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Nem Federacao — Nem Democracia Florestan Fernandes A revisao critica da “hist6ria oficial” mais urgente & 2 da Republica. Timbramos por dela ter uma realidade e uma re- presentacéo pelo avesso, as quais pessam por ser o concre to. Nao se trate apenas de um “‘vezo das elites”. Elas, sem divide, deram um belo retrato de si préprias: quando se mostraram amargas, preferiram recorrer as conseqiiéncias psicoldgicas e culturais, 8 “fuséo das trés racas tristes”. Ca- muflaram 0 seu desenraizamento por trés de um verniz sombrio e de uma metafisica do real. Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Junior iniciaram a “historia objetiva” varios historiadores ilustres e mais jovens a aprofundaram. © abriram varias trihas. Contudo, os mitos permanecem de pé. A necessidade de descolonizacso ndo foi percebida co- ‘mo um desafio cientifico ou diluiu-se na compensagéo psi coldgica proporcionada pela identidade intelectual européia, que permitia forjar clichés novos, ompilhando-os sobre ou- tos preexistentes. Por que essa evolucéo? & dificil explicé-le. HS razées palpaveis ~ a escravidao, por exemplo, favorecia a tomada de uma posicdo critica sobre a sociedade colonial e a impe- rial, A Repdblica arrastou consigo @ dependeu profunda- mente de uma vasta heranca, que amalgavam tracos negati- vos € padrées culturais repulsivos, mas contou com a imé gem do “trabalho livre”, a expanséo das cidedes, 0 cresci mento das indistrias, a rebeli8o das classes intermediérias, (com o tenentismo como foco central), a secularizago cul- tural (com © modernismo como pélo de referéncial, a erla~ vgn Feranaas— Sodlope. Osputnde Federal PT-SP. Prolssr endo sash Soci PUES, ‘So Paulo om Porspoctiva, 1:25-27, jansimar. 1990 G80 das universidades (com a USP como expresso sacra- mental) e as “revolugbes politicas” de lastro renovador, ra- dicais-populares ¢ radicsis-burguesas, que se esvairam doi- xando 0 Pals seguir seu curso tortuoso, qual chega aos, dias etuais. Essa fachada imputou & Repiblica ume aparén- cia, que iria do tosco a0 civlizado.... A tarefe primordial do historiador desvaneceu-se ou foi praticada como quem cui- da do seu furdnculo, 0 que faz do desmascaramento crtico tuma obra cielépica, depois de tantos compromissos e m. verdades... Eis onde nos encontramos! © grande citema republicano consiste em que nem Colénia nem o Império deixaram os requisites econémicos, culturas, politicos e psicolégicos de uma Repiblica burguess fedorativa. A mentolidade senhorial se aninhou no Intimo do "espirito capitalista”, lancasse ole raizes em atvi- dades econémicas agropecusrias ¢ agrocomerciais, mercan- tis, bancéries, indusriais ou de especulago com aluguéis © empréstimos 2 juros. A levra do ouro, importante na selegdo de um empreendimento lucrative para © uso de mBo-de- obra escrave, deslocede para 0 Sudeste, incentivou a trans- formagéo do escravo em fator de acumulacéo acelerada do capital dentro do Pals. Isso acerretou, no contexto de varies tentativas, 2 escolha do café e @ expansio da economia de plantagéo no ceste pauliste. Campinas e S80 Paulo conver- teram-se em ndcleos potenciais dessa expanséo burquesa de um estilo de vida anteriormente “atistocrético” (em ter- mos subjetivos, de mores e de orientacées da cultura). Ao mesmo tempo, a expansio do setor novo da economia, ini- ciads sob 0 impulso da transferéncia da corte e da indirect B fizera com que 2 expansio urbana quebrasse 0 pro- vincianismo comercial e forgasse a diferenciagao da pro- dugdo, de consumo das elites mas, principalmente, de consumo dos setores pobres ¢ inclusive dos escravos. Nada disso destrogou 0 patrimoi plantagées o as bases patriarcais de orga lia e da vida, tanto no campo quanto nas cidades, nos es- tratos sociais dominantes. Ao inverso do que sucedera nos Estados Unidos, 0 greu de universalizecao da auto- cracia do senhor, do marido, do pei, do homem de pro! atingia toda a "gente valida", de norte a sul, de este a cceste (quer a prosépia tivesse fundamento ou no). Por tanto, os Interesses dos de cima nao trabalhavem no sen- tido de construir uma democracia federativa. A federacdo contava como fonte de maior autonomia local, provincial ou, por efeitos indiretos, diante do poder central. Porém, © federalismo nao aparecia como uma filosofia politica sedutora @ necesséria (com a exceco mais prética que teérica do Rio Grande do Sul). E 2 democracia nio era fonte de preocupacéo que envolvesse acées politicas de organizagéo do poder e, paralelamente, de autodefesa coletiva das elites diante de provéveis ameacas do “voto popular’” (como ns Estados Unidos). As camadas sociais, dominantes concentravam 0 poder solidamente em suas mios. A Repiblica seria, a seus olhos, uma monarquia sem imperador ~ uma democracia de senhores, das elites, para as elites dos mais ricos e poderosos, em suma, uma democracia restrita, ‘A Republica foi designada como “oligérquica”, mas no era nem mais nem menos oligérquica que o Impétio, com 0 sou poder aparentemente centralizedo e o “homem s&bio” ‘que estava & sua testa, Os idealistas e os republicanos utépi cos (como Silva Jardim) logo atinaram com os desvios ‘corridos. Serviram a uma revolugdo politica em uma socie- dade que carecia de ums revolugdo social A critica social, de Tavares Bastos 5 Joaquim Nebuco e aos propagandistas mais famosos do republicenismo, propunha reformas radi eis no modo de produgéo, na propriedade da terra, no mo- do de usar a terre e no regime de trabalho. Todos perce- biam que a substituigo do trabalho escrevo pelo trabalho livre no iria somente derruber @ dinastie, pois comecaria por transformar 0 escravo,o liberto, 0 homem pobre livre € © imigrante de meio servo da gleba e'de meio assalariado em “trabalhadores livres”. Por isso, os Iideres dos fazen- deiros tomaram a si a temivel férmula “Trabalho livre na Patria livre” e logo negaram a liberdade intrinseca 20 tra~ belho assalariado, Os trabalhadores tiveram de construir a categoria hist6rica “trabalho livre” contra a maré, contra os patroes e um Estado que consideravam a greve “questio de policia” e viam no contrato com os de beixo um papel sem valor (a0 contrario da palavra empenhada ou do fio de bar- ba nas relacdes entre iguais}. Na iminéncia de derrocada da ‘ordem (do modo de produgdo escravista, do regime esta menial, de monerquis), transiteram habilmente pera a mais s6rdida “‘conciliagao” pactada no tope, fazendo um acordo 26 ‘com os republicanos que possibilitou reduzir 2 revolucao social prevista a uma revolugéo politica, entre os de cima e para os de cim: © ropublicanismo foi sopultado ao nascer. A democra- cia, funcional para as classes dominantes, mantinha-se aquola que prevalecera antes, extra ¢ anti-republicana, Ou seja, com as alteragées havidas ao longo do século XIX, a democracia dos senhores de escravo, Ela definiu a esséncia da chamade Repiblica oligérquica. Em condigées inteira- mente inadequadas para uma democracie restrita, com as alteragées ocorridas na sociedade civil, no modo de produ- 80 e no corpo de leis ou na Carta constitucional que deli mitave a forma, os conteiidos e 0 funcionamento do Estado, permanecia em toda @ sua forca a autocracia senhorial, agora exercitada por cidadaos da Repéblica, que tinham pe- 0 @ vor na sociedade civil e na conducdo dos negécios do ‘governo. A conciliaga0 nao poderia ser mais barbara e cruel, Ela condenava @ Reptblica a ser castrada por aqueles que deveriam servi-la e no tornar-se um apndice da injciativa privada (0 contraponto republicano da ordem privada). Foi das femilias tradicionais em decadéncia ou dos rebentos dessas familias destinados @ carreira mais modesta, a mili- tar, que se esbocou a continuidade da critica social e da opo- sigdo @ praga do “perrepismo”. De outro lado, seria da “es- céria social”, vista como uma composicao dos “inimigos piiblicos da ordem", especialmente dos operérios e artesios fu pequenos comerciantes, que espoucaria a oposi¢ao frontal, que tomou corpo subterraneamente para explodir como 6 prentincio de que as de baixo nao queriam nem 0 federalismo nem a “Repiblice democrética’" engendrados pelo pacto entre fazendeiros @ republicanos de ocasiao. E: tava na natureza das coisas que 0 ro grupo de diss dontas buscava restaurar © nivel social e 0 prestigio. Os “te- nontes" demonstraram, logo (embora com algumas exce- ges, 0 que os movia eo que queriam do poder. A segunda categoria de inconformistas, por sua heterogeneidade e di- versidade de origens sociais, oscilou om torno de varias ideologias. No entanto, todos, sem exceeso, tiveram de gra- vitar na érbita dos interosses © dos conflitos das classos do- minantes, exprimindo através delas ¢ das opcées que elas abriam (ou fechavam} os sous anseios de regeneragio da ordem social existente, Nao obstanto as variagées estadusis e regionais das formas histéricas de manifestagio objetive das tensbes 0 contradiesas, foi a Alianca Liberal que consubstanciou os idesis de revolugéo especificamente politica emanada do cume dos cidedios rebeldes © seu movimento civico de derrubada do “oligarquia’, Seu movimento de rebelio vo- mitou © povo nas ruas ~ por toda parte, massas insatisfeites corriam atrés das tropas @ de seus Iideres, gritando “ remos Getilio!” como se, assim, contribufssem pare desen- cadear 0 nosso equivalente histérico de “liberdade, igualda- de ¢ fraternidade”. Os de cima tinham outras idéias e aspi rages. Getilio usou 0s inconformados como caude politica do movimento burgués. Mas reslizou, @ partir de cima uma manobra que no México exigira uma revolugdo social. In- troduziu 2 legisiacdo trabalhista e a organizagao dos traba- Ihadores, Mas atrelou os sindicatos a0 Estado e criou um exército de sindicalistas pelegos, que contava como a base social do imenso e duradouro edificio de pez burguesa, montado com recursos financeiros e humanos tirados dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, instituiu organizagbes de salvaguerda da solidariedade ¢ prestagio de servigos dos trabalhadores submetidas 20 controle social @ & manipula- G40 econémica e politica dos patrées. Pare completer essa ‘obra, ignorou @ situaréo dos miseréveis da terra, enquanto estabelecia lacos organicos entre oligarquies rursis e pluto- cracias urbanas. Através do PSD e do PTB, em lute encarni: ada contra 0 Partido Comunista ou contando com seu apoio tético, engendrou um jogo politico que fortaleceu a conciliagao de classe e consolidou a condigéo de cauda polt- tica da burguesia dos operdrios e das massas populares, Essa era a légica da situagao politica. Amadurecendo, a burguesia ndo se voltou para a discussdo dos fundamentes {iloséficos e politicos da ordem existente. Ignorou as defor- ‘mages préticas e institucionais do federalismo e, apés cur- tissima experiéncia (1930-34 e 1934-37), substituiu a auto- cracia dissimulada pela ditadura ostensiva, Como o federa- lismo, @ democracia sequer foi examinada como “mal ne- cessério”, como pressuposto ou premissa das reformas & revolugées dentro da ordem, essencials para o desenvalvi- ‘mento capitalist, Ela fol encarada como um mal em si, uma fonte de antagonismos sociais que cumpria reduzir a0 valor zero, mantendo-se como ritual simbélico, ou eliminar, pre~ servando na prética a democracia restrita, Instrumental pare a conciliagdo e 2 reforma que convinham aos estratos com fa- culdade de decisao das classes burguesas. Nao se produziv enhum cléssico politico que analisasse e sistematizesse os Pontos de vista das faccdes das classes dominantes. Toda- via, foram escritos varios livros de envergadura sobre 0 “poder autoritério” ou 0 “Estado autoritério". A queda do Estado Novo néo restabelaceu a situaco anterior. Nesse interim, as classes trabalhadoras cresceram numericamente © em vigor politico, A democracia respondia as exigéncias clvicas de todas as classes, embora de maneiras diferentes. Ainds assim, 2 formagdo de condigdes para a emergéncia de uma “democracia de participacso ampliada'' foi razdo sui- cionte para um golpe de Estado e a imposigzo de uma dita- dure de inspiragdo militar © de suporte civil (dos reaciond: {ios @ conservadores mas também dos “patriotas"” ambiva- lentes entre os de cima). Esse 6 0 limite no qual este balango se atreve a chegar. Poder-se-i perguntar: porque os de baixo no realizaram as tarefas histéricas que cabiam as velhas @ ds novas oligar- quias? Uma resposte mecanicista afirmaria: porque essas do oram suas terefas de fato. Tal resposta 6 um equivoco, ‘A questéo tinha uma care concreta diversa: os de baixo es- tavam empenhados em ums érdua batalha para engendrar, numa sociedade civil barbare, embora burguess e imitadore sorvil da Europa avancada © dos Estados Unidos, as condi- ‘SBo Paulo em Perspectiva,1:28-27, jan.lmar. 1890 Ges da existncia de civilizacéo, com a validade do contrato, 2 liberdade de organizacio & de greve, a dignidade do que no tem peso e voz na sociedade civil ete. Isso quer dizer ue, enquanto os lideres carismaticos e as classes cultas contentavam-se com 2 velha lei do porzete, os de baixo Ian- ¢cavam todo 0 seu poder de luta social para que se instauras- se uma sociedade evil civilizada. € uma ironia da histéria. O analfabeto @ © marginalizado se engotfavem no combate, ‘que nao era iluministe, do esclarecimento de mentes e cora- 660s. Na sua vasta maioria no sabiam o que ere o fedore- lisme, mas sontiam que ou conquistavam uma Repsiblica domoerstica, demolindo # autocracia burguese © seu mo- ddelo de organiescéo republicane, ou seriam mantidos em um submundo, ne qual @ humanidade do ser humano e a li- berdade com igualdade jamais teriam lugar nesta parte dos trépicos. Portanto, néo se apresentavam como os campedes de “Ordem ¢ Progresso” (ou como um eco distente do “Homem livre na Patria livre"). Enquanto erquiem lenta- mente sua concepeo do trabalho live como categoria his- térice, erigiam uma nova sociedade burguesa, na qual aco- bariam adquirindo peso social e voz politics, Anarquistas, socialists © comunistas supriam-nos com noves idéias @ concepe6es. Mas estes néo se voltavam para © passado distante e as oportunidedes que uma burgues tosca da perferi, com toda sua literatura européia © norte- americana, perdera. Propunham as classes trabalhadoras © 208 oprimidos as técnicas sociais para redutir sue explora- Co, livrar-se do despotismo burgués na fébrica, na socieda- 4e civil e no Estado, construir uma sociedade nova. O eixo «e sua lute repousava em sua autodefesa coletiva © na pos- sibilidade de responder ofensivamente & sua negacao como pessoa e como classe. Mesmo na limite da década da 50 os- sa rotacao das classes trabalhadoras 6 muito clara, Avancar, sempre! Render-se, nuncal Por isso, sou alvo nao estava na preservacio de um Estado de hegomonia ede opressio ab- solutas,transferido dos anos mais duros do oscravismo, em que se impunha tirar 0 mais depressa possivel o titimo lento produtivo do eseravo, sab a protecéa de uma infamia: 08 contratos de trabalho com cléusulas de fixagdo do dato de liberdade. Empolgavam-s0 pelo ideal de elaboragéo de uma nova sociedade, que desembocasse na democracia da raioria © no socialiemo. Nao havia, pois, slternago do ro- tes, passagom do tarofas hist6ricas de urna classe a autre. As oportunidades histéricas que @ burguesia perdeu durante toto um século agora s80 0 seu fantasma, Ela podem ser doseritas como se tivessem sido atendidat. Iss0 nd0 move uma palha. Sé serve para exibir 0 exterior de um lindo cas- ‘elo, oco por dentro © podre des alicerces ao telhado. Néo contém nem aliments sonhos e promesses, € a imagem es- tética de uma sociedade que 36 poderia sobreviver sufocan- do até as reformas burguesss e 2 “revolugo dentro da or- dem’ Do outro lado, pula 8 histéria viva, que rejita o pre- sente € © passado, porque os seres humanos no nasceram para viver em cativeiro, mesmo que a gaicla ou os arilhées sejam feitos de ouro e diamantes. a a

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