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S LAT MRL 6 eh, {x pS x LOA | FRO, ACHOUTA QL WOU OL GAN Ne I EMO © ‘LOwh. Capitulo 4 Os novos Leviatas e a polis democratica Neste capitulo nos dedicaremos a examinar um aspecto bastante especifico dos problemas enfrentados pelo estado ¢ pela democracia na historia recente da América Latina: as di- ficeis relagdes entre a reestruturagdo neoliberal em curso nos mais diversos paises da regio, e 0 funcionamento das insti- tuigGes tipicas dos capitalismos democraticos que rapidamen- te se tomam obsoletas. Esta “assincronicidade” na mudanga fez com que as transformagdes econémicas precipitassem 0 esvaziamento e a crise das instituigSes politicas supostamen- te encatregadas de representar a cidadania e providenciar ‘uma formula efetiva de governo que represente a soberania popular, Como se sabe, a amplitude e a profundidade das mudancas experimentadas na segunda metade do século XX —e especialmente a partir dos anos setenta com o desencade- amento da chamada Terceira Revolugao Industrial —caracte- rizam nossa agitada época como uma das mais dinamicas € potencialmente revolucionarias da histéria universal, s6 com- paravel por sua gravitacdo e transcendéncia ao fascinante pe- riodo do Renascimento. O fio condutor deste trabalho é uma reflexdo sobre uma das conseqiiéncias mais significativas destas transformagdes: © aparecimento de um pequeno conglomerado de gigantes- cas empresas transnacionais, os “novos Leviatds”, cuja esca- la planetéria e cuja extraordinéria gravitagdo econdmica, s0- cial e ideol6gica as transforma em atores politicos de primei- rissima ordem e motivadoras de um desequilibrio irrepardvel 173 Pi orje de Minerva no dmbito das fracas instituigdes e praticas democraticas das sociedades capitalistas. Paradoxalmente, enquanto alguns idedlogos celebram 0 “triunfo final” do capitalismo, tendo chegado ao “fin da historia” e assegurado a vitéria da demo- cracia~o que com muior propriedade deveria ser denomi do como o trabalhoss oriundo dos “capitalismos democrat ©os” — as amenyins contids nesta forma estatal adquiriram uma gravidade scm precedentes em sua histéria. Antes, na conjuntura critica «li chtreguerra, ag ameagas provinham de fora: os fascismwos c ws «litaduras de diversos tipos que assola- vam as escassats ¢ relativamente frigeis ilhas de democracia que se sobressiiam cm um oceano de despotismo. Agora, as ameagas encontiain-se no proprio interior dos capitalismos democriticos, Nao sio externas, mas, sim, internas e, o que é pior, tém uma aparéncia “democrética”, 1. Mercados e Democracia: quatro contradigoes Parece oportuno comegar pela referéncia a relagfo entre mercados democracia, um tema que une a exclustio — eco- némica, social ¢ politica -, estruturalmente gerada pela re- composigao neoliberal do capitalismo a decadéncia das ins- tituigdes da democracia representativa. Nao é necessério en- trar em muitos detalhes para compreender as razdes pelas quais este tema, a relagio entre mercados e democracia, en- contra-se no centro do debate atual da teoria e da filosofia politica. E por que isso? Porque a radical reestruturagio eco- némica e social precipitada pela crise do keynesianismo, desde meados da década de setenta e realizadas sob o impé- rio das idéias neoliberais, teve como resultado uma expansio dos mercados sem precedentes na histéria mundial do capi- talismo. Nao se trata somente da avassaladora globalizagaio dos mercados, fenémeno que, a nao ser no caso de transagées 114 Os novos Leviatis ea pélis democritica financeiras, encontra-se fortemente superdimensionado na literatura. Também se produziu uma inédita mercantilizagio da vida social, que foi quase totalmente redefinida em ter- mos mercantis. Isto se traduziu em um notavel desequilibrio na relag&o entre mercado, estado e sociedade, onde o cresci- mento desgovernado do primeiro foi feito as custas e em de- trimento dos outros dois (Therborn: 1997, p. 32-35). Como produto disto, vemos a ostensiva diminuic&o dos espacos pi- blicos nas sociedades latino-americanas, progressivamente asfixiadas pelo stibito deslizamento das fronteiras entre o pii- blico e o privado em beneficio deste tiltimo, e por um acele- rado e reacionério processo de “reconversfio”, em fungio de uma légica puramente mercantil, de antigos direitos cida- dios, tais como a educagiio, a saiide, a justiga, a seguranga ci- dada, a previdéncia social, a recreagio e a preservagao do meio ambiente em novos “bens” ou “servigos”, para utilizar anada inocente terminologia prevalecente no léxico do Ban- co Mundial e seus subordinados. A reconversdo de direitos em mercadorias significa, pura e simplesmente, nao s6 uma redefinicZo excludente e restritiva dos mesmos, mas também que seu aproveitamento passa a estar mediado pela capacida- de daqueles que desejam adquiri-los no mercado. E, por ou- tro lado, que um grupo de grandes oligopélios assume agora a tarefa de “vender” os velhos direitos que a alquimia neoli- beral transformou em mercadorias — sob a forma de seguros de saiide, escolas particulares, aposentadorias por capitaliza- ao individual etc. —a pregos que garantam, como ocorre em nossa regio, fabulosos lucros, que, como se isso fosse pou- co, praticamente no pagam impostos. Esta atordoante presenca dos mercados e sua hegemonia em crescentes setores da vida piblica contempordnea, im- pensavel a trinta ou quarenta anos atrés, pés em questo um 175 o eutupa Ge Minerva tema que antes nem sequer se discutia: como reconciliar este auge dos mercados com a preservagio da democracia? P que, como sabemos, & evidente que a relagio entre ambos 66 {i harmoniosa por uma questio de excecao, ¢ isto devido basicamente a quatro contradigdes que ressaltam a incot tibilidade entre ambas instituigdes. mee 1.1. Légica ascendente ou descendente? Em primeiro lugar, é necessério assinaler que a 6 fancionamento da democracia, mesmo de tuto ‘mocracia tio imperfeita como a que existe no ambito do es Pitalismo, ¢ incompativel com a que prevalece nos merea. dos. Para além de suas miltiplas variantes, uma denocrada, Por mais elementar que seja, remete a um modelo ascendente de organizagao do poder social (Bobbio: 1976, p. 28-29), Este se constréi, de baixo para cima, sobre a base do toon, nhecimento da absoluta igualdade juridica e a plena autono. 1mia dos sujeites constitutivos do “demos”. As formulae cretas ehistoricamente situadas desta c onstrugio, assim cams 0s critérios de inclusao e exclusiio do “demos”, sao calles, desde a restritva democracia ateniense em tempos de Péri, cles, até as inclusivas democracias “keynesianas” dos pace escandinavos, passando pelas formas intermediérias fas co, hecemos na América Latina, Em todas elas, entretants, ba lum provesso de participagdo que parte da base e que ~seja mediante a intervengao direta dos cidadios ouatravés de ve Fiados sistemas de representacao e delegagdo, mais ou me. nos “fis” ao mandato popular —culmina na consttuigdo da autoridade politica. Como diziamos mais acima, um preseu, Posto essencial desta organizayio é a igualdade dos eida- dios, Nas democracas plenamente desenvolvidas isto se tras lz na total inelusdo do “demos” no processo democrétice, 176 (Os novos Leviatis e a pélis democratica expressa através do voto universal e igual, que pe fim s se- culares exclusoes de género, classe, educagao e etnia, mercado, ao contriio, obedece a uma légica descen- dente: so os grupos beneficiados por seu funcionamento — principalmente os oligopélios — que tém a capacidade de “construi-lo”, organizi-lo e modificé-lo 4 sua imagem e se- melhanga, 0 que faz de cima para baixo com critérios diame- tralmente opostos aos que presidem a constituigo de uma ordem democritica. Se na democracia o que conta é a base sobrea qual repousa, nos mercados sio os atores cruciais que se concentram no cume. Na primeira, a decisdo é suposta- mente tomada pelo povo, pela cidadania; e mesmo quando no segundo caso ela é invariavelmente concebida e executa~ da pelos grupos dominantes, precisa da mesma maneira ba- nhar-se nas éguas do Jordio da legitimago popular. Aqui se abre todo um denso e tenebroso capitulo de técnicas manipu- ladoras e propagandisticas, de controle da opinio publica, de enganos e repressdes, mas que em todo caso testemunham anecessidade, de qualquer tipo de democracia, de apelar em Ultima instancia 4 voz. do povo, algo que nem mesmo remo- tamente existe no mercado. Neste, a deciséo se origina ¢, mais importante ainda, se legitima acima: as pretensdes de igualdade ¢ incluso préprias da ordem democritica so completamente alheias as priticas e a retérica discursiva vi- gentes no mercado, Ele precisa de compradores e vendedo- res, ¢ estes nunca so iguais. A excegao de casos absoluta- mente excepcionais, s6 verificados nos capitalismos demo- craticos altamente desenvolvidos, nem os consumidores nem os pequenos ou médios empresdrios tém voz nos movimen- tos do mercado, e muito menos os eleitores da democracia. Levemos em consideragio que, além disso, hé uma operagao de compra e venda essencial, que imprime ao funcionamento 177 A coma de Minerva de todos os mercados sua marca genética, ¢ que tem como re- sultado a introdugo de uma divisio estrutural tanto entre os agentes econdmicos como entre os cidadaos: a divisio exis- tente entre os vendedores da forga de trabalho e os que dis- poem de dinheiro para adquiri-la. Esta operagio primogénita introduz uma distorgo radicalmente incompativel com a de- mocracia, na medida em que os vendedores da forga de tra~ balho, os trabalhadores, no tém autonomia necessaria para agir e eleger racionalmente em fungdo de suas preferéncias, pois, de alguma maneira, sio reféns dos patries. Estes po- dem decisivamente condicionar seus votos mediante diver- sas formas de extorsdo, da “greve de investimentos”, das ameagas de demissao ou das relocalizagdes de fabricas. Re- sumindo, prometendo o “caos econémico” se os eleitores no se comportarem como eles esperam. Nao obstante, esta situagio de radical heteronimia de grande parte dos “demos” € ignorada pelas elaboragGes te6ricas subsididrias da tradi- do do liberalismo democritico e completamente hegem6ni- cas na ciéneia politica, o que outorga a seus argumentos um indissimuldvel ar de irrealidade; e também é ignorada pela economia neoclassica, que constréi seu discurso da “liberda- de mercantil” dos agentes econémicos a partir do “dia se- guinte”, depois de produzida a violenta e nada democritica conversio dos trabalhadores em mais uma mercadoria, a for- ¢a de trabalho, desentendendo-se olimpicamente de suas con- seqiiéncias (Boron: 1997{a], p. 69-144). 1.2, Participagdo ou exclusdo? __Livte das restrigdes estabelecidas pela estrutura capita- lista, a democracia esta impulsionada por uma légica inclu- dente, incorporativa e participativa, tendencialmente orien- tada para a criagio de uma ordem politica baseada na sobera- 178 (Os novos Leviatis ea nia popular. Uma democracia merecedora desse nome: a completa identificagao entre 0 povo ¢ 0 “demos” da polis. Entretanto, nas diferentes fases da evolugdo do capitalismo democratic, esta identidade esteve muito longe de ser satis- feita, Exclusdes de diversa natureza impediram, até datas bas- tante recentes, a participagiio das mulheres, dos trabalhadores, dos analfabetos, dos imigrantes intemnos, de certas etnias es- tigmatizadas (nao necessariamente “minorias étnicas”, se re- cordamos 0 caso do apartheid na Africa do Sul, onde os ex- cluidos representavam a grande maioria da populagao) € va- rias outras categorias sociais diferentes. Se a democracia € go- verno “do povo, pelo povo e para o povo”, como reza a for- mula de Abraham Lincoln, a participagao do povo nao pode deixar de ser irrestrita e sua inclusio total e plena. ‘Ainda que nos tiltimos tempos o capitalismo democréti- co tenha tolerado, entre dentes, as iniciativas populares ¢ de- mocriticas que buscavam coincidir 0 povo com o “demos”, removendo velhas exclusdes e proscrigdes, 0 certo € que esse processo ainda esta longe de ser completado. Por um lado, porque a remogio dos antigos vetos e critérios de exclusio pouco diz sobre a efetividade do voto como instrumento para expressar e canalizar a vontade popular. Se a “oferta eleito- ral” est viciada, porque na realidade néo apresenta alter- nativas reais, mas uma mera altemnativa de nomes ¢ partidos que respondem aos mesmos interesses fundamentais, entfio o siléncio do povo se consuma dialeticamente no falatério dos comicios. Um resultado similar se obtém mediante a in- duo da apatia politica, da persistente desvalorizago da po- Iitica e da esfera publica que tem como efeito o retraimento dos cidadaos e a abstengio eleitoral. O neoliberalismo tem sido um mestre na arte de desacreditar a politica ¢ 0 espago piiblico: a politica é0 reino dos faladores, vagabundos,irres- 179 ‘A comyjade Minerva Ponséveis, mentirosos e corruptos; o piblico é uma esfera dominada pela ineficiéncia, pela irracionalidade, pela cor- Tupgiio e, no melhor dos casos, por um ingénuo romantismo que se choca com 0 egoismo que modela a vida dos homens e mulheres de carne e oss0. Por outro lado, ainda ha muito que se discutir em tomo dos critérios de admissio da cidadania Politica: muitos adolescentes tomam parte no direito civil aos quatorze ou dezesseis anos, ou sao incorporados ao ser- vigo militar obrigatério aos dezoito, apesar de que recente- mente tenham sido habilitados a votar aos dezoito ou aos vinte © um anos de idade. Nao vamos discutir estes temas agora. O que queriamos colocar é que qualquer ordem demo- cratica, por mais imperfeita que seja, tem uma tendéncia irre- freavel a inclusio total, que contradiz abertamente 0 que ocor- reno ambito mercantil No mercado prevalece uma logica completamente dife- rente, Nao existe nele uma dindmica inclusionista nem, me- nos ainda, um desejo de potencializar a participagio de to- dos. Pelo contratio, a competicao, a segmentagao e a seleti- Vidade sio as caracteristicas que o definem. Em resumo, en- quanto a democracia se orienta tendencialmente para a inte- Bragio de todos, conferindo aos membros da sociedade 0 status de cidadio, 0 mercado opera sobre a base da competi- so ¢ da “sobrevivéncia dos mais aptos”, e no est em seus planos promover 0 acesso universal da populagdo a todos os seus bens. Como reza 0 neoliberalismo, o mercado é um es- ago particular e para ingressar nele é preciso comprar uma entrada, ou seja, ter 0 dinheiro para comprar os bens que se quer desfrutar, e, no caso daquele que est vendendo sua for- a de trabalho, deve esperar set convidado a ingressar — que alguém lhe “dé” trabalho ~ mas tendo que arcar com os gas- tosnecessirios a esse acesso, como alimentagio e transporte. 180 (0s novos Leviais e a pélis democritica O mercado é, na verdade, um Ambito de lutas impiedosas — a esfera do egoismo universal, como bem observara Hegel — no qual ha ganhadores que s4o fortemente recompensados ¢ perdedores que so correspondentemente castigados. A Par. tcipago no consumo, diferente da participagao na vida de mocritica, longe de ser um direito é na realidade um privil A gio que se adquire da mesma maneira que se adquire qual- quer outro bem no mercado, Sena democracia a participagdo de um exige e potencializa a participagio dos demais, no mercado 0 consumo de um significa 0 nfio-consumo do ou- tro, A légica da democracia é a de um jogo de somas positi- vas. A de mercado é a de um jogo de somas que se anulam: 0 luero do capitalista é a insuficiéncia do salério. Logo, no mercado, para que alguém ganhe, o outro tem que perder. 4.3. Justiga ou lucro? iro lugar, a democracia é impulsionada por um af desta, ao por casualidade, Patio inicia 0 primero capitulo de repilica ponto de partida de dois mil au aentos anos de reflex tebricopolitia em nivel universal = com uma discussdo sobre o que constitui a virtude suprema da pllis. A respsta que se oferece ao final desse nminoso pri- mero capitulo & que esta virtude nfo pode ser outraalém d justiga. Em recentes datas, esta postura tem sido ratificada nao 36 pelas diferentes variantes do pensamento socials, mas também pelo neocontrtualismo liberal-igulitarista, Joh Ravlsabre seu livro com a seguinte afirmagdo: “A justica €a primeira virtude das instrugdes sociais...” (1979, p. 19). pe extensio, &possvelafrmar, em conseqiéncia, que a justia também deve ser o objetivo final da democracia, dado que ‘como forma politica especifica de organizagio da cidade ie incongruente que a justica pudesse ser construida em torno objetivos incompativeis com os da democracia. 181 ‘Accomja de Minerva Sendo assim, ¢ oportuno ento destacar que a justica su- Oe o desenvolvimento de um argumento irredutivel ao cél- culo de custo/beneficio que preside toda transagao mercanti A democracia, por outro lado, passa a ser uma ficgdo se nio estiver apoiada sobre uma plataforma minima de justiga, Se a justiga absoluta é impossivel de ser aleangada, um minimo de justi¢a — historicamente variavel, certamente — ¢ absoluta- ‘mente imprescindivel para que, em palavras de Fernando H. Cardoso, se possa “abafar 0 cheiro de farsa politica democra- tica...” (1985, p. 17). Concluindo: a sobrevivéncia da demo- cracia muito improvavel e mais que problematica em uma sociedade dilacerada pela injustiga, com seus desestabiliza- dores extremos de pobreza e riqueza e com sua extraordind- rial vulnerabilidade e a pregacao destrutiva dos demagogos'. Porém, se a justica ¢ 0 valor orientador de uma democra- cia, o mercado é—tanto por sua estrutura como pela lgica de seu funcionamento~ completamente indiferente diante dela, O que o mobiliza e 0 coloca em ago é a busca do lucro —o animus lucrandi dos romanos ~ ¢ a paixio pela riqueza. O Que reina em seu territério é o lucro ¢ nfo a justiga; o rendi- mento no a igualdade. A justica é uma incémoda distorga0 “extra-econdmica” que interfere no célculo de custos e bene- ficios ¢ que tem um efeito paralisante na dindiica impiedosa dos mercados. Constitui a invasio de algo externo, comple- tamente alheio e inaceitivel, as expectativas dos agentes eco- nOmicos envolvidos em uma luta sem quartel para sobrevi- ver em um meio cada vez mais hostil. Se formos compari-lo aalgo, o mercado é semelhante ao liigubre cenério hobbesia- no da guerra de todos contra todos, na qual, como reconhecia © autor do Leviata, nfo hé justiga, nem lei, nem moralidade, Obviamente, nessas condi¢des dificilmente poderia ocorrer ee 1. Sobre o tema da justga, ver nosso posicionamento no capitulo 6 dest iv. 182 (Os novos Leviatis ea pat tre os mercados e wma funcionamento ent va me i jentes que atuam no mercaé critica, j@ que 08 2g: a read re compels afaz-l sob circunstancias mas aus ¢ tinica coisa sensataa fazer € procurar momar tad ero qualquer prego, sob pena de desert nfemo He istica foi ai a Esta cracteristca foi certamente capa por Fre quan, no “Prologo” a primeira cig ith . » te: ital, escrevia o seguint ow , ‘Certamente, nao pinto as Sigur doa tala a de rosa, Porém, e oreo de que sfio a personificagao de ai Peas econdmicas, poriadoras de determinadas rela aire e ineresses de classe. De meu ponto de vis a Naan ode. i mario econdmico-socialy que Me- solve aout poreriaresponssbliza ao ind nos q i rolagdes das quais ele continua sendo so- 2 i ae eee possaelevar-se sobre as mesmas (1975, T. 1, p. cos no original). is? 4.4. Da polis aos mercados ou dos mercados @ polis’ i 6 ansiva ia possui uma légica exp inalmente, a democracia pos asin ere igualdade estabelecida na ee atin a ‘tonzn onyot mine elas int i “demos” a “tran sie ie eee ot diversos terrenos da socieda- ita rego aos mais dive 2 a ison re noma (Bowes ¢ Gintis: 1982; 1986). Esta te lee d nosso sécu- ido abistoria dos captalismos demoeréticos emnesse °°" Sido ade da forga e da capacidade mobili me a to: em vidos partidos de esquerda das ores aicaioes ey das classes e camadas populares, fi produzda sere progressiva conguista de direitos sociais uma progi 183 A comyja de Minerva que, pelo menos em parte, se traduziram em beneficios so- ciais concretos para os trabalhadores. O resultado de tais conquistas foi um erescente processo de “socializagao de de- mandas” que converteu uma ampla gama de exigéncias e ne- cessidades outrora consideradas “privadas” —como a saitde, a educacio, a seguranca social, o entretenimento etc. — em bens coletivos, cuja efetiva provisio passou a depender de uma radical redefinigio do papel tradicionalmente ocupado pelos estados nacionais. Como se sabe, o keynesianismo foi a formula politica que assumiu esta mutagdo no regime de acumulago e no modelo de hegemonia burguesa (Buci- Glucksmann: 1981; Negri: 1991; Offe: 1984). Diante disso, se produziu um formidavel avango no processo de legitima- ao da cidadania da sociedade e do estado capitalistas no mundo desenvolvido. Na periferia, o fendmenc adquiriu me- or intensidade, em grande parte amparado pelos regimes populistas e socialistas, mas seus efeitos sociais, econémicos € politicos tiveram uma profunda repercussdo. Esté claro que esta expansividade, propria de um modelo democratic, se contrapée a um movimento em sentido con- trério, que se origina nos mercados. Se nas conjunturas de as- censio da luta de classes e da ofensiva dos setores populares a democratizagio dos capitalismos se traduziu na menciona- da “socializagiio de demandas”, na fase que se constitui a Partir da contra-ofensiva burguesa, langada no final dos anos setenta, o que se verifica ¢ um processo diametralmente opos- to de “privatizagao” ou “mercantilizagio” dos velhos direi- tos cidadaos. A conseqiiéncia de tudo isto é uma acentuada — €, segundo os paises, acelerada ~ “perda de cidadania” em grandes setores sociais vitimas do avassalador predominio de critétios econémicos ou contabeis em esferas anterior- ‘mente estruturadas em funco de categorias éticas, normati- 184 (Os novos Leviatis e a pélis democritica vvas ou, ao menos, extramercantis. Direitos, demandas e ne- cessidades previamente consideradas como assuntos pibli- cos se transformaram, da noite para o dia, em questdes indi- viduais diante das quais os governos de inspiragao neoliberal consideram que nada podem fazer, a ndo ser criar as condi- goes mais favordveis para que seja o mercado o encarregado de dar-lhes uma resposta. O “transporte” de critérios de “cus- to-beneficio”, “eficiéncia” e “racionalidade econémica” da economia para o ambito da cidadania, resulta na recriagao de uma nova ordem politica assinalada pela desigualdade e pela exclusio, proprias dos mercados na arena até entéio domina- da pelo igualitarismo da politica. Se antes a saiide, a educa- ¢fo, ou o mais elementar acesso a agua potivel eram direitos consubstanciais para a definicdo da cidadania, a colonizagao da politica pela economia converteu-os em mercadorias como tantas outras que s6 podem ser adquiridas por aqueles que podem pagé-las. 2. Uma reconciliagao provisoria e seus pré-requisitos Sob a luz destas quatro contradigGes, fica evidente que 0 tema da compatibilidade entre mercado ¢ democracia é, a longo prazo, impossivel e a curto e médio prazos hastante problematica. Entretanto, para o liberalismo em qualquer de suas variantes a convivéncia termina sendo absolutamente natural e necessiria. A democracia é percebida como 0 rosto politico dos mercados, e estes como a face econémica da mesma’, Esta crenga parece ter sido efetivamente confirma- da durante 0 periodo compreendido entre a reestruturagdo keynesiana, iniciada a partir da Grande Depressfio - ¢ com 2. Exploramos ext assunto cm nosto Estado, capteismo e demoeracia na América Lai a, op cit, eps. 2€3. 185 ‘Acoma de Minerva mais forga desde o fim da Segunda Guerra Mundial - e mea- dos da década de setenta. A sibita celebridade adquirida pela ideologia do “fim da luta de classes” é testemunho elogiiente do triunfal clima de opinido que havia se apoderado da bur- guesia (Bell: 1960; Lipset: 1963). Entretanto, acabado este periodo — certamente o mais es- plendoroso em toda histéria do capitalismo — as velhas desa- vengas e as conhecidas incompatibilidades mais uma vez apareceram em primeiro plano, A extraordinéria difusao ad- quirida, nestes anos, por diversos prognés‘icos marcados por ‘um profuundo pessimismo (recordemos, simplesmente, as pre- visdes catastrofistas do Clube de Roma ou os sucessivo: formes da Comissao Trilateral, especialmente o relativo a in- governabilidade das democracias) demonstram 0 alcance da mudanga experimentada pelo clima ideol6gico-politico do Ocidente (Meadows: 1972; Crozier et al.: 1975), As possibilidades de harmonizagio entre mercados e de- mocracia se assentam sobre uma realidade que os teéricos do liberalismo ainda hoje se empenham em negar: que, nessa época de ouro que transcorreu entre 1948 ¢ 1973, 0 que hou- ve foi um capitalismo que governava politicamente os mer- cados, mediante uma densa rede de regulagdes e interven- Ges de todo tipo. Foi exatamente este controle que possibili- tou o inicio de um profundo processo de democratizagio, haja vista a grande debilidade das forgas do mercado. A par- tir da recomposigao neoliberal, a situagao muda radicalmen- te € 0 que observamos, tanto no centro quanto na periferia, ¢ ‘um processo progressivo de esvaziamento e enfraquecimen- to das instituigdes democriticas. Em todo caso, para os teéri cos liberais a harmonia entre mercados e democracia descan- sa em duas premissas que a historia se encarregou de des- mentir: uma, relativa as caracteristicas mais igualitérias que 186 ara (Os novos Leviats € a pélis democrética seriam assumidas pela estrutura social do capitalismo; outra, feferente a eficdcia das proprias instituigdes democraticas ¢ gua capacidade para corrigir as tendéncias mais desequili- brantes dos mercados. Vejamos estas duas premissas com mais detalhe. 2.1. 0 paraiso perdido: os prognésticos frustrados sobre a evolugdo da desigualdade nas sociedades capitalistas Tal como diziamos no primeiro capitulo deste livro, as previsdes te6ricas do liberalismo sobre o futuro da desigual- dade podiam ser sintetizadas em dois enunciados principais: © primeiro, de que as desigualdades econdmicas e socials inerentes aos mercados livres e competitivos flutuariam den- tro de limites razodveis; e 0 segundo, de que, como passar do tempo, estas desigualdades tenderiam a diminuir, evitando a polarizagio social que os pais do liberalismo econémico clis- fico consideravam como seqiielas tipicas dos modos de pro- dugdo pré-capitalistas. Isto era assim porque, entre outras ra~ zes, se supunha que na sociedade capitalista 0 acesso & pro- priedade privada nao estava fechado. Com o desaparecimen- to dos odiosos estatutos fechados da sociedade feudal, os agentes econdmicos nfo estavam fatalmente condenados permanecer em uma mesma situagao social pelo resto de sua vida, No pensamento de John Locke — com certeza bem co- nhecido por Adam Smith —a ameaga da fome e da pobreza se ‘amenizava diante da possibilidade, sempre existente, de que o faminto pudesse “votar com seus pés” e migrar em di- regio As intermindveis planicies da América do Norte em prol de sua prosperidade. Além disso, o liberalismo clissi- co também postulava que, justamente por obra dos merca- dos, a tendéncia predominante no terreno da desigualdade seria pequena, encurtando as distincias que separa 187 A comyja de Minerva vam ricos e pobres. Estas erat, por exemplo, as expectativ de Adam Smith, o pai fundador da filosofa cconomica do beralismo. Smith, que antes de ser economista foi um grande filésofo moral, estava convencido de que o livre jogo da mio invisivel dos mercados iria produzir uma sociedade na qual, segundo suas proprias palavras, a riqueza estaria “harmonio.. samente distribuida”. Entretanto, as previsdes tebricas do liberalismo clissico foram desmentidas por dois fatos: as desigualdades nos su- cessivos paises incorporados 4 orbita do capitalismo se tor- naram cada vez maiores, ¢ 0 passar do tempo sé faria com que aumentassem. Além disso, 0 filésofo escocés também supunha que 0 protagonista exclusivo dos mercados seria a miriade de pequenos proprietirios independentes. Nunca Ihe ocorreu que, dois séculos depois, os atores decisivos da vida mercantil seriam as grandes firmas de proprietérios andni- mos, e muito menos empresas transnacionais atuando na es- cala planetiria. Sua visio da paisagem social do capitalismo era outra, que obedecia a uma dupla inspiragao. Doutrinaria- mente, compartilhava da doutrina lockeana que entendia a propriedade privada como extenstio da personalidade do proprictario: este misturava seutrabalho com os dons naturais, da terra e a partir dessa fusio se legitimava a propriedade, que sempre ficaria limitada a reduzidas dimensSes. Histori- camente, a perspectiva de Smith esteve fortemente influenci- ada pela experiéncia de implantago do capitalismo nas co- énias da Nova Inglaterra, onde a figura herdica desse proje- to era o pequeno proprietario raral, 0 farmer. E por isso que as idéias de um capitalismo de empresas transnacionais and- nimas ou de gigantescas megafusdes eram completamente estranhas & sua imaginago e néo tinham lugar em seu esque- ma te6rico: representava uma verdadeira aberraco, uma res- 188 (Os novos Leviatis ea pélis democritica surreigdio dos odiados monopélios surgidos ~ de acordo com seu entendimento—a sombra dos favores do absolutismo. Os monopélios eram os inimigos mortais daquilo que Smith de- nominava “o sistema da liberdade natural”, Por outro lado, ao falar de mercado, Smith estava na realidade invocando ‘uma miriade de produtores independentes, pessoas que tra- balhavam em sua pequena empresa ou em seus empreendi- mentos familiares e que, na melhor tradigao lockeana, fundi- am seu trabalho pessoal com os bens terrenos, legitimando desse modo a propriedade privada como instituiga0. Hoje sa- bemos que todas essas caracteristicas séo lembrancas quase nostalgicas de um passado que a concentragao e a centraliza- do do capital fizeram em pedagos sem misericérdia. ‘Apesar de tudo, as expectativas otimistas relativas & mar- cha da igualdade social pareceram estar satisfeitas por um certo tempo, durante 0 apogeu do estado keynesiano ~ as custas de uma crescente intervengdo estatal nos mercados, Mas, a partir de meados da década de setenta, e sobretudo com a reestruturagao neoliberal do sistema capitalista — com seu ataque contra 0 estado e as politicas sociais, fulminadas como “‘populistas” ou “irracionais” — 0 que ocorreu foi um alarmante aumento da desigualdade econémica e social, nfo s6 nos paises da periferia do sistema capitalist, mas também entre estes e os paises centrais, ¢ inclusive no préprio cora- 0 do sistema, nos paises industrializados. Isto tem sido ob- servado por diferentes autores ¢ instituigdes. Uma compara- gio internacional efetuada pelo Programa das Nagoes Uni- das para 0 Desenvolvimento (PNUD) comprovou que, em 1960, os 20% mais ricos da populagao mundial recebiam uma renda 30 vezes superior aos 20% mais pobres. Apesar do escndalo produzido pela revelagao destas cifras, quando foram reveladas as estatisticas correspondentes a0 ano de 189 ‘Acomuja de Minerva 1990, pSde-se estabelecer que, mesmo com todos os progra- mas de ajuda, as disparidades de rendas duplicaram e, como conseqiiéncia, em 1997, os 20% mais ricos da populagdio mun- dial passaram a ser 74 vezes ainda mais ricos que os 20% mais pobres (PNUD: 1999, p. 3). Estas tendéncias ocorreram nos mais diversos paises. Na América Latina, este fendmeno é bem conhecido e percepti- vel, inclusive pelo observador mais distraido. Nos paises de capitalismo avancado, estas deprimentes tendéncias também se fizeram sentir com muita intensidade. Informes proceden- tes da Unido Européia falam da existéncia de 50 milhdes de pobres no Velho Mundo, e da humilhante aparigao da “socie- dade dos dois tergos” que condena o tergo restante & exclusio, enquanto reserva os beneficios do progresso e do desenvolvi- ‘mento para os dois tergos restantes. No caso dos Estados Uni- dos — onde cerca de 35 milhGes de pessoas vivem sob a linha da pobreza — é bem ilustrativo: em 1997, os 5% mais ricos ob- tinham 16,8% da renda nacional. Em 1989, esta proporgao saltou para 18,9%, € no final do primeiro mandato de Bill Clinton jé superava 21%, 0 que levou a revista conservadora britfinica The Economist a se assombrar diante desta “taxa de crescimento sem precedentes” nos indices de concentraco de renda, particularmente perverso se lembrarmos que isto tem lugar em um contexto de recuperagao ecanémica e nfo de de- pressio! (1996, p. 30-33). Entretanto, as tendéncias & concen- tragdo da riqueza so ainda mais elevadas que as de renda: se ‘em 1983 os 5% mais ricos da sociedade americana possuiam 56% de toda riqueza dos Estados Unidos, até 1989 esta pro- porcdo aumentou para 62%, € 0 movimento parece nao ter li- mites, especialmente se levamos em conta o fracasso da Administrago Clinton em acabar com a ofensiva conserva- dora no Congreso (Wolff: 1995, p. 29). E seguramente em 190 (Os novos Leviatis e a pélis democritica virtude de todo este aciimulo de evidéncias que o economista, Richard Freeman sugere que os Estados Unidos estio avan-

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