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AMBIENTE E VIDA NA CIDADE Cassio Eduardo Viana Hissa ancias classicas ‘O conceito de ambiente nao resulta de um investimento tedrico recente, a literatura que aborda as temticas de carater ambiental, de algum modo, desenvolveu imagens que, em muitas circunstancias, simpli- ficam esse conceito. Isso significa que grande parte dessa literatura, a despeito da sua expansdo e diversificagaéo, ainda aborda de modo bastante simplificado 0 conceito de ambiente. Muitas dessas aborda- gens, por sua vez, constituem um conjunto que, aqui, € apresentado como a versao conceitual classica de ambiente. Classico, adjetivo, tal como aqui empregado, assume o significado de modelador, por algumas razdes. Determinadas posturas tedricas podem ser assim compreendidas, pelo fato de terem sido legitimadas por autores paradigmaticos, por exemplo. Obras e autores paradigma- tices, abordagens tedricas usuais que a eles se associam, definem a condicgdo do que é classico, também, através da estruturagao de mode- los e de valores idealizados. Modelos orientam as posturas, conduzem as performances e definem a freqliéncia e a rotina das atitudes. Outro significado de classico, que aqui também se aplica, diz respeito aquilo que se reproduz, cotidianamente, e fundamenta a tradicao. Uma abordagem classica serviria, portanto, em principio, como ideal de referencia, como modelo a ser reprocuzico através do habitual € do Costumeiro. A reflexao conceitual acerca do ambiente ja fornece con- tormos bem delineados através de interpretacdes que ja se tornam Giéssicas. Séo referendades por obras ¢ autores paredigmaticos, so legitimadas por abordagens habituais & problematica ambiental, s80 tradicionalmente ou usuaimente incorporades como referencias de iverses estudes que focalizam a temstica ambiental © conceito classico de ambiente representa os valores da socie- dade que 0 constréi e 0 reproduz. O conceito que emana de uma sotiedade cumpre, também, papéis de uma representagio dessa mesma sociedade. Feito da disténcia que separa o homem das coisas, {do mundo fisico-bioldgico, dos outrcs homens, © conceit tradicional ‘de ambiente Se define como uma legttima representacao da cultura ‘ocidental, moderna, contraditéra, traturada Repleto da ldgica cultural que Ihe da origem, esse conceito de ambiente pode ser rapidamente apresentado e discutido, Ambiente, conforme as interpreiecées cléssicas, é 0 que circunda os seres € 05 ‘objetos — assim como suas relacdes —, influenciando, por um lado, a ‘ua natureza e um conjurto de comportamentos e experimentando, por ‘outro, a infivéncia desses mesmos seres, objetos e de suas relacoes. Haveria, portanto, uma troca, de natureza complera, entre seres, objetos e 0 seu ambiente. Seres e objetos seriam intluenciados pelo seu ambiente que, por sua vez, experimentaria um movimento reativo. A intersidade e a densidade das trocas estariam subordinades & diver- Sidade do meio e & complesidade das relacdes estabetecidas, Aimagem dessa tra, entre o ambiente e o mundo que ele envoive, & produto da logica que 0 concebe. Entretanto, as aborcagens classicas, por apenas sublinhar a natureza complexa das refericas trocas e relagoes, no Ultrapassam a burocratica mengSo & comploxidade. Define-se, traicionalmente, o ambiente como aquilo que a tocos rode, cicunda, envolve. Feito de matéras dverses, corpas,objetos e mov rmentos, 0 ambiente condiciona — em muitas circunstancias, inter- pretase que até meso determina — comporiamentcs, valores @aitudes, Assim, sob a referencia de uma determinacalogicaestruturante co pense- mento, diz-se que o homem 2 as coletvidades so, tambén, produto da interferéncia do meio que es circunde. 0 que pensar sobre iss0? © homem é produto do meio. Trata-se, essa, de ume observagso ‘ue ja parece cartegar o incontestével. As scciedades séo produto da 22 sua cutura que, por sua vez, 6 tambSm compreendida como um melo estruturante que condiciona ou determina comportamentos incviduals, 0 que se pode pensar, om principio. Entratanto, a imagem do melo {que interfere pode ser desdobrada. Ela refete 0 préprio ponsamento rmoderno: 0 meio que circunda € compreendido come algo exterior a9 ‘eu ea tudo que parece envolver. Como ura cemnada exterior aos objetos| e seres, 0 ambiente influencia 0 que por ele é circundado: trata-se, esse, 00 discurso cientitico-turcertico, também presente no conceito tradicional. Contudo, a esséncia da tradicao define muito mais 0s tracos a fratura: para quo possa haver a troca ¢ as influéncias reciprocas envolvenco sociedade e natureza, por exemplo, é preciso que se admita a distancia que os separa, A distancia, nesses termos, seria a condicao a troca, 0 pressupasto da existencia, de um lado, ce serese de objetos @, de outro, daquilo que os recobre como manto, ‘A légica que orgariza tal pensamento ancaminna, portanto, a ima- gem de que 0 ambiente ndo soja foto da matéria © dos movimentos Ce que s80 consttuidos os seres eobjetes. Exterior, portanto, ao mundo ‘que envolve, o ambiente exoerimenta a acdo dos seres e dos objetos ‘ue circunda. Entretanto, parece ser feito de uma matétia alheia a0 mundo que recodre como pelicula, tect, pelo acaso, para ser 0 que 6. Polo oposto, se nao é tecido pelo acaso, do conceita tradicional de ambiente emerge a imagem de matéria fabricada da artficialidade — feite de substancias, meléculas e Stomos desconhecidos —o que cor cede origer @ uma campénula planeta a proteger ¢ vida, Ambiente: ensimesmaco, como uma redoma a ser protegida." Ha que se lembrar que o ambiente ¢ feito de uma biologla, de uma ‘quimea, de uma fisica que ultrapassam as fronteiras do connecimenta crgarizado pela légica estruturante do pensamento cue encaminha 0 cconceite70 pensamente moderna jd incorporou riqueza esofisticagbes, Contudo, a despeite disso, hd mais vida complexe no que se denomina ‘ambiente do que a capacidade de estruturar o canceito pelos caminhos cisciplinares da ciéncia moderna.” Muito dessa vida complexe parece escapar do focorestrito das estruturas do pensamento moderno." Trate- ‘2, muitas vezes, de uma vide — interior, invsivel, de natureza plastica ce ctérea, hibrida —, que, repleta de movimentos simulténeos, estimu- lados pelo acaso e desenhando a imagem de caos, eclama, para a sua ropresentagéo ou interpretagéc, pele irvencéo de adjetives, quaiics- Ges, metéoras,elém de cesafiar 2 ingénue defnicdo objetiva 83 Diante das definigbes classicas, uma interrozacao procura a orga- nizag2o mais sistematica do conceito, coma se tomasse 0 lugar da primeira possibilidade de sintese argumentativa: se 0 ambiente é 0 ue radia a todos, seres e objetas, ele algo fora co eu? A logica que eaditica essa imagem de ambiente € a mesma que conduz as sociedacies no sentido da sua apropriagzo. Nesses termos, tal ldgica é cla mesma ordem que define 2 relacao de pertencimento: exterior ao homem, © ambiente nao pertenceria a0 mundo que ele envoive atraves de sua cobertura, sempre enaltecida como complexa, supestamente de natu- reza estrangeira. Conforme as referencias convencionais, & sempre algo fora do eu, exterior ao mundo que circunda e rodeia. Nesses termos, 0 ambiente, ainda que ‘feito do eu (de nds), € sempre o outro, estrangeiro, exterior, o que desatia, com condicionantes @ determinismos, com adjetivos que se sobrepdem — multiplicando dividas e proble- mas — e com a sua naturoza feita de uma substancia que estimula movimentos: ora na direcao de sua protecao, ora na direcdo da sua apropriagaa devastadora Opensamento modemo define, portanto, o ambiente como a pell- ccula de codertura de seres 2 objetos, camo se essa fosse feita de uma outra natureza, exterior, estranha ao mundo que circunda. Contradi- toriamente, a despaito de ser concaito de ncs, o ambiente, assim conca- bido, me pertenceria apenas for ser 0 meu exterior, superficie minha, ‘apenas porque me tocaria, como se nao fosse mais que uma pelicula artticial de cobertura, teita de uma outra natureza que nao a minha Os homens s30 0 seu ambiente O espatho é feito de uma superficie, constituide de uma face que, inserida na fronteira entre meios éticos,® sinaliza @ expresséo ou @ aparéncia de algo. Desse modo, o espelho ¢ como uma fronteira que, além de abertura, é a superficie que far refletir a luz que sobre ela precipita. Frente & superficielfronteira, os olhos se interrogam sobre © que thes concede 2 existincia, deixando algo transparecer sem que ‘se mostre por inteiro. 84 A superficie €feita da aparéncia e do que pode ser compreendido como exterior. A superficie do espetho deixa transparecer o que a luz captura das sombras: © exterior das coisas. E assim que 0 espelhio ‘anuncia a presenca de algo, nem que seja a sua imitegao, ainda que bossa ser invertido: tal presenca € a representacao do que se expresse diante da luz Frente 20 espetho, o eu no é apenas representacdo invertida da sua exteroridade. Ele reclama pelo olhar ausente, exterior, preferencial- ‘mente estrangeiro, vivo na existéncia do outro. Assim, © eu, frente a0 espelho, reciama pelo outro, pelo seu auxili, como se 0 outro, naquele ‘momento, pudesse mesmo ser transformado na extenséo do eu: na expectativa de que, no outro, residisse 2 possibilidade de recon mento de sua verdadeira e real aparéncia, forma, superficie. (eu, diante do espetha, &, ainda, a manitestagao de uma ansie- dade interior, originéria de um ollar interior — do qual derivaria uma Visao interior. O retlexo interraga os vazios do homem, os seus sertoes, (0 seu interior desconnecido, 05 seus subterréneos. Frente ao espeino, ‘eu rao Se reconhece por intelro: esta inacabaco, all, Glante da fron- teira, passagem e travessia, sem que possa, também, reconhecé-la em sua plenitude Vera si mesmo com 0s préprios altos: 0 desatio historco direciona luzes aos olhares interiores, 8s visdes inteiotes, as distorcidas imagens Interiores, a natureza co eu. [sso significa que o reflexo da forma assu- mid trente ao espelho ainda conduz eu na direcao de sua natureza, da sua condigao. Superticies sao, também, fronteiras. Elas, muitas vve7es, invisiveis aos olhas retinicos, apresentando-se sod a forma de peliculas cu de coberturas translicidas, saa feitas de um conjunto de lniversos que se atravessam, Sugerindo um s6 conjunto. Anda assim, ‘o mundo mortem estimula os homens a conceber limites, voltados para dentro, que os impedem de ver além do que a retlexa aistorca0 de si rmesmos. Nesse munco simpificado, nao na fronteiras, nem passa: eens: na rupturas, compartimentos, dominios em que predominam (5 limites. Nesse limiar, 0 espetho quase ja se transforma na Sua propria moldura (O ambiente ¢ como um vitral, abertura feita de um jogo cadtico € caleidascépico de espelhos. Abertura complexa de refiexos, o ambiente como uma superticie pidstica que toca a todos por intermédio de lum tecido de relagoes, sob a forma de uma rede cadtica, de todos 0s 85, tipes. Vitral didfano, o ambiente € superficie de passagem toads como invélucro, e, aos nossos olhos, se exercita, como luz, como sombra e escuridéo. Como se nas visse, com olhos de espelho, o am biente € feito dos olhes do homem. Ainda assim, compreendendo-se 0 ambiente como os olhos do sujeito que vé 0 ambiente, ele € 0 outro que carrego no meu interior — o desconhecido, o estrangei. A cidade € o lugar dos ambientes contemporaneos, constituidos pela luz, pelos reflexos, pelas imagens de atragao e de repulsto. Pare 2 cidade tudo converge e dela tudo se propaga. Catalisadora ca vida moderna, a cidade é, cada vez mais, 0 ambiente contemporaneo do homem. Mesmo a distancia, o homem possui e é possuido pelas ima- ens da cidade que, mais do que qualquer imagem teorica, bem re- flete a critica a0 conceito classico de ambiente. A cidade envolva, mas io 6 apenas invélucro, pelicula de cobertura. A cidade ¢ felta de varias cidades, de diversos lugares que vio se inserindo nos intersticios do urbano, onde a vida, repleta de relagées, se desenvolve. Entretanto, a cidade é a luz feita do ev e, também, do outro, 3 iluminagéo do contlto, feta do estranhamento e da alteidade. A cidade € ambiente do mundo modero, feito de espelhos, no qual os homens nem sempre se reconhecem, De luzes ¢ de sombras: a cidade é, assim, feita de vérias cidades. E 0 ambiente, feito dos seres, feito de nds, interpretado como 0 outro que néo nos pertence. € vida que interroga, homem cria a cidade € a (re) produz como a vide que, einde, Ihe devolve a imagem reflexa sob a forma de pergunta: de que somos feitos? © homem olha para a cidade, para a sua cidade possivel, para a sua cidade real, tal como se poe diante do espelho e, diante da Imagem que se reproduz, nao se feconnece por intel. Reclama pelo outro, pela sua extensao, como se nele residisse a possibilidade de compreansao daquele que olha e nao vé, Reclama, também, pelo seu Interior, fortalecendo a consciéncia de sua incompletude. Assim, a cidade, luz, & também sertéo, Também feita de morte, a cidade renasce no eu que raclama pelo outro — que se reconhecem como continu dades contlituosas. 0 ambiente ¢ feito do homem, denso na cidade, contraditeria mente vazio na cidade. Nao 6, portanto, repleta de saber, a imagem de que somos feites do que consumimos e do que nos consome? A questéo parece encaminhar reflexes que se aproximem da prépria interrogago acerca dos valores corstruidos pela cultura moderna. Os 86 homens so © que fabricam para si mesmos. Eles so 0 seu espago, produto do seu trabalho e resultado do seu consumo — dispéndio do préprio tertirio, derivacéo do use que se faz dele. Os homens s80 0 seu ambiente — que se iransforme no outro, como se esse fosse 0 seu oponente que néo the diz respeit. Os homens sao as suas préprias peliculas, pois dessa materia — ave também o consome —ele ¢ feito (s homens so aquilo que produzem e consomem, além daqullo que € consome. Assim como o espelo & feito dos alos, o ambiente € feito dos homers: frente 20 espelno, os homers se interrogem, incom- Pletos. Inacabados, tomam conhecimento des seus vazios; envolvidos polo ambiente, nele nao se identficam, O ambiente, sendo o hamern, 6, também, 0 outro: como se fosse, ele, ambiente, o sertdo da hhumanidade, Diante do que consome — do que se compreende pelo Lniverso de valores que cultiva ao longo da tejetéria da modernidade —, tendo como referéncia uma ética que, permanentemente, fabrica tum ser estrangeito dentro de si, o homnem exterorza o ambiente come 2 dele néo fosse feito. Como se ee proprio, no fosse © que, rotine- ramente, produz € consome. Diante do que produz e consome, por inlermédio do que faz e no que se transforma, © hornem & 0 ambiente trensformado em estrangeira frente a si mesmo. eu eo outro na cidade As definicoes clissicas de cidade, presentes na vasta e rica literature ‘oue aborda as tematicas urbanas, esto repletas de sinais que indi- cam o significado dessa criagdo humana, Obra do homem, a cidade 6, também, 0 homem que se transforma na sua cria¢ao. Do alto, a cidade poce ser vista como um tecido,°cujo cuidadoso bordado parece desmanctiar 0 labinto e os becos dos interiores urba: ‘pos, Do aito, emanam feixes de visao que gravitam em torno de uma perpendicular. Procura-se desenhar a cidade, construindo 0 seu mapa ‘mental, espraiada em uma imagem delicada de recortes que se entrecruzam. Os volumes, as saliéncias e as curvaturas do desenho turbano, do alto, esto suavemente achatades, como se estivessem 7 transtormados em blocos aplainades de imagem. Hé, ainda, uma cconvergéncia do cores. Mais do alto, ainda, atravessada por rabiscos ‘quase imaginadcs, a cidade j4 se transforma em névoa que obstui transparéncias. 0 delicado bordado jé feito de um entrelagado pro- fuso, derramado através das fronteiras, que mistura cotes indefinicas a0s othos do alto, Bordaco aberto, ser frontairas, a cidade interraga a todos — como sa totes pudesserepresontar em sua indagaclo. Onde comeca a cidade som péricos? Para onde se destina a cidade som bordas? indetnidas, ro nivel do seu terreno, es imprecis6es da abertura e do fechemento da cidade — sem orlas e sem portais — anunciam a simplicidade ¢ a complexidade da vida. Sem demarcavio de extremidades, cidade j& fim antes do seu andinco, mas, também. j inicio bem antes ce onde parece comegat.” A cidade é 0 fim e o inicio: ela 6 0 hamem. No nivel, seu terreno, a cidade ja nao 6, apenas, produto co aleance da visao ética: da sua superficie, em alto relov, ea i é labiint, conjunto de bcos, de entradas e de saldas, de esconderios atravessados pelo britho'e pelo fluo das avenidas. A cidade 6 a pazzagern do contacitério vazio dos fluxos que atravessam o lugar, nascido para ser encontro, esquina,encruzilnada. € subterrineo que, das sombras, emerge como supericie sem extremidades. € 0 espetho do homem, do encontro @ do estranhamento, produzido por ele. A cidade, criaggo do homem, & produgao que traz 0s interores & luz: &0 bnino feito da somora ‘cidade concreta, aparentemente de pura fisica, no nivel do terreno assume tal condigao: a de cidade real, como a ela se costuma referit, desenhada pelos clhos retinicos como se destituids de visbes que ultrapassam o olhar® A cidade ¢ interrogeda por vérios outros clhares. O homem se organiza para produzir, assim fazenco, produz espago e 0s reproduc: cs lugares, os ambientes, a cidade, os inte- iors urbancs, Enletant, & a produggo do homem que o transforma, interroganco-0, ‘A cidade 6 o lugar fabricado para o enconto, para o enteteni- mento, para a roca. Assim, floresceram as cidades ao longo da historia, fortalecendo significades. 0 lugar da troca e da negociacao 6, também, © lugar de produgdo. A cidade, nesses termos, € lugar da criagdo, da fertilizagéo. O homem cria 2 cidade e, assim fazendo, reria a si mes ‘mo. Lugar da viée modeina, por excelénci, a cidade & 0 espago da ate e da produgéo: simulténea e contraditoriamente, o lugar da vida é 0 da excluso, dot sonhes frustrades e da marginalidade. Vida e morte se encontram na cidade a eriagdo ‘Acidade 6 0 lugar da praca e do encontro. € o espaco inventaco, pelo homem, para a conversa, para o diélogo. Nele, os homens se ‘encontram e se resonhecem. Contracitoriamente, entretanto, &no lugar do encontro, do cialogo, da criacao de identidades que se deservolve espaco do estranniamento. A cidade ¢, também, portanto,o lugar da alteridade: onde se 6 cutro, onde o estranhamento evidencia a con- digdo caquele que nao se reconhece no abjato que cria Se a cidade & 0 lugar da aproximacdo, 6, também, 0 da criagio das densidades. Espessa e compacta é cidade: ela &a multido que desafia © homem. Como um denso ambiente de convergéncias € de dispersbes, a cidade reine a complexidade da vida ea inevitabilidade dda morte, Feta dessa relacdo que reproduz 2 natureza onde pulse a vida e lateja a exclusao, a cidade é densa nao apenas porque aproxima a pessoas, mas tamoém porque 6 complexa e desatia as estruturas convencionais do persamento que busca 2 sua compreensao e a le tura dos homers. A densidade comporta o vazio: ela também & feta de rarefagao. Compacta, a cidade & desenhada por ambientes vazios, é feita de epa- rentes coredores vives de circulacdo, que, no entanto, séo vazios de proximidade. Os lugares séo teltos de passagens sem paradas ou encontios, emudecidas pelo simples fluxo — que parece existir por si 6, como se nao houvesse qualquer razao para a sua constante pre- senca, que, contraditoriamente, ainda force vida a cidade — como se dal, também, fossefeita a complexidade. Sea cidade ¢ também feita do vazio 6, portanto, ainda, a imager de sertio: & feta de uma matéria estrangeira, dessemelhante, que eocao confit. Assim, a cidade & constituida de cidades por entre a quai atravessam fronteiras: como muro, como transigé0, como pas sagem, Se a cidade é também feta de sertéo, emerge a percencao do outro, do estrangeiro, do dessemelhante como oponente que necessta ser derctado: porque é percebido como estan (estrangeo), porque esta do ouiro lado a0 qual nao julga pertencer Mas 0 sertao (e 0 sertes @ subtertineos da cidade) 80 interior dos homens, 0 estrengeio, aquele que é deslocado para 2 condigio de outro: como se fosse 0 ‘oponente que se deseja superar. O outro & a cidade néo reconhecids. Mes € nele que reside a possibilidade de dilogo e de conciiagdo: & 0 a9 ‘que permite a existéncia comum (do eu ¢ do outro) @ o que concede 2 vida. A estrangeira e contraditéria condigio dos serties das (nas) cidades: eles so 0 cutro em cada individuo, o interior que se protege ‘como umn deserto, um vazio que se deseja encodrit. 0 sertao € 0 legitima representante da candican estrangelra do proprio eu — na cidade das multidées, de fluros ¢ de redes complexas, e tecidos que se aproximam do labirinto dos individuos — a que se ‘concede o nome de interior, 0 qual se fornece o conceito de vazio ea idéia de deserto. 0 sertao é sempre o interior de cada um, escondido ‘como um deserto, um constrangimento diante da luz — um reflexo ‘que brilha também 2 partir de cada um, na construcao do imaginério ‘que se elabora sobre 0 urbano, sobre o progresso iluminado que se fabrica e se repreduz como um fragmento perdido de espelho. © homem a cidade é um pedaco de deserto, de lugar vazio. A possibilidade de encontro com o seu intercr, sertanejo, € a mesma de seu encontro ‘com o seu lugar, aparentemente exterior, mas, sobretudo, um retlexo da fragéo estrangeira que cultiva em si mesmo. Na cidade, o ambiente 6 0 homem: é feito de suas amarguras € sonhos. Na cidade, as densas relagdes entre os individuos estimulam © conflito € a contradigao, mas, também, a aproximagdo entre o eu € ‘outro. Feita da trontaira, que atasta e que aproxima, que desenvolve 2 aproximagio e 2 exclusSo, a cidade 6, no entanto, a possiblidade da ‘conquista ¢ da continua retomada da vida: é a alternativa da fala que sempre faz renascer 0 eu (no outro), sob a referéncia de uma nova ética que ameaga os vazios interiores & 0 diélogo triste e silencioso des, ppassagens Ce nec, que, entrincheiradas, rabiscam a cidade. Por isso, a cidade 6 também literal, luminedo, \ugar visivel feito ddas imagens de somibra do sertdo das cidades, quo se move através de seus interiores e de seus subterréneos e que constroem os seus vazios. A cidade € luz e sombra, tora! e sertdo, progresso iluminado « interior deserto, brilho e opacidade. De luzes e de sombras, a cidade 6 onginania dessa materia hibnda, contraditona, etérea e concreta, de foposies que se misturam, que se rivalizam, que se desafiam e se ccompletam: tal como o som € 0 ritmo que gerantem a sua existéncia através do silencio. Do eu & do outro, de interiores e exterioridades, de subterrénens e ce superficie, a cidade ¢ feita do homem que nela se transforma e, nem sempre, nela se reconhece 90 As relagdes socials multiplicam 2 complexidade da condigao de distanciamento e de aproximacao entre 0 eu @ 0 outro. Para 0 eu, a prépria cidade &, quase sempre, o outro: de algum modo desentaizado, ‘eu vé, na cidade, 0 outro ng qual nao se reconhece. Mas, & no outro (que se vé a si proprio. Ao se perceber na cidade, nela se reconhecendo, (0 eu reconhece em s/ mesmo algo do seu interior. Assim, a cidade reproduz a existéncia © os seus significados: também, por isso, na Cidade reside a possibilidade da vida. Notas + nuts evens aia, ngs 4s ets qu ene os eats 0 Senet tien. a sa etre it shoes cava. Peseva tu mana» aber, asin cont ose ert ds ntia abet nial cess wea psa a crea ecw. (ees debi comes aera sds # de ee se + um an mas mts ss cas ¢ eseNaNan em ste so HSS, 2028. Gus at unten, and, a amp dh lebe LFF 201, CRA Ut) 2 Parana el sb 8 age eh dcp 3 pbs de nein ents ‘stn, er HSH 202, MOR 68), 1 oro ds tines thas, pau hss pense cestin nade wee usinom, Ingres Ao eSAVOS. 8.5 (934 7000 741) etin seta: dita deat, Ut Intrpeaa0 ese ce crs coe see, ante, us Os CaS po" NOES (3410. * Yerba de AINONT «ce LY 0, indo ee, ve LEFEVRE (389, a ei ate ean 3 asta ‘pete tsetse, ong, fs pth urna » hs demsragies writin omnia, 80 Yen mai comple. Fa une lem mis feces soe wndiexs em sg, a lt semen poset pee com pang sue se atc SAMOS, M 20,200, * sie anaes oa posse anocrcsses motu paw ceva ca eset reso Anas es poten se apeiriss cone pistes mois & meer conyers dt proses cone 30 eal 1 tac HUES (58. 1 Oss pr ater ums ce rca A cpl, pr aa cate apps ras cove, rutin esos es cn ete donee eects“ ee con 3 ‘a tabdhan™ Asin, po cas icp havea um epg id, oes es scr. b {prereset eet um slog ede rma etude dass asa zie Fa as, eed inca aetea ibe asim eomabn see, ud SO, LTE, 18, (936, 91 Referéncias AUMONT, Jacques. A imagem, Campinas: Papinis, 1993. CAPRA, Fritiot. 4 tela da vida: uma nova compreensio cientifica dos siste- mas vives. 7. ed. $30 Paulo: Cultrix, 2002. HISSA, Céssio Eduardo Viana. A mobilidade das fronteiras: inserges da peografia na crise da modernidade. Beto Horizonte: Editora UFMG, 2002, ‘O ambiente e a reconstrucao dos saberes. In: FERREIRA, Yoshiya iNakagawara; MENDONCA, Francisco de Assis. 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