava a nfo declaragio desses rendimentos e tinha como consequéncia um tratamento injustificadamente diferenciado dos rendimentos de capitais. A aprovagio de tais medidas por lei pparlamentar ou autorizagdo legislativa no sanaria a inconstitucionalidade material, mas responsabilizaria politicamente o Parlamento por tal escolha e o exemplo mostra que a opciio nao é meramente técnica mas tem cardcter politico: BVer/GE, 84, pp. 239 es. 80 exemplo), mesmo que contenham ainda opgdes e niio solugdes tinicas sobre determinado aspecto a regular, acompanhados eventualmente de “um relatério explicativo das soluydes técnicas, — pelo contrério, Gomes Canotilho Vital Moreira, defendem nao ser “obrigatério, naturalmente, que a autorizagao legislativa contenha um Projecto do futuro decreto-lei.lembora] ela néo deva ser, seguramente, um cheque em branco” 7” Nao é em bom rigor necessério que a autorizagdo contenha esse projecto, mas como muitas das disposigdes, aparentemente de mera escolha técnica, tém consequéncias quanto a0 montante de imposto a pagar e quanto a repartigio da carga fiscal, € mais pritico que a autorizagao contenha o anteprojecto do decteto- Iei, do que Proceder & selecsdo das disposig6es que revelam uma escolha politica; este Procedimento ¢ sobretudo aconselhavel no caso de uma reforma fiscal geral (pense-se novamente na recente reforma dos impostos sobre 0 Patriménio), porque a selecgio individualizada das disposig6es que tenham implicagdes politcas, é nestes casos falaciosa, e s a interpretagao sistemdtica permitira verdadeiramente compreender as escolhas politicas. © aque aqui defendemos & exigido no art? 198.° n° 2 do Regimento da Assembleia da Republica para os casos em que o Govern tenha procedido a consultas Piblieas (0 anteprojecto ¢ as tomadas de posigdo assumidas pelas diferente entidades ‘nferessadas na matéria devem acompanhar a proposta de lei da autorizagao legislativa), Ficou assente até aqui que o sentido da autorizagio legislativa deve dizer ‘espeito aos elementos definidos no art 103.°n.° 2 (objecto da autorizagao), Mas acrescentariamos ainda - em terceiro lugar - que os pardmetros de ‘eterminacao exigivel as leis de autorizagao estdo todos consagrados na constitu igo Fiscal: esta fixa os limites mfnimos de densidade da autorizagao legislativa. Por outras palavras, & na constituiedo fiscal que devemos buscar os ctitérios delimitadores do objecto ¢ do sentido ou determinagao das autorizagdes legislativas — i.e. 0 significado de orientago politica, Assim, 0 sentido da autorizagio deve abranger todos os aspectos da disciplina que tenham consequéncias a0 nivel dos principios da constituigao fiscal material, “J. GOMES CANOTILHOMVITAL MOREIRA, Consiigdo.. it 32 ed, anotagio ao art 168.°, 81 | nomeadamente os do art.° 104.°: ém do principio da igualdade que preside a todo 0 sistema seal, 0 objectivo da diminuigio das desigualdades prosseguido pelo imposto sobre 0 rendimento pessoal, a unicidade e progressividade, bem como a consideragao das necessidades e rendimentos do agregado familiar, no caso do imposto pessoal; a tributagéo do rendimento real das empresas; o objectivo redistributivo na tributagdo do patriménio (ela deve contribuir para a igualdade entre os cidadaos); a ponderagao das necessidades do desenvolvimento econémico e da justiga social, no caso da tributagao do consumo; e quanto aos beneficios fiscais, porque eles restringem principios materiais fiscais, devem ser definidos na autorizago os destinatérios, o instrumento a utilizar (por €x., isengdio, dedugao, redu io de taxa, etc.), os interesses ptiblicos extrafiscais relevantes que prossigam o bem-estar social e que portanto justificam o beneficio fiscal, © 0 alcance; os beneficios fiscais ficam ainda sujeitos aos principios da necessidade, adequago © proporcionalidade s. s.. $6 através de critérios que permitam o controlo 204 ju fiscais e a restrigdo dos pri ial da sua legitimidade™, sera possivel salvaguardar a justificagdo dos beneficios ncipios materiais fiscais. © facto de os pardmetros do art.” 104° da CRP e de outros principios constitucionais aplicéveis aos impostos serem muito amplos ¢ abrangentes, implica que grande parte da coneretizagdo da disciplina dos cédigos de imposto — relativa a incidéncia, 4 determinagao da matéria tributavel, & taxa, as dedugdes & colecta e aos beneficios fiscai: ~ tenha repercussdes nesses parametros e principios. Por isso mesmo, 4 orientagdo sobre a configuragao dos elementos do art.° 103.° n.° 2, deve constar de lei parlamentar de autorizagio. Mas se exige que a orientagdo politica sobre tal configuragio seja totalmente definida na lei de autorizagao, podendo esta estabelecer as balizas ou as opgies de cardcter politico: por exemplo, no caso do regime a dar as despesas de saiide basta a opsdo entre deduzi-las & matéria tributavel ou a colecta, € se os montantes dedutiveis devem ser equivalentes ou diferentes de outras dedugdes & colecta; e neste caso, quais os grandes critérios para determinar os montantes dedutiveis; e por exemplo no caso das entidades sujeitas a um regime de transparéncia fiscal em IRC, a orientagéio P.678, ponto XXVIII °** Referimo-nos & questio da legitimagiio dos beneficios fiscais ea estes critérios jf adiante. politica exige a definigtio genérica do tipo de entidades, podendo 0 Governo defini-lo mais coneretamente. Este entendimento que damos ao art.° 165.°, n.° 2, da CRP, nao preclude pois que defendamos uma co-orientagao politica do Parlamento e do Governo. Por um lado, porque tem competéncias de iniciativa legislativa (e portanto, pode definit em primeira linha as grandes opgSes politicas), competéncias essas que séo exclusivas quando se trata de uma proposta de lei de autorizag. E por outro lado, porque cabe posteriormente a0 Governo coneretizar as opgdes politicas dentro da margem de livre apreciagao concedida pela autorizacao legislativa (e ainda o regime técnico dessas opgdes, seja por decreto-Iei autorizado, quanto aos elementos do art.° 103°, n.° 2, seja por decreto-lei no autorizado ou por regulamento, sempre que se trate de desenvolver a disciplina egal). O Governo dispée, frequentemente, de uma ampla margem de livre apreciagaio sempre que estejam em causa os elementos relacionados com a determinagao ¢ quantificagao da matéria tributavel. Além disso, para efeitos do grau de determinagio da autorizagdo legislativa — isto é, para efeitos do art.° 165.°, n.° 2 - nao € relevante saber se 0 futuro decreto-lei respeita ele proprio ~ e por seu tumo — as exigéncias de densificagio decorrentes do art.° 103.", n° 2, relacionadas com o principio da tipicidade fiscal. Ele estari sujeito a esse juizo de constitucionalidade, nos termos que definiremos adiante, mas a autorizagao legislativa, embora possa ser dada sobre o Projecto do futuro decreto-lei, no tem de estar sujeita as mesmas exigéncias que o decreto-lei autorizado. Questo também diferente é a de saber se 0 decreto-lei autorizado observa sentido da autorizagao legislativa. No acérdio n.° 1029/96, de 9 de Outubro, o Tribunal Constitucional analisou uma autorizagao legislativa em que a Assembleia da Repiiblica delegou no Governo “a tarefa de caracterizar certos.tipos de subsidios e outros beneficios ou regalias sociais considerados rendimentos de trabalho”, para efeitos de incidéncia do imposto profissional, cabendo assim ao Governo densificar os conceitos de subsidios e beneficios ou regalias sociais. No uso dessa autorizagiio, 0 Governo limitou-se porém a definir como rendimentos de trabalho “os subsidios e outros io ou em razio do exercicio da beneficios ou regalias sociais auferidos no exer actividade profissional”. Segundo 0 Tribunal, 0 Governo, “ao invés de definir os tipos 83 | | | de subsidios, beneficios e outras regalias sociais ... definiu apenas o elemento de conexio que teve por relevante para o efeito”, e “no cumpriu o sentido da autorizagao” — que exigia do Governo uma maior densificaga Em matéria de competéncias legislativ: is em matéria fiscal, deve portanto comegar por analisar-se se as autorizagdes legislativas tém uma densidade suficiente (se sto suficientemente determinadas), de modo a garantir que a Assembleia da Reptiblica participe nas escolhas politicas em matéria fiscal, nos termos constitucionalmente exigidos. Repare-se que ha uma tendéncia para desvalorizar a reserva relativa de lei parlamentar, e o papel atribuido as autorizagées legislativas, mesmo no campo das restrigdes aos direitos fundamentais: Reis Nov: , por exemplo, considerando que certas intervengdes sobre os direitos fundamentais nio exigem autorizagao legislativa, faz uma interpretagio restritiva do art.° 165°, n.°1, al. b), da CRP. Segundo 0 autor, tendo em conta que em quase todos os actos legislativos do Governo, “ha semp: a titulo incidental ou principal, directa ou indirectamente, normas que, de alguma forma, afectam faculdades, posigdes ou situagses abrangidas pelos direitos, liberdades e garantias”, deve-se recorrer a teoria da essencialidade para determinar 0 que deve estar suj a autorizagao legislativa °°. E continua: “Embora partindo de uma base de incidéncia objectiva ~ a matéria de direitos fundamentais — nao € tanto a matéria em si, mas 0 contetido da norma que sobre ela incide que determina a eventual exigéncia de intervengao parlamentar” *"°, Assim, como “t6pico construtivo do principio da essencialidade”, defende Reis Novais 0 critério do “politicamente controverso”, como aquele que deve determinar quais as matérias que esto sujeitas a autorizagao legislativa 27, Embora concordemos em geral quer com Reis Novais, quer também com Sérvulo Correia e Casalta Nabais quanto a desvalorizagao da reserva de lei parlamentar no quadro da Constituigao de 1976, no sentido em que ela exprime as relagdes de poderes no Estado social de Direito — como alias explicémos nas piginas anteriores - , deve ser sempre realgado © papel das leis de autorizagio na orientagao * JORGE REIS NOVAIS, As Restrigdes aos direitos fundamentais... cit., pp. 815-876. * JORGE REIS NOVAIS, As Restricdes aos direitos fundamentals. cit, p. 876, 84 politica dos decretos-leis, nomeadamente no Direito Fiscal, de modo a impedir um esvaziamento da reserva relativa de competéncia legislativa, e a redugio da legalidade cal «uma mera legalidade administrativa. Em contrapartida, e como referimos, ndo € necessirio que os elementos do art.’ 103. n.° 2, sejam totalmente (ou exclusivamente) fixados por lei ou a como defendem Pedro Soares autorizagio legislativa da Assembleia da Repibli Martinez e Gomes Canotilho e Vital Moreira "%, Em anotagao ao n.° 2 do entio art. 1682 (actual n.° 2 do art 165.°), os constitucionalistas, pronunciando-se sobre o seu alcance, exigem a delimitagio da matéria pela autorizagao legislativa e a definigao do sentido ¢ extensdo da mesma: “Por exemplo, nfo basta que a AR autorize 0 Governo a ‘modificar as penas para certos crimes; importa que defina o tipo de penas e determine se 209 & para as aumentar ou para diminuir” ™”, Mas na anotago a al. i) do art.° 168.° (actu: al. i) do art.* 165.*), entendem que em matéria fiscal, “o dmbito da reserva legislativa da AR decorte claramente delimitado do art, 106.°". E continuam: “Cabe-Ihe ndo apenas a definigio e articu do sistema fiscal em geral, como conjunto de impostos, como também a criagdo de cada um dos impostos, incluindo o seu regime no que concerne aos clementos enunciados no art. 106.°- 2” 71°, Esta interpretagiio da reserva de lei fiscal converté-la-ia na pratica em feserva soluta de competéncia legislativa parlamentar, pois 0 decreto-lei autorizado nunca poderia acrescentar nada a lei de autorizagiio ou poderia apenas acrescentar aspectos susceptiveis de serem disciplinados por regulamento, Ora, a reserva de lei dos impostos s6 faz sentido em relago aos elementos do Tatbestand de garantia, a que jé nos referimos atrés, e como desenvolveremos no proximo capitulo: 0 objecto da reserva de lei fiscal so sempre os elementos essenciais do imposto (formando 0 Tatbestand de garantia), em todos os ordenamentos que nos io proximos, ¢ por isso o Tatbestand de garantia é um conceito dogmatico com *" JORGE REIS NOVAIS, As Restrigdes aos direitos fundamentals... cts, pp. 879-880. "\ PEDRO SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, cit, 10° ed, pp. 96-97. 1.1. GOMES: CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituigdo.... cit, 32 ed., anotagdo a0 art.° 168., ponto XXVIII, p. 678 J.J. GOMES CANOTILHOIVITAL MOREIRA, dem "J.J. GOMES CANOTILHOIVITAL MOREIRA, Constituigdo.... eit. 3 ed., anotagio a0 art 168°, Ponto XIV, p. 674 Ty Yocagiio supra-ordenamental, © que varia, nos ordenamentos constitucionais do. pés nda guerra, sto as competéncias normativas governamentais, que em alguns ordenamentos sio também legislativas e noutros apenas regulamentares. Isto significa que em ordenamentos como o aleméi , em que o Governo s6 tem competéncias regulamentares, os elementos do Tatbestand de garantia devem ser (quase) totalmente fixados por lei do Parlamento, e as autorizagies ao abrigo do art. 80, I, da GG, que devem também definir 0 objecto ¢ 0 sentido, s6 dizem respeito ao desenvolvimento téen -0 dos elementos do Tatbestand de garantia e a disciplina de aspectos nao compreendidos nesse mesmo Tatbestand *!'. Mas em ordenamentos como © portugués ~ ¢ 0 italiano ~ em que o Governo tem competéncias legislativas, a autorizago parlamentar reveste um outro significado e alcance, cabendo ao Parlamento a co-orientagéo politica sobte os elementos do Tarbestand de garantia (art 103°, n° 2, da CRP) e a0 Governo a densificagao do regime legal, o que pode implicar uma margem de livre apreciagéio também em matéria politica. E 0 art 165, n° 1, al. i) n.° 2, da CRP, que delimita as competéncias do Parlamento e do Governo em matéria fiscal, enquanto o art.” 103.° n.° 2, consagra uma reserva de acto legislativo e nao uma reserva absoluta de lei parlamentar. Repare-se que na Constitui de 1933, era possivel entender que o art.” 70.° § 1, cuja redacgdio era semelhante a do art.” 103.°, n.° 2 da CRP de 1976, consagrava uma reserva absoluta de lei parlamentar, quanto aos elementos ai enuneiados. Mas essa interpretagdo 6 era possivel porque antes da revisio de 1971, 0 art? 93.° no reservava ao Parlamento a matéria fiscal. Assim, a doutrina discutia se 4 Assembleia Nacional era ou nao totalmente reservada a matéria fiscal, consoante interpretasse o art.° 70.° § 1 como uma regra de delimitagao de competéncias quanto aos elementos ai enumerados (portanto, um regra sobre a legalidade formal e material), ou como uma mera regra sobre 0 contetido da legalidade fiscal (portant, apenas sobre a legalidade substancial). Isto é, na falta de outra disposigao constitucional que estabelecesse a reserva de competéncia legislativa parlamentar em matéria de impostos, os autores que defendiam 21" V. adiante a explicitagao do regime alemio, 86 a reserva absoluta ndo delegdvel ao Governo por autorizagao legislativa faziam-no com base no art.° 70.° § 1 Pelo contrario, os autores que entendiam néo existir reserva absoluta, ¢ que Gefendiam que 0s impostos e seus elementos essenciais podiam ser eriados modificados pot lei ou decreto-lei, interpretavam conjuntamente os arts. 70.° § 1 € 93°. Como este enumerava as matérias da competéncia exclusiva da Assembleia Nacional, e delas no constavam os impostos, 0 art. 70.° § 1 aplicaria o termo lei em sentido de acto legislativo parlamentar ou do Governo a No quadro da CRP de 1976, o art’ 103. n.° 2, nfo pode fundamentar uma reserva absoluta de lei parlamentar, porque a delimitagao de competéncias legislativas esti consagrada no art.° 165.°. Com estes argumentos de Direito Comparado e da disciplina da legalidade fiscal na Constituigdo escrita de 1933, que como temos vindo a lembrar era em muitos aspectos formalmente semelhante & CRP de 1976, queremos demonstrar que a reserva relativa de competéncias legislativas do Parlamento, delegiveis a um Governo que as exerce através de decreto-lei, ndo € conjugével com 0 monopélio da disciplina dos elementos essenciais dos impostos por lei parlamentar, incluindo a lei de autorizagao legislativa. ‘Ainda no que diz respeito as autorizages legislativas em matéria fiscal, é de mencionar que 0 art? 165.°, n° 5, da CRP admite, expressamente, que as leis do a3 orgamento contenham autorizagdes nessa matéria *"°, ao contrério do que acontece em outros ordenamentos (cf. art.” 81. n.° 3 da Constituigio italiana, art 110°, n° 4 da GG, e art 134. n° 7 da Constituigao espanhola, que proibem a criagdo de impostos ou aalteragdo de regimes fiscais através da lei orgamental) *"* 2% ALEXANDRE COELHO DO AMARAL, Dieto Fiscal it (1987), pp. 26-31 8 Desde a revisdo constitucional de 1989 (ex- art.° 168.° n° 5). V. JOSE CASALTA NABAIS, O Dever fundamental. ci, pp. 349-351 Vy. entre muitos, fazendo referéncia a esta legislagao ¢ & sua razio de ser, J.M. CARDOSO DA COSTA, “Sobre as autorizagdeslepslativas da lei do orgamento”, cit, pp, 423-424 ess: “Tais retcéneias explicam-se pela preocupagao de estabelecer uma separagio estangue entte a legislaglo worgamentaly © @ legislagtio acomum», mormente tributiria, em ordem a evitar ~ diz-se ~ ndo sé que 0 juizo politico parlamentar sobre © orgamento seja condicionado ou desvirtuado por consideragdes que the so alleia, Inas ainda que 0. processo.lesislativo orgamental seja aproveitado (porventura pela. sua_maior simplicidade, e em qualquer caso pela cicunstincias de premencia em que decorre) para «fazer passar» 87 E quase pacifico entre nés que a votagdo das propostas financeiras (incluindo as autorizagdes em matéria fiscal) do executivo, constitu uma “decistio politica de indiscutivel conteiido “material” ?" , que se trata “de uma deciséo politico-normativa verdadeiramente substancial” *"*, Como diz Cardoso da Costa, seguido aqui por Jorge Miranda, as autorizagGes legislativas em matéria de impostos no orgamento nao s4o nele inseridas por uma “simples questo de economia de meios”, sfio “muito mais do que uma simples autorizagao”, pois “integram o programa fiscal anual constante da 217 respectiva lei” *"”, e 0 Parlamento define o “quadro global, e que se pretende coerente, da politica financeira, ¢ mesmo econémico-financeira a adoptar em determinado ano” *!8. Além disso, como resulta do acérdio n° 48/84 do Tribunal Constitucional, Parlamento pode conceder autorizagdes legislativas na Lei do Orgamento, sem terem medidas de outra indole” (p. 424). A estas objecedes responde o autor com o argumento de que elas s6 cexistem porque desconsideram a natureza material da lei do orgamento (Idem), 2! JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, ¥, 32 ed., Coimbra, 2004, p. 327.; JM. CARDOSO DA COSTA, “Sobre as autorizagées legislativas..", cit, p. 415 (pp. 413-415); JO: CASALTA NABAIS, O Dever fundamental... cit, pp. 349-350, espec. nota 479, na p. 350; J.M. CARDOSO DA COSTA, “Sobre as autorizagées legislativas..", cit, pp. 423 e ss; ANTONIO LOBO XAVIER, O Orgamento como lei, cit, pp. 90 ¢ ss; de forma ambigua, J.J. TEIXEIRA RIBEIRO, “Os Poderes orgamentais da Assembleia Nacional”, BCE, vol. XIV, Coimbra, 1971, pp. 197 e ss, espec., 200, 201 € ss; pelo contrério, A.L. SOUSA FRANCO recusa natureza material & lei do orgamento, com 0 argumento de que a competéncia para aprovs-lo é uma competéncia politica e nio legislativa. O Professor qualifica assim a lei do orgamento como acto politico ou acto-plano e nao substancialmente legislativo: “Conceito e natureza juridica do orgamento”, Estudos, XXX Aniverstirio do Centro de Estudos Fiscais, 1963-1993, Lisboa, 1993, pp. 115-119; eserevendo que no orcamento esta presente uma “confluéncia centre a fungdo legislativa e a dimensio do politico”, MARCELO REBELO DE SOUSA, “10 questées sobre a constituicdo, o orgamento e o plano”, Nos Dez anos da constituigao, Lisboa, 1986, pp. 121-122. V. ainda, dando conta que a Lei do orgamento continua a ser considerada um acto legislativo sui generis, embora o considere um acto de direegao politica, J.J. GOMES CANOTILHO, “A Lei do orgamento..”, cit, 1, pp. 552 € 88. © 575-576; cf. Ac. do TC n° 358/92, cit., pp. 142-174, que qualifica a Lei do Orgamento, pelo menos apés 1982, como uma “lei material especial”, “lei especial de programagao econémico-financeira da actividade do Estado”, aprovada ao abrigo da competéncia legislativa e politica do Parlamento, no exercicio da sua fungao de direcco politica estadual (V. pontos VIII e IX do sumario). 26 JORGE MIRANDA, Manual .., V, cit., 3. ed., p. 328. V. todavia, VITAL MOREIRA pronunciando- se contra 0s “cavaleiros orgamentais” em voto de vencido no acérdio do TC n.° 461/87, DR, I Série, n° 12, 15.1.1988, 2 JM. CARDOSO DA COSTA, “Sobre as autorizagdes legislativas..", cit, pp. 426; JORGE MIRANDA, Manual... ¥, cit, 3." ed., p. 328; embora as abservages de Cardoso da Costa tenham sido escritas antes da 1,* revisdo constitucional, esta reforgou a posigo do autor, como diz JORGE MIRANDA, p. 482, nota 4). ANTONIO BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER, “Enquadramento ‘orgamental em Portugal: alguns problemas”, RDE, 1983, p. 244. 2H JM. CARDOSO DA COSTA, “Sobre as autorizagbes legislativas..”, cit, pp. 426-436; JORGE MIRANDA, Manual... cit.,3.ed., p. 328. 88 sido solicitadas pelo Governo, pelo que este nao tem a inici tiva originéria exclusiva”, Mais ainda, entre nés, como fez notar o Tribunal nesse mesmo acérdio, “a generalidade das autorizagdes em matéria fiscal constantes da Lei do Orgamento so bastante mais precisas ¢ quantificadas [do que exigia antes da revisao constitucional de 1982 0 entio art? 168.%, n.° 1, que s6 se referia ao objecto, & extensiio e & duragdo da autorizagao}, no dando ao Governo a margem de liberdade que a autorizagao em causa the confere” [ou antes, Ihe conferiria] *°. Apesar de a nossa doutrina nao por em causa a bondade do art.° 165.°, n° 5, da al, da efectiva observincia dessa legalidade ~ nomeadamente quanto a efectiva orientagdo CRP *, € questiondvel que de um ponto de vista da fungiio da legalidade fi politica a proporcionar pelas lei de autorizagio -, este regime tenha vantagens. Sendo certo que as proibigdes constitucionais nos ordenamentos referi los, de incluir autorizagées legislativas em matéria fiscal nas leis do orgamento, esto relacionadas com uma concepgio formal da lei do orgamento, que entre nds esté ultrapassada, hé raz6es substantivas que justificam tais proibigdes. Como faz notar, a propésito do ordenamento italiano, Pasquale Russo, um dos “reais motivos” € a *"' De 31.5, proc. 76/94, Acérdaos do TC, vol. 3, 1984, pp. 7 € ss. (espec. ponto 15: segundo o Tribunal, tal pode acontecer quando a Assembleia no se enconira “em condigées de legislar ela propria sobre determinada matéria fe] opta por conceder uma autorizagio legislativa ao Governo, responsabilizando-o Politicamente pela emisstio das medidas legislativas adequadas, de acordo com certos. princi constantes da prépria autorizagdo”; e também quando se trata de autorizagées constantes da lei do cotgamento (Idem, ponto 15). Neste acérddo, tratava-se de compatibilizar dois conjuntos de autorizagbes legislativas contidas na lei do orgamento, sobre a mesma matéria (cédigo do imposto complementar), e em sentido contririo, em que um dos conjuntos resultava de um pedido de autorizagao por parte do Governo, ¢ 0 outro conjunto dizia respeito a autorizagdes dadas directamente pelo Parlamento, tendo 0 Governo legislado neste itimo sentido, Ponto 16 do acérdao, % Ainda antes da insergao desta disposigao, ja a doutrina aceitava as autorizagdes legislativas em matéria fiscal no orgamento: J.J. TEIXEIRA RIBEIRO, “Os Poderes orgamentais da Assembleia da Republica”, BCE, vol. XXX, 1987, p. 173 (V. outras referéncias no ac, do TC n. 358/92, cit, pp. 155 € ss); com uma ‘ou outra excepgo: veja-se 0 voto de vencido de VITAL MOREIRA (ponto 2 do voto), no acérdio n° 48/84, em que o juiz. questiona se, a0 abrigo do art” 168.° ns. 2 ¢ 3 (versio de 1982), eram licitas as autorizagdes legislativas orgamentais, € se 0 orgamento podia englobar outras matérias além do proprio orgamento, E o voto de vencido do mesmo conselheiro, no ac. 267/88, DR, J Série, 21.12.1988, p. 5042, Também podemos dizer que J.J. GOMES CANOTILHO (“A Lei do orgamento...”, cit), a0 qualificar 0 cto orgamental como um “acto de direc¢ao politica”, que implica uma reserva absoluta de lei formal que exclui a delegagao (¢ adiante: “O facto de se tratar do exercicio de uma competéncia politica significa ue, nos termos constitucionais, © acto orgamental exige uma participagdo necesséria do Parlamento — reserva do Parlamento”) ~ pp. 575-576, nao entender ser esse 0 instrumento adequado para autorizagoes legislativas em matéria fiscal. Mas na anotagdo a0 art 168. n° 5, GOMES CANOTILHO e VITAL 89 “exigencia que a actividade normativa no sector tributirio seja sempre fruto de uma adequada ponderagao, com a qual ... ndo se coaduna a brevidade e taxatividade dos prazos dentro dos quais deve ser concluido o iter parlamentar de aprovagio do ‘orgamento” 72? Sem desenvolvermos muito 0 assunto, apresentem-se apenas trés aspectos do nosso regime das autorizagées legislativas orgamentais, apontados por Jorge Miranda, ¢ que suscitam pelo menos a divida se, contendo 0 orgamento autorizagbes legislativas em matéria fiscal, elas nfo podem apresentar uma menor intervengdo politica do Parlamento, um menor grau de determinagao do que 0 exigido ao abrigo dos arts. 165.° n22e 103.°n2 da CRP e, consequentemente, uma diminuigao do papel garantista da reserva de lei fiscal: as autorizagdes legislativas orgamentais (portanto, incluindo as relativas aos elementos essenciais dos impostos) so “instrumentais ou subordinadas” a lei orgamental, esto nelas “incorporadas” ”°, €, portanto, nao podem ser interpretadas, modificadas, suspensas ou revogadas pelo Parlamento, a néo ser por ocasifo ¢ no Ambito de uma lei de alteragio do orgamento *; as autorizagdes legislativas orgamentais em matéria fiscal no caducam com a demissio do Governo, nem com 0 termo da legislatura ou dissolugao da Assembleia da Repiblica (art.° 165.° n° 5 da CRP) ~ prevalecendo “o elemento institucional sobre o elemento de confianga politica” 25: e finalmente, defende 0 Professor que a definigdo do objecto ¢ extens’o de cada autorizagio “deve ser entendida no contexto sistematico do orgamento [,] e, nessa medida, poderé ser menos exigente do que a do objecto ¢ da extensio de uma autorizagao legislativa auténoma” 6 #2”, MOREIRA nao tecem qualquer considerago sobre este assunto: Constituigdo..., cit, 3.* ed., anotagio a0 art. 168.*, ponto XXXII, p. 680, *? PASQUALE RUSSO, Manuale di Diritto Tributario, Parte Generale, Milano, 2002, p. 62. ° Como refere o proprio JORGE MIRANDA, Manual... V, cit, 3. ed., pp. 326- 327. 2 JORGE MIRANDA, Manual... V, cit, 34 ed, p. 331. Acérdfo 48/84 do TC, cit, p, 6098. V. também, ‘Manual de Direito Constitueional, V,2.ed., Coimbra, 2000, p. 326 ®* JORGE MIRANDA, Manual...V, cit, 32 ed, p. 331. © Como refere 0 proprio JORGE MIRANDA, Manual... V, cit, 3.ed., pp. 330-331 7 Questio diferente, levantada por Gomes Canotitho, diz respeito a suficiente densidade da lei do orgamento como lei que prevé os meios de prestacio e destino de aplicagao dos mesmos. Na Alemanha, a Propésito do ambito da reserva de lei e da sua aplicacdo a administracdo de prestagdes, tem-se admitido ser Suficiente que a lei do orgamento preveja os meios de prestagio, que a aplicagdo desses meios seja esbogada na lei do orgamente, ¢ que 0 destino dos meios caiba nas competéncias da administragio. No 90 4. Os elementos essenciais dos impostos segundo o art.” 103.°n.° 2 da CRP 4.1. O significado de incidéncia para efeitos do art.” 103.° n.° 2 da CRP O art’ 1032, n2 2, da CRP, enumera os elementos dos impostos ¢ as matérias que devem ser definidos por acto legislativo: “Os impostos sto criados por lei que determina a incidéncia, a taxa, os beneficios fiscais e as garantias dos contribuintes”. Na sua versio origindria, 0 art.° 103.° - alids, na altura, art.° 106.° - resultou de uum projecto apresentado pelos deputados do PPD, Jorge Miranda e Améndio de Azevedo. Se confrontarmos o projecto relativo aos ns. 2 € 3 do art. 106.° com o texto aprovado, verificamos que deste iiltimo s6 desapareceu a referéncia as «modalidades de cobranga» no n.° 2, ¢ que foi acrescentada a referéncia & liquidagao, a0 n.° 3 do mesmo artigo 8. Segundo a intervengGo de Jorge Miranda na Assembleia Constituinte, 0 significado da legalidade fiscal era o seguinte: “Todos e quaisquer impostos devem ser criados por lei; que, para além do sistema do imposto, cada tipo de impostos deve ser definido por lei («nulla vectigalia sine lege, principio «nullum crimen sine lege»); que a Iei deve determinar os elementos essenciais de cada imposto (incidéncia, taxa, beneficios fiscais e garantias concedidas aos contribuintes) e que essa lei deve ser feita por uma Assembleia Representativa e ndo por um decreto-lei do Governo, 0 que nio impede, alias, a possibilidade de delegagao” ”” Recorde-se que dos projectos de Constituigdo apresentados pelos diferentes partidos com assento parlamentar ap6s as primeiras eleigdes democriticas a seguir a0 25 de Abril de 1974, apenas os projectos do Partido Popular Democrata (PPD) e do Partido entanto, como recorda entre nés Gomes Canotitho, questiona-se se o orgamento “é um fundamento legal apropriado no sentido da reserva de lei”, € se “os fins tragados no orgamento” nao constituem “uma to minima orientagio» que, praticamente, equivale inexisténcia de directiva legal”: JJ. GOMES CANOTILHO, Direito Consttucional... cit, 7 ed, pp. 731-732 =" JORGE MIRANDA, Um Projecto de Constituicao, Braga, 1975, pp. 89-90 (arts. 109° ¢ 110° do Projecto). * Dilirio da Assembleia Constituinte, n.° 79, de 12 de Novembro de 1975, Apud, A.L. SOUSA FRANCO, “Sistema financeiro...", cit, p. 532, nota, 63 Comuni ta Portugués (PCP) continham disposiges sobre a legalidade substancial, enquanto os projectos dos outros partidos (Partido Socialista e Centro Demoeritico Social) se 20 mitavam a consagrar a reserva de competéncia legislativa em matéria fiscal A revisio constitucional de 1997 implicou a renumeragdo de uma grande parte dos artigos, ¢ 0 art.° 106.° passou a ser 0 art.° 103.°. O n° 2 nao sofreu porém alteragdes em relagao as versées anteriores Numa primeira leitura do artigo 103. n.° 2, podemos dizer com Casalta Nabais que ele consagra a reserva de lei em “trés dominios: 1) as normas que criam impostos, 2) as normas de incidéncia Jato sensu e 3) as normas relativas as garantias dos B31 contribuintes’ Numa leitura mais critica, verificamos que, autonomizado, 0 primeito grupo pouco ou nada acrescentaria aos arts. 165.°,n.° I, al. i), €227.°, n- 1, al. i), da CRP, pois limita-se a estabelecer uma reserva de acto legislativo para a criagio de impostos, que pode significar uma maior ou menor intervengao de lei da Assembleia da Repiiblica — segundo a discricionariedade legislativa de que dispde, dentro dos limites minimos de determinagdo atrés enunciados. Essa reserva inclui, por conseguinte, além da lei parlamentar e do decreto-lei autorizado, o decreto-legislativo regional, nos termos da lei ou de lei-quadro; ou seja, a primeira parte do artigo 103.° n° 2, interpretada isoladamente, consagraria uma mera legalidade formal (que conjugado com os arts. 1652, n° 1, al. i) e 227°, n° 1, al. i), implica a intervengdo de lei parlamentar nos termos ai definidos), mas sem exigénc: de determinagao, o que s6 por si possibilitaria amplas © vagas remissdes legais para regulamentos, os quais disciplinariam os elementos essenciais dos impostos. Mas nio ¢ i 103.9 n° 2. 0 que resulta da interpretago do art® Diriamos assim que 1) ¢ 2) esto intrinsecamente relacionados, e que o cere da disposiggo consagra uma regra de “legalidade material” - 2) -, densificando a ‘idade” dos “legalidade formal”, definindo © contetido do chamado “principio da tipi 4 ANA PAULA DOURADO, “O Principio da legalidade fiscal...”, cit. pp. 430-431, nota 4. 2" JOSE CASALTA NABAIS, 0 Dever fundamental... it, p. 362 impostos, no ordenamento portugués: 0 nosso legislador constituinte optou por fazé-lo expressamente, em vez de deixar tal matéria a terprete. © art.” 103.%, n° 2, na parte em que reserva A lei os beneficios fiscais as garantias do contribuinte, vai ainda além da formulagao cortente do principio da tipicidade dos impostos, pois sé a incidéncia entendida em sentido amplo (abarcando a definigdio da matéria tributavel e a sua quantificagao), ¢ a taxa do imposto correspondem a0 aleance tradicional daquele principio, como veremos adiante. Digamos entio que 0 art’ 103. n.° 2 contém o principio da tipicidade dos impostos e alarga o objecto do art.® 165. n 1, al. i) ~ie., para além das taxas e de outras contribuigdes financeiras a favor de entidades piblicas, os impostos ¢ 0 sistema fiscal * -, aos beneficios fiscais e as garantias dos contribuintes. Assim, numa formulagao divulgada do principio da tipicidade dos impostos, este io classi diz respeito ao an e ao quantum dos mesmos >. Numa outra formula¢ ca ~ cujo alcance € idéntico ao anterior -, 0 principio da legalidade fiscal exige que 0 sujeito passivo, 0 objecto do imposto, a base tributdvel (ou os elementos que concorrem para a determinagdo da medida do imposto) ¢ a taxa do imposto sejam definidos por lei formal ® Segundo JOSE CASALTA NABAIS, a sujeigio a reserva de lei do sistema fiscal nio consttui uma redundancia, “pois .. a mesma tem por consequéncia reservar A lei parlamentar, para além dos elementos essenciais de cada imposto, enunciados no art. 106, 2, a estruturagao do proprio sistema de impostos, ou seja, a articulagdo dos diversos impostos entre si: seja'a articulagdo, que podemos designar de horizontal, dos impostos sobre o rendimento com os impostos sobre o patriménio ¢ destes com os impostos sobre 0 consumo, seja a articulagdo, que podemos designar de vertical, do sistema fiscal nacional com o (eventual) sistema comunitario europeu, com os (sub) sistemas fiscais que possam vir a instituir-se nas Fegides auténomas ao abrigo do art. 229, 1, i) [actual art.° 227. n° 1, al. j)}, ou mesmo com um (sub) sistema fiscal (autérquico) local que (eventualmente) possa vir a ser permitido com base na compatibilizagdo pratica do principio da legalidade fiscal com o principio da autonomia local”. Parece- hos que a articulagdo de que fala o Professor, pode ser feita através de uma Lei Geral Tributéria, & qual compete disciplinar os principios gerais do ordenamento fiscal, a relagao obrigacional fiscal — constituigio, modificagdo, extingdo -, 0 procedimento administrativo, os direitos e deveres do sujeito passivo e da administragao e ainda as infracgdes fiscais ~ como propde © Modelo CIAT, o qual é seguido, ‘de muito perto, pela mais recente LGT espanhola (n° 58/03, de 17 de Dezembro). Mas ja nos parece mais diffeil defender que a Constituigio exige uma “articulago dos diversos impostos entre si”, “a estruturagio do proprio sistema de impostos”, no sentido preconizado pelo Professor — no que nio fosse fecomendivel tal articulagdo (e justificdvel a0 abrigo dessa disposigo constitucional), mas & Politicamente inviavel, ¢ nao encontra exemplos em outros ordenamentos, que poderiam motivar 0 nosso legislador. V., por exemplo, GASPARE FALSITTA, Corso Istituzionale.. cit, 2003, p. 55; BALDASSARE SANTAMARIA, Diritto Tributario... cit, 4 ed., p. 37; e a referéncia entre nds, por ex., em JOSE CASALTA NABAIS, O dever fundamental... cit, p. 352. 93 2B ainda numa terceira formulagio de significado idéntico, que tem origem na Abgabenordmung alema, que encontramos em Tipke/Lang, ¢ que entre nés Casalta Nabais identifica com a “incidén: em sentido amplo”, a reserva de lei diz respeito a todos os pressupostos de cuja conjuga¢ao resulta o nascimento da obrigagao de imposto ns Mas enquanto Casalta Nabais inclui os beneficios fiscais na “incidéncia em sentido amplo”, e assim nos elementos da tipicidade fiscal, na concepgao tradicional, os beneficios fiscais eram delimitagdes negativas do tipo de imposto (ver adiante 0 nosso conceito de Taibestand sistematico), apareciam como técnicas que retiravam ao Tatbestand determinadas situagdes da vida, € no como elemento do mesmo *, actualmente, uma parte importante da doutrina alema autonomiza as normas que concedem beneficios fiscais das “normas fiscais” propriamente ditas, isto é, rela ee madas com a repartigéo da carga fiscal Isto significa que — e é esta a nossa posigdo, como ja escrevemos anteriormente - os beneficios fiscais nfo fazem parte da incidéncia, porque prosseguem outras finalidades: as normas dos beneficios fiscais so “normas de orientagdo”, “normas extrafiscais", “normas de finalidade social”, “normas de despesa fiscal” e embora variem as designagdes e as posigdes acerca da sua (total, maior ou menor) integrago ou autonomizagao do Direito Fiscal (segundo Tipke, por exemplo, as normas de finalidade social que favorecem 0 contribuinte materialmente, pertencem ao Direito Econémico, ™ V., por todos, KLAUS TIPKEJOACHIM LANG, Steuerrecht, cit, 17. ed., p. 99. Escrevem os autores na p. 97: “o langamento de um imposto pressupde que um Tarbestand legal, ao qual a lei liga 0 imposto como consequéncia juridica esteja preenchido (tipicidade da tributagio)”; SALVATORE LA ROSA, Principi di Dirivio Tributario, cit, pp. 8-9; GIANFRANCO GAFFURI, Lezioni di Diritto Tribwtario.., cit, 4 ed., pp. 22-24; AUGUSTO FANTOZZI, Corso di Diritto Tributario, cit., 2004, p. 47. 5 JOSE CASALTA NABAIS, O Dever fundamental... cit, p. 362. ®6 Assim, ALBERT HENSEL, Steuerrecht, 2° ed., Berlin, 1927, p. 46. Embora alguns autores acabem por sujeiti-los, a reserva de lei, isso deve-se ao facto de, segundo 0 entendimento dado a GG, todas as matérias estarem sujeitas a reserva de lei, V., por todos, KLAUS. TIPKE, Die Steuerrechtsordnung, 1, cit, 2.* ed., pp. 129, 340-347. KLAUS TIPKE/JOACHIM LANG, Steuerrecht, cit, 17. ed., pp. 44-45, 66-67, 94-95, 99, 94 a0 Direito Social ou a outros ramos de Direito, mas no ao Direito Fiscal ”), elas sio 239 240 elaboradas por uma parte da doutrina, por contraposigdo as “normas fiscais” s.s. nificado de Alias, € curiosa a interpretagio de Casalta Nabais sobre o incidéncia no art.° 103.°, n.° 2, da CRP, pois o autor também enquadra os beneficios impostos fiscais”: “continufa]mos a fiscais na extrafiscalidade, a qual contrapde aos perfilhar 0 ponto de vista, vilido tanto para os impostos extrafiscais como para os beneficios fiscais, assente na finalidade extrafiscal dominante objectivamente tida em considerago pelo legislador traduzida na beneficiagao dos contribuintes a fim de fomentar ou promover determinados dos seus comportamentos econémicos ou sociais, aspecto funcional este que se reflecte na estrutura das respectivas normas, que assim apresentam uma estrutura divergente ou derrogatéria da dos correspondentes impostos, ou seja, uma disciplina de despesas fiscais e nao uma disciplina de receitas...” *!, E. lembre-se que também 0 Estatuto dos Beneficios Fiscais os define como “medidas de caricter excepcional instituidas para tutela de interesses pliblicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da propria tributago que impedem” (art 2.°,n.° 1), Mas para além do problema da classificagao, ou de “estrutura das normas”, Casalta Nabais entende que as normas dos beneficios fiscais, por serem extrafiscais, nao ®* KLAUS TIPKE, Die Steuerrechtsordmung, I, cit, 2. ed, p. 340, *° Y., por exemplo, por todos, KLAUS TIPKE, Die Steuerrechtsordnung, I, cit, pp. 340 ¢ ss.; KLAUS. TIPKENOACHIM LANG, Steuerrecht, cit, 17 ed. pp. 66-67; SALVATORE LA ROSA, Le Agevolazioni tributarie”, Trattato di Diritto Tributario, It Diritto Tributario e le sue fori, vol. 1, tomo |, Milano, 1994, p. 410; % Isto no significa que 0 conceito juridico-constitucional de imposto, pelo menos nos Estados da OCDE, nao seja um instrumento central de orientago de uma politica econémica e social do Estado, em {que a finalidade de arrecadagao da receita se tome por vezes secundaria, mas essa finalidade no pode desaparecer, para estarmos ainda dentro do conceito de imposto: o § 3 I, 2 da AO, consagrou justamente lum conceito de imposto, em que a finalidade de arrecadagao da receita pode ser secundaria. V. KLAUS ‘TIPKE/JOACHIM LANG, Steuerrecht, cit., 17. ed., pp. 44-45. No mesmo sentido, SALVATORE LA. ROSA, “Le Agevolazioni tributarie", cit, pp. 403-405: como nos diz 0 autor, no quadro do Estado social de Direito, ou das finangas funcionais, as normas de beneficios fiscais ja nfo devem ser entendidas como nnormas excepcionais. Todavia, ainda hoje podemos distinguir entre os autores que reconduzem as regras dos beneficios fiscais as regras de (incidéncia) de tributaao, ie., de “menor tributagdo”, e os autores que véem “nos beneficios fiscais um tipo de disciplina positiva com precisas caracteristicas juridicas, identificdveis numa perspectiva de tipo funcional, ¢ praticamente constituidas para representar a “niio tributagdo” (ou a menor tributagdo), sob o plano das reais intengGes normativas, uma substicuigdo material de uma correspondente despesa piblica, ou ainda uma «despesa piblica implicitay ou «despesa fiscaln” (IDEM, pp. 405-406), “! JOSE CASALTA NABAIS, O Dever fundamental... cit, p. 637. Sobre as despesas fiscais ¢ 08 beneficios fiscais, cf. GUILHERME WALDEMAR D” OLIVEIRA MARTINS, 4 Despesa fiscal e 0 oreamento do Estado no ordenamento juridico portugues, Coimbra, 2004, por ex., pp. 93 € $s. Es revestem as exigéncias de determinagao a que estio sujeitas as normas fiseais 2 pelo que na verdade, 0 autor nfio tira consequéncias, para eff \s de tipicidade fiscal, desta incluso dos beneficios fiscais no conceito de incidéncia em sentido amplo. Seja como for, e repetindo, 0 art.° 103.° n.° 2 consagra o principio da tipicidade dos impostos, cujo conteiido, noutros ordenamentos, nao é normalmente consagrado na Constituigdo, mas determinado pelo intérprete. Como jé dissemos, vamos procurar demonstrar adiante que a tipicidade dos impostos € um conceito dogmético, supra-ordenamental, ou seja, que apresenta um contetido semelhante em varios ordenamentos. Tendo em conta o seu significado em ordenamentos proximos do nosso, podemos encontrar um minimo denominador comum da tipicidade fiscal, constituido pela \cidéncia em sentido amplo e a taxa do imposto (normas fiscais” s.s.). jé dissemos também que no caso portugues, a reserva de lei fiseal consagrada se alarga a extrafiscalidade, incluindo os beneficios fiscais 243 as garantias dos contribuintes, uma vez que o art® 103.° n° 2 Ihes faz referéncia expressa, mas como regras exteriores ao Tatbestand de imposto, ¢ no como elementos do mesmo. Finalmente, a reserva de lei relativa as garantias dos contribuintes — na parte nfo coberta pelo art® 1652, n.° 1, al. b), da CRP —, é 0 corolério da tipicidade do imposto, € i encontra a sua justificagao no Estado de Direito (democritico) € no art.” 268° n° 4 (¢ ‘| n2 5) da CRP. 4.2, A incidéncia em sentido amplo Diz-nos Casalta Nabais, retomando a definigio de tipicidade da ! Abgabenordmung, que a “incidéncia” a que se refere o artigo é a “incidéncia entendida em sentido amplo [que] abarca todos os pressupostos de cuja conjugagdo resulta 0 nascimento da obrigagaio de imposto” (cf. § 3.° da AO) “e bem assim, os elementos da \ mesma obrigagdo, 0 que a reconduz.& definig’io normativa: 1) do facto ou situagdo que | 28 JOSE CASALTA NABAIS, O Dever fundamental. ct, pp. 659 & 661 (658 €58). 1 2 Lembre-se que o TC nito sujeita a reserva de lei os tributos extrafiscais 96 a origem ao imposto ..; 2) dos sujeitos activo e passivos (contribuintes, responsaveis, substitutos) da obrig ico de imposto; 3) do montante de imposto, em regra (sempre que se nio trate de impostos de quota fixa) definido através do valor ou da quantidade sobre que recai o imposto (definigio ou determinagio em abstracto da matéria tributivel), da m desse valor ou do montante pecunidrio por unidade da matéria tributével a percent exigir do contribuinte (definigao da taxa ou das taxas ad valorem ou especificas) e das dedugées 4 colecta (caso as haja); 4) dos beneficios fiscais” >" :mbora seja discutivel que os beneficios fiscais caibam dentro de um conceito de incidénc' em sentido amplo, a verdade ¢ que a incidéncia a que se refere o n° 2 do art.° 103.° nao se pode limitar ao facto tributdrio em sentido restrito e ao sujeito passivo, sob pena de a reserva de lei fiscal nao cumprir a sua fungi. Por outras palavras, a “incidéncia” tem de ser entendida em sentido amplo, porque se a legalidade fiscal tem fungdes garantistas, e se os impostos, mesmo que entendidos como deveres fundamentais, so limites imanentes ao direito de propriedade individual, ent&o o alcance das fungdes da legalidade fiscal diz respeito a todos os elementos que contribuem para o calculo do montante de imposto a pagar, ou a as definigio do an e do quantum dos impostos “’, Eles constituem afinal a propria ncia da relagdo obrigacional fiscal, ou até se quisermos do conceito de imposto, uuma vez que este se traduz, em conereto, pelo montante a pagar por um determinado sujeito passivo. Também parte da incidéncia, e por isso sujeitas a reserva de lei, so as normas de conexio unilaterais que definem os rendimentos tributaveis de sujeitos passivos 26 residentes ¢ de sujeitos passivos nao residentes ™", e as normas unilaterais de atenuagao de dupla tributagdo, uma vez que elas afectam 0 quantum do imposto a pagar. "JOSE CASALTA NABAIS, “Jurisprudéncia do Tribunal Constitucional..”, cit, p. fundamental. cit, p. 362. V. onosso artigo, °O Principio da legalidade fiseat..", cit, pp. 450-451 (pp. 440 e ss.) “Assim também, JOSE CASALTA NABAIS, 0 Dever fundamental... eit, p. 365, 97 1 {| | | | i Ny Subscrevemos por isso ~ independentemente de uma ou outra diferenga de pormenor ~ 0 alcance que Casalta Nabais da ao conceito de “incidéncia” adaptado pelo art.® 103.°, n° 2, da CRP ™”, 4. O “lancamento” ¢ a “liquidagdo” do imposto ou base de avaliagéo e quantificagio do imposto Resulta do exposto até aqui que, se a incidéncia a que se refere o art.° 103.°, 2, nao é limitada aos sujeitos activo © passivos e ao facto tributario em sentido restrito, mas diz respeito ao an e a0 quantum do imposto, as chamadas regras de langamento quando sao regras de determinacio da matéria tributavel (por exemplo, as regras de avaliagdo nos impostos sobre o patriménio ™*, , ou as regras para determinar 0 rendimento-acréscimo para apuramento do rendimento tributavel, no caso dos impostos sobre o rendimento), as chamada regras de liquidagao relacionadas com a quantificagao nentos, do imposto (se a liquidagao ¢ feita com base nas declaragdes periddicas de rend de informagao contabilistica ¢ fiscal e nas declaragdes de substituigdo, ou com base em outros métodos aplicaveis na falta de apresentagio das declaragdes ou de violagao dos deveres acess6i s, dedugdes a matéria tributavel), ¢ ainda as relativas as dedugdes & colecta, fazem parte da incidéncia, Seria muito facil perceber isso, se a nossa legislagiio designasse tais regras, de regras de determinagio ou avaliagio e quantificagao da matéria tributével, ou simplesmente “base de avaliagao do imposto” ou “base de quantificagao do impost (correspondendo a —designagio-—_alema “Steuerbemessungsgrundlage” que nao suscita dividas) ~ é 0 que alias prope Saldanha Sanches, salientando que o acto tributario quantifica a divida de imposto, *7 No mesmo sentido, ou pelo menos, proximo, diz-nos também CARLOS PAMPLONA CORTE- REAL, Curso... J, cit, 1982, p. 80: “Esclarecer-se-a, por fim, que, no que respeita a incidéncia do imposto, deveré entender-se que a reserva de lei formal abrangera igualmente aqueles aspectos juridicos conexos com a sua quantificagto (matéria colectavel) ou seja, a chamada «incidéneia real... e isto apesar de por veres nos eédigos fiscaistais aspectos surgirem integrados, nio no capitulo da incidéncia, mas no da determinagio da materia colectivel. Quer dizer, na chamada «determinagio da materia colectavely havera que distinguir os aspectos materiais, abrangidos pela reserva de lei formal, dos aspectos adjectivos, dela excluidos, em principio”. * Veja-se neste sentido, o acérdao do TC n.° 358/92, de 1.11, cit, ¢ JOSE CASALTA NABAIS, Jurisprudéneia do Tribunal Constitucional...", cit, pp. 270-271 98 independentemente do papel que nessa quantificagdo tenham a administragio © 0 contribuinte, papel esse que pode variar consoante o tipo de imposto e a legislagio *”. Ora bem, apés defender que subjacente ao art.” 103." n2 2 esta um coneeito de incidéncia em sentido amplo, diz-nos Casalta Nabais que se “excluem|] da reserva de lei fiscal 0s outros momentos da dindmica do imposto, como o langamento (identificagaio do contribuinte ou outros sujeitos passivos e determinagao da matéria tributavel), a liquidagdo (apuramento da colecta através da selecgdo da taxa aplicavel, da aplicagio desta a matéria tributivel e das dedugdes & colecta caso as haja) e a cobranga ¢ todas as 250 ‘operagdes em que estes momentos se desdobram” **°. Ainda segundo o autor, estes “elementos ndo essenciais dos impostos” podem ser disci inados por decreto-l autorizado, decreto-legislativo regional ou regulamento, pois estio apenas sujeitos ao principio geral da legalidade administrativa, a nao ser que afectem direitos, liberdades e garantias 7°", Se bem entendemos, Casalta Nabais pretende agrupar a definigio e a interpretagdio em abstracto destes elementos (interpretagiio totalmente vinculada, porque reservada lei formal, pois estes elementos fazem parte da incidéncia em sentido JL. SALDANHA SANCHES, 4 Quantificagéo da obrigagdo wibutiria, Deveres de cooperacio, autoavaliagdo e avatiagdo administrativa, CCTR, Lisboa, 1995, n.° 173, pp. 120 ess. 123 € 8, 127 € 88.139 es, espee. 142-151 * JOSE CASALTA NABAIS, O Dever fundamental... cit., p. 366; “Jurisprudéncia do Tribunal Constitucional...", cit, p. 271; Contratas fiscais, cit, p. 223; “A autonomia local..", cit, p. 197 e nota 196. Também apés considerar, como vimos, que os aspectos juridicos conexos com a quantificagao do imposto fazem parte da incidéncia real, ¢ estdo por isso sujeitos a reserva de lei consagrada no ar.” 103. 22, da CRP, CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL entende que a lei a que se tefere 0 n.° 3 do mesmo artigo (*ninguém pode ser obrigado a pagar impostos ... cuja liquidagio e cobranga se nao fagam nas formas prescritas na lei") € qualquer norma juridica (ie. lei em sentido material): Curso... cit. 1982, pp. 80 e 82-84. Também no acérdao do TC, n° 205/87, de 17.6, 0 Tribunal considera inconstitucional 0 n.° 3 do artigo 19. do Decreto n.® 80/IV, que estabelecia que “o regime legal dos impostos, contribuigdes, dliferenciais © outros tributos cobrados pelos servigos auténomos, pelos fundos auténomos e pela iguranga Social ¢ pelos organismos de coordenagdo econémica e institutos piblicos 6 pode ser tmodificado pela Assembleia da Repiblica”. Segundo 0 Tribunal, “no cabe na reserva relativa de competéncia da Assembleia da Repiblica, pelo que se enquadra no dominio da competéncia legislativa concorrencial daquele 6rgio de soberania ¢ do Govemno, tudo 0 que, em matéria fiscal, excede a \determinagdo daqueles elementos essenciais (v.g., as regras relativas a liquidagdo e cobranga)”: ponto 14 do acdrdao. Todavia, o Tribunal nfo explicita o que entende por normas de liquidagio, dizendo apenas ue esta niio cabe nos elementos essenciais dos impostos (IDEM). O Tribunal considerou também que a mesma norma era inconstitucional, na parte em que reservava exclusivamente lei parlamentar os “diferenciais” e as “taxas”, os quais nao estavam cobertos pela reserva de lei (pontos 15 ¢ 16 do acérdao), No mesmo sentido ¢ com os mesmo argumentos, estando em causa disposigbes idénticas, acérdio do TC no 461/87, de 16.11, ponto 10. ™' JOSE CASALTA NABAIS, 0 Dever fundamental... cit, p. 366. 99 amplo), separando-as da aplicagao da lei a0 caso concreto, da “determinagéo dos factos", concepgiio que encontramos nos administrativistas alemdes e portugueses das décadas de cinquenta e sessenta, e em Alberto Xavier no seu “Conceito e natureza do acto tributario” de 1972, Ai escreve Alberto Xavier que “[a] «determinagao da matéria colectively - expresso ambigua, mas que ja conquistou foros de cidade na nossa lei ~ é (..) um conceito que abrange dois fenémenos bem distintos entre si: uma determinagio em abstracto e uma determinag&io em concreto. A determinagdo em abstracto é realizada pela lei, ou directamente, ou por via indirecta, através de definigdes redutivas ou conceitos de segundo grau [**]; por seu turno, a determinagéio em concreto inicia-se ai mesmo onde terminou o proceso de concretizagao legal. Estd-se entéo perante uma determinag: do facto na sua existéncia ou nas suas qualidades, que exige uma actividade mediadora do érgdo de aplicagiio do direito; actividade que ja nfo é de interpretagio da lei, mas de simples fixagio dos factos, embora, claro, dentro dos limites nos termos legais. A chamada «determinagao da matéria colectavel» (...) desdobra[]-se necessiriamente ou numa actividade interpretativa de caracterizagao do facto ou numa actividade probatéria da sua descoberta e valoragao” 73. Ma se est aqui subjacente um entendimento que separa os momentos de interpretagao da lei em abstracto € interpretagio em conereto ~ entendimento esse que rejeitamos e que criticamos adiante, no capitulo sobre a margem de livre apreciago dos conceitos juridicos indeterminados -, em que a primeira seria uma actividade totalmente vinculada (no sentido em que “sé haveria uma interpretagdo correcta”) ¢ a segunda permitiria um certo grau de margem de livre apreciagio ~ e no € claro que seja essa a intengdo de Casalta Nabais ~, é duvidoso que se possa chamar langamento e liquidagio apenas a este segundo momento, aligeirando a reserva de lei substancial ou tipicidade fiscal, e distinguindo-o da “determinagao da matéria colectavel” e da definig&o da taxa, as quais estariam sujeitas a elevadas exigéncias de determinagao legal. * © autor entende por “definigdes redutivas” ou “conceitos de segundo grau” , “o complexo vastissimo de preceitos que no Direito Fiscal desempenham a fungiio de desenvolver e explicitar © contetido do tipo legal e que, do mesmo passo, entram a fazer parte integrante deste, Trata-se... de normas ~ integradoras ‘ou de segundo grau — que operam uma interpretagao do conceito pela sua definigio, dando lugar a uma redug30 conceitual, pela sua substituigo por outro ou outros de grau légico inferior (*definigao redutiva”): Conceito e natureza.., cit, p. 4 100 ‘Alias, 0 proprio autor escreve nos seus “Contratos Fiscais”: “E de notar que sera seguramente neste dominio da cobranga (a que, de algum modo, podemos acrescentar facilmente 0 proprio dominio da liquidagio lao sensu) que a figura do contrato levantaré menos objecgSes, uma vez. que tal momento da dindmica dos impostos nao faz parte da reserva de lei, a qual, muito sumariamente .... constitui uma barreira de protecgao erigida em volta do an e do quantum dos impostos”. E acrescenta em nota ‘[deia que jé ndo se pode afirmar com idéntica seguranga relativamente & liquidagao uma vez que, em certos casos, acaba por ser neste momento que se estabelece o quantum do imposto havendo como que uma osmose entre definigdo e determinagto da matéria colectavel” ”**, Nao percebemos por que razo o autor mudou de entendimento. Seja como for, quanto muito, poder-se-ia defender que em relago @ avaliagzio ou quantificagio da obrigagao tributéria (incluindo a chamada determinagao da matéria colectavel e as dedugdes & colecta), © grau de determinagao legal exigivel seria menor do que em relacdo a definig&o do sujeito passivo e do objecto de imposto em sentido restrito; em relagdo ao grupo de matérias mencionadas em primeiro lugar, seria permitida uma maior margem de livre desenvolvimento da disciplina por decreto-lei no autorizado, decreto-legislativo regional ou regulamento, Parece-nos que as divergéncias quanto a submissiio dos chamados langamento € liquidagao reserva de acto legislativo, que encontramos na nossa doutrina, esto relacionadas com os diferentes tipos de “normas de langamento e de liquidagao”, que ora so normas substantivas, ou de Direito Fiscal material, i.e., referentes rela juridica (obrigacional) tributéria, ora so normas procedimentais ou de Direito Fiscal formal, ie, normas de Direito Administrativo especial. No seu conjunto, elas correspondem as fases do procedimento tributirio, caso em que 0 langamento © a liquidagao so equipariveis a conceitos como “acertamento”, ou “acto tributério” (como * Conceito e natureza... cit, pp. 42-43. > JOSE CASALTA NABAIS, Contratos fiscais... cit, p. 120.¢ nota 345, Diferente é a possibilidade de 4 lei conceder uma margem de live apreciago ou discricionariedade quanto aos elementos essenciais do imposto: mas tém de sera lei parlamentar ou o decreto-lei autorizado (ou 0 decreto-legislativo regional) a faz. E 0 caso da liquidagio da derrama, cujas regras esto todas determinadas na lei (CIRC € Lei das Finangas Locais), mas em que se atribui discricionariedade a0 municipio para langar ou no fangar a derrama (discricionariedade de decisio). Quando dizemos que os elementos essenciais do imposto esto sujeitos a reserva de lei, ndo queremos com isso dizer que tal reserva impega a margem de livre apreciagdo e até, nos termos que definremos adiante, a discricionariedade 101 ropoe Alberto Xavier ***), ou “autoavaliagao’ propi © “avaliagao. administrative” (na terminologia proposta por Saldanha Sanches, tendo em conta os actuais métodos de quantificagao da obrigagio tributéria no quadro de uma administragdo de actos-massa 256) O que por exemplo escreve Cardoso da Costa, exprimindo 0 entendimento do Tribunal Constitucional, manifesta essa ambiguidade de sentidos, a0 istinguir a “definicao” da “determinagdo” da matéria colectavel: “na primeira est[aria] em causa a identificagdo da entidade econémica ~ rendimento, despesa, patriménio, capital ~ sujeita 4 imposto, e, consequentemente, um elemento «substantivo» ¢ «essencial» da normagéio tributdria; na segunda, trata-se jé do método ou dos métodos a adoptar no célculo e no estabelecimento do respectivo valor, e, portanto, de um dominio «instrumental», com cardcter fundamentalmente «procedimental» e «adjectivon” 25”, Encontramos um exemplo deste segundo sentido, no anteprojecto do Cédigo dos impostos sobre o rendimento, de Fernando Pessoa Jorge e de Anténio Braz Teixeira (1968), que constituia uma espécie de lei geral tributéria para os impostos sobre o rendimento: na secgo III, denominada “processo administrativo para a determinagiio da colecta”, define-se 0 langamento (art.° 45.°), como compreendendo “o conjunto de % 'V., por todos, integrando o langamento e liquidagdo no Diteito Tributério formal, ALBERTO XAVIER, Conceito ¢ natureza... cit, pp. 11 e ss.. E ainda, explicando que “{sJendo hoje 0 ato aadministrativo de langamento praticado predominantemente no exercicio de uma fiscalizagto e controle, eventualmente conducente a aplicagdo de sangves fiscais, mais do que no exercicio de uma administragao corrente, avoluma-se o seu significado de ato de autoridade potencialmente restritivo da propriedade ¢ liberdade dos cidadios”: Do Langamento: Teoria geral do acto do procedimento e do processo tribulario, 2 ed., Rio de Janeiro, 1997, p. 15; o langamento e liquidagto também fo integrados no Direito Tributiio formal pela doutrna italiana e alemd. Mas enquanto a primeira a retra da reserva de le (ct, por ex., FRANCESCO TESAURO, Compendio ai Diritto Tributari, cit, 2004, p. 11), a segunda nko @ faz, porque o procedimento é entendido como uma interferéncia ablativa: V. por todos, ANA PAULA DOURADO/RAINER PROKISCH, “Das steuerrechtliche Legalititsprinzip im portugiesischen und deutschen Verfassungsrecht”, Jahrbuch des Ofentlichen Rechts der Gegenwart, 1999, Bd. 47, p. 58: cf KLAUS VOGEL, “Die Besonderheit des Steuerrechts", DSiZ, 1977, p. 11 * J... SALDANHA SANCHES, A Quantificacdo da obrigagdo tributéria.., cit. por ex. pp. 219 ¢ ss. V. ainda PAULO PITTA E CUNHA, que distingue a “fase da criago da espécie tributdria, integrada de todos os elementos que sto objecto da descrigao abstractamente operada pelas normas de incidéncia”, da fase de aplicaga0 do imposto, dividida em dois momentos: “o que culmina com 0 apuramento, no caso ‘concreto, da prestagio tributéria devida por cada contribuinte; o que se concretiza na propria satisfagao da prestagdo”, i, “normas de langamento” € “normas de cobranca”. O Professor subdivide o langamento fem duas operagdes, “langamento propriamente dito” que sé tem relevo quanto 20s impostos cuja aplicago supde uma actividade prévia da administragio, como no caso dos impostos “directos”, e liquidagio: Direito Fiscal... cit, 1975, pp. 68-69. *7 | M. CARDOSO DA COSTA, “O Enquadramento constitucional..", tp. 409. 102 operagdes destinadas a identificar o contribuinte ¢ a determinar a matéria colectavel”; no art.’ 46.° estabelece-se que nos impostos regulados por aquele c6digo, a identificagio do contribuinte se pode fazer por declarago do proprio, de terceiro ou por inscrigao em registos ou matrizes; e € ainda definido como sera determinada a “matéria colectivel” baseada em rendimentos presumidos ou normais, € qual a composigao das comissbes mistas que intervenham nessa determinagio (arts. 492 e ss), sta nomeagio € funcionamento e as garantias processuais do contribuinte. © mesmo tipo de disposigdes aparecem nos arts. 64.° ¢ ss. a propésito da liquidagao, Por conseguinte, e em iiltima andlise, as divergéncias quanto ao significado de “langamento” € de “liquidagao”, tém a ver com 0 facto de a relagio obrigacional e 0 procedimento tributario implicarem anélises sobrepostas, e de o procedimento tributario conter disposigGes substantivas a par de disposi Ses meramente procedimentais ou admis por Alberto Xavier, de si rativas — lembrem-se as propostas da doutrina italiana ¢ entre nds subscritas ;paracio entre a andlise do contetido do acto tributirio - do seu estatico”, “estritamente vinculado” “pert , € a anilise da “eficdcia” do mesmo ou do seu “perfil dinamico e funcional”, embora tenhamos uma mesma obrigagio tributaria ?** 259 Como j4 escrevemos anteriormente, sob a designagao de liquidagio, os nossos cédigos de imposto disciplinam a relagdo juridica de imposto desdobrada em varios momentos ou aspectos (que adiante designamos por Tathestand sistemdtico), que incluem por vezes dedugdes 4 colecta (é 0 caso dos cédigos de imposto sobre 0 rendimento), e que influenciam a quantificagio do imposto, como aliés 0 diz expressamente Alberto Xavier. Adoptando a “perspectiva dindmica” ou procedimental, © autor rejeita a distingdo entre langamento e liquidagao - e adopta em sua substituigao 0 conceito de “acto tribut 10” o qual é, para o autor, “estritamente vinculado”, e declara a ** Assim, ALBERTO XAVIER, Conceito e natureza... cit, pp. 399-400 e ss. ® Diz Alberto Xavier que a corelagto feita entre contetdo ¢ eficécia do acto tributério ~ sem autonomizagdo dos dois momentos - resulta de uma analise que se limita ao “perfil esttico”: “ai onde existisse um acto de contetido vinculado, ai teriamos inexoravelmente um acto de efiedcia declarativa; € ali onde surgisse um acto de conteiio livre, dispositive ou discricionario, ali deparariamos, também inmexoravelmente, com um acto de eficécia constitutiva [; ou seja,]... provado pelo principio da tipicidade © caricter vinculado do acto tributirio, provada estaria do mesmo passo a Sua eficécia declaativa no ‘ocante a obrigagao do imposto” (ALBERTO XAVIER, Conceito e natureza... cit, p. 400), Ora, segundo Alberto Xavier, seria necessirio autonomizar © momento estitico da momento dindmico do acto tributirio, obrigagao tributéria, valendo como “titulo abstracto™® - por ser complicado definir a fronteira dos actos de caracterizagto legal do facto, em relago aos actos de determinay do valor ou de quant cago, e porque a liquidago, frequentemente, também nao se esgota, na aplicagao da taxa 4 matéria colectavel **!, Se o acto tributario (langamento ¢ liquidagéio; ou autoavaliago e avaliagiio administrativa e liquidagao) quantifica a obrigagao tributéria e € vinculado, isto significa que a administragao fiscal e © sujeito passivo devem liquidar e cobrar os impostos segundo os critérios legais (cf. § 85 da AO e art 103. n° 3, da CRP); por outras palavras, a quantificagao do imposto (incluindo autoavaliagao ¢ avaliagio administrativa) esté sujeita a reserva de lei parlamentar (ou, no caso portugués, decreto-lei autorizado ou decreto legislativo regional, nos termos da CRP), € s6 os aspectos da liquidagio no relacionados com a quantificagzio, bem como a cobranga ~ i.e., as normas de procedimento administrativo 8.8. =e quanto a actos que nao constituam garantias do contribuinte, esto sujeitos a0 prinefpio da preferéncia de lei. A quantificago do imposto tem lugar num procedimento administrative que pode desenvolver-se em mais do que um nivel, como acontece em todos os ordenamentos juridicos que nos so préximos, nomeadamente nas Leis Gerais Tributérias alma, espanhola e portuguesa: 0 procedimento de averiguagiio (sujeito aos principios da legalidade e da igualdade da liquidagZo e cobranga, deveres de cooperagio, meios de prova) e 0 procedimento de liquidago (com base na declaragao ou outros meios). A sujeigao do procedimento a reserva de lei, sempre que niio estejam em causa regras de quantificagaio da obrigagaio de imposto, tem de ser avaliada a luz. de outros pardmetros — os das garantias dos contribuintes a que se refere a parte final do art.° 103.%, n.°2 e de outras garantias fundamentais. Parece-nos pois que nio ha divergéncias de fundo quanto ao aleance da reserv de Iei, na verdade, todos os nossos cédigos aprovados em regra por decreto-lei autorizado, disciplinam os aspectos destinados quantificagio do imposto - e nao sé * ALBERTO XAVIER, Conceito e natureza...cit., pp. 599-600 e *1 ALBERTO XAVIER, Conceito e natureza... cit, pp. 40-50 (espec., pp. 42-47). *= Quanto a esta iltima, neste sentido, V. acérdao do TC n° 504/98, de 2.7, Acdrdaos do TC, vol. 40, 1998, pp. 537 e ss.: aqui o Tribunal considerou que a disciplina da cobranga dos direitos e imposig&es alfandegarios, ndo esta sujeita a reserva de lei 104 esses -, no sendo frequentes as remissdes para outra fonte de Direito, da disciplina dos aspectos essenciais dessas matérias *, Mas as divergéncias existentes sto também ~ ou principalmente - induzidas pelo 23 do mesmo art” 103. Segundo este artigo, “[nJinguém pode ser obrigado a pagar impostos que no hajam sido criados nos termos da Constituigao, que tenham natureza retroactiva [7] ou cuja liquidagao e cobranga se nao fagam nos termos da lei”. ‘A doutrina normalmente questiona se o significado de lei do n.° 3 do art.” 103.°€ idéntico a0 do n.° 2 do mesmo artigo. E segundo o entendimento dominante, 0 n.° 3 refere-se a lei formal (lei da AR, decreto-lei do Governo ou decreto-legislative regional), mas de competéncia nao reservada a Assembleia da Republica “** ou mesmo 266 ) lei em sentido material (qualquer norma juridica) ™*, Assim, 0 n° 3 contraporia os «simpostos criados nos termos da Constituigdo» - criago essa reservada ao Parlamento — quidagao ¢ cobranga dos mesmos, “aspectos niio essenciais”, meramente adjectivos ou procedimentais, estranhos ao an e ao quantum, e a preocupagées de garantia *", por isso nao sujeitos aos arts. 165.°,n.° 1, al. i) € 227. n.° 1, al. i). Para esta doutrina, mais do que procedimentais, a liquidagdo e cobranga parecem ser entendidos como actos administrativos meramente subsuntivos, de “determinagao quantitativa do facto * Mas ha casos em que a cobranga ¢ disciplinada por decreto-lei no autorizado: V. o ja citado acérdao do TC, n.° 504/98, de 2.7. * Recorde-se que a referéncia a retroactividade foi introduzida na revisio de 1997, e ndo nos interessa tratar deste aspecto, *S Cf, por exemplo, CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL, Curso... 1, cit., 1982, pp. 83-84; € Direito Fiscal, cit, 1980, p. 125, contrapondo a primeira parte do art 103.%, n° 3, que se refere a criagao dos impostos nos termos da Constitui¢a0, © qual remeteria para o n.° 2, ¢ a segunda parte do mesmo n°, que ‘a0 referirse A liquidagao e cobranga nos termos da lei, se estaria a referir a lei em sentido material; 1. GOMES CANOTILHOIVITAL MOREIRA, Constituicdo.., cit. 3. ed., anotaga ao art? 106. p. 459, onto V. * Assim, como ja citimos atris, JOSE CASALTA NABAIS, Contratos fiscais... cit, p. 223; “A autonomia local .”, cit, p. 197 e nota 196; O Dever fundamental..cit,p. 366, E ainda, JM. CARDOSO DA COSTA, “O Enquadramento consttucional..”, cit, pp. 409-410. JORGE BACELAR GOUVEIA, *Consideragdes sobre as constituigdes fiscais da Unio Europeia, C7F, 1996, n.° 381, pp. 49-50. Manifestando dividas, PEDRO SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, cit, 10. ed., pp. 97 e107, embora Inclinando-e para que 0 texto constiiona, “dado 0 enquadramento do preccta”, exija reserva dele parlamentar °© E esta auséneia de preocupagdes garantistas que transparece da posi¢io de PEDRO SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, cit, 102 ed. p. 107: “Tal alargamento da reserva de let para os campos da Figuidago e cobranga nio parece justficar-se. Mas jé seria desejivel a extensio da reserva de lei as ‘atéris respeitantes as formas de extingdo das relagdes ributdrias, inluindo as hipsteses de remiss20, ¢ 105 268 tributavel ... por forga de simples operagdes légicas de aplicagio da lei ede tesouraria ™, On°3 do art.* 103.°, da CRP tem por fonte os arts. 3.° n.° 27 da CR de 1911, 8° n° 16, da CR de 1933 e é ainda semelhante ao § 85 da AO (“Os servigos financeiros devem liquidar e cobrar os impostos segundo os critérios legais e segundo a igualdade”). Deste, a doutrina alema retira apenas a submissao da administragao fiscal a0 principio da legalidade fiscal No caso das citadas disposigdes das constituigdes portuguesas, a finalidade principal € afirmar a vinculagio da administragao a lei, no quadro das suas competéncias de quantificacio da obrigagao tributiria e cobranga do imposto. Mas nao se faz neste n.° 3 uma opgao sobre o significado de lei ~ formal ou material -, cabendo apenas ao n.° 2 do mesmo artigo ¢ ao art. 165.°, n.° 1, al. i), definir 0 objecto da reserva de lei 7”. Se 0 legislador constituinte tivesse optado pela redacgfo do art? 8.°, n° 16, da versio originaria da Constituigdio de 1933, que consagrava como direito e garantia individual dos cidadios portugueses, nao pagar impostos ndo estabelecidos de harmonia com a Constituigao, nao existiriam dividas. as infracedes fiscais”. Assim também a nossa jurisprudéncia, nomeadamente, do Tribunal Constitucional: veja-se, por exemplo, 0 acérdao n.° 127/04, de 3.3 (www.tribunalconstitucional pt) ® Assim, ALBERTO XAVIER, Conceito natureza.., cit pp. 44-45, referindo que isto acontece por vvezes — quando “a definigio do valor da matéria colectavel obedece a regras juridicas de conteido tio preciso que a sua aplicagao envolve, para além de uma indispensdvel e prévia interpretagao do seu sentido, meras operagbes aritméticas” (p. 44), mas nem sempre, pois, por vezes, a lei deixa a determinagio “rigorosa dos critérios de fixagao do valor... livre apreciagio do agente” (p. 45). *° Embora considere que da interpretagdo sistemética do art® 103°, n° 3, da CRP, resulta que a liquidacao e cobranga esto sujeitas a lei da Assembleia da Republica, ou, pelo menos, a lei de autorizagao legislativa, PEDRO SOARES MARTINEZ (Direito Fiscal, cit., 7? ed., p. 97), eritica tal ‘opsto, por “ndo parecefr] justificar-se”: assim, “ndo estaria ... vedado ao Governo legislar sobre matérias tributérias respeitantes 4 organizagdo dos servigos e & competéncia de agentes fiscais, 20 langamento, & liquidagao, a fiscalizagdo ¢ & cobranca, nos termos do art.° 201.", n.° 1, alinea a)”. * Em sentido contrario, entendendo que 0 n.° 3 do art. 106.° ineluiria a liquidagio e cobranga na lei formal, porque se segundo o art.” 267.° da CRP a administragio esta sujeita a lei, no vé 0 autor razdes para o legislador constituinte repetir aqui a mesma ideia (Ligées... cit, pp. 16-77). 106 de 44. Regras fiscais substantivas e regras fiscais procedimentais na jurisprudéncia 0 facto de 0 “aspecto dindmico” da quantificagao do imposto ser 0 espelho das diferentes fases da obrigagdo tributa ia conducentes & quantificago (que adiante designaremos de Tathestand sistemético), faz com que seja dificil diferenciar substantivas e regras procedimentais de quantificagao do imposto. regras fis Quando Cardoso da Costa, j anteriormente citado, diz que a determinagao da “matéria colectavel” nfo esta sujeita a reserva de lei porque relacionada com o “método ou ...métodos a adoptar no calculo € no estabelecimento do respectivo valor e, portanto, fa]... um dominio «instrumental», com carcter fundamentalmente «procedimental» e cadjectivon”, surge-nos imediatamente a diivida se o ent&o Presidente do Tribunal Constitucional estava a pensar nos métodos de avaliagao directa e indirecta, ¢ a sugerir que fossem totalmente disciplinados por decreto-lei néio autorizado ou regulamento. Logo a seguir percebemos que nfo, porque estes seriam entendidos como “critérios de definigao da incidéncia real do imposto”, uma vez que, com esta argumentagao, 0 Tribunal considerou que o «Cédigo das Avaliagdes» - que estabeleceria as regras ou os métodos para a determinago do valor patrimonial dos prédios urbanos e risticos para efeitos da entdo contribuigdo autarquica - estava sujeito a reserva de lei parlamentar, e Cardoso da Costa elogia 0 acérdao 7! © caso da “taxa de comercializagio de produtos de satide” (que é na verdade um imposto e néio uma taxa), apreciado pelo Tribunal Constitucional (acérdao n.° 127/04, de 3 de Margo), parece-nos bastante esclarecedor sobre a indesejavel separago entre 0 significado de determinagao da “matéria colectavel” e respectiva quantificagao (ambas designadas pelos alemaes de Steuerbemessungsgrundlage) e 0 de “langamento” e “liquidagao”, para efeitos de delimitar o Ambito da reserva de lei fiscal Neste caso, o Tribunal Tributario de 1.” instdncia de Lisboa recusou aplicar uma disposigao legal, por inconstitucionalidade, na parte em que ela determinava que a taxa sobre comercializagdo de produtos de sade incidia sobre o volume de vendas de cada Produto. tendo por referéncia o respective prego de venda ao piblico, Segundo o Tribunal, este preceito violava o prin io da tipicidade fiscal e «o que resulta do art.? 107 | | | | | | | 722 da Lei n.° 3-B/2000 ¢ uma indeterminagao da base de incidéncia do tributo, pois que se determina que devendo o mesmo ser pago pelo responsavel pela introdugaio do produto no mercado, no momento dessa introdugao, através de autoliquidagio, a quantificagao do tributo se faa por referéneia ao prego de venda ao consumidor final que € um valor no momento desconhecido € que 0 sujeito passive (e que tem de autoliquidar) desconhece e nao domina em absoluto ...{e] tal referéncia valorativa s6 teria cabimento num sistema de pregos fixos em que o introdutor no mercado sabe de antemao qual ira ser o valor do prego de venda ao consumidor final...» 2”. O Ministério Publico recorreu da sentenga, alegando, entre outros aspectos, que as dificuldades praticas para a determinagdo do efectivo prego de venda ao piiblico no periodo em causa, “carecendo, consequentemente, a referida autoliquidagdo de assentar num valor presumivel ou hipotético” sto dificuldades “associadas exclusivamente ao regime de liquidago do tributo, ... absolutamente estranhas aos principios da tipicidade e da legalidade fiscal” 7”. Ou sej , enquanto o Tribunal Tributario de 1.* insténcia entendew que os elementos da quantificago do tributo estdo sujeitos a reserva de lei ¢ que a base de quantificagdio ou base de incidéncia era insuficientemente determinada, 0 Ministério Pablico entende que esta em causa um problema de regime de liquidagao ~ de autoliquidagao — estranho & reserva de lei fiscal © Tribunal Constitucional estabeleceu neste processo, e para efeitos da legalidade tipicidade fiscais, uma distingio dentro das regras “inseridas no procedimento de determinaga aS que assumem cardeter «material ow do impost substantivoy, estariam sujeitas a reserva de lei fiscal, e as que assumem caricter «procedimental ou processual», sairiam de fora das exigéncias da reserva de lei fiscal (Ponto 6.3. do acérdo).. Assim, segundo 0 Tribunal, “fajtenta a ratio do principio da legalidade tibutdria, apenas poderdo dizer-se sujeitas as suas exigéncias formais e materiais *' JM. CARDOSO DA COSTA, “O Enquadramento constitucional..., cit, p. 410 (ac. 358/92, de 11,11, Aes. do TC, vol. 23, pp. 109 es.) ™ Sentenga do Tribunal de 1 Instineia de Lisboa, 3.° Juizo, de 12 de Dezembro de 2002, Apud, Acérdaio 127/04 do Tribunal Constitucional, de 3.3, B, ponto 5. V. 0 comentirio a este acéro, sobre esta e outros aquesides, de SERGIO VASQUES, “Remedios secretos ¢ especialidades farmactuticas..”, ct, pp. 167 € ss. 2 V. ponto 2.3 ¢ 2.4. do acérdao. 108 aquelis normas que, conquanto possam aparecer inseridas no procedimento de determinagio do imposto, assumam um caricter «material ou substantive» ou cujo contetido tenha que ver, ainda, com a modelagiio normativa dos elementos constitutivos do tipo tributério de cuja coneretizagao factual deriva a obrigagao de imposto € 0 seu montante, extravasando da esfera procedimental ou processual. [ ] Eo caso das normas que identificam, ainda, a realidade econémica sujeita a0 imposto ... (e) 0 legislador, na conformagiio dos elementos essenciais do tipo tributério, nao esta inibido, sem qualquer de ofensa dos principios da legalidade tributdria e da tipicidade, de langar mio remissdes para elementos aos quais atribua a fungaio de determinagio dos seus aspectos ou dimens6es técnicas (por exemplo, remiss4o para um determinado prego que se venha fa estabelecer no mercado) ... Tais normas remissivas tém, ainda, uma fungio identificadora dos rendimentos ou da riqueza a tributar, bem diferente daquele outro tipo de normas que apenas tém por escopo indicar os métodos ou caminhos a percorrer com vista a determinagio da matéria colectivel e/ou do imposto, e esto sujeitas ao principio da legalidade” ?™, Para o Tribunal, a disposigaio em andlise (art 72.° n.° 3 da Lei n.° 3-B/2000) conteria uma norma substantiva, jimensfio quantitativa do facto tributirio em que se expressa a matéria colectavel ~ dimensio ainda da incidéncia objectiva - ... definida pelo volume de vendas de cada produto daquelas espécies, tendo aquele por referéncia o respectivo prego de venda ao consumidor final” (ponto 6.4. do acérdao), sujeita portanto a reserva de lei, mas a técnica remissiva nao a tornaria inconstitucional, dado que permitia “conhecer, com previsibilidade e seguranga juridica, os termos quantitativos do facto tributirio” (ponto 6.4. do acérdao ). Em resumo, a regra do art.” 72.° n.° 3, da Lei n.° 3-B/2000 era uma regra sobre quantificagio do imposto, relacionada com a “modelagio normativa dos elementos constitutivos do tipo tributdrio”, € sujeita a reserva de lei (caindo assim no conceito de incidéncia em sentido amplo para efeitos do art 103.°, n.° 2 da CRP), ¢ que estava em Ora, segundo © Tribunal Constitucional, © principio da tipicidade fiscal abrange a dimensao uantitativa do facto tributirie, “.... porque se tata de factos juridicos, com necessirio relevo condimico/financeiro, € porque a capacidade contributiva que se pretende afectar & susceptivel de diversas gradagdes, compete também a0 legislador definir os critérios quantitativos de afectagio a0 imposto do valor desses factos. Fala-se, entdo, na dimensdo quantitativa do facto tributdrio denominada or matéria colectavel": ponto 6.3. do acérdio, 109 EE ——— causa era saber se a técnica remissiva utilizada preenchia as necessidades da tipicidade fiscal *”* Até aqui 0 critério de distingdo enunciado pelo Tribunal & correcto — ja 0 defendemos nas piginas anteriores. Todavia, logo de seguida, o Tribunal defende que a incerteza decorrente da lei é um “estado de divida subjectiva sobre 0 prego a tomar como base de autoliquidagao do imposto”, o qual “se deve exclusivamente ao regime de liquidagao do imposto”, aspecto que ja extravasaria do art,” 103.° n2 2, e da reserva de lei fiscal. O Tribunal faz aqui uma iso entre critérios abstractos de determinagaio quantitativa do imposto (sujeitos a reserva de lei) ¢ langamento ou liquidagéio (nao sujeitos a tal reserva), cuja consequéncia ¢ a indeterminago ou desconhecimento de um elemento essencial do imposto - a base de incidéncia, ou um elemento da base de quantificagao do imposto ~ no momento da aplicagao da lei (indeterminagdo de deveres do sujeito passivo) Neste caso, a indeterminagao da lei nao é a indeterminago (ou vaguidade) em si dos conceitos, mas é ainda indeterminagao da lei, porque esta ocorre, como veremos, quando existe uma “indeterminagao de argumentos legais”, i.e., quando 0 conjunto de argumentos legais disponiveis é insuficiente para justificar os resultados a que se chega. Um dos quatro casos apontados por Coleman e Leiter de “indeterminagdo de resultados”, verifica-se quando “o conjunto de argumentos legais nunca é adequado para garantir nenhum resultado” (caso 1) *"°: ora a remissio legal para um determinado prego que se venha a estabelecer no mercado nao conhecido no momento em que tem de ser feita a liquidagao significa a inadequagao da lei para garantir um resultado, quanto a um elemento essencial do imposto (um elemento de quantificagao). 75 E entendemos que no caso concreto nao preenchia as exigéncias de determinagio, basicamente pelas, razBes expostas pelo Conselheiro Mario Torres em voto de vencido, disciplinados; mas, num sistema legal maturo as lacunas genunas ndo existem, quando muito, haverd uma fiaca relagHo entre a lei e 2 questfo a julga) ou muito rios (porque o conjunto de regras e de Principios dio origem a resulados conflituantes, mas também neste caso no havers. verdadeira indeterminaeio com frequéncia, pois esta sé surge quando um julgamento racional nto pode set defendido contra um outo tipo de julgamento): JULES L. COLEMAN/BRIAN LEITER, “Determinacy, Objectivity, and Authority”, cit, pp. 226-227 e ss.. Mas no nosso exemplo, o legislador abstémrse de dlsciplinar a stuagao, remetendo para um ertério inexequivel no momento da quantificagao do imposto (um critério futuro e portanto impossivel), pelo que o “conjunto de argumentos legais” é aqui insuficiente, ‘lo permitindo chegar a nenbum resultado, Tratase de um caso de indeterminagfo que nio deveria i * Esta consequéncia pode derivar de sistemas legais pobres (lacunas relativas a casos novos no i | 110 Por isso, ndo é recomendavel a distingio tout court entre “normas de determinagiio da matéria colectvel” e “normas de liquidagio”. Por isso também, se é possivel identificar regras de “langamento” e “liquidagdo” (ie, regras rel jonadas com a quantificagdo da obrigagao tributiria) meramente procedimentais € processuais que nio estejam directamente relacionadas com a ~modelaga0 normativa dos elementos constitutivos do tipo tributario”, ou seja, que no tenham a ver com a concretizagio do montante do imposto (inicio do procedimento, principio da verdade material, deveres de cooperagio, meios de prova, entre outras), ja nos parece desaconselhavel definir as normas procedimentais ou processuais, supostamente excluidas da reserva de lei parlamentar ao abrigo do art. 103.°, n° 3, como as “que apenas tém por escopo indicar os métodos ou caminhos a percorrer com vista a determina os 207 jo da matéria colectavel e/ou do imposto’ Na verdade, os ~métodos de determinagio da matéria colectivel” sao actualmente conotados com os métodos directos e \directos © estes no so definidos por normas meramente adjectivas. Tendo em conta o exposto ~ € tudo ponderado -, a nossa interpretagdo do art. 103.° n.° 2 da CRP, nomeadamente, quanto ao conceito de incidéncia, abrange aquilo que os e6digos de imposto designam de langamento € liquidago, sempre que estejam em causa regras de quantificagaio do imposto (Steuerbemessungsgrundlage)”™, regras que contribuam para a determinagao do an e do quantum: se quisermos abrir a0 acaso 0 codigo do IRC, verificamos que caem neste Ambito, por exemplo, dentro da determinagaio da matéria tributavel (ou “langamento”) 0 regime de encargos dedutiveis, as regras de determina io da matéria tributavel por métodos indirectos, as correcgies para efeitos de determinagdo da matéria tributavel, 0 regime especial de tributagdo dos urupos de sociedades, as regras de atenuagio de dupla tributago econdmica e internacional, e quanto & “liquidagdo”, apés apurada a matéria tributavel, 0 eédigo cnumera as dedugdes admissiveis, tais como a deducdo correspondente a dupla tributagao internacional beneficios fiscais, pagamento especial por conta, re ides na Fonte ndo susceptiveis de compensagiio ou reembolso, ete. Ponto 6,3. do acordao, mW _————— | ee eaeaeaaeacecacmmamacaaaaamaa | Todas estas disposigdes interferem com 0 montante de imposto a pagar e estdo sujeitas a reserva de lei Acrescente-se ainda que a reserva de lei é exigivel quer as regras de avaliagao sejam dirigidas ao fisco ou aos sujeitos passivos, impondo a estes deveres legais. Isto &, todas as disposigdes que imponham deveres aos sujeitos passivos que interfiram com a avaliagdo ou quantificagao do imposto, como € o caso do regime de reembolsos do IVA. estiio também sujeitas a reserva de lei, como defendem J. Xavier de Basto ¢ J.L Saldanha Sanches *”. Questo diferente diz respeito ao grau de determinagao exigido a lei formal, mas deste problema trataremos no niimero seguinte Outro elemento referido no art? 103° n° 2, que faz parte dos elementos essenciais do imposto, é a taxa. Parece ser hoje pacifico que a definigao da taxa de imposto € ndo apenas os limites da mesma esté, em regra, sujeita a reserva de acto legislativo, a nfio ser que outros principios ou disposigdes constitucionais legitimem uma margem ~ estreita ou ndo muito alargada - de discricionariedade quanto ao montante exacto da mesma (tal como o principio da autonomia local, ou, desde a revisdo constitucional de 1997, 0 art. 238.° n.° 4, da CRP) *°. | ** Designagio como dissemos adoptada e proposta por J.L. SALDANHA SANCHES: V. por exemplo, 4 I Quantificagdo da obrigagdo tributdria.., cit, pp. 141 €ss., € 219 e ss. i ®” Tendo sido agravado por regulamento 0 regime dos reembolsos do IVA, os autores defendem que @ reserva de lei ¢ sem diivida exigivel quando a liquidacao e cobranca estio a cargo do sujeito passivo, por ser “uma zona onde est[40] inseridas as normas de que [Vao] resultar reais agravos e oneragGes para 0 contribuinte” - embora também entendam o n.°3 do art.” 103.° nao € claro quanto a sujeig20 da liquidaga0 € cobranga a reserva de lei (“O Novo regime de reembolsos do IVA ~ um despacho normativo ilegal”, Fisco, 1994, n! 62, p. 12). Ainda segundo os autores, a ambiguidade suscitada pelo art 103.° n2 3, deve- se ao facto de a CRP de 1976, a0 referir-se a liquidago e cobranga, nfo ter tido em devida conta @ fiscalidade moderna que “tem vindo ... a multiplicar os casos em que a administrago se faz substituir pelos contribuintes em muitas das operagdes tradicionais de liquidaco e cobranga” (p. 12): V. pp. 3 € SS. espec., pp. 9€ ss 2° V-, por todos, por exemplo, J.M. CARDOSO DA COSTA, “O Enquadramento constitucional...", cit, pp. 412-413. Eo acdrdto do TC n.°$7/95, de 16.2, Ards do TC, vol. 30, 1995, pp. less, que ndo i Aeclarou inconsttucionais 4s normas respeitanes aos poderes dos municipios para fixar taxa da Os heneficios fiscais & as garantias dos contribuintes no contexto do art.” 103.* ne 2da CRP Nao ha qualquer divida que a Constituigéo de 1976 submete os beneficios uma vez. que eles so expressamente referidos no art.° 103.°, n° fiscais a reserva de | 4 semelhanga do que faz a Constituigao espanhola que, no seu art.” 133! n? 3, consagia uma reserva de lei para “todo o beneficio fiscal que afecte os tributos do tstado”, J4 por exemplo o regime decorrente da Constituigio alema nao & claro, o que tem levado 0 BYerwG, 0 BVerfG e parte da doutrina a entenderem que para além da sua previsio na lei do orgamento, no é necessiria uma lei que autorize expressamente as incluindo os beneficios fiseais *. despesas ou prestagdes estaduai |A consagragdo expressa da reserva de lei para os beneficios fiscais justifica-se, is de Direito nao se deve nao s6 no sentido em que a reserva de lei nos Estados soci: limitar & administrago ablativa, como “para se evitar equivocos ou difieuldades de imterpretagiio, sobretudo se se tiver em conta que os beneficios fiscais slo, por via de repra, medidas extrafiscais”, as quais se recusa a “aplicagdo pura ¢ simples da constituigao fiscal’ ” °°, Na verdade, como parte da extrafiscalidade, os beneficios Contribuigao Autirquica sobre os prédios urbanos, bem como para langar derramas sobre a eolecta do IRC e fixar a respeetiva taxa nos termos da le. “1 y., sobre o assunto, € no mesmo sentide, KLAUS VOGEL, “Grundztige des Finanarechts des Grundgescizes", Handbuch des Staatsrechis, Financverfassung-Bundesstaatliche Ordmung, 1, Hrsg. Josef Isensee e Paul Kirchhof, Heidelberg, 1990, pp. 77 € ss., pontos 111 e ss.. Em sentido contrério, considerando que o “principio da legalidade dos impostos se alarga também as isengdes fiscals, reducoes Fiscais e outros beneficios fiscais", embora sem fundamentar (ou talvez fundamentando no Estado de Dirt, embora de modo nfo totalmente claro), KLAUS TIPKE/JOACHIM LANG, Stewerrecht, cit. 17" ed. p99, JOSE CASALTA NABAIS, O Dever fundamental... cit, pp. 363-364, * . beneficios fiscais nfo tém como finalidade, nem directa, nem indirecta, a obtenglo de receitas, ou dito de outra forma, nao pretendem cobrir despesas: ANA PAULA DOURADO, “O Principio da logalidade fiscal”, eit, pp. 453-454. E KLAUS VOGEL, “Grundziige.. cit. pp. 36 ¢ ss. les sio clespesas fiseais (ax expenditure) ou, nos termos do art? 109, art” 106*] al. g) da CRP, ereceitas ‘eseaneso, altemativas 4 concessio de subsidios directos, e fazem parte de um outro conjunto de norinas de Direto Fiscal diferente do das “normas de repartigao da carga fiscal”, Na verdade, as normas que consigrim beneficios fiscais, nao s80 orientadas por critrios de capacidade contibutiva, nem de Inibatagao do rendimento aereseimo-patrimonial (ao contrario do que acontece com as referidas normas de tepartigao da carga fiscal), mas sim, por tinalidades extrafiscais, sejam elas de politica econdmica, mbisntal cultura, social ou qualquer outra: elas podem assim ser designadas por “normas de direceao de ‘importamentos”, Os benefieios fiseais devem assim ser colocados, na “estratficagdo” das diferentes hurts do Dirt Fiseal como faz Klaus Vogel, nas “normas de ditecgio de comportamentos”, pocendo 1B fiscais esto sujei (0s is regras do Direito Econémico Fiscal ~ ou seja, em parte, a regras do Dire 10 Fiscal classico ou materi 1, entre as quais a reserva de lei formal, e em parte a regras flexiveis, de adaptacdo a economia, do Direito Econémico -, de que so exemplo as regras da concorréncia fiscal prejudicial da Unitio Europeia. Nesse sentido, como dissemos anteriormente, os beneficios fis is “no constituem, em bom rigor, elementos do tipo de imposto, relativos a determinagao do an e do quantum (ao invés de dedugées, isengdes ou exclusdes, relacionadas com objectivos de tributagio do rendimento- acréscimo ou da capacidade contributiva), tal como os subsidios directos (subvengdes Por outro lado, quer no ambito do Estado fiscal, quer no ambito da concorréncia fiscal a que se assiste no quadro da CE ¢ até mundial, 0 beneficio fiscal introduz fendmenos perversos de erosio de receitas ¢ restringe a aplicagio dos principios materiais fiscais, pelo que deve ser publicitado, e deve por isso estar sujeito a reserva de lei parlamentar. Diferentemente das “normas fiscais” s. s. (normas destinadas 4 obtengao de ), cuja reserva de lei, como vimos, esta relacionada com preocupagdes garantistas e com o prineipio do Estado de Direito democratico, a reserva de lei para os beneficios fiscais encontra a sua justificagio capital no facto de eles restringirem o principio do Estado fiscal (justamente porque este se caracteriza como o Estado cujas 285, necessidades financeiras so essencialmente cobertas por impostos **) e de se desviarem do principio da igualdade, na vertente da capacidade contributiva (no sentido ser também designados de “normas orientadoras” (KLAUS VOGEL, “Die Besondetheit des Steuerrechts”, cit, pp. 5-9; “Grundziige...”, cit, p. 38, pontos 51-52) ou “normas extrafiscais”: assim, JOSE CASALTA NABAIS, O Dever fundamental... cit, pp. 361 e ss. e 629 e ss. Segundo 0 autor, a “extrafiscalidade traduz-se no conjunto de normas que, embora formalmente integrem o direito fiscal, tem por finalidade principal ou dominante a consecugo de determinados resultados econémicos ou sociais através da utilizagio do instrumento fiscal € no a abtengao de receitas para fazer face as despesas pitblicas” (p. 629). Citando Casalta Nabais, a extrafisealidade é um conjunto de “normas (fiseais) que, 20 preverem uma tributagao, isto é, uma ablago ou amputagio pecuniaria (impostos), ou uma nao tributagao ou uma tributago menor a requerida pelo eritério da capacidade contributiva, isto é, uma rentincia total ou parcial a essa ablagio ou amputagio (beneficios fiscais), estio dominadas pelo intuito de actuar directamente sobre os comportamentas econdmicos ¢ sociais dos seus destinatiios, desincentivando-0s, neutratizando-0s nos seus efeitos econmicos ¢ sociais ou fomentando-os, ou seja, de normas que contém medidas de politica econémica e social": JOSE CASALTA NABAIS, O Dever fiurdamental... cit, p 629. *4 ANA PAULA DOURADO, “0 Principio da legalidade fiscal.” 5 V_ a caracterizagio do Estado fiscal em JOSE CASALTA NABAIS, O Dever fundamental... eit, pp. 191-192, cit, pp. 454. 14 cn que txlos devem contribuir para as despesas pablicas, segundo a sua capacidade contributiva™), sendo esta um limite material constitucional ao legislador. 1:m confront com as normas de incidéncia e da taxa de imposto, os beneficios fiseais Sd0 0 reverso da medatha, eo legislador constituinte tera entendido que o fastamento dessas normas e com ele a restrigdo dos limites ou prineipios materiais, constitucionais fiscais deve estar também submetido a reserva de lei, sob pena de se delraudar a reserva de lei fiscal. A sequéncia enumerativa do art. 103.° n.° 2, da CRP, induz a esta interpretagao. Mas a reserva de lei nio é suficiente para legitimar a previsdo normativa e a atribuigdo em concreto dos beneficios fiscais. i Para além da sujeigio a reserva de lei, o afastamento ou restri¢do dos limites materiais constitucionais fiscais carece de justificago com base em principios orientadores, 08 quais devem ser sempre ponderados conjuntamente com os prineipios materiais fiscais a restringir **”. O art’ 2.°, n.° 1, do Estatuto dos Beneticios Fiscais, * y., por exemplo, por todos, para o Direito Italiano, SALVATORE LA ROSA, “Le Agevolazioni tributarie”, eit, pp. 402, 416, > Assim, implicitamente, KLAUS TIPKE/JOACHIM LANG, Stewerrechs, cit, 17. ed., p. 94, ponto 125, E alguma doutrina clissica italiana, como se pode ver em SALVATORE LA ROSA, “Le Agevoluzioni tibutarie cit, p. 416 e nota I-Todavia, os critérios de controlo da doutrina italiana sto demasiado permissivos, pois limitam-se a capacidade contributiva, ¢ alguma doutrina defende mesmo que esta tem de ser interpretada a luz dos prineipios constitucionais da solidariedade e da justiga social; sao também invocadas outras finalidades para justificarem os beneficios fiscais, que supostamente seriam concretizagdes da capacidade contributiva, tais como a tutela da familia, da poupanga, do trabalho, da cooperagio (V., IDEM, p. 417); pela sua multiplicidade, estes argumentos tiram peso a capacidade contributiva como limite: trata-se na verdade, de finalidades prosseguidas pelas normas extrafisais ¢ ito de limites ou pardmetros justficadores da extrafisealidade. Por exemplo, se a solidariedade e a justisa social ni tiverem como alvo o bem-estar Social, mas apenas o bem-estar de alguns grupos, nfo deveriam ser invoeados. Finalmente, outra parte da doutrina, entende, que a capacidade contributiva, como tincipio eoneretizador da igualdade, apenas proibe os priviléwios, e nio serve para impedir os beneticios ais (IDEM, pp. 416-417 e ss.). Por tudo isto, SALVATORE LA ROSA defende que a melhor forma itimar 0s beneficios fiscais ¢ a reserva de lei: IDEM, pp. 420 ess... Acrescente-se que 0 controlo da «onsttucionalidade material dos beneficios fiseais acaba por ser reduzido, uma vez que, como faz notar SALVATORE LA ROSA, os destinatirios dos beneficios fiscais nao t&m interesse em suscitar a questiio dh constitucionalidade dos mesmos (IDEM, p. 417 © nota 7); em Portugal podem fazer-se as mesmas ‘titicas quanto a0 contetide material dos benficios fiscais, com a Unica vantagem de poder ser suscitada a ‘iscalizagdo preventiva da constitucionalidade das normas que os atribuem. Ji agora esclarega-se que no concordamos com a posigio de KLAUS TIPKE em Die Steuerrechisordmng, cit, que defende que 0 Principio da eapacidade contsibutiva é liminarmente afastado da justificagdo dos beneficios fiscais, wma ‘ez que estes, por definigio o violam (a capacidade contributiva é mero pressuposto da atribuigao de um beneticio fiscal) ~ KLAUS TIPKE, Die Steuerrechtsordnng, I cit, 2* ed. p. 340; a verdade € que iliante, ¢ autor estabelece a relago dos benefivios fiscais com os impostos e as normas fiscais, ao dizer 1 desvantagens gerais, tais como a elevagao da progressividade fiscal, a talsiticagio do peso dos impostos na economia, ete {que tudos os beneficios fiscais comport Uo imposto, a falsifieagao da efectiva c us ea eee tee terete ee ee | define os beneficios fiscais como “as medidas de cardcter excepcional instituidas para tutela dos nteresses publicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da tributagdo que impedem”. Para concretizarmos o significado de “interesses piiblicos extrafiscais relevantes superiores aos da tributagdo”, podemos recorrer aos prinefpios materiais legitimadores dos beneficios fiscais, enunciados por Tipke/Lang. Esses pri s (que podemos considerar também aplicaveis no nosso ordenamento constitucional) so principio do bem-estar social como principio geral, que deve estar sempre presente, 0 principio da proporcionalidade em sentido amplo (abrangendo os principios da necessidade, 288 >» adequagao € proporcionalidade, s.s € 0 principio do ganho ou do mérito, 0 principio da necessidade do benefici fiscal concretiza-se, por exemplo, no principio da necessidade econémica das familias com repercussdes positivas em toda a comunidade, € portanto no bem-estar social (por exemplo, beneficios fiscais para a aquisigao de casa propria); € © principio do ganho significa a recompensa fiscal de um comportamento que serve o interesse geral 7 Entendemos (e desenvolvendo esta ideia de que deve haver uma relagao entre princfpios materiais legit madores dos beneficios fiscais e os prineipios materiais fiscais) que os primeiros nao devem ser ponderados apenas no quadro do Direito Econémico - necessidade e adequagao em termos de eft itos benéficos para a economia e de mero juizo de prognose -, mas também no quadro do Direito Fiscal, i.e., deve ser avaliado se esses prineipios devem prevalecer sobre a igualdade na vertente da capacidade contributiva, progressividade, e quaisquer outros limites materiais fiscais, que sejam restringidos pelos beneficios fiscais. Esta mesma relagdo tem sido feita, mutatis mutandis, no émbito da Comunidade Europeia, a propésito da concoréncia fiscal desleal (numa légica de ponderagao dos efeitos positivos na economia do Estado- IDEM, p. 366. No mesmo sentido, JOSE: CASALTA NABAIS, O Dever fundamental... cit, p. 667, E hhoje em dia, mais do que “puxarem a progressividade para cima”, contribuem para a desconstrugao do Estado social 8 KLAUS TIPKE, Die Stewerrechtsordnung, I, cit. 2. ed., pp. 340 es. * KLAUS TIPKE/JOACHIM LANG, Steuerrecht, cit, 172 ed., pp. 94-95. Os beneficios fiscais so concedidos, segundo Tipke/Lang, por “normas de finalidade social", materialmente, no Direito Econémico € niio no Diteito Fiscal. Dentro das “normas de finalidade social”, temos “normas de orientagao”, que sdo justificaveis por prosseguirem o bem-estar social e 0 principio do ganho ou do mérito; e as “normas de redistribuigtio” justficdveis pelo principio do Estado social de Direito e pelo principio da necessidade: IDEM, p. 45. 116 ‘ membro € a diseriminagao positiva dos nio-residentes, provocadora de deslocalizagao e de erosio das receitas fiscais nos Estados-membros da residéncia). Além disso, a propria atribuigo em concreto dos beneficios fiscais, no uso de uma margem de livre apreciagto ou discricionariedade, esta sujeita a limites, nomeadamente, aos prinefpios da proibigdo da arbitrariedade, da proibigdio do excesso € da proporcionalidade ”°, mas a reserva de lei ¢ 0 instrumento que formalmente legitima 0 desvio aos princfpios da capacidade contributiva_e, eventualmente, da progressividade. Em suma, a referéncia aos beneficios fiscais no art. 103.° n° 2 traduz a conviegdo de que a reserva de lei é um dos instrumentos para garantir, simultaneamente, © legitimo afastamento dos prineipios constitucionais materiais do Estado fiscal e a observancia dos principios a que os beneficios fiscais esto submetidos 77" ™ JOSE CASALTA NABAIS, O Dever fundamental... cit, pp. 657-658. Mas no basta a observiincia estes limites para legitimar os beneficios fiscais, uma vez que eles derrogam ou restringem principios Imateriais fiseais. No caso dos impostos extrafiscais, nomeadamente, dos beneticios fiscais, ndo basta que “o teste constitucional das medidas econémico-sociais [se] limit{e] a verificar se clas se revelam arbitririas ow sem fundamento (0 que seria] dificil de ocorrer dado 0 seu fundamento racional de inervengi0 econémica) © se se apresentam excessivas ou desproporcionadas Jato sensu, atento os bjectivos que visam prosseguir. Um teste que, bem se compreende[ria, ser{ia] menos exigente do que o concretizado nas proibigdes do arbitrio e do excesso aplicdveis as medidas agressivas” (IDEM, pp. 657- 658). Por outro lado, patece-nos que a proibigo do excesso e o principio da proporcionalidade devem ser entendidos por referéncia & limitagao da capacidade contributiva, e ao prineipio do bem-estar social, referido no texto, e por isso nio sfo de aplicagao assim to limitada como parece dar a entender 0 autor. IDEM, p. 657. E certo que CASALTA NABAIS diz logo a seguir que o facto de os beneficios fiscais significarem a “uilizagio do instrumento fiscal pelo direito econdmico tem consequéncias, quer no apelo 40s principios da legalidade © da igualdade fiscais, que no so de afastar totalmente se e na medida que sejam compativeis com a natureza do direito econémico (fiscal), quer na espectfica validade e aplicagio dos principios da proibigao do arbitrio e do excesso as medidas econdmicas por via fiscal que, justamente em virtude da tilizago desta via, mais facilmente se revelardo arbitrrias ou excessivas” (IDEM, p. 658). Mas logo a seguir diz que nfo se thes aplicam os limites materiais dos impostos (IDEM, pp. 662 ¢ ss.) quando nos parece que essa nao aplicagdo (ou restrigo & aplicag3o incondicionsal) tem de ser legitimada ~ 0b pena de violagdo dos mesmos - por outros prineipios,incluindo o principio da necessidade, adequagio € proporcionalidade, que prevalegam sobre os principios materaisfiscais. E depois de legitimados, é que 4 aplicago/coneretizagio governamental ou administraiva de cada um dos beneficios fisceis continua a Feger-se pela proibigio do excesso e do arbitrio. Parece-nos ainda que o aleance dado por CASALTA NABAIS a necessidade, adequagao e proporcionalidade, em parte assente em juizos de prognose e ainda {em comparagées entre 0 beneficio fiscal e meios alternativos, esquece sempre que as restrigdes a0s limites materiais fiscais tem de ser justificada. Ao dizer que vigora em relagao aos beneficios fiscais e &s subvengdes directas principio da subsidariedade (IDEM, p. 664), parece estar subjacente uma Preocupagdo de jusifiagio, mas ainda insuficiente. *" Ou seja, € em resumo, 0 facto de os impostos extrafiseais terem por base, como defende CASALTA NABAIS, “essencialmente os direitos fundamentais, ¢ os impostos fiscais essencialmente o principio da apacidade contributiva”, pois este principio € mero “pressuposto ou fonte” dos impostos extrafiscais OSE CASALTA NABAIS, O Dever fundamental... cit, p. 250-251) @ 0 facto de a nossa Constituig 117 ya ee | Esta ideia parece estar de algum modo subjacente aos seguintes comentarios de Sousa Franco: “a reserva de lei em matéria tributéria nfo é apenas uma garantia dos contribuintes individualmente considerados.... mas sim uma garantia de um sistema no individualista e justo, que origina uma efectiva igualdade dos contribuintes perante a lei, a qual poderia ser quebrada pela concessao de beneficios por outra forma” 2”, Tendo em conta esta pertenga a0 Direito Econémico Fiscal — que postula * compatibilizagao pratica de dois dominios juridicos ~ do direito fiscal e 0 do direito 9 295 econémico” ** - , se 0 art.° 103°, n.°2, nao fizesse uma mengao expressa aos beneficios fiscais, seria discutivel a sua sujei¢do a reserva de lei ~ ¢ certo que alguma doutrina poderia entender que eles fariam parte das regras de incidéncia de imposto em sentido amplo ~ mas nem toda assim o entenderia; por outro lado, quando surgissem diividas sobre se certas dedugdes ou redugdes de taxas constituem beneficios fiscais ou se estio relacionadas com 0 conceito de rendimento liquido ou com o apuramento da capacidade contributiva ”*, a resposta quanto A sujei¢ao de uns e outros a reserva de lei poderia ser diferente. A partir do momento em que o legislador constituinte optou por uma referencia expressa aos beneficios fiscais no art.° 103.°, torma-se inequivoca a sua pertenga a consagrar um Estado Fiscal, em que os impastos extrafiscais, nomeadamente, os beneficios fiscais devem ser medidas (tanto quanto possivel) excepcionais, e s6 podem ser eriados se nao violarem o principio do excesso, justifica que estejam submetidos a reserva de lei parlamentar. * Assim também, entre nés, A.L. SOUSA FRANCO, “Sistema financeiro..", cit, p. $29, nota 58; 0 que nio significa que eles nao tenham de respeitar o principio da igualdade, quanto as pessoas e factos que caem nos pressupostos do beneficio: assim, JJ. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituigdo.... cit, 3.* ed., anotago a0 art” 106.°, p. 459, ponto VII. Em sentido diferente, CASALTA NABAIS entende que “a reserva a lei dos beneficias fiscais tem a mesma justificagdo da reserva a lei dos ‘impostos, ja que os mesmos constituem despesas que ou no sio orgamentadas ou, sendo-0, a sua ‘orgamentagao € uma simples estimativa ou céleulo como a das receitas endo uma fixagio como a das despesas, compreendendo-se assim a sua subordinagao 8 mesma reserva de lei das normas relativas & imposigao positiva: é que, a entender-se de outro modo, as normas sobre beneficios fiscais furtar-se-iam & reserva de lei fiscal, porque no so impostos, e a reserva de lei do orgamento, dado neste no poderem ser fixadas, mas tdo-s6 estimadas ou calculadas” (O Dever fundamental... cit., p. 364). Salvo 0 devido respeito, e citando 0 proprio Casalta Nabais, se os beneficios fiscais “sAo, por via de regra, medidas extrafiscais a que alguma doutrina, na qual nos incluimos, recusa a aplicagto pura ¢ simples da “constituigao fiscal", ¢ designadamente do principio da legalidade fiscal” (0 Dever fundamemal.., cit. Pp. 363-364), isso significa apenas que era necessario consagrar expressamente esta reserva, nao nos parecendo ter utilidade a equiparagio da fundamentagao da mesma a da reserva de lei fiscal ® JOSE CASALTA NABAIS, Contratos fiseais, cit, p. 261, * Vv. ANA PAULA DOURADO, “As Dedugdes de pagamentos a empresas seguradoras miio-residentes e {4 ndo-diseriminagio no direito Comunitario, Anotag3o ao caso Bachmann, Ac. do TICE de 28.1.1992, Fisco, 1993, ns, 59/60, pp. 75 ess. 118, constituigiio fiscal- mesmo que eles devam também submeter-se 4 constituiggo econémica, fazendo assim parte, como defende Casalta Nabais, do Direito Econémico Fiscal. Pelo facto de eles implicarem o afastamento dos limites materiais constitucionais fiscais, deveria exigir-se uma rigorosa justificagio para a sua cl iagdio, 0 que néo acontece entre nds, Os critérios enunciados do art.” 2° n.° 1 do EBF nao tém sido aplicados, ¢ a doutrina também no tem sido muito exigente na interpretagdo que thes aa Repare-se que esta reserva de lei significa que nio basta a estimativa da receita cessante originada pelos beneficios fiscais em relatério que acompanha a lei do orgamento (art.° 106. n.° 3, al. g) da CRP), mas que a disciplina destes deve constar de lei parlamentar ou decreto-lei autorizado (art? 165.°, n2 1, al. i) € n.° 2) ou decreto- legislativo regional (ao abrigo do art.” 227.°, n.° 1, al. i ), mesmo que a autorizagio do art 165.°, n2 1, al. i), seja dada na propria lei do orgamento. Outra questi, é a de saber se as finalidades extrafiscais permitem ou postulam uum certo grau de abertura da lei, € uma consequente margem de livre apreciagao administrativa: do grau de determinagao legal exigido pela reserva de lei, trataremos adiante. No que diz respeito a reserva de lei a que o art.° 103.° n.° 2 sujeita as garantias dos contribuintes **, podemos novamente recorrer esquematizagao de Casalta Nabais, ®* Veja-se por todos, NUNO SA GOMES, Manual de Direito Fiscal, , CCTE, Lisboa, 1993, n° 168, p. 325 (pp. 323 e ss., para quem os “interesses puiblicos extrafiscais relevantes” que justificam os beneficios fiseais sto, “por ex., de natureza politica, econémica, social, cultural, etc.”, niio acrescentando quaisquer exigéncias, Na 9." ed. do vol Il, cit, 0 autor € mais exigente, defendendo que o beneficios fiscais, ‘onstituindo embora uma derrogagio ao principio da generalidade do imposto, sto consttucionalmente Justificados por prosseguirem fins do Estado que a Consttuigdo igualmente tutela, E pode mesmo significar que os beneficios fiscais 36 se justficam constitucionalmente se 0s fins que eles prosseguirem forem hierarquicamente superiores ao principio da generalidade do imposto como resulta expressamente da propria definigéo legal de beneficio fiscal” (p. 88, pp. 82-83), Pode-se entender por garantias, “quer direita dos cidadiios a exigir dos poderes piblicos a protecgado ddos seus direitos, quer o reconhecimento dos meios processwais adequados a essa finalidade” (I GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituigdo..., cit, 32 ed., nota prévia, p. 111); ou, que as sarantias dos contribuintes transmitem a “ideia de uma esfera de limitagao, de compressio, de restrigo, da actividade estadual, legislativa e administrativa no campo tributirio”: CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL, “As Garantias dos contribuintes", CCTF, Lisboa, 1986, n° 147, p. 36. O autor relaciona 5 garantias do contribuinte, com o principio da legalidade ¢ a admissibilidade ow niio de conceitas juridicos indeterminados ¢ disericionariedade, a fundamentagio dos actos tributérios, ¢ ainda, com 3 interpretagao das normas fiscais e a aplicagao da lei no tempo, /dem, passim, Cf. também, NUNO SA GOMES, “As Garantias dos contribuintes numa perspectiva intemacional”, Estudos sobre a seguranga juridica na tributagdo e as garantias das contribuintes, CCTF, Lisboa, 1993, n° 169, pp. 51-59: segundo ng para delimitar 0 objecto: garantias gerais relativas ao procedimento (que em Espanha na Alemanha constam das leis gerais tributarias e entre nés se dividem por esta, pelo cédigo de procedimento e proceso tributario e pelos cédigos de imposto) ~ sendo certo que algumas garantias sio simultaneamente regras de procedimento e regras relativas a relagio juridica de imposto (por exemplo, a prescrigéio impede o procedimento porque extingue a relagao juridica tributdria) *”” -, garantias graciosas ¢ garantias contenciosas. 44 nos parece que a relagdo que Casalta Nabais estabelece entre 0 arl.? 103. n.° 2 € as garantias dos administrados (incluindo os contribuintes € outros sujeitos passivos), constantes do art.° 268.° da CRP, por um lado, ¢ as garantias respeitantes a infracgao fiscal e ao proceso penal estabelecidas nos arts. 29.° e 32.° da CRP, por outro, pode ser objecto de uma leitura diferente. istrados ou do dominio Segundo Casalta Nabais, estas garantias ~ dos admit sancionatério - jé caiam na reserva de lei do art.” 165.%, n.° 1, al. b), por serem garantias fundamentais. Assim, a reserva do art.° 165.°,n.° I al. b), absorveria quanto as garantias fundamentais, a reserva “resultante (da conjugagdo) dos arts. 168.°, n° 1, alinea i), e 106.° n° 2” 8, Prossegue 0 autor “Isto porque entendemos que a reserva imposta pot estes preceitos nfio € mais exigente do que a prevista naqueles. E que ... nada justifica que a reserva «das garantias dos contribuintes» também valha para as normas que as aumentem ou alterem (sem as diminufrem ou limitarem)[;] ... quanto a este aspecto, apenas releva a fungao garantista do principio da legalidade, contentando-se esta com a reserva a lei das normas que, de algum modo, afectem ~ r. 399 ijam ou condicionem ~ as mencionadas garantias Mas o alcance da reserva de lei quanto as garantias, sejam elas fundamentais - criminais ou contra-ordenacionais, e dos administrados - ou tipificagdes legais de garantias nao identificadas na Constituigdo (como acontece com as garatitias dos contriby intes sujeitas a reserva de lei pelo art.° 103.° n° 2 da CRP, mas nao enunciadas © autor, “as garantias dos contribuintes abrangem nfo sé as garantias ou meias de defesa ou protecgao. processuais e materials, previstas especificamente na CRP e nas leis tributrias mas ainda os prineipios Jiridicos .. eferentes as pessoas singulares ou colectivas em geral, © a0s cidadios e aos administrads em particular” (Idem, p. 56). *” KLAUS TIPKEJOACHIM LANG, Steuerrecht, cit., 172 ed., p. 24, ponto 16, * JOSE CASALTA NABAIS, Contratos fiseais, cit, p: 245. 120 na Constituigfo), mas que so garantias andlogas aos direitos fundamentais, no é de modo algum pacifico. Ora, quanto ao regime das infracgdes fiscais, tem toda a razio 0 autor quando dig que 0 art 103. n° 2 nada acrescenta ao art.° 165.°: os tipos de crime fiscal e de contra-ordenagao fiscal ¢ as respectivas sangdes € processos estilo sujeitos a reserva de lei ao abrigo do art.” 165. n.° 1 als. c) e d) da CRP (“{dJefinigao dos crimes, penas, medidas de seguranga e respectivos pressupostos, bem como processo criminal” e [rJegime dos actos ilicitos de mera ordenagao social ¢ do respectivo processo”, respectivamente); mas jé é discutivel que a reserva de lei s6 diga respeito A actividade de criminalizagio ou agravagio, ¢ nfo A da descriminalizagdo ou de atenuagio: ie matéria que apenas “se traduza em fundamentar ou agravar a responsabilidade de um agente”, nao abrangendo “a matéria da exclusdo ou da atenuagdo da responsabilidade”, como defende Figueiredo Dias, “{sJob pena, de outra forma ... 0 principio passar a funcionar contra a sua teleologia e a sua propria razio de ser: a protecgdo dos direitos, liberdades ¢ garantias do cidadao indiciado de responsabilidade criminal, face & possibilidade de arbitrio e de excesso do poder estatal” Na verdade, o Tribunal Constitucional pronunciou-se em sentido diferente, considerando estar sujeita reserva de lei no sé a criminalizagdo ow agravagio, como também a descriminalizagaio ou atenuagio, Por exemplo, no acérdaio n.° 56/84, 0 TC faz uma sintese do aleance da reserva de lei em matéria de Direito sancionatério piblico, considerando ser da exclusiva competéncia da Assembleia da Repiiblica, salvo autorizagaio ao Governo, “[d]efinir crimes e penas em sentido estrito, 0 que comporta o poder de variar os elementos constitutivos do facto tipico, de extinguir modelos de JOSE CASALTA NABAIS, Contratos fiscais, cit, p. 245. V. também do autor, O Dever fundamental... ei. p. 368. " JORGE DE FIGUEIREDO DIAS/MANUEL DA COSTA ANDRADE, Direito Penal, Questdes fiunulamemais, A Doutrina geral do crime, Coimbra, 1996, p. 170; JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal, Parte geral, Quest@es fundamentais, a doutrina geral do erime, 1, Coimbra, 2004, p. 171 Um dos exemplos de FIGUEIREDO DIAS sio as causas de justificago, mas, por exemplo, GIOVANNI FIANDACAJGIUSEPPE DI CHIARA, que voltamos a citar adiante, entendem que elas nfo esto sujeitas a reserva de lei, ndo por serem normas mais favoraveis, mas por constituirem expressiio de principios gerais de todo © ordenamento juridico: Una Introduzione al sistema penale, Per una lettura ‘costituzionalmente orientara, Napoli, 2003, p. 64 (pp. 63-65, nota 195) 121 Ee crime, de desqualifica-los em contravengdes e contra-ordenagdes ¢ de alterar as penas previstas para os crimes no direito positive” °°" © Tribunal apontou varias razdes para fundamentar o alargamento da reserva de leila supressiio do quadro criminal de tipos de ilicito”, que passamos a citar: primeito, porque o art. 168.° (actual 165.°), n.° 1, al. ¢), nao faz qualquer distingao; segundo, “a ndo se entender assim, a competéncia da Assembleia da Repiblica para criar tipos- crime e penas reduzir-se-ia a zero, sempre que 0 Gover, e de imediato, Ihe revogasse as leis penais que editasse, 0 que resultaria inadmissivel. Em terceiro lugar, « implementagao do quadro geral de ilicitos criminais e penas, em sentido estrito, reclama que, analisada detidamente a realidade social, se seleccionem, especifiquem e graduem, segundo parimetros de referéncia constitucional, 0s comportamentos humanos infractor 's de bens juridicos essenciais e se estabelegam penas proporcionadas a cada facto, dai que a simples eliminagiio de um modelo de crime reflexamente altere todo o quadro, 0 que equivale a dizer que, neste campo, a competénc » 302 303, negativa tem, ao cabo ¢ a0 resto, profundos efeitos positives” Também Taipa de Carvalho defende que 0 Governo nao tem competéncia para, por decreto-lei nfo autorizado, descriminalizar ou reduzir as sangdes criminais estabelecidas por lei ou decreto-lei autorizado, reiterando 0 segundo argumento do ‘Tribunal: se é da Assembleia da Repiiblica a competéncia para determinar “os bens que ela ... considera essenciais 4 vida individual e social e carecidos de uma determinada tutela penal, entdo nao teria qualquer razoabilidade atribuir ao Governo competéncia para vir “dizer” que tais bens nao tém “dignidade penal” ou, se a tém, nao devem tet uma protecgo penal tao intensa como a que a Assembleia da Reptblica Ihe confere” sot ° De 12.6: Aedrdaos do TC, vol. 3, 1984, p. 174. V. também ac. do TC n.° 324/90, de 13.12, Acdrddos do TC, vol. 17, 1990, pp, 267 e ss. E também no encontramos a disting’io entre eriminalizagdo ov agravagtio por um lado, e descriminalizagio ou atenuacio, por outro, em TERESA BELEZA, Direitu Penal, 2.*ed., Lisboa, 1984, pp. 379 ess. * acordao n.° 56/84, Acérddos do TC, vol. 3, 1984 pp. 166-167, % Estas mesmas razes so invocadas, por GIOVANNI FIANDACAVGIUSEPPE DI CHIARA, Una Introducione al sistema penale... ei, pp. 63-65. > AMERICO A. TAIPA DE CARVALHO, Dircito Penal, Parte Geral, Questées fundamentais, Porto, 2003, p. 199 (pp. 198-199). O autor também entende que do principio da separagio de poderes decorre 3 proibigdo de um decreto-lei ndo autorizado vir “desdizer” o que a lei ou decreto-lei autorizado 122 Estes argumentos também se aplicam, com as devidas adaptagdes as garantias do processo criminal, previstas no art.” 32.° da CRP. No caso das garantias dos administrados a que se aplica o art.° 165.°, n.° 1, al. b), fo Tribunal Constitucional entendia que a reserva de lei dizia respeito a todo o regime dos direitos, liberdades e garantias - mas a jurisprudéncia mais recente inclina-se para ‘restrigées” nfo aos “condicionamentos de exercicio” de tais exigir tal reserva is direitos, liberdades e garantias **. Nem Vieira de Andrade nem Casalta Nabais consideram inconstitucionais decretos-leis que protejam, promovam, ampliem ou sor executem ** a disciplina dos mesmos *” ‘disseram”. Parece-nos que este argumento se reconduz a0 outro argumento de Taipa de Carvalho: nao é ‘a separagdo de poderes que impede a intervenco de um decreto-lei no autorizado, mas a relagio intrinseca existente entre as decisdes politicas de descriminalizagao e de criminalizagio, * Entendimento constante da jurisprudéncia constitucional, durante algum tempo, ¢ que vem desde o Parecer da Comissiio Constitucional n.° 9177, Pareceres da Comissio Constitucional, vol. 1, p. 18. E reiterado por exemplo, no Ac. n.° 248/86, de 16.7, Aedrddos do TC, vol. 8, 1986, pp, 159 e s3.; no caso da Postura de Santarém, acerca da regulamentago de direitos, liberdades e garantias: V. JOSE CASALTA NABAIS, “Os Direitos fundamentais na jurisprudéncia do tribunal constitucional”, Separata do vol. LXV (1989) do BFDUC, pp. 18 (e ss.). J.C. VIEIRA DE ANDRADE, Os Dircitos fundamentais na Constituigdo Portuguesa de 1976, 32 ed, Coimbra, 2004, p, 347, em que o autor ndo altera 0 que escreveu na 2. ed., 2001, p. 335. Repare-se que JORGE REIS NOVAIS escreve, em 2003, que o Tribunal s6 considera accionivel a exigéncia de reserva de lei parlamentar quando se trata de restrigtio & ‘no de mero condicionamento de exercicio de direito fundamental”, ¢ cita varios acérdiios: As Restrigdes aos direitos fundamentais... cit, pp. 186-188, € nota 322. Assim, por exemplo, embora implicitamente, acérdio do TC n° 99/88, de 28 de Abril, Acdrddas do TC, vol. 11, 1988, p. 799. Considerando que a reserva de lei abrange 0 conteiido essencial dos direitos, liberdades e garantias e direitos andlogos, e nao apenas as restrigdes, JORGE MIRANDA, “O Regime dos direitos, liberdades e garantias”, Estudos sobre «4 Constitui¢do, III, Lisboa, 1979, p. 93; J.M. SERVULO CORREIA, Legalidade.. cit, p. 306 € nota 513. M. REBELO DE SOUSAVJ. DE MELO ALEXANDRINO, Constituigao da Repiblica Portuguesa Comentada, Lisboa, 2000, p. 98; sujeitando a reserva de lei “todos os aspectos do regime dos direitos, liberdades © garantias”, J.J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituigdo... cit, 3 ed. Anotagtio ao art 18.°,p. 154. Assim, J.C. VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos fundamentais.., cit, 32 ed., p. 347. Segundo 0 autor, a intervengao de regulamentos auténomos em matéria de direitos, liberdades e garantias, quando se late de regular matérias das “atvibuigdes nucleares proprias” das autarquias locais, também deve ser ‘admitida; Idem, p. 351; e “Autonomia regulamentar e reserva de lei”, cit, pp. 1-35. E ainda, considerando que a coneretizagio e regulamentacao de direitos fundamentais’ no esta sujeita a reserva de lei, MANUEL AFONSO VAZ, MANUEL AFONSO VAZ, Lei e reserva de lei, A causa da lei na constituigdo portuguesa de 1976, Porto, 1992, pp. 312 ss. “” JOSE CASALTA NABAIS entende que essa reserva no se aplica as “eoneretizagdes de limites imamentes dos direitos fundamentais". Segundo o autor, o aleance da reserva de lei diz respeito as restrigdes, condicionamentos eregulamentagoes (embora no caso destas dtimas, nem sempre), mas jé no coneretizagdes de limites imanentes dos direitos fundamentais. Casalta Nabais defende que as normas concretizadoras (que declaram) os limites imanentes dos direitos fundamentais (ou direitos andlogos slircitos fundamentais) nao estao sujeitas ~ “ao menos em termos absolutos” ~ A reserva de lei porque se be 0 operador juridico da administraglo pica fazer essa delimitagdo quando aplica drectamente os Deceitos constitucionais relatives aos «direitos, liberdades e garantias» (art® 18° n° 1), “atraves de Providéneias coneretas © singulares, por maioria de razio os hé-de poder concretizar por via Sp yyy , No caso das garantias dos contribuintes. 0 art’ 103.° n.° 2, ao estabelecer que elas sto determinadas por lei, nfo exelui as normas que ampliem essas g ntias ou as que se limitem a declarar limites imanentes as mesmas. ‘Além do mais, ao contrario do que acontece com as garantias em materia criminal e de proceso criminal, e com as garantias dos administrados (consagradas nos arts, 29., 32.°, 268°, ¢ ainda, por exemplo, nos arts.° 20.° ¢ 22.° da CRP *"), 0 contetido das (restantes) garantias dos contribuintes ndo & (expressamente) determinado pela Constituigio. Tratando-se de “normas de desenvolvimento de garantias” cujo contetido nao esta definido na constit cdo fiscal, mas tem de ser criado pelo legislador ordinario 30g juizo sobre as normas infra-constitucionais - se afectam de forma vantajosa ou desvantajosa as garantias — s6 pode ser efectuado depois de desenvolvido esse mesmo regime legal, portanto, na éptica de sucesso de leis no tempo. ‘Assim, diriamos que os ns. 4 € 5 do art® 268.° postulam que o regime do contencioso ributdrio, em todos os aspectos que tenham a ver com “a tutela M0 jurisdicional efectiva de direitos ou interesses legalmente protegidos” *, esteja sujeito a regulamentar”, mas o autor é cauteloso: na verdade, “esta argumentagiio deve ser adoptada com cautela, ja que, frequentemente, ndo deixar de ser problematico saber se estamos perante uma concretiaagao de ium limite imanente ou perante uma restrigdo aos direitos fundamentais": “Os Direitos fundamentais..., cit, p. 19, nota 33. Seja como for, e salvo o devido respeito, essa “concretizagao” deve ser entendida como “aplicagao vinculada”, sujeita a controlo judicial, como escreve VIEIRA DE ANDRADE, na pp. 352-353 e na nota 48 das mesmas paginas de “Os Direitos fundamentais...". Por isso, a “concretizagao" ‘quando corresponde & aplicagao individuatizada da lei, no parece ser equipardvel & regulamentagao de direitos, iberdades e garantias. Certamente por isso mesmo, JOSE CASALTA NABAIS, em O Dever fundamental... (cit. p. 76-77, € nota 169), distingue entre “limites imanentes (meramente) aparentes” ¢ “limites imanentes reais”: no primeiro caso, as concretizagdes “podem ser, em principio efectivadas por todos os operadores juridicos” e no segundo “s6 pelo legislador...faltando saber..s¢ tal legislador tem de ser o Parlamento nos termos do art, 168.° [actual 165°], n.* 1, al. b) da Constituigdo” (nota 169), 208 Repare-se que o direito a juros indemnizatdrios consagrado nos arts. 43.° da LGT e 61.° do CPPT tem fundamento neste art? 22° da CRP, segundo o qual o “Estado e as demais entidades piblicas sie civilmente responsaveis, em forma solidaria com os titulares dos seus érgiios, funciontiios ou agentes por acgies ou omissbes praticadas no exercicio das suas fungdes © por causa desse exercicio, de que Fesulte violagio dos direitos, liberdades e garantias ou prejuizo para outrem”. V. JORGE LOPES DE SOUSA, Cédigo de Procedimento e de Processo Tributério, Anotado, 4 ed., Lisboa, 2003, p. 294 (pp. 2928). 3, sobre as incumbéncias do legislador em relagdo 0s direitos fundamentais, J.J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Furndamentos da constituigdo, Coimbra, 1991, pp. 141-143, 310 «{I}ncluindo, nomeadamente, 0 reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnagio de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinagao da prética Je actos administrativos legalmente devidos e a adopetio de medidas cautclares adequadas” (n.° 4), bem ‘como “0 direito de impugnar as normas administrativas com eficdcia externa lesiva dos seus direitos ou teresses legalmente protegidos” (1. 5). 124 reserva de lei; € 05 restantes direitos e garantias dos administrados (incluindo as gerais ¢ graviosas) previstas no art° 268. e em outras disposigdes constitucionas, estéo também sujeitos a reserva de lei. A reserva de lei nio diz apenas resp 4s “restrigdes” de tais direitos ou garantias, pelas razdes apontadas no acérdao do TC, n.° 54/84, ‘ E diriamos ainda que a disciplina das garantias fiscais procedimentais graciosas no previstas constitucionalmente, esté sujeita a reserva de lei (embora as disposig6es que consagram tais garantias ~ normas de procedimento fiscal - sejam na verdade, em grande parte, normas de Direito Administrativo ¢ nio de Direito Fiscal substantivo °''), desde que se trate de matérias relacionadas com a legalidade do montante de imposto a pagar ou de normas ou actos que interfiram com a legalidade da relago juridica de imposto (ou a propria exigibilidade — legal - do imposto), ie. matérias essenciais, ou politicamente controversas, para utilizar conceito de Reis Novais: citem-se, a titulo de exemplo, os pressupostos e prazos de revisdo oficiosa, ou o prazo de caducidade da liquidago dos impostos entendido pelo Tribunal Constitucional, no acérdao n° 168/02, como matéria “ligada as garantias dos contribuintes” *'?, Segundo o Tribunal, “porque a caducidade determina a extingéio do direito do Estado cobranga do imposto, uma vez extinto aquele direito, ficaré contribs ite com jus A no exigibilidade do tributo que eventualmente venha a ser liquidado fora do prazo para tanto estipulado por lei, anotando-se que 0 n.° 3 do artigo 103. da Constituigao dispoe que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos ... cuja liquidagdo e cobranca se ndo fagam nos termos da lei, Trata-se, pois, de uma garantia do contribuinte que, perante o estatuido no n.° 2 daquele artigo, tem de ser determinada por lei” 93, Como jé dissemos anteriormente, mesmo a fungio garantista da reserva de lei fiscal nunca foi entendida como dizendo respeito apenas as normas desfavordveis, mas a quaisquer alteragdes de regime, por estar em causa a previsibilidade do montante do imposto (¢ da situagao fiscal) e a tutela de confianga do contribuinte *" ™'V., por todos, KLAUS TIPKEJJOACHIM LANG, Stewerrecht, cit, 17.* ed. pp. 24 e8. "Ac. do TC, n* 168/ 02, de 17.4, Acérdaos do TC, vol. 52, 2002, ponto 5, pp. 795 ess. * Taem, *°V, esta mesma ideia expressa em PEDRO SOARE: MARTINEZ, Direito Fiscal, cit, 10° ed., p. 96. 125 Mas ha outras razées para este entendimento, que se reconduzem as invocadas pelo Tribunal Constitucional no acérdao n.° 56/84. Desde logo, no plano da hierarquia das fontes, se as normas procedimentais (procedimento. administrative) € processuais (de processo contencioso) fiscais que disciplinam as garantias est tio sujeitas ao art.” 165.°, n° 1, al. i), as normas que modificam esse regime num plano mais favoravel tém de estar previstas em fontes da mesma hierarquia, desde logo por dbvias razdes técnico-formais, pois as segundas Tevogam ou derrogam as primeiras, o que desde logo impediria que um regulamento derrogasse uma lei ou decreto-lei autorizado *, , embora este argumento nio valesse para os decretos-leis niio autorizados. E as mesmas razées substanciais invocadas no acérdaio n.° 56/84, a propésito das garantias em matéria penal, apontam no sentido da reserva de lei das garantias dos contribuintes: se assim nao fosse, o sistema de garantias procedimentais e processuais fiscais, instituido por lei parlamentar ou decreto-lei autorizado, poderia ser neutralizado (defraudado) pelo executive, por decreto-lei nfo autorizado *!°. Entre um mimero infindével de exemplos, podemos pensar no alargamento dos prazos para reclamagio administrativa: imagine-se que 0 razodvel prazo de reclamagao da liquidagdo de imposto de 90 dias instituido por decreto-lei autorizado era aumentado para 5 anos por decreto-lei nao autorizado. Esta revogagao do regime anterior constituiria um privilégio injustificado para os contribuintes, pela amplitude do prazo, colocando em tisco 0 funcionamento da administragio fiscal, devido A avalanche de reclamagées, acabando or por em causa os principios da praticabilidade e da igualdade fiscal; ou imagine-se o alargamento do prazo no sentido referido por decreto-lei no autorizado, apenas para um determinado grupo de contribuintes; ou 0 alargamento dos pressupostos do direito a juros indemnizatérios anteriormente fixados por decreto-lei autorizado, ¢ aumento desses juros, por decreto-lei nfo autorizado. Acrescente-se ainda que — ¢ trata-se de um aspecto crucial ~ a distingdo entre restrigdo, regulamentacao ¢ desenvolvimento de direitos, liberdades e garantias nfo é, * Assim, GIOVANNI FIANDACAIGIUSEPPE DI CHIARA, Una Iniroduzione al sistema penale, cit, pp. 64-65; e FRANCESCO PALAZZO, Introduzione ai principi del diritto penale, Torino, 1999, pp. 229 e s., Apud, GIOVANNI FIANDACAIGIUSEPPE DI CHIARA, Idem. 126 {cil de estabelecer *"”, Reis Novais, por exemplo, prefere “partir de um de modo alzum, sonveito « nats fato possivel, © de regulaedo, abrangendo toda e qualquer actuagio ‘va no dominio dos direitos fundamentais® *, regulago que pode “afectalr] ati ‘gulag: st norms jesvantajost ou negativamente o conteido de uum direto” ou “antes melhorar posigdes de uireitos fundamentais, possibilitar 0 seu exereicio, desenvolvé-las, coneretiza-las ou condigdes que possibilitem 0 seu exercicio conereto de forma socialmente poe rian adequada © vidvel ste segundo tipo de regulagdo € conduzido, segundo 0 autor, pelas “normas de desenvolvimento de direitos fundamentais” ¢ delas fazem parte 0s ‘teitos processuais (¢ procedimentais), conformados por lei ~ ou melhor, em que 2 Tel tem uma “fungio constitutiva do proprio direito”, eriando ou determinando 0 seu contetdo ~ € também os direitos processuais ¢ procedimentais cujo contetido ja esta {pelo menos parcialmente) determinado na Constituigfe, cabendo & lei criar as formas juridicas que desenvolvam tal conteiido ou possibilitem o seu exercicio 320 (of, por ex. os arts. 20.°, 22.° ¢ 268.° da CRP). Para a aplicabilidade dos requisitos de Estado de Direito, incluindo o da reserva de lei: Reis Novais adopta 0 critério da “afectagdio desvantajosa do contetido do direito fandamental em questio”, pela “extensfo ¢ intensidade dos efeitos restritivos por ela produzidos no contexto dos interesses materiais em presenga...", “{iJndependentemente dle uma dada normagio poder, em abstracto, ser considerada desenvolvimento ou (0 fundamental” **!. Mas “a restrigio, configuragao ou materializagao de um dir 1M GIOVANNI FIANDACA/GIUSEPPE DI CHIARA, Una Introduzione al sistema penale... iy PP. 64-65, °° por exemplo, 14. GOMES CANOTILHOIVITAL MOREIRA afirmam que a “figura da restrigdo do excrete de itetos fondamentais deve ser distinguida rigorosamente da figura da delimitacio do ambito ‘do proprio direto fandamental", mas consideram que os limites imanentes “no deixam de ser reswiges no limbite de exercicio. dos direitos fundamentais”, porque “nfo surgem ab initio... nao s80 limites tviinatios ou primitivos conaturais aos respectivos direitos fundamentais”, mas “tém sempre de resist tla necessidade de conjugar ou compatibilizar os direitos fundamentais com outros direitos ou principios constitucionais", Constituigdo..cit, 3 ed, anotagio ao art? 18. pp. 149-150. S NOVAIS, As Resirigdes aos direitos fundamentais... cit p. 178. V. ainda LUIS PEDRO PEREIRA COUTINHO, “Regime orginico dos direitos, liberdades e garantias e determinagio hrormativa, Reserva de parlamento ¢ reserva de acto legislativo”, Revista juridica, AAFDL, 2001, n° 24, pp. S33.ess, "JORGE REIS NOVAIS, as Restigdes JORGE REIS NOVAIS, os Restriydes aus direitos fundumentais... il pp. 179, 180 ¢ 181 1s direitos flnndamentais... cit, pp- 178-179. JORGE REIS NOVAIS, ds Restrigtes ans direitos fiandamentais... cit. P. 189. SE afectagiio desvantajosa” nao ¢ um critério bastante para aferir da sujeigdo a reserva de lei, pois ele tem de ser conjugado com o critério da essencialidade, que adiante Reis Novais acolhe. Assim, do conjunto do pensamento expresso pelo autor resulta que, sempre que estejamos perante uma matéria “politicamente controversa”, é exigivel a reserva de lei, mesmo que a afectacdio no seja desvantajosa *”, Em jeito de sintese, 0 conjunto de argumentos anteriormente invocados demonstram que, também no caso das garantias dos contribuintes, no esté apenas subjacente a reserva de lei a fungdo garantista, mas também o principio democriitico expresso pelo procedimento legislativo parlamentar, na medida em que ele permite a publicitagao da lei e o contributo da oposigdo. Eles exigem que as matérias essenciais da relagao jurid a de imposto sejam disciplinadas por lei. Uma palavra ainda para dizer que 0 art.° 8.° da LGT nao introduz quaisquer novidades quanto ao Ambito da reserva de lei. Cabe apenas & Constituigdo definir esse mbito, como esclarecem também Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa Tracemos agora umas breves linhas conclusivas sobre o alcance do art.° 103°, n° 3, da CRP: como ja temos vindo a referir, segundo 0 art.” 103°, n° 3, da CRP, “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que nao tenham sido criados nos termos da Constituigdo ... e cuja liquidacao e cobranga se niio fagam nas formas prescritas na lei”. Esta disposic&io consagra uma espécie de direito de resisténcia ao pagamento de impostos inconstitucionais ou ilegais, nos termos constitucionalmente definidos (arts. 165.° n° J al. i), 227.9 n2 1 al. i) € 238.9 n° 4, € pelo pr neipio da tipicidade do art” 103° n° 2), reafirmando que a administragfo e os tribunais esto submetidos a Constituigdo e a lei. Assim, e como decorre das consideragdes que tecemos nas paginas ® JORGE REIS NOVAIS, As Restrigdes aos direitos fundamentais....lt., pp. 189 e ss. € 872-880, espee. 875 es, * DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES, JORGE LOPES DE SOUSA, LGT comentada e anotada, cit, 3. ed., pp. 63-66. E como voltaremos a referir no ultimo capitulo, a LGT nfo tem valor reforgado, pelo que nao poderia consagrar o Ambito da reserva de lei fiscal. Acrescente-se que a redacgao do art 8.° da LGT ¢ infeliz ao fazer referencia a0 “principio da legalidade” - quando parece querer enunciar o ambito da reserva de lei (um dos aspectos da legalidade) -, e ao enumerar no n.° 2 aspectos que ji fazem parte do n.° 1 de eis ue ei, os. as anteriores, a0 contrério do que tem sido defendido por boa parte da doutrina, 0 n.° 3 do ¢ 103.° nto faz qualquer opgdo quanto & nao sujeigo das regras de liquidaga e cobranga a reserva de lei, mas refere-se apenas & actividade administrativa de aplicagao da lei de imposto, 5. O grau de determinagao exigivel ao acto legislativo, relativamente aos elementos essenciais dos impostos $.1. Conceitos legais indeterminados, desenvolvimentos da disciplina legal por decreto-lei nao autorizado e por regulamento, e a jurisprudéncia do Tribunal Constitucional Se a incidéncia, a taxa, os beneficios fiscais e as garantias tém de ser determinados por lei, isto no quer dizer que exista uma reserva absoluta de lei que exclua o desenvolvimento da disciplina legal por decreto-lei nao autorizado ou por dal io na aplica regulamento, ou que exclua uma margem de livre apre por tais fontes normativas, por circular ou mesmo acto administrativo. O Tribunal Cons itucional ¢ a doutrina portuguesa mais recente, quer através de argumentos constitucionais, quer pelo significado que atribuem aos conceitos juridicos determinados e indeterminados a aplicagdo do Direito em geral (afastando-se do positivismo legalista baseado numa I6gica subsuntiva), entendem que as matérias pv 324 sujeitas a reserva de lei devem ter uma “densidade suficiente” *™*, “nao pode{ndo] 0 legistador limitar-se a emitir directivas genéricas, tendo que estabelecer com necessaria “JORGE REIS NOVAIS, As Resiricdes aos direitos fundamentas... cit, pp. 769-770. Entendendo que 4 reserva de fei significa que as matérias a ela sujeitas “tém de ser dseiplinadas, nas matérias essenciais, Por le”, © que no impede necessariamente, a discricionariedade, e a disciplina regulamentar quanto aos spectos no essenciais: JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Sobre os Regulamentos adninistrativos & 0 principio da legalidade, Coimbra, 1987, pp. 156-158. Defendendo que a especial Vinculagdo a lei no caso da determinagao do conteido ou limites dos direitos, liberdades e garantias nos «as0s concretos néo implica a inconstitucionalidade da concessdo de disericionariedade, tudo dependendo dos direitos em causa e da intensidade da ameaca, ede saber se se trata de uma actividade administrativa Protector, regulamentadora ou limitadora, sendo que a discricionariedade ndo significa hoje liberdade ou arbitrariedade, J.C. VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos fundamentais... cit, 32 e4., pp. 353-354. 129 preciso a respectiva disciplina directa nles que se torne pos ivel a intervengio do Governo no exercicio do poder regulamentar” #5 e que em matéria fiscal, “o principio da determinabilidade nao se confunde com um suposto dever de pormenorizar o mais possivel ou de optimizar a pormenorizagao da disciplina dos impostos, uma vez que. quanto mais 0 legislador tenta pormenorizar, maiores lacunas acaba por originar + 326 relativamente aos aspectos que ficam A margem dessa disciplina” 3°. Segundo o Tribunal, no acérdao n.° 756/95, em que foi suscitada a inconstitucionalidade do art.” 62, n2 12, do Codigo de Imposto de Capitais (que reconduzia a secgao B do imposto “quaisquer outros rendimentos derivados da simples aplicagéo de capitais nao compreendidos na secgo A”), © recurso a conceitos juridicos indeterminados ou tipoligicos s6 sera inadmissivel quando eles coloquem “nas maos da administragao um poder arbitrario de concretizagaio” *”. Os conceitos juridicos indeterminados poderdo ento ser densificados por dectetos-leis no autorizados ou por regulamentos. Como se sabe, 0 art.° 112.° n° 5 da 28 CRP proibe os regulamentos delegados “8, ¢ o Tribunal Constitucional tem-se * IM, SERVULO CORREIA, Legaidade... cit, p. 243, Associando a indeterminagéo legal a um crescenteprotagonismo da administra, PAULO OTERO, Legalidade e adminisiragao publica... cit. pp. 893 es * JOSE CASALTA NABAIS, O Dever fundamental... ct, p.377;¢ Direito Fiscal, cit, 2* ed. pp. 138- 143, Sobre os conceitosjurdicos indeterminados e a jurisprudéncia do TC até 1997, V. JM. CARDOSO DA COSTA, “O Enquadramento constitucional..”, cit, pp. 411-412. Sobre a nfo inconsttucionalidade de conceitesjuridicos indeterminados no Diteito Fiseal, V. ainda, JM. CARDOSO DA COSTA, Curso cit, pp. 63, nota 2, p. 175, nota 2 © p. 176 (portant, ainda no Ambito de vigéncia da CR de 1933); CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL, Curso... 1, cit, 1982, pp. 74 e ss3 implcitamente, JL SALDANHA SANCHES, Manual... cit, 22 ed, pp. 32 € 8; A Quantificagao.., cit, 1995, pp. 305 € 55 4A Seguranga juridica., cit, pp. 296-302; NUNO SA GOMES refere-se a um principio de reserva bsoluta de lei formal (lei da AR ou decreto-leiautorizado, “Ie tipificante etaxativa” (Manual. 1, et 92 ed. pp. 41-42): V. adiante a posigio de ALBERTO XAVIER que esté na origem desta concept 527 Segundo o Tribunal, “a norma aqui constitucionalmente questionada, como verdadeira norma residual de um universo que 0 legislador define com suficiente precisdo (a secgao B do imposto de capitais ~ v. artigo 3.° do Cédigo do Imposto de Capitais), construfda em tomo de um conceito - «rendimentos derivados da simples aplicagio de capitais» ~ que, concretizado de acordo com as regras interpretativas ppossiveis relativamente a normas de incidéncia fiscal, esti muito longe de colocar nas maos da administrago um poder tributério de coneretizagio; uma norma com estas caracteristicas, diziamos, nao pode a partida ser tida como inconstitucionalmente indeterminada”: ponto 4.1. do Ac. n.” 756/95 (de que foi relator 0 Conselheiro Sousa e Brito), Acs. do TC, vol. 32, pp. 775 e ss.; v. também J.M, CARDOSO DA COSTA, “O Enquadramento constitucional..", cit, p. 411 5 Jorge Miranda refere-se & proibigo de regulamentos delegados, neste sentido de “regulamentos que assumiriam a fungio de lei”, que, “em vez de se dirigirem & aboa execugiio das leis» (art 202.° alinea 1), fariam o mesmo que uma lei" (JORGE MIRANDA, Manual... V, cit,, 3* ed., pp. 209-210); ainda segundo Jorge Miranda, trata-se de “fenémenos inversos”, pois, “o regulamento delegado & elevado a fungao e forga de lei", enquanto “na deslegalizagdo, € a matéria de lei que é degradada a matéria de 130 pronanciado: Sempre contra a interpretagio, integragic, modificagio, suspenstio ou ° revogagiio de matérias legais por regulamento - sagutemento™ (IDEM, p. 213); emo ng posa ser feita, a verdade € que em I chamados, erates deleZAdos”, PIvisos aig at 172 n2 2 da Lei n® 400/88, pose, simultaneamente, vegatr maera objesto de reserva sre te ness sentido, haveria deslegalizagi), Or ‘normas reaaivas em vigor (existindo, ene cbse, por outro lado, a dstineto tambon ppoderia ser Meerada ve forma a distinguir & erapetnciaogulamentar do govern ‘administativa), da waimetcnea Legislative (araves de (rmetowleis (CRP) ot Tegslaivos (CRD) ‘correspondendo & sae re, de 10 de Novembro de 1994: I serie 35 de Fevereiro de 1995; Il série, de 21 de Ae aoe 095: Il série, de 1 de Maio de 1996: € Hate, ded de Setembro de 1996) ¢ 1.° 188/00, ¢ $eer01- nest tltimo, s80 recordados os acbrdZos Ns g/s6, 354/86, 19/87, 1/92 € 262/97, respeiarecs regulamentos interpretativos (publicados n> ‘Diario da Repablica, M1 Série, de 26 de AEDSH de 1986, 11 re MgT aT de Margo de 1987, 1 Serie, de He Jereiro de 1992 € 1 de Julho de 1997, seopectivamente); 08 acordos ns, 303/85, 34/805 gogo ¢ 869996, sobre regulamentos modi Fes, publicados no cing aOF erie, de 10 de Abril de 1986, 19 de Male ide 1986, 13 de Setembro de publica Ae 3 de Setembro de 1996, respectivanenies Toes fon 189/85, sobre regulamentos tspensivos, no mesmo Dido, 1 Série, de 3) 6% uembro de 1985; 05 acordos ns. 458/98 & 743/96 ‘anata Republica, 1 Serie-A, de 17 de Setembro pt ede 18 de Julho de 1996, respectivamente) Taras referem a actos de natureza nfo TeEsonG ty Me eo aejam os actos regimentais ¢ 05 actos a Setona (assentos") 0 ac6ros ns. 308/94 rome 40), ncidentes sobre ano apicagdo do 131 SS a Todavia, nem a proibi¢ao constitucional dos regulamentos delegados, nem art” 103.°, ns. 2 € 3, da CRP. impedem a existéncia de regulamentos complementares ¢ de execugao da lei (ou decreto-lei nfo autorizado) f ‘cal, mesmo em matérias de incidéncia, taxa, beneficios fiscais, garantias dos contribuintes (art.? 103.° n.°2 da CRP) *°. Mais do que isso, ao executar (aplicar) a lei fiscal, no ambito da competéncia do Governo constitucionalmente atribuida (e portanto, 0 Governo nao necessita de uma habilitagdo especifica para 0 exercicio dessas competéncias (art.° 199 ¢) da CRP)), os regulamentos interpretam ¢ integram, necessariamente, as normas legais, como parte da actividade hermenéutica e de execudo das mesmas. Tal interpretagao nao constitui Porém, interpretagao auténtica, devido A proibigdo do art.” 112.° n° 5 da CRP 2! Se a lei fiscal (incluindo aqui o decreto-lei autorizado) nao esgota o tratamento de um determinado regime, cabe ao regulamento integrar ou complementar o regime, existindo uma autorizagao implicita (ou expressa) pelo legislador 222 2 Ora, é jurisprudéncia constante do Tribunal Constitucional que os decretos-leis do autorizados ou os regulamentos podem desenvolver os aspectos técnicos da disciplina legal dos elementos dos impostos sujeitos a reserva de lei, o que no implica, 1° 5 do attigo 115° ¢ do novo n.° 6 do artigo 112.° as relagdes entre actos regulamentares (publicados no mesmo jomal oficial, II Série, de 29 de Agosto de 1994, 28 de Junho de 1995 e 6 de Agosto de 1999, respectivamente) %, Ao contririo do que defendem GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Consitigdo... eit, 3* ed, eit. anotagio ao ex-art? 106, ponto V (pp, 458-459), ¢ ao ex-art® 115° ponte Il (p. 502); segunda estes autores, a tipicidade legal implicaria que 0 desenho do imposto por lei “de forma suficientemente determinada, sem margem para desenvolvimento regulamentar nem para a. discricionariedade administrativa” (p. 458), e, embora a liquidagdo e cobranca estivessem de fora da reserva parlamentar, «las ndo podera ser reguladas por via regulamentar(p. 459) 2! Neste sentido, JORGE MIRANDA, Manual... Vcit,3* ed, pp. 210-212 (209 e ss.) 3» No vemos grande diferenga entre a posiglo de JORGE MIRANDA e a de SERVULO CORREIA: ¢ isto, apesar deo primeiro autor afirmar ndo concordar com este slkimo, que 56 proibe aintegrayao de lel Por regulamento quanto as leis que se limitam aos principio e bases gerais dos resimesjuridicos ae ans 56 poderdo ser integradas por decreto-ei (V. Legalidade..., cit, p- 257), segundo JOKGE MIRA “seja como for, & nitida a diferenga de posigao dos regulamentos de enecust: ests sio seescoreg dere (ou daquelas les ndo podem, por natureza, algar-se a um papel que soa elas exbe” (Manual. Voit 32 Ca. p. 212), Maso autor defende expresimente que o art" 112°, n° 6, nao impede que @ Adminitagae “mesmo através de regulamentos interprete e integre as normas legais que tem de exceuter Ean Principio geral™ (Idem, p. 210) ™ Neste sentido, © embora sem se referir expressamente aos casos de reserva de lei, mas também sem os excluit, JORGE MIRANDA, que entende admissiveis os “regulamentos. destinados a conferir plena operatividade, execusao ou concretizagdo a uma pluralidade de leis no determinadas (ou aos prineipios nelas insitas)" embora apenas se possam dirigir & boa execugio das leis e no a assumir fungoes de lei (Por uma questdo de hierarquia do ordenamento juridieo): Manual. V, cit, 3 ed, p. 209. alteragio do regime legal. Veja-se 0 caso dos acérdaos n° 173/03 en? 235, em que se questionava se um decreto-lei nfo antorizado podia estabelecer que a determinagio do valor final da incapacidade (“grau de invalidez permanente, devidamente comprovado pela entidade competente, igual ow superior a 60%", segundo 4G EBF € 0 CIRS) devia observar, entre outras, a seguinte regra (do art °79, anexo I, n° 5, al. €) do DL n° 202/96, de 23 de Outubro): “Sempre que a disfungao possa ser stenuada, no todo ou em parte, pela aplicagdo de meios de correcgao ou compensagaio (proteses, ort6teses ou outros), 0 coeficiente de capacidade arbitrado deve corresponder de tais meios, sem limites maximos de redugdo dos 4 disfungdo residual apés aplicaga coeficientes previ Segundo 0 TC, esta alinea nio alterou a definiglo de deficiéncia para efeitos do EBF e do CIRS, € 0 DL n2 202/96 conteria apenas “regras relativas & avaliagao da incapacidade”, de “cardcter eminentemente téenieo, 0 que determinalva}, desde logo, que a sua alteragdo niio dependfia] essencialmente de decisSes valorativas do legislador, nas de consideragdes provindas de ciéncias alheias ao direito. © que poderia suceder, no limite, & que essas consideragGes aconselhassem uma alteraglo da definigso legal de deficiente para efeitos de atribuigiio de beneficios fiscais ¢, nesse caso, mas 6 nesse caso, serin necessiria uma intervengdo legislativa da Assembleia da Republica, coberto do disposto nos actusis artigos 103.%, n° 2, ¢ 165°, n° 1, alinea i), da Constituigaio” *, © reconhecimento do papel dos decretos-leis mio autorizados ou dos repulamentos no desenvolvimento dos “aspectos téenicos” da disciplina legal dos elementos dos impostos esta associado & determinagHo/avaliagio ¢ quantificagao da imatéria tributavel, Na verdade, € quanto a estes elementos que mais se justifica tal al, como uma administragio de actos-massa desenvolvimento, pois a administragao fi wnio pode proceder a determinagiio, avaliago e quantifieagtio de cada um dos contribuintes, Esse desenvolvimento normativo € recomendado pelo prinefpio da praticabilidade, o qual justfica também uma margem de livre apreciago admit strativa. RIT Série, de 22 de Maio de 2003 ( yww.tribunaleonstituctonal.pt) 1v trihynaleonstitucional.pt PV. ponto 7 do acérdao n2 173/08. EERE Reconhece-se actualmente, € jé sem receio dos fantasmas associados aos regimes totalitérios europeus anteriores a, e contempordneos da segunda grande guerra (interpretagao da lei fiscal segundo a finalidade ‘ondmica, ou in dubio pro fiseo, ou segundo “o mundo da vida nacional-socialista’ , que o Direito Fiscal prossegue objectivos que se encontram numa relagdo de tensio, desde logo porque uns dizem respeito aos interesses individuais de cada contribuinte e outros ao interesse colectivo. Como consequéncia, também o principio da legalidade fiscal, que protege em primeira linha o interesse individual, est numa relagdo de tenso com outros prineipios constitucionais que exigem uma menor densificagao legal, ¢ por i como um interesse absoluto **”, 10 nao pode ser visto da lei, através Um dos principios que podem justificar uma maior simplifi de uma menor determinagao legal e uma maior margem de livre de conformagao regulamentar e administrativa, é justamente o referido principio da praticabilidade, associado administragio de actos-massa ™*; 5 no capitulo sobre a exigéncia de simplifieagdo das leis fiscais ¢ a aplicagdo tipificante dos conceitos juridicos indeterminados, daremos a devida atengio ao prine! io da praticabilidade, pelo que remetemos a fundamentagao e explicitagao destas afirmagdes para esse capitulo; por seu tumo, como teremos oportunidade de demonstrar nesse mesmo capitulo, o respeito pelos principios da igualdade (no sentido da aplicago igual da lei) ¢ da capacidade contributiva podem exigir também uma menor determinagao legal, de modo a evitar as lacunas decorrentes das tipificagdes legais fechadas. Mas 0 proprio principio da legalidade ~ no sentido em que a lei € critério de decistio ~ pode, por vezes, chegar a melhores resultados através do recurso a leis mais indeterminadas (a tipos) do que a uma enumerago taxativa, como demonstram os autores da Teoria do Direito. Assim, se o legislador pretende tributar os rendimentos de capitais, conseguiré atingir melhor esse objective utilizando exemplos-padrio a partir dos quais o intérprete chegard a um conceito (a um tipo) de rendimentos de capitais para 2” V., por exemplo, a recente conferéncia de DIETER BIRK, Vertrauensschutz im Stewerrecht, Hanséllirgen Pezzer (Hrsg), DSU ‘ontinuatsgewahr und Vertrauensschut2” Bd. 27, Kiln, 2004, p. 13 " Também assim entre nés, considerando que a praticabilidade justifica mesmo a concessio de verdadeiras faculdades discricionérias”, JOSE CASALTA NABAIS, O Dever fundamental... cit.,p. 378 (Pp. 373 € 88.) € Direito Fiscal. city 22 edy p. 139 (pp. 138-143); ef. JOSE LUIS SALDANHA SANCHES, A Quantificagdo... cit, 1995, pp. 187 ss 134 ayeitos dessa Tei fiscal (ientifieando os elementos comuns 908 varios exemplos, & tstinguindo esses rendimentos dos outros tipos de rendimentos definidos na lei, € hegando assim a0 330 tipico ou paradigma visado pela lei), do que através de uma cenumeragio taxativa que pode conduzir a resultados imprecisos. A enumetagao taxativa conduziri a uma maior imprecisio, no sentido em que eertos rendimentos semelhantes ao “paradigma”, a0 “tipo” objecto da lei, ficam de fora, e conduzem a um tratamento diferente de situagdes semelhantes, Neste caso a lei no cumpre 2 sus fungiio de yerdadeiro critério orientador do intérprete € de garante de um Estado de Direito *». Mas como veremos adiante, os “outros rendimentos de capitais” 86 constituem um conceito juridico indeterminado relativamente a um conjunto de situagdes ue S° situam wna auréola do conceito, 08 chamados “casos dificeis” (ou caso 4 de Coleman/Leiter). Relativamente a uma grande parte dos casos, os critrios gerais de interpretagao da lei permitirio decidir se certo rendimento é ou no “um outro rendimento de capital”. Pense-se ainda na antiga SISA ¢ na cessfo de posigo contratual no exercicio de contrato-promessa de aquisigéo e alienagdo de bens imoveis, ou na oulorks de procuragdo que confira poderes de alienagio de bem imével com rentincia ao direito de revoyagdo da procuragdo pelo representado: no eram abrangidas na enumeragao taxativa do Cédigo da SISA, & acabavam por ser tributadas em IVA, a uma taxa mals ravosa, embora os rendimentos em causa se subsumissem 40 rendimento tipico da SISA. Trodavia, no caso das regras de incidéncia em sentido restrito, nfo se colocam sinda os problemas da administragdo massificada ~ ainda estamos no momento prévio (cai no Ambito de incidéncia/nto cai, € tibutével/nto é tributdvel), pelo ave ° desenvolvimento normativo, se ocorter, normalmente nfo encontraré justificagso no principio da praticabilidade (embora este possa também recomendar tal desenvolvimento normativo: pense-se na lista de entidades ndo residentes que se podem © Assim, TIMOTHY ENDICOTT, Vagueness inlaw, cit, pp. 189,190 ess..0 Autor di o exemple dos smmotine’'e da "proibigdo de tortura” dos ats. 2."¢ 3° da Convensto Europeia dos Diretos Humat Se 6 legislador tivesse optado por uma enumeragdo taxativa dos casos de “motins” e de “orrs proibida”, eases ess para dar uma resposia precisa & questo de saber o que poderia a policia fazer cee ae seedom publica, “A lista seria init porque seria demasiado rigida e ineapaz, de ane Sulequadamente da complexidade da desordem piiblica, Seria tamiém inil porque qualayet ‘enumeragao_ sieatamende oe eifeua para ser nas precisa nfo seria manejével. ls nfo teria qualquer wilidade para _ | qualificar para efeitos de aplicagdo de uma directiva comunitéria, ou de um reembolso de um montante indevidamente retido na fonte). Seja como for, a dificuldade reside em definir qual o minimo de determinagao legal exigido pelo art° 103.°, n° 2, da CRP. Nas proximas paginas avangamos com alguns critérios, cuja fundamentacao e comprovagio sera feita ao longo da tese Junto do Tribunal Constitucional (e dos tribunais fiscais) tem sido questionada a exigéncia da determinagao das leis fiscais - incluindo os decretos-leis autorizados - decorente do art? 103°, n° 2, da CRP -¢ a sua relagdo com decretos-leis néo autorizados e regulamentos, que concretizam aspectos técnicos ao abrigo de uma margem de livre apreciagao atribuida por conceitos juridicos indeterminados **”, Podemos sistematizar do modo que se segue a jurisprudéncia do Tribunal sobre 08 referidos temas, a qual ndo nos merece objecgdes. A selecgo da jurisprudéncia e a ordem de exposigao que seguimos no é casual, pois esta relacionada com a ordenagao dos capitulos deste trabalho, e com a construgo que propomos: elementos essenciais do imposto, principio da tipicidade e exigéncias de determinagao legal; admissibilidade ¢ consequéncias decorrentes dos conceitos legais vagos e indeterminados na sua aplicagio pelo fisco ¢ aleance do controlo judicial; tipificagdes legais versus indeterminagfo legal € aplicagao da lei indeterminada segundo o tipo (tipificagao administrativa owe judicial) ou 0 caso individual, e principios da praticabilidade e da igualdade possivel. funcionar como uma orientagao da conduta policial ~ portanto, no seria um avango para a legalidade” (para a “rule of law”): p. 190, 3 V., por exemplo o acdrdao do TC n° 233/94, cit, que julgow inconstitucional o § 2 do art 114° do Codigo da Contribuigao Industrial. Esta disposigao permitia que a administragao, na sequéncia de fiscalizagao & escrita do contribuinte, e se considerasse que os deveres de organizagao da escrita (art.° 51." do CCI) tinham sido violados, passasse a tributé-lo através de métodos indirectos (chamado grupo B); dessa decistio, 0 contribuinte 56 podia recorrer graciosamente, mas nfo para tribunal; o Tribunal relacionou a impossibilidade de controlo dos pressupostos da mudanca de método com a indeterminagao dos conceitos; no acérdio do TC n° 31/01, de 30.1 (www.tribunalconstitucional pt), questionava-se se a administrasao fiscal podia exigir ao contribuinte a comprovagdo actualizada da situagio de deficiéncia com grau de invalidez maior do que 60% por ele declarada, e face ao incumprimento desta exigéncia, a declaragao de rendimentos era corrigida no sentido da inexisténcia de qualquer incapacidade, sem expressa autorizagdo legal — tal exigéncia (feita através de DL nfo autorizada) nao foi considerada inconstitucional; cf acérdao do STA de 1.3.2000, rec. n.° 24533, sobre o mesmo assunto; no acérdao do Tribunal Constitucional n° 236/01, de 23.5, Acdrdaas do TC, vol. 50, 2001, pp. 441 ¢ ss., no foi ‘considerada inconstitucional a indeterminagao legal do regime das amortizagdes € a sua concretizago por tum decreto-lei nao autorizado; cf. ainda, acérdao n.° 451/01, de 23.10, Aedrdaos do TC, vol. 51, 2001, pp. 241 e 353 e acdrdio n° 589/01, de 21.12 (www.tribunalconstitucional.pt), sobre © mesmo assunto; acordao n° 500/97, cit; acérdio 621/98, de 3.11 (www tribunaleonstitucional. pl). also. plo om. aa fo na Por outras palavras, procedemos a uma determinada seleogao e ordenagio de jursprudéncia que apoia a nossa argumentagao ao longo da tese. ‘Assim, © caminho que seguimos na tese aceita como vilidas as seguintes assergoes: 1. As autorizagées legislativas, para respeitarem as exigéncias do art.° 165.° n 2 (e 103 n° 2), € nao serem “autorizagdes em branco”, devem ter um contetido minimo, ie., 0 preceito autorizador deve cumprir o que o Tribunal designou de “tripla fungdo” a que anteriormente aludimos: contedido material bastante da lei de autorizagio, linha de orientagao do legislador delegado, elemento de informagio genérica das inovagdes a introduzir no ordenamento para os particulares (acérdio n.° 358/92) 2. O prinefpio da legalidade fiscal exige que as leis (leis parlamentares ou decretos-leis autorizados) sejam suficientemente determinadas de modo que 08 particulares possam entender e prever as actuagdes da administra tributdria (acérdao n.° 233/94) 4" 3. Estas exigéncias de densificagao da lei formal pelo Tribunal néo implicam, necessariamente a calculabilidade do imposto pelo sujeito passive (ou 0 calculo exacto), ¢ 0 Tribunal no considera inconstitucionais os conceitos juridicos (legais) indeterminados e uma consequente margem de livre apreciagio ou mesmo de discricionariedade atribuida & administragao, nem 0 desenvolvimento por decretos-leis ndo autorizados ou por regulamentos, em relagiio aos aspectos técnicos da disciplina legal ao abrigo de tal margem de livre apreciagdo (acérdaos n.° 233/94, n.° 756/95, n.° 236/01, n.° 127/04“) 2 Reconde-se, porém, que 0 TC exci em regra olngamento ea liguidagdo da reserva deli fiscal (acs, 11° 205/87, cit, 461/87, cit, e 500/97, de 10.7), embora no acérdio n° 127/04, tenha estabelecido a distingao entre regras substantivas eregras adjectivas, sueitando as primeiras a reserva de lei *® Nos acéritios n° 500/97, de 10.7, Acérddas do TC, vol. 37, 1997, pp. 513 e ss., n° 621/98, de 3.11. Acdrddos do TC, vol. 41, 1998, pp. 238 e ss., € n° 605/97, de 15.10, Acérdaos do TC, vol. 38, 1997, pp. 197 ¢ ss., o Tribunal entende, a propdsito da alteragZo da entidade competente para a cobranga coerciva, de créditos, por decreto-lei ndo autorizado, que o “simples preenchimento ¢ coneretizagao de clausulas abertas ¢ de conceitos juridicos indeterminados” no constitu inovagdo e que a liquidagao e cobranga no estdo sujeitas a reserva de lei 137 — A jurisprudéncia do TC sobre a nao inconstitucionalidade dos conceitos juridicos indeterminados tem sido secundada por uma jurisprudéncia constante do STA ™°. Por exemplo, no acérdio da 2." Secgdo, de 22.9.04, rec. n. 119/94, a propésito do art.” 57.° do CIRC, diz-se no ponto 3 quando a lei ‘a conceitos juridicos indeterminados, embora dai resulte que a admii stragdo vem a beneficiar de uma certa margem de livre apreciagao, no haverd ofensa da Constituigdo desde que os dados legais contenham uma densificago tal que possam ser tidos pelos destinatarios da norma como elementos suficientes para determinar_os_pressupostos de_actuagiio da Administracdo e que simultaneamente habilitem os tribun s a proceder ao controlo da adequagao e proporcionalidade da actividade administrativa assim desenvolvida”. 4, Nao constitui inovagio © simples preenchimento e concretizagio de conceitos juridicos indeterminados (acérdaos n.° 500/97 e 621/98, embora esta afirmagio tenha sido proferida a propésito de uma questio lateral, i.c., tratava-se de conceitos juridicos indeterminados constantes do ETAF e da alteragiio, pelo Governo, da entidade competente para a cobranga coerciva de exéditos), 5. O pri io da legalidade fiscal nao impede as remissdes expressas da lei formal para regulamento ou decreto-lei no autorizado que desenvolvam aspectos estritamente técnicos do regime (acérdio n.° 236/01). Essas remissdes so até aconselhavei para que a lei fiscal possa exercer eficazmente a sua fungdo de garantia (acérdio n.° 236/01). Ainda segundo 0 acérdio n° 236/01 (V. pontos 8-10), nfo so inconstitucionais — nao sio praeter legem ~ os decretos-leis nao autorizados (nem os regulamentos) que nfio criem uma nova categoria de incidéncia, No caso apreciado pelo Tribunal, tratava-se de um decreto-lei que veio permitir e disciplinar a reavaliagio dos elementos do activo imobilizado corpéreo das empresas, apés a entrada em vigor do novo sistema de tributagao, reavaliagfo essa que \ © Tem sido jurisprudéncia paciica e reiterada do STA que 0 art® 57.° do CIRC nao viola o principio da i, legalidade tributéia: a. da 2? Secgdo, de 22.9.04, rec. n° 119/94; ac. da 22 Secgio, de 6.6.01, ree. ne | 138 podia incidir sobre bens jf reintegrados - isto & bens reavaliados apés 0 ddecurso do periodo maximo da sua vida Ut podiam ser considerados custos 0 que nfo estava previsto expressamente pelo CIRC. Segundo o Tribunal, a questdo tinha natureza téenica, € 0 decreto-lei, “fazendo como que uma explicitagdo da regulamentagio em vigor, vfinha] somente submeter 20 regime fiscal geral as reintegragbes ¢ amortizagdes decorrentes de reavaliagSes realizadas apés 0 decurso do periodo de vida itil dos elementos reavatiados. Este diploma nfo cria[val, portanto, me nova categoria de cstos (.-) 80 trataive] (-) da definigso da norme de incidéncia ou da determinagdo do seu objecto, isto &, no tratafva] do critério definidor do tipo de dedugdes & matéria colectavel” (ponto 8). E também compativel com 0 principio da legalidade, @ atribuigao por lei de tama margem de disericionariedade & administragl0, ne aplicagdo de critérios séenicos 20 caso individual: no acbrdo n? 236/01, 0 Tribunal Jembra que © CIRC atribui competéneia & DGCI para aceitar casos especiais de reintegragdo © amortizagao — “devidamente justificados” -, para além do periodo méximo de vida til dos bens: © que em regra, nfo é aceite (no mesmo sentido, acdrddos n.° 451/01, 589/01) ‘A densificagao das leis fiseais ou principio da determinagdo, como elemento quantitative do principio da tipicidade fiscal (como argumentaremos adiante) ¢ faceta substantiva da legalidade, tem de ser conjugada com o principio da igualdade, 0 que significa que 2s exiggneias de densificagio no sho absolutas, ¢ justifica que 0 legislador possa recorrer conceitos juridicos indeterminados, com 0 objective de facilitar @ aplicagio da lei a casos idénticos. Exemplo da necessidade de conjugagio da legalidade com a jgualdade fiscal, € a consagragio de clausulas residuais na definigao dos tipos de incidéncia objectiva, tal como “qualsane’ outros rendimentos derivados da simples aplicagao de capitais nfo compreendidos na Secsaio A” fat? 122 ne 6 do Codigo de Imposto de Capitais). © Tribunal Constitucional pronunciou-se pela nd0 inconstitucionalidade desta cliusula, 23807; ac. da 2" Set de 19,3,03, ree. n° 19858 o, de 21.103, ree. n° 21240; ac, do Pleno, de 4.2.04, Fee: 21240; ac. do Pleno, 139 _ see. justamente com base nessa argumentagio: “A justificagao de qualquer destas realidades (conceitos amplosiexigéncias de determinabilidade) nao deixa d set possivel face a regras ou principios constitucionais relevantes: se a determinabilidade se acolhe na defesa dos contribuintes contra o arbitrio da administragao fiscal, que subjaz aos ns. 2 ¢ 3 do artigo 1062, 0 emprego de conceitos amplos ¢ por vezes indeterminados ~ os tnicos que garantem a plasticidade que possibilite a adaptagdo ao constante aparecimento de novas situagdes que, substancialmente iguais a outras ja tributadas, nao estejam ainda formalmente descritas com preciso — nao deixa, o emprego deste tipo de conceitos, de se poder Jouvar no cumprimento do mandato de igualdade em sentido material, nao permitindo o aparecimento constante de refiigios de evitagdo fiscal” (ac. n.° 756/95, ponto 4.1,; ef. também no sentido de que os prineipios da igualdade © praticabilidade reclamam conceitos legais indeterminados, ac. n° 127/04). 8. Nao ¢ excluida liminarmente a discricionariedade quanto a elementos essencii s dos impostos, nem a margem de livre apreciagio, desde que as fronteiras do exer: na lei (acérdaos n.° 233/94, 127/ de tais poderes estejam suficientemente densificadas 14). 9. Em principio, se nao tiverem de ser ponderados outros principios constitucionais, a lei formal deve ser suficientemente densificada de modo a que a margem de livre apreciagao do fisco seja também suficientemente restringida. S6_assi n poder o sujeito passive prever as actuagdes da administragio © sé assim poderio os tribunais controlar a legalidade administrativa (acérdéo n.° 233/94), 10.0 Tribunal estabelece também uma relagao entre densificagio, margem de livre apreciagdo administrativa. em caso de conceitos juridicos indeterminados, e exigéncias constitucionais de controlo judicial da administragao, tendo considerado inconstitucional nfo s6 a proibicao legal ial _das decisdes administrativas, como a excessiva de controlo judi indeterminago legal que impede na pritica, tal controlo judicial. No acérdio n° 233/94, acerca da constitucionalidade do art.° 114.° do CCI, 0 Tribunal Constitucional colocou a questi da seguinte forma: “No caso vertente. 140 constituira exigéncia do principio da legalidade tributdria que os conceitos juridicos indeterminados tenham uma densificag3o normativa que permitam aos particulares saber em que situagdes concretas possiveis pode ter lugar a substituigao do sistema tributério do Grupo A pelo Grupo B ¢ aos tribunais conhecer da exigibilidade e da proporcionalidade da conduta da administragio ao determinar essa substituigao do sistema de tributaga 5.2, Conelusoes ‘Tendo em conta o que escrevemos nas paginas anteriores, podemos desde ja sugerir os seguintes crtérios, relativamente ao grau de determinagio legislativa exigido pelo art 1032 n° 2.da CRP, aplicando os critérios da essencialidade das matérias, conjugados com os principios da igualdade ¢ da praticabilidade. Estes eritérios tém, por agora, 0 valor de hipéteses de trabalho, cuja fundamentaglio ¢ demonstragao seré burilada ao longo da tese: 1. Quanto & normas de determinagtio do an e do quantum do imposto, cabe & lei formal (lei parlamentar ou decreto-lei autorizado) estabelecer directamente o regime para os casos tipicos (casos padrao ou paradigmas) a que se dirige (0 micleo ~ determinado/cobrindo casos tipicos - do conceito deve ser maior do que a auréola ~ indeterminada/ cobrindo casos atipicos); 1.1. no caso da incidéncia objectiva em sentido restrito (objecto do imposto), para além da defini ‘0 ¢ enumeragdo das manifestagdes tipicas de riqueza que cada imposto pretende atingir (pela técnica da tipicidade tendencialmente fechada ¢ através de tipos juridicos estruturais ou reais “¥), podem ser consagradas cléusulas residuais que abram a tipicidade e atinjam manifestagdes de riqueza semelhantes (por ex., outros rendimentos resultantes da aplicagao de capitais, no caso do CIRS; ou a “prestago de servigos” no caso do CIVA, que (tendencialmente) cobre todas as situagdes abrangidas, por exemplo pelo IMT ~¢ pela ex-SISA); No. sentido de KARL LARE AUS-WILHELM CANARIS, Methodenlehre der Rechiswissenschaft, 3° ed., Berlin, Heidelberg, 1995, pp. 290 e ss..; V. adiante os capitulos onde discutimos o significado de Tarhestand e de tipo e de pensamento tipologico. Mt 1.2. no caso da incidéncia subjectiva (sujeitos passives), a enumeragdio dos sujeitos nfo tem de ser taxativa, mas exemplificativa, de modo a evitar que determinadas ent ae incidéncia **; jades, pela forma juridica que assumam, escapem do ambito de 2. Quanto as regras de determinago e quantificagao da matéria tributavel, cabe a lei (parlamentar ou decreto-lei autorizado) definir o regime a aplicar, de tal modo que o intérprete perceba quais as opgdes tomadas e consiga prever (no sentido amplo do termo) 0 imposto a pagar (valendo aqui o principio da previsibilidade ¢ calculabilidade): todavia, para que a lei nio fique sobrecarregada de pormenores, deve caber a_um decreto-lei no autorizado ou a um regulamento, 0 desenvolvimento desses critérios (por exemplo, os métodos do prego comparivel de mercado, do prego de revenda minorado ou do custo majorado esti e devem estar enumerados no CIRC como métodos a adoptar na determinagao dos pregos de transferéncia operados entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade com a qual esteja em situagao de relagdes especiais; mas a explanagiio e desenvolvimento desses métodos pode e deve estar prevista num outro diploma ~ que pode ter a forma de decreto-lei nao autorizado ou regulamento, ou até um acordo de cavalheiros ou cédigo de conduta entre Estados- membros da CE) 3. £ conceitos legais (¢ regulamentares) indeterminados, de modo que diminua ainda recomendavel que as orientagées genéricas vaio concretizando os © grau de incerteza na aplicagao da lei, e permita ao contribuinte ver gradualmente assegurados os referidos principios da previsibilidade e calculabilidade do imposto. 5 Veja-se a definigtio de pessoa colectiva, segundo o “Regulamento de Imposto” (art 32° do Reg. » 18/2000), em vigor na Indongsia e até final de 2004 em Timor-Leste, semelhante a legislagao dos paises anglo-saxdnicos: “pessoa colectiva” 1) qualquer pessoa colectiva de direito piblico ou privado; bb) qualquer entidade constituida, ebservando ou ndo os requisites legais, organizada ou estabelecida em Timor-Leste ou em territério estrangeiro, como sociedade de responsabilidad limitada, sociedade em conta de participagio, outro tipo de sociedade de pessoas, afiliada, associagio, firma, kongsi, cooperativa fundagio, trust ou organizagao semelhante, agrupamento, acordo ou forma de relacionamento, instituto, qualquer outra forma de organiza¢ao comercial ou industrial ow nio governamental, qualquer outra associago sem personalidade juridica ou qualquer outro agrupamento de pessoas; ¢ ©) um governo, uma organizagio de direito internacional piblico, ou uma subdivisio politica ov ‘administrativa de um governo ou de uma organizagiio de direito internacional pablico, seja qual for a sua denominagdo ou forma juridica, e qualquer entidade, organizagao, associagdo ou outra forma de “organizagao comercial ou industrial controlada por uma destas entidades; 4, A coneretizagio progressiva dos coneeitos juridicos indeterminados permite 20s srbunais um controlo mais efieaz da aplicagio da Jei pela administragao. 5, Quanto aos beneficios fiscais, a let parlamentsr O¥ o decreto-lei autorizado podem conceder ao ministro das finangas disoricionariedade para ponderar a atribuigso dos rmesmos a casos coneretos, mas 0s tribunals deveriam fazer um controlo da observancia de principios materiais: s6 sfo legitimos oS beneficios que prosseguem 0 bem-estar geral ¢ ndo apenas 0 bem-star de um ETuPo restrito de cidaddos (porque o sujeito passivo eria um x némero de postes de trabalho, por ex.) que respeitem 0 principio da proporcionalidade em sentido amplo, devendo também ser ponderado o ganho para @ omunidade; como seferimas atrés, estes prineipios deve também ser confrontados com os principios materiais do Direito Fiscal a resting i.e., deve ser avaliado se estes principios devem prevalecer sobre a jeualdade na vertente da capacidade contributiva, progressividade, ¢ quaisquer outros, Himites materiais fiscais que sejam restringides pelos beneficios fiscais. 6, Em nenhum dos pontos anteriormente enunciados, se devem os tribunais abster de controlar a legalidade da actuagio administrative; a consagragfio de conceitos juridicos indeterminados implica @ sua interpretagao segundo 0s ctérios gerais de interpretagio das leis fiscais; como a lei fiscal rnormalmente incide sobre tipos empiricos (tipos reais normativos € tipos juridicos estruturais, no sentido de Larenz/Canaris ay como veremos, a interpretagao devera seguir o método tipologico 347, 4 que dedicamos um capitulo adiantes 6.1. quanto as normas de incidéneia objective ¢ subjectiva em sentido restrito, as Ghividas sobre ‘tributagfio/nio tributagio cofocam me questio de limites de interpretagiio admissivel, em matérias sujeitas a reserva de lei, cabendo naturalmiente gs tribunais a ultima palavra; 62. no caso de normas sobre a determinagio/avaliago o8 quantificagao da matéria tributdvel, embora também sujitas a reserva de Te quando as situagbes a avaliar se lecatizem na auréola do conceito, ¢ 2 interpretagio permite mais do que uma solugio, _ Methodenlere der Rechtswissenscaf its 3° ed 2 KARL LARENZ/CLAUS-WILHELM CANARIS pp. 293 ess. 29 y__ por agora, € por todos, KARL LARENZ/CLAUS-WILHELM CANARIS, Methodenlehre.... Cit, pp.37 es. ~ 143 RL ey pode (deve) o tribunal aceitar a concretizagao ou interpretago da administragio, desde que ela constitwa uma_interpretag » possivel desse conceito ~ os prineipios da praticabilidade e da igualdade possivel assim 0 recomendam, como perceberemos ao longo da tese, especialmente no ultimo capitulo, E também relativamente a estes casos que a jurisprudéncia do STA tem defendido a existén de uma margem de livre apreciago admit strativa (embora a designe de discricionariedade técnica e nao controle a observancia dos limites a essa margem de liberdade, e embora ela seja exercida pela aplicago da lei ao caso individual). Na auséneia de densificagao de leis indeterminadas pela administrago, deve o tribunal fazé-lo através de uma jurisprudéncia constante 144

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