Confiana

O que bonito neste mundo, e anima,

ver que na vindima

De cada sonho

Fica a cepa a sonhar outra aventura...

E que a doura que se no prova

Se transfigura
Numa doura
Muito mais pura

E muito mais nova...

(Miguel Torga)


A Vida
vo o amor, o dio, ou o desdm;
Intil o desejo e o sentimento...
Lanar um grande amor aos ps d'algum
O mesmo que lanar flores ao vento!

Todos somos no mundo "Pedro Sem",
Uma alegria feita dum tormento,
Um riso sempre o eco dum lamento,
Sabe-se l um beijo donde vem!

A mais nobre iluso morre... desfaz-se...
Uma saudade morta em ns renasce
Que no mesmo momento j perdida...

Amar-te a vida inteira eu no podia...
A gente esquece sempre o bem dum dia.
Que queres, meu Amor, se isto a Vida!...

Florbela Espanca, in "Livro de Sror Saudade"


Pergunto-te Onde se Acha a Minha Vida

Pergunto-te onde se acha a minha vida.
Em que dia fui eu. Que hora existiu formada
de uma verdade minha bem possuda.

Vo-se as minhas perguntas aos depsitos do nada.

E a quem que pergunto? Em quem penso, iludida
por esperanas hereditrias? E de cada
pergunta minha vai nascendo a sombra imensa
que envolve a posio dos olhos de quem pensa.

J no sei mais a diferena
de ti, de mim, da coisa perguntada,
do silncio da coisa irrespondida.

Ceclia Meireles, in 'Poemas (1942-1959)'








Vida

Do que a vida capaz!
A fora dum alento verdadeiro!
O que um dedal de seiva faz
A rasgar o seu negro cativeiro !

Ser!
Parece uma renncia que ali vai,
E um carvalho a nascer
Da bolota que cai!

Miguel Torga, in 'Dirio (1943)'

Cabra-Cega
volta de incerto fogo
Brincaram as minhas mos.
... E foi a vida o seu jogo!

Julguei possuir estrelas
S por v-las.
Ai! Como estrelas andaram
Misteriosas e distantes
As almas que me encantaram
Por instantes!

Em ritmo discreto, brando,
Fui brincando, fui brincando
Com o amor, com a vaidade...

E a que sentimentos vos
Fiquei devendo talvez
A minha felicidade!

Pedro Homem de Mello, in "Jardins Suspensos"