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ee aR Ce ee eae eB See nee US co eu ee eee te Ree ee Ae aac cae ee) Re eee eee ee oe ac mn eee ore eee Oe eee oles Bee de 2001 (ataque e destruico das torres em Nova Iorque), ob ne ee en Near) Cet MCC ce Regt ee nee Mee eee etre eccrine ey eae at Ren seed ae nee erento ccm mre eee Cate kaart eee Mr cree ee Ren renee tte ay eee ec ese geese cue ener ae ee tu cue kent OC eet ie ek eee Uren ON eee ye eee Ue eee tuts Cue Me eRe a rec Cr ek anu ace Mee cue ay Cr Rei R ng osu sen ec em ea criminais é que se manifestam as discordancias dos dois autores, ee mee ee ee oer) ren Renna Hance eee ne Rn eae ce Men uc mee ee mecca Ror aes Cn ete en ene MC ae ek nate a See Ree une meee een need Core eee eure eae en ee eka ck tent ea eee een ke ee eet eee Coe Sore a Cck et Lc) DR We eg oc Ress ses ete ee ee) Nie Ree crac et Cesta to; na preservacao das garantias formais e substa Eee eco eu ee st sonalizam o ser humano, fomentando a metodologia Rene eon st ee nee One UCR DO ADYOGADO. i tedite Cer aE cs Manuel Cancio Melia / et Retry rreaeees Direito Penal ~ do Inimigo Nocoes e Criticas totey Cmts ail SEGUNDA EDICAO Orme cuttin Pee MCMC dal Nereu José Giacomolli Dyce ear EXEMPLAR SEM RASURAS io s0c8 responsive! LO Aan nes GUNTHER JAKOBS MANUEL CANCIO MELIA Direito Penal do Inimigo J25d _Jakobs, Giinther Nocées e Criticas Dieito Penal no inimigo: nogdes e exiticas / Giinther Jakobs, Manuel Cancio Melis; org. e trad. André Luts Callegari, Nereu José Giacomoll. 2. ed. ~ Porto Alegre: Tivraria do Advogado Ed., 2007. . Bip. Mx2i em. y Organizagao ¢ Tradugio ISBN 85-7348-455-1 André Luis Callegari Nereu José Giacomolli 1, Direito Penal, 2. Punil nalidade. 1, Cancio is, org IT. Giacom Indices pera o catalogo sistemstico: ito Penal ade Politica criminal Criminalidade (Bibliotecdria responsive: Marta Roberto, CRB-10/652) livrariay DO AD e Porto Alegre 2007 Livraria do Advogado Editora Revisto Rosane Marques Borba Direitos desta edict reservados por Livraria do Advogado Editora Ltda Rua Riachuelo, 1338 1010-273 Porto Alegre RS rariadoadvogado.com.br ‘www.doadvogado.com.br Impresso no Brasil / Printed in Brazil Sumario Abreviaturas ‘i Prélogo I - Giinther Jakobs Prélogo Il ~ Manuel Cancio Melis Prélogo Ill - André Luis Callegari e Nereu José Giacom 1 Direito Penal do GUNTHER Jakoss . 1. Introdugio: a pena como contradicao ou como seguranga - 2. Alguns esbocos iusfiloséficos 3. Personalidade real e periculosidade fatica 4, Esbogo a respeito do Direito Processual Penal 5. Decomposicio: cidadios como inimigos? : 6 108 como pessoas. \dio e Direito Penal do Inimigo Personalizagao contrafatica: ini ‘MANUEL CANCIO MELIA 1. Introdugao 2. Sobre o estado atual da pol a expansio do Direito Penal 2.1, Introdugao 2.2. Os fendmenos expansivos 2.2.1. O Direito Penal Simbélico 2.2.2. O resurgir do punitivismo . - 2.2.3, Punitivismo e Direito penal sim 3. Direito Penal do Inimigo? . 3.1, Determinagao con ‘penal do inimigo (Jakobs) como terceica va Sénchez) do ordenamento juridico-penal Prdlogo | GUNTHER JAKOBS De acordo com uma cémoda ilusdo, todos os seres. humanos, enquanto pessoas, estao vinculados entre si por meio do direito. Esta suposicdo é cémoda porque exime da necessidade de iniciar a comprovar em que casos se trata, na realidade, de uma relacao juridica eem que outros de uma situacdo nao-juridica; de certo modo, como jurista, nunca se corre o risco de topar com seus limites. E ilusdria porque um vinculo jurfdi- co, quando se pretende que concorra nao sé concei- tualmente, sendo na realidade, hé de constituir a configuracao social; nao basta o mero postulado de que tal constituicio deve ser. Quando um esquema normativo, por mais justificado que esteja, nao dirige a conduta das pessoas, carece de realidade social. Dito com um exemplo: bem antes da chamada liberalizagio das distintas regulamentacdes do aborto, estas rigidas proibigdes j4 nao eram um verdadeiro Direito (e isso, independentemente do que se pense sobre sua possivel justificagao). Idéntica a situagdo a respeito do Direito em si mesmo é a das instituicdes que cria e, especialmente, da pessoa: se jd nao existe a expectativa séria, que tem efeitos permanentes de directo da conduta, de um comportamento pessoal ~ determinado por direitos e Divito Penal do inimigo 9 deveres -, a pessoa degenera até converter-se em um mero postulado, e em seu lugar aparece o individuo interpretado cognitivamente. Isso significa, para o caso da conduta cognitiva, o aparecimento do indivi- duo perigoso, o inimigo. Novamente, dito com um exemplo: aquele que pratica algum delito de bagatela é impedido, sendo um individuo perigoso (aparte da imposicao de uma pena), de cometer ulteriozes fatos, concretamente, através da medida de seguranca. Fa- Jando em termos kantianos, deve ser separado daque- les que nao admitem ser incluidos sob uma constituicao divi. A respeito desse diagnéstico, submetido a discus- so ha anos, existem diversos posicionamentos (men- cionados na contribuigao de Cancio Melid nesta publicacao), raras vezes afirmativos, na maioria das ocasides criticos, chegando a concepcao, surpreendente no Ambito da ciéncia, de que o diagnéstico da medo e que sua formulagao é indecorosa: certamente, o mundo pode dar medo, e de acordo com um velho costume, mata-se 0 mensageiro que traz uma ma noticia, em face da mensagem indecorosa. Nenhuma palavra a mais sobre isso, Muitas idéias deste pequeno estudo que ora apre- sento tém sido levadas e trazidas varias vezes, em muitas conversas com meu colega Manuel Cancio Melia, concretamente durante sua estada em Bonn como bolsis- ta da Fundagao Alexander Von Humboldt. Deste modo, a fundacio, novamente, demonstrou sua capacidade de gerar uma bolsa com beneficios em vérias direcdes. Nossas posigdes diferem de forma consideravel, nem tanto no diagnéstico, mas no que se refere as conseqiién- cias que 6 possivel esperar ou que, inclusive, deve postular-se. E precisamente por estas tensGes que se produz. uma publicagao conjunta, com agradecimentos, 10 “André Callgar eNereu Giacmoll (orgs) de minha parte, a Cancio Melié, pela traducao de meu texto e a editora Civitas, por sua disposicao em assumir esta nova publicagao. Bonn, junho de 2003, Direito Penal do Inimigo 11 Prdlogo II MANUEL CANCIO MELIA Como escreve Jakobs (supra 1), as diferencas entre sua visio do problema e a minha nao dizem respeito tanto a constatacao da realidade fenomenoldgica, mas esto, sobretudo, em que consiste © diagnéstico realiza- do. De fato, como se pode observar, aqui se parte da exposicao de Jakobs a respeito do conceito de Direito penal do inimigo e se situa a questio no marco mais amplo da teoria da pena, precisamente desde a teoria da prevencio_geral_positiva. E se encontra um grande potencial critico na construgéo proposta por Jakobs: desde 0 ponto de vista aqui adotado se constata - como outros tém feito, mas de outras perspectivas - que aquilo que pode denominar-se de «Direito penal do inimigo» nao pode ser «Direito». Dito de outro modo: é algo distinto do que habitualmente se chama «Direito penal» em nossos sistemas juridicos-politicos. E este ndo € um fendmeno qualquer, uma oscilagio politico-crimi- nal habitual. Ao contrério, realizar este diagnéstico significa, ao mesmo tempo, reclamar, ainda que seja em outro plano metodologico, que as medidas repressivas que contém esses setores de regulagio de «Direito pe- nal» do inimigo sejam transladadas ao setor que corres- ponde ao Direito e, com isso, também ao ambito correto de discussao politica: as medidas em estado de exce¢ao. 13 Neste caso, tem importancia chamar as coisas por seu nome. Sendo demasiadas as medidas de repressao que usurpam um lugar 4 sombra do rétulo «Direito penal» (um rétulo legitimante, apesar dos pesares, em nossos sistemas jaridico-politicos), pode produzir-se uma alte- ragao estrutural, na qual algo novo (nao: melhor) substi- tua o atual sistema normative do Direito penal. Sobretudo porque, diferentemente do discurso que pa- rece predominar nos EUA ~ no qual se reconhece aberta- mente que se trata de uma «guerra» na qual nao importa nem sequer a aparéncia juridica -, na velha Europa (ena Espanha) 0s agentes politicos que impulsionam estas medidas 0 fazem sob 0 estandarte de uma pretendida e total «normalidade constitucional», incrementando, as- sim, ainda mais, os riscos que por contagio ameacam de perto o Direito penal em seu conjunto. Devo agradecer a oportunidade de apresentar algu- mas reflexdes sobre o problema, em primeiro lugar, novamente, a editora Civitas e a amavel intermediacao do Professor Gonzalo Rodriguez Mourullo. Em segundo lugar, devo minha gratidao 3 fundaao Alexander Von Humboldt, que tornou possivel, mediante uma bolsa de investigagao, a permanéncia na Universidade de Bonn, por um semestre, no veréo de 2002, quando surgiu 0 didlogo que agora se apresenta na forma de um livro. Também devo agradecer ao valioso apoio daqueles que tam lido diversas versdes deste texto, auxiliando-me na redacao com suas valoracdes: 0 professor Jestis-Marfa Silva Sanchez, os demais integrantes da Area de Direito Penal da Universidade Pompeo Fabra (Barcelona), 0 Dr. Bernd MUSSING, da Universidade de Bonn, e meus companheiros do Grupo de Estudos Criticos/a undéci- ma tese em Madri. Mas sobretudo, como é evidente, sou mutito agradecido ao professor Giinther Jakobs por sua proposta de levar a cabo esta pequena publicagao con- junta, precisamente porque nossos pontos de vista ndo 14 André Callegari e Ner Gincomoli(orgs.) coincidem. Na década jé transcorrida, desde que o conheci, quando era estudante, Jakobs seguiu confir- mando-me de muitas maneiras, de sorte que rao me equivoquei ao tomé-lo como ponto de referéncia para o que deve ser o trabalho na Universidade. Madri, junho de 2003. Direito Penal do tnimigo 15 Prdlogo Ill ANDRE LUIS CALLEGARI e NEREU JOSE GIACOMOLLI Quando refletimos sobre o Direito penal, mormente sobre a pena, nos defrontamos com uma relagio de poder do Estado, com um confronto dialético entre a soberania do Estado 2 08 Direitos Humanos. E uma exigéncia do Direito (Hegel) e da propria sociedade (Luhmann), que a norma ha de preponderar frente ao ilfcito. Seja qual for a concepcao da fungao da pena, o Direito penal, num Estado Constitucional de Direito, ha. de orientar-se por critérios de “proporcionalidade e de imputag4o” (Melia), preservando as garantias constitu- ionais e a esséncia do seF humAno, OU Seja, sua conside- ragdo como pessoa, como ser humano, como cidadao, e nao como um irracional. Independentemente_da_gravidade da_conduta do_ agente, este, ha de ser punido criminalmente como trans- gressor da norma penal, como individuo, como. pessoa- que praticou um crime,e nao como um combatente, como um guerreiro, como um inimigo do Estado e da sociedade. A conduta, por mais desumana que parega, nao autoriza © Estado a tratar 0 ser humano como se um irracional fosse. O infrator continua sendo um ser humano. Observamos que o denominado “Direito penal do ” abriga dois fenémenos criminais: o simbolis- imigo 17 Dizeito Penal do mo do Direito penal e 0 punitivismo expansionista, capaz de agregar, num mesmo ninho, o conservadoris- mo ¢ 0 liberalismo penal. Os paradigmas preconizados pelo “Direito penal do inimigo” mostram aos seus “ini- migos”, toda a incompeténcia Estatal, ao reagir com irracionalidade, ao diferenciar 0 cidadao “normal” do “outro”. A excepcionalidade ha de ser negada com 0 Direito penal e processual penal constitucionalmente previstos, na medida em que a reagio extraordinaria afirma e fomenta a irracionalidade. Defendemos que a intervencdo do Estado, através do Direito penal, encontra limites na Carta Constitucio- nal. Por isso, 0 tratamento ha de preservar as garantias constitucionais substanciais e formais, sob pena de nao ser direito penal legitimo. A supressao e a relativizacao das garantias consti- tucionais despersonalizam o ser humano, fomentando a metodologia do terror, repressiva de idéias, de certo grupo de autores, e nao de fatos. Nao é demasiado e nem unicamente fruto de corte- sia, mas queremos agradecer profundamente aos autores Jakobs e Melié as oportunidades de convivéncia humana, fraterna e intelectual, no Brasil e no estrangeiro, mormen- te pelas oportunidades proporcionadas, impares e inol- vidaveis, de podermos entender e discutir, pelo menos um pouco, 0 Direito penal, o processo penal e 0 estégio atual da sociedade. Por fim, firmamos nossa convieg3o na preservacao das garantias constitucionais materiais e processuais. Porto Alegre, inverno de 2005. 18 “André Callegar e Nereu Giacomo (orgs. Se Direito Penal do Cidadao e Direito Penal do Inimigo GUNTHER JAKOBS . Introdugao: a pena como contradi¢&o ou como seguranca Quando no presente texto se faz referéncia a0_ Direito penal do cidadao e ao Direito penal do inimigo,— ‘s80-no sentido de dois tipos ideais que dificilmente aparecerao transladados realidade de modo puro: inclusive no processamento de um fato delitivo cotidia- no que provoca um pouco mais que tédio - Direito penal do cidadao ~ se misturaré ao menos uma leve defesa frente a riscos futuros - Direito penal do inimigo -, e inclusive 0 terrorista mais afastado da esfera cidada é tratado, ao menos formalmente, como pessoa, ao Ihe ser concedido no processo penal! 0s direitos de um acusado cidadao. Por conseguinte, nao se trata de contrapor duas esferas isoladas do Direito penal, mas de descrever dois pélos de um sé mundo ou de mostrar duas tendéncias opostas em 1m s6 contexto juridico-penal. Tal descricao revela que é perfeitamente possivel que estas tendéncias se sobreponham, isto é que se ocultem aquelas que tratam o autor como pessoa e aquelas outras que o tratam como fonte de perigo ou como meio para intimi- dar aos demais. Que isto fique dito como primeira consideracao. T Fundamentalmente, a respeito da falta de cago, ver item IV, infra, Srarosiconins UMMM 2 Em segundo lugar deve limitar-se, previamente, que a denominagao «Direito penal do inimigo» nao pretende ser sempre pejoratioa. Certamente, um Direito penal do inimigo é indicativo de uma pacificacdo insufi- ciente; entretanto esta, nao necessariamente, deve ser atribuida aos pacificadores, mas pode referir-se também, aos rebeldes. Ademais, um Direito penal do inimigo implica, pelo menos, um comportamento desenvolvido com base em regras, ao invés de uma conduta esponta- nea e impulsiva. Feitas estas reflexdes prévias, comeca- rei com a parte intermedidria dos conceitos, ou seja, com a pena ‘A pena 6 coagio; é coagaio ~ aqui s6 ser abordada de maneira setorial - de diversas classes, mescladas em intima combinagao. Em primeiro lugar, a coacdo é porta- dora de um significado, portadora da resposta ao fato: 0 fato, como ato de uma pessoa racional, significa algo, significa uma desautorizagao da norma, um ataque a sua vigéncia, e a pena também significa algo; significa que a afirmagao do autor é irrelevante e que a norma segue vigente sem modificagdes, mantendo-se, portan- to, a configuracao da sociedade. Nesta medida, tanto 0 fato como a coacao penal s40 meios de interacao simbé- lica? e 0 autor € considerado, seriamente, como pessoa; pois se fosse incapaz, nao seria necessario negar seu ato, Entretanto, a pena nao s6 significa algo, mas tam- bém produz fisicamente algo. Assim, por exemplo, 0 preso nao pode cometer delitos fora da penitencidria: uma prevencio especial segura durante o lapso efetivo da pena privativa de liberdade. E possivel pensar que é improvavel que a pena privativa de liberdade se conver- ta na reagdo habitual frente a fatos de certa gravidade se ela nao contivesse este efeito de seguranga. Nesta medi- da, a coacao nao pretende significar nada, mas quer ser 2 A respeito, vid. JAKOBS, Norm, Person, Geselschaf, 2 ego, 1999, p. 98 ess. 22 tinther Jakobs efetiva, isto 6, que nao se dirige contra a pessoa em Direito, mas contra o individuo perigoso. Isto talvez se perceba, com especial clareza, quando se passa do efeito de seguranga da pena privativa de liberdade a custodia de seguranga, enquanto medida de seguranca (§ 61 nim. 3, § 66 StGB): nese caso, a perspectiva nao s6 contempla retrospectivamente o fato passado que deve ser subme- tido a juizo, mas também se dirige - e sobretudo - para frente, ao futuro, no qua! uma «tendéncia a [cometer] fatos delitivos de considerdvel gravidade» poderia ter efeitos «perigosos» para a generalidade (§ 66, par. 1°, ntim. 3 StGB). Portanto, no lugar de uma pessoa que de per si é capaz, ¢ a que se contradiz, através da pena, aparece o individuo’ perigoso, contra 0 qual se procede — neste Ambito: através de uma medida de seguranca, nao mediante uma pena - de modo fisicamente efetivo: luta contra um perigo em lugar de comunicacio, Direito penal do inimigo (neste contexto, Direito penal ao me- nos em um sentido amplo: a medida de seguranga tem como pressuposto a comiss4o de um delito) ao invés do Direito penal do cidadao, e a voz «Direito» significa, em ambos os conceitos; algo claramente diferente, como se mostrara mais adiante. O que se pode vislumbrar na discuss cientffica da atualidade* a respeito deste problema é pouco, com tendéncia ao nada. E que nao se pode esperar nada daqueles que buscam razao em todas as partes, garantin- do-se a si mesmo que a tem diretamente e proclamando-a sempre em tom altivo, ao invés de dar-se o trabalho de 34 espeite dos conceits windividuon e «pessoa, vid. JAKOBS, Norm, Per Gesellschaft (nota 2), p-9 @ 8x 29 6 4° questao aparece prineieo em JAKOBS, ZSUW, 97 (1985), p. 75, 783 es. iden eon: ESER otal. ed), Die Di sen SCHUTZ, 12 (2060), p. 653 es, 689 css contraramtente BSER, foc sit (Die Be srechswtsensdfh, p. 487 © 38, 444 ¢ 53 SCHUNE- MANN, GA 2001, p. 205 e sy 210 es. configurar sua subjetividade, examinando aquilo que é e pode ser. Entretanto, a filosofia da Idade Moderna ensina 0 suficiente para, pelo menos, estar em condigdes de abordar o problema. 24 Giinther Jakobs 2. Alguns esbogos iusfiloséficos Denomina-se «Direito» 0 vinculo entre pessoas que sao titulares de direitos e deveres, ao passo que a relacao ‘com um inimigo nao se determina pelo Direito, mas pela coacao. No entanto, todo Direito se encontra vinculado a autorizagio para empregar coacao,5 e a coacdo mais intensa 6 a do Direito penal. Em conseqiiéncia, poder-se- ia argumentar que qualquer pena, ou, inclusive, qual- quer legitima defesa se dirige contra um inimigo. Tal argumentacao em absoluto é nova, mas conta com desta- cados precursores filosdficos. Sao especialmente aqueles autores que fundamen- tam o Estado de modo estrito, mediante um contrato, entendem 0 delito no sentido de que o delingiiente infringe o contrato, de maneira que j4 nao participa dos beneficios deste: a partir desse momento, j4 nao vive com os demais dentro de uma relagao juridica. Em correspondéncia com isso, afirma Rosseau® que qual- quer «malfeitor» que ataque o «direito social» deixa de ser «membro» do Estado, posto que se encontra em guerra com este, como demonstra a pena pronunciada Theil. Metaphysicke Anfangsgraunde ‘Akademie-Ausgabe, tomo 6, 1907, p. 203 ¢ ss, 231 (Binleitung in die Rechislehre, § D) © ROSSEAU, Stant und Gasel por WEIGEND, 1953, p. 33, 25 Direito Penal do Ini contra o malfeitor. A conseqiiéncia diz assim: cao culpa- do se Ihe faz morrer mais como inimigo cue como cidadao. De modo similar, argumenta Fichte: «quem abandona 0 contrato cidadéo em um ponto em que no contrato se contava com sua prudéncia, seja de modo voluntério ou por imprevisao, em sentido estrito perde todos os seus direitos como cidadao e como ser humano, € passa a um estado de auséncia completa de direitos».” Fichte atenua tal morte civil,* como regra geral mediante a construgiio de um contrato de peniténcia,? mas nao no caso do «assassinato intencional e premeditado»: neste Ambito, se mantém a privagao de direitos: «... ao conde- nado se declara que 6 uma coisa, uma peco de gado»."” Com férrea coeréncia, Fichte prossegue afirmando que a falta de personalidade, a execugao do criminoso «nao [6 uma] pena, mas s6 instrumento de seguranga».'' Nao & oportuno entrar em detalhes, pois jé com este breve esboco é possfvel pensar que se mostrou que o status de cidadao, nao necessariamente, é algo que nao se pode perder. Nao quero seguir a concepgao de Rosseau e de Fichte, pois na separagao radical entre o cidadao e seu Direito, por um lado, e 0 injusto do inimigo, per outro, é demasiadamente abstrata. Em princfpio, um ordena- mento jurfdico deve manter dentro do Direito também o criminoso, e isso por uma dupla razao: por um lado, 0 delingiiente tem direito a voltar a ajustar-se com a sociedade, e para isso deve manter seu status de pessoa, 8 Como na nota 7. 9 Grundloge des Naturrects (nota 7), p. 260 e ss. Dizendo-se de passagem: um 11 Grundlage des Naturrechts (nota 7), p. 280 26 Ginther Jakobs de cidadao, em todo caso: sua situagao dentro do Direi- to. Por outro, o delingtiente tem o dever de proceder reparago e também os deveres tem como pressuposto a existéncia de personalidade, dito de outro modo, o delingiiente ndo pode despedir-se arbitrariamente da sociedade através de seu ato. Hobbes tinha consciéncia desta situagéo. Nominal- mente, é (também) um tedrico do contrato social, mas materialmente é, preferentemente, um fildsofo das insti- tuigdes. Seu contrato de submissao junto a qual apare- ce, em igualdade de direito (!) a submissao por meio da violéncia ~ nao se deve entender tanto como um contra- to, mas como uma metéfora de que os (futuros) cidadaos nao perturbem 0 Estado em seu processo de auto-orga- nizagao.” De maneira plenamente coerente com isso, HOBBES, em principio, mantém o delingiiente, em sua funcao de cidadao:" 0 cidadao nao pode eliminar, por si mesmo, seu status. Entretanto, a situacao é distinta quando se trata de uma rebeliao, isto 6, de alta traigio: «Pois a natureza deste crime esté na rescisao da submis- 880," 0 que significa uma recafda no estado de nature- za... E aqueles que incorrem em tal delito ndo sao castigados como stibditos, mas como inimigos».15 12 Cir. também KERSTING, Die politische Philosophie des Cesellschoftsvrtrages, 1994, p. 95: «O contrato fundamental é a forma conceitual dentro da qual hi que introduzira a empirica para ser acessivel ao conecimento idem Co), ‘Auslegen), 1996, p. 211 e 33, 213 es. 13 HOBBES, Leviathan order Stoff, Farm {gerlchen Sieates, ed. a cargo de FETSCHER, tadugio de EUCHNER, 1984, p 357 e ss. (capitulo 2). 14 Seria mais corteto dizer: na supresso ftica: a in tiveis de rescisdo 35 HOBBES, Leviathan (nota 13), p. 242 (capitulo 28); idem, Vom Burger, em: GAWLICK (ed.), Hobles. Vor: Moschen. Vom Burger, 1959, p-233 (capitulo M4, parsgeafo 22) Direito Penal do Inimi 27 Para Rousseau e Fichte, todo delingtiente é, de per si, um inimigo; para Hobbes, ao menos 0 réu de alta traigao assim o 6. Kant, quem fez uso do modelo contratual como idéia reguladora na fundamentacao e na limitagao do poder do Estado,'* situa o problema na passagem do estado de natureza (fictfcio) ao estado estatal. Na cons- trugdo de Kant, toda pessoa esté autorizadz a obrigar a qualquer outra pessoa a entrar em uma constituicao cidada.” Imediatamente, coloca-se a seguinte questao: 0 que diz Kant aqueles que nao se deixam obrigar? Em seu escrito «Sobre a paz eterna», dedica uma extensa nota, ao pé de pagina, ao problema de quando se pode legitimamente proceder de modo hostil contra um ser humano, expondo o seguinte: «Entretanto, aquele ser humano ou povo que se encontra em um mero estado de natureza, priva... [da] seguranga [necesséria], e lesiona, j4 por esse estado, aquele que est4 ao meu lado, embora no de maneira ativa (ato), mas sim pela auséncia de legalidade de seu estado (statw iniusto), que ameaca constantemente; por isso, posso obrigar que, ou entre comigo em um estado comunitério-legal ou abandone minha vizinhangay.!? Conseqtientemente, quem nao participa na vida em um «estado comunitério-legal», deve retirar-se, 0 que significa que é expelico (ou impe- ido & custédia de seguranca); em todo caso, nao ha que 16 KANT, Uber den Gemeinspruch: Das mag in der Theorie ri tauge aber Werke (nota 5), 8, p. 273 © s., 297; vid. a respeito KERSTING, Philosophie (nota 12), p. 199 58 7 KANT, Meta p. 255 ess. (1. The, 1. Hauptstiick, pa). 18 KANT, Zum ewigen Frieden, Ein philoso ta za a produgao de um mal conforme a Lei agi. uma despersona 28 ser tratado como pessoa, mas pode ser «tratado», como anota expressamente Kant” «como um inimigo»! Como acaba de citar-se, na posi¢ao de Kant nao se trata como pessoa quem «me ameaga...constantemente», quem nao se deixa obrigar a entrar em um estado cidadao. De maneira similar, Hobbes despersonaliza 0 réu de alta traicao: pois também este nega, por principio, a constituigao existente. Por conseguinte, Hobbes e Kant conhecem um Direito penal do cidadao — contra pessoas que nao delingiiem de modo persistente por principio ~ € um Direito penal do inimigo contra quem se desvia por principio. Este exclui e aquele deixa incélume o status de pessoa. © Direito penal do cidadao 6 Direito também no que se refere ao criminoso. Este segue sendo pessoa. Mas 0 Direito penal do inimigo Direito em outro sentido, Certamente, o Estado tem direito a procu- rar seguranga frente a individuos que reincidem per- sistentemente na comissio de delitossAfinal de contas, a custédia de seguranca é uma instituigao juridica. Ainda mais: 0s cidadaos tém direito de exigir do Estado que tome medidas adequadas, isto 6, ttm um direito a eguranca,” com base no qual Hobbes fundamenta e imita o Estado: finis oboedientiae est protectio.” Mas neste direito nao se encontra contido, em Hobbes, 0 réu de 20 2m ewigen Frid (nota 18), p. 349, 21 Bsta afirmagao, entretanto, problema da mentira, no gue KANT nao Sependéncia do here 23 0 fim da obedioncia ¢ a protege; HOBBES, Leviathan (not (capitulo): tem, Vors Birger (nota 15), p. 132 € 88. (cap Direito Penal do Inimigo alta traigdo; em Kant, quem permanentemente ameaca; trata-se do direito dos demais. O Direito penal do cidadiio 0 Direito de todos, 0 Direito penal do inimigo é daqueles que 0 constituem contra o inimigo: frente ao inimigo, & s6 congo fisica, até chegar 4 guerra."Esta coagao pode ficar limitada ‘em um duplo sentido. Em primeiro lugar, o Estado, nao necessariamente, excluird 0 inimigo de todos os direitos. Neste sentido, o sujeito submetido a custodia de segu- ranca fica incélume em seu papel de proptietario de coisas. E, em segundo lugar, 0 Estado nao tem por que fazer tudo 0 que é permitido fazer, mas pode conter-se, em especial, para nao fechar a porta a um posterior acordo de paz. Mas isto em nada altera o fato de que a medida executada contra o inimigo nao significa nada, mas s6 coage. O Direito penal do cidadio mantém a vigéncia da norma, 0 Direito penal do inimigo (em sentido amplo: incluindo 0 Direito das medidas de seguranca) combate perigos; com toda certeza existem muiltiplas formas inter- mediérias. 30 3. Personalidade real e periculosidade fatica Falta formular uma pergunta: por que Hobbes e Kant realizam a delimitaco como se tem descrito? Darei forma de teses a resposta: nenhum contexto normativo, e também 0 € 0 cidadao, a pessoa em Direito, 6 tal - vigora — por si mesmo. Ao contrario, também ha de determinar, em linhas gerais, a sociedade. $6 entao é real. Para explicar esta tese, comegarei com algumas consideracdes acerca do que significa — sit vena verbo - 0 caso normal da seqiiéncia de delito e pena. Nao existem os delitos em circunstancias cadticas, mas sé como violacao das normas de uma ordem praticada. Ninguém tem desenvolvido isto com tanta clareza como Hobbes, que atribui a todos os seres humanos, no estado de natureza, um ius naturale a tudo, quer dizer, na termino- logia moderna, s6 um its assim denominado, a respeito do qual precisamente nao se encontra em correspondén- cia uma obligatio, um dever do outro, mas que, a0 contrario, s6 é uma denominagao da liberdade normati- ‘vamente ilimitada, unicamente circunscrita pela violén- cia fisica de cada individuo, de fazer e deixar de fazer 0 que se queira, contanto que se possa. Quem quer e pode, 2 Les lo 1). Direito Penal do inimigo 31 pode matar alguém sem causa alguma. E este, como HOBBES constata expressamente” seu ius naturale. E isso nada tem em comum com um delito, ja que no estado de natureza, na falta de uma ordem definida, de maneira vinculante, nao podem ser violadas as normas de tal ordem. Portanto, os delitos s6 acontecem em uma comuni- dade ordenada, no Fstado, do mesmo modo que o negativo s6 se pode determinar ante a ocultacao do positivo e vice-versa. E 0 delito nao aparece como principio do fim da comunidade ordenada, mas s6 como infracao desta, como deslize reparavel. Para esclarecer 0 que foi dito, pense no sobrinho que mata seu tio, com 0 objetivo de acelerar o recebimento da heranca, a qual tem direito. Nenhum Estado sucumbe por um caso destas caracterfsticas. Ademais, 0 ato nao se dirige contra a permanéncia do Estado, e nem sequer contra a de suas instituigdes. O malvado sobrinho pretende am- parar-se na protecao da vida e da propriedade dispensa- das pelo Estado; isto é, se comporta, evidentemente, de maneira autocontraditéria. Dito de outro modo, opta, como qualquer um reconheceria, por um mundo insus- tentavel. E isso no sé no sentido do insustentavel, desde 0 ponto de vista pratico, em uma determinada situacao, mas j4 no plano tedrico. Esse mundo ¢ impen- sdvel Por isso, 0 Estado moderno vé no autor de um fato = de novo, uso esta palavra pouco exata ~ normal, diferentemente do que ocorre nos teéricos estritos do contratualismo de Rosseau e de Fichte, nao um inimigo que ha de ser destruido, mas um cidadao, uma pessoa que, mediante sua conduta, tem danificado a vigéncia da norma e que, por isso, é chamado — de modo coativo, mas como cidadao (e néo como inimigo) ~ a equilibrar 0 2 Leviathan (oat 1 lo 14), 32 1p. 99. fea dano, na vigéncia da norma. Isto se revela com a pena, quer dizer, mediante a privacto de meios de desenvolvi- mento do autor, mantendo-se a expectativa defraudada pelo autor, tratando esta, portanto, como valida, e a méxima da conduta do autor como maxima que nao pode ser norma.** Entretanto, as coisas somente sao tao simples, in- clusive quase idflicas ~ 0 autor pronuncia sua propria sentenca jé pela inconsisténcia de sua maxima -, quando © autor, apesar de que seu ato ofereca garantia de que se conduziré, em linhas gerais, como cidadao, quer dizer, como pessoa que atua com fidelidade ao ordenamento jurfdico. Do mesmo modo que a vigéncia da norma, nao pode manter-se de maneira completamente contrafatica, tampouco a personalidade. Tentarei explicar brevemen- te 0 que foi dito, abordando primeiro a vigéncia da norma. Pretendendo-se que uma norma determine a confi- guracdo de uma sociedade, a conduta em conformidade com a norma, realmente, deve ser esperada em seus aspectos fundamentais. Isso significa que os célculos das pessoas deveriam partir de que os demais se comporta- réo de acordo com a norma, isto é, precisamente, sem infringi-la. Ao menos nos casos das normas de certo peso, nas quais se pode esperar a fidelidade & norma, necessita-se de certa confirmagao cognitiva para poder converter-se em real. Um exemplo extremo: quando é séria a possibilidade de ser lesionado, de ser vitima de um roubo ou talvez, inclusive, de um homicidio, em um determinado parque, a certeza de estar, em todo caso, em meu direito, nao me faré entrar nesse parque sem necessidade. Sem uma suficiente seguranca cognitiva, a vigéncia da norma se esboroa e se converte numa pro- messa vazia, na medida em que jé nao oferece uma 26 Che. supra Direito Penal do Inimigo 33 configuragao social realmente susceptivel de ser vivida. No plano tedrico, pode-se afastar esta confirmagao do normativo pelo fatico, aduzindo que o que nao deve ser, nao deve ser, embora provavelmente v4 ser. Porém, as pessoas nao s6 querem ter direito, mas também preser- var seu corpo, isto 6, sobreviver como individuos neces- sitados,” e a confianca no que nao deve ser s6, supde uma orientagao com a qual é possivel sobreviver quan- do nao € contraditéria com tanta intensidade pelo co- nhecimento do que sera. E precisamente por isto que Kant argumenta que qualquer um pode obrigar a qual- quer outro a entrar numa constituigao cidada.*® © mesmo ocorre com a personalidade do autor de um fato delitivo: tampouco esta pode se manter de modo puramente contrafatico, sem nenhuma confirma- do cognitiva. Pretendendo-se nao sé introduzir outrem no célculo como individuo, isto é como ser que avalia em fungio de satisfacao e insatisfagao, mas tomé-lo como pessoa, 0 que significa que se parte de sua orienta- ao com base no licito e no ilfcito. Entao, também esta expectativa normativa deve encontrar-se cimentada, nos aspectos fundamentais, de maneira cognitiva. E isso, claramente, quanto maior for o peso que corresponda as normas em questao. J4 se tem mencionado 0 exemplo da custédia de seguranca como medida de seguranca. Hé muitas outras regras do Direito penal que permitem apreciar que naqueles casos nos quais a expectativa de um comporta- mento pessoal 6 defraudada de maneira duradoura, diminui a disposicio em tratar 0 delingiiente como pessoa. Assim, por exemplo, o legislador (por permane- cer primeiro no ambito do Direito material) esta passan- do a uma legislacao - denominada abertamente deste 2 Cir nota 3 28 Como na nota 17. 34 Ginter Jakobs modo ~ de luta, por exemplo, no ambito da criminalida- de econémica,” do terrorismo,” da criminalidade orga- nizada, no caso de «delitos sexuais e outras infragbes penais perigosas»,? assim como, em geral, no que tange aos «crimes». Pretende-se combater, em cada um des- tes casos, a individuos que em seu comportamento (por exemplo, no caso dos delitos sexuais), em sua vida econémica (assim, por exemplo, no caso da criminalida- de econémica, da criminalidade relacionada com as drogas e de outras formas de criminalidade organizada) ‘ou mediante sua incorporag4o a uma organizagao (no caso do terrorismo, na criminalidade organizada, inclu- sive ja na conspiracao para delingiiir, § 30 StGB) se tem afastado, provavelmente, de maneira duradoura, ao menos de modo decidido, do Direito, isto é, que nao proporciona a garantia cognitiva mfnime necessdria a um tratamento como pessoa. A reago do ordenamento juridico, frente a esta criminalidade, se caracteriza, de modo paralelo a diferenciagao de Kant entre estado de cidadania e estado de natureza acabada de citar, pela circunstancia de que nao se trata, em primeira linha, da compensacao de um dano a vigéncia da norma, mas da eliminagao de um perigo: a punibilidade avanga um grande trecho para 0 ambito da preparaczo, ¢ a pena se 2 Brstes Gesetz zur Bekampfung der Wirtschaftskriminaltat vom 29-7-1976, [BGBIT, p. 2034; Zweites Gesets zur Bekampfung der Wirlschaftsksiminalitat vom 15-51986, BCBI |, p. 721 (erespectivamente, primeia e segunda Lei de Ita contra a ériminaldacte econdmica). 30 Antigo 1, Gesets zur Bekimpfung des Terrorism (= Lei para a o terrorismo) de 19-2-1986, BOBI I, p. 2566, 51 Gesetz zur Beleimpfung des ilegalen Rauschgiftandels und anderer Ers- Lei para lita contra 0 de drogas thease outras Formas de manifstagao da crimina idade organizada) de 15-7-1999, BGBLI, p. 1302 Gesets zur Bekimpfung vom Sextaldelikten und anderen geféhichen ‘Straftaten (= Lei para& ita contra os delitossexuaise ouieainfragdes penais perigosas) de 26/1-1998, Verbrechesbekimmpfungegesete BGBI I p. 3186. ta contra amigo 35 Direito Penal do dirige a seguranga frente a fatos futuros, nao A sangio de fatos cometidos. Brevemente: a reflexao do legislador é a seguinte: 0 outro «me lesiona por...[seu] estado [em auséncia de legalidade] (statu iniusto), que me ameaca constantemente».* Uma ulterior formulacao: um indivi- duo que nao admite ser obrigado a entrar em um estado de cidadania nao pode participar dos beneficios do conceito de pessoa. E que o estado de natureza é um estado de auséncia de normas, isto é, de liberdade excessiva, tanto como de luta excessiva. Quem ganha a guerra determina o que é norma, e quem perde ha de Submeter-se a esta determinagio. Ao que tudo isto segue parecendo muito obscuro, pode-se oferecer um rapido esclarecimento, mediante uma referéncia aos fatos de 11 de setembro de 2001. O que ainda se subentende a respeito do delingiiente de carater cotidiano, isto é, nao traté-lo como individuo perigoso, mas como pessoa que age erroneamente, j4 passa a ser dificil, como se acaba de mostrar, no caso do autor por tendéncia. Isso esta imbricado em uma organi- zagao — a necessidade da reacdo frente ao perigo que emana de sua conduta, reiteradamente contraria 4 nor- ma, passa a um primeiro plano ~e finaliza no terrorista, denominacio dada a quem rechaca, por principio, a legitimidade do ordenamento juridico, e por isso perse- gue a destruicéo dessa ordem. Entretanto, nao se preten- de duvidar que também um terrorista que assassina e aborda outras empresas pode ser representado como delingiiente que deve ser punido por qualquer Estado que declare que seus atos sao delitos. Os delitos seguem sendo delitos, ainda que se cometam com intencoes radicais e em grande escala. Porém, hé que ser indagado se a fixagao estrita e exclusiva categoria do delito nao impée ao Estado uma atadura — precisamente, a necessi- 34 KANT como na nota 18. 36 Jaks dade de respeitar o autor como pessoa ~ que, frente a um terrorista, que precisamente nao justifica a expectativa de uma conduta geralmente pessoal, simplesmente re- sulta inadequada. Dito de outro modo: quem inclui 0 inimigo no conceito de delingiiente-cidadao nao deve assombrar-se quando se misturam os conceitos «guerra» e «processo penal». De novo, em outra formulaga quem nao quer privar o Direito penal do cidadao de suas qualidades vinculadas 4 nocao de Estado de Direito — controle das paixdes; reagao exclusivamente frente a atos exteriorizados, nao frente a meros atos preparat6- ios; a respeito da personalidade do delingiiente no processo penal, etc. ~ deveria chamar de outra forma aquilo que tent que ser feito contra ‘os terroristas, se ndo se quer sucumbir, isto é, deveria chamar Direito penal do inimigo, guerra contida Portanto, 0 Direito penal conhece dois pélos ou tendéncias em suas regulagdes. Por um lado, 0 tratamento com 0 cidado, esperando-se até que se exteriorize sua conduta para reagir, com o fim de confirmar a estrutura normativa da sociedade, e por outro, 0 tratamento com 0 inimigo, que ¢ interceptado ja no estado prévio, a quem se combate por sua periculosidade. Um exemplo do primeiro tipo pode constituir o tratamento dado a um homicida, que, se é processado por autoria individual s6 comeca a ser punfvel quando se dispde imediatamente a realizar o tipo (p. 22, 21 StGB), um exemplo do segundo tipo pode ser 0 tratamento dado ao cabega (chefe) ou quem esta por atrds (independentemente de quem quer que seja) de uma associagao terrorista, ao que alcanca uma pena 6 levemente mais reduzida do que a corres- ponde ao autor de uma tentativa de homicidio, ja 35 JAKOBS, ZSIW, 97 (1985), p. 751 ss. 36 De trés a quinze anos de pena privativa de liberdade frente a uma pena de cinco a quinze anos, §§ 30,212, 49 SIGB, Direito Penal do Tnimigo 37 quando funda a associagao ou leva a cabo atividades dentro desta (p 129 a StGB), isto 6, eventualmente anos antes de um fato previsto com maior ou menor impreci- 8&0.” Materialmente & possivel pensar que se trata de uma custédia de seguranca antecipada que se denomina «pena». 37 A respeito da tentativa de participacio, §. 30 SIGB, infra V. 38 Giinther Jakobs 4. Esboco a respeito do Direito Processual Penal No Direito processual penal, novamente aparece esta polarizacao; é forte a tentacao de dizer: evidente- mente. Aqui nao é possivel expor isto com profundida- de; ao menos, se tentara levar a cabo um esboco. O imputado, por um lado, é uma pessoa que participa, quem costumeiramente recebe a denominacao de «sujei: to processual»; isto 6, precisamente, o que distingue o processo reformado do processo inquisitivo. Deve men- cionar-se, por exemplo,* 0 direito a tutela judicial, 0 direito a solicitar a pratica de provas, de assistir aos interrogatérios e, especialmente, a néo ser enganado, coagido, e nem submetido a determinadas tentacées (§ 136 a StPO). De outra banda, frente a esse lado pessoal, de sujeito processual* aparece em miiltiplas formas uma clara coagio, sobretudo na prisio preventiva (§§ 112, 112 StPO); do mesmo modo que a custédia de seguran- 38 Chr, enumeragio mais exaustiva em ROXIN, Strafverfabrensrecht, 25° edi 0, 1998, § 18. 59 A respelto dos requisitos de um dever de participagao como conseqi da personalizagdo fundamental PAWLIK, GA 1998, p. 378 ¢ ., com amy referéncias. ROXIN, Strafverfabrensrecht (nota 38), ass. ade de “suporlar 0 desenvolvimento do processo» a coagao.Iss0 nao resulta convin- cenle: 0 processo, de per si, € 0 caminho ao esclarecimento da situagio, ‘mediante um tratamento pestoal reeiproco, Direito Penal do inimigo 39 ¢a, a prisdo preventiva também nada significa para o imputado, mas frente a ele se esgota numa coacao fisica Isso, nao porque o imputado deve assistir ao processo ~ também participa no proceso uma pessaa imputada, ¢ por convicgao -, mas porque ¢ obrigado a isso mediante seu encarceramento. Esta coacao nao se dirige contra a pessoa em Direito ~ esta nem oculta provas nem foge -, mas contra 0 individuo, quem com seus instintos e medos pOe em perigo a tramitacao ordenada do proces- 80, isto é, se conduz, nessa medida, como inimigo. A situagao € idéntica a respeito de qualcuer coacao a uma intervencao, por exemplo, a uma retirada de sangue (§ 81 a StPO), assim como a respeito daquelas medidas de supervisao das quais o imputado nada sabe no momento de sila execugdo porque as medidas sé funcionam enquanto o imputado nao as conheca. Neste sentido, ha que mencionar a intervencao nas telecomuni- cagoes (§ 100 a StPO), outras investigacdes secretas (§ 100 ¢ StPO), e a intervencao de agentes infiltrados (§ 110 a StPO). Como no Direito penal do inimig substantivo, também neste ambito 0 que ocorre é que estas medidas nao tém lugar fora do Direito; porém, os imputados, na medida em que se intervém em seu ambito, sao exclui- dos de seu direito: o Estado elimina direitos de modo juridicamente ordenado. De novo, como no Direito material, as regras mais extremas do processo penal do inimigo se dirigem & eliminacao de riscos terroristas. Neste contexto, pode bastar uma referéncia A incomunicabilidade, isto 6, & eliminagao da possibilidade de um preso entrar em contato com seu defensor, evitando-se riscos para a vida, a integridade fisica ou a liberdade ce uma pessoa (§§ 31 e ss. EGGVG). Agora, este somente é um caso extremo, regulado pelo Direito positive O que pode suceder, a margem de um processo penél ordenado, 6 conhecido em todo o mundo desde os fatos do 11 de 40 Giinther Jakobs setembro de 2001: em um procedimento em que a falta de uma separacao do Executivo, com toda certeza nao pode denominar-se um processo judicial préprio, mas sim, perfeitamente, pode chamar-se um procedimento de guerra. Aquele Estado em cujo territério se comete- ram aqueles atos, tenta, com a ajuda de outros Estados, em cujos territ6rios até o momento - ¢ s6 até o momento = nao tem ocorrido nada comparavel, destruir as fontes dos terroristas e dominé-los, ou, melhor, maté-los dire- tamente, assumindo, com isso, também 0 homicidio de seres humanos inocentes, chamado dano colateral. A’ ambigua posigao dos prisioneiros ~ delingiientes? pri- sioneiros de guerra? ~ mostra que se trata de persecugdo de delitos mediante a guerra. Direito Penal do Inimigo 41 5. Decomposigao: cidadaos como inimigos? Portanto, o Estado pode proceder de dois modos com os delingiientes: pode vé-los como pessoas que delingtiem, pessoas que tenham cometido um erro, ou individuos que devem ser impedidos de destruir o ordenamento juridico, mediante coagao. Ambas pers- pectivas tém, em determinados ambitos, seu lugar legiti- mo, © que significa, ao mesmo tempo, que também possam ser usadas em um lugar equivocado. Como se tem mostrado, a personalidade, como construcao exclusivamente normativa, é irreal. S6 sera real quando as expectativas que se dirigem a uma pessoa também se realizam no essencial. Certamente, uma pessoa também pode ser construida contrafatica- mente como pessoa; porém, precisamente, nao de modo permanente ou sequer preponderante. Quem nao presta uma seguranca cognitiva suficiente de um comporta- mento pessoal, no s6 nao pode esperar ser tratado ainda como pessoa, mas 0 Estado nao deve traté-lo, como. pessoa, jd que do contrario vulneraria o direito a segu- ranca das demais pessoas.{Portanto, seria completa- mente erréneo demonizar Squilo qug aqui se tem dlenominado Direito penal do inimigo. (com is80 0 se pode resolver 0 problema de como tratar os individuos 42 Giinther Jakobs que nao _permitem sua inclusio em uma constituigio cidada. Como ja se tem incicado, Kant exige a separagao deles, cujo tence 6 de que deve haver protecio 0 frente aos inimigos {Por outro lado, entretanto, em principio, nem toda, delingiiente é um adversério do ordenamento juridico,) Por isso, a introducao de um ciimulo — praticamente ja inalcang4vel - de linhas e fragmentos de Direito penal do inimigo no Direito penal geral é um mal, desde a perspectiva do Estado de Direito. Tentarei ilustrar o que foi dito com um exemplo" relativamente a preparacao do delito: 0 Cédigo penal prusiano de 1851 e o Cédigo penal do Reich de 1871, nao conheciam uma punicao de atos isolados de preparacao de um delito. Depois de que na «luta cultural» (Kulturkampf) — uma luta do Estado pela secularizacao das instituigdes sociais ~ um estran- geiro (0 belga Duchesne) ofereceu-se as altas instituices eclesidsticas estrangeiras (o provincial dos jesuitas na Bélgica e 0 arcebispo de Paris) para matar o chanceler do Reich (Bismarck), em troca do pagamento de uma soma considerével, introduziu-se um preceito que ameagava tais atos de preparacdo de delitos gravissimos, com pena de prisao de trés meses até cinco anos. No caso de outros delitos, com pena de prisdo de até dois anos (§§ 49 a, 16 RStGB depois da reforma de 1876). Trata-se de uma regulagao que ~ como mosiram as penas pouco elevadas - evidentemente nao tomava como ponto de referéncia a periculosidade que pode vir a ser um inimigo, mas aquele que um autor jé tenha atacado até esse momento, ao realizar a conduta: a seguranca ptiblica. Em 1943 (!) se agravou o preceito (entre outros aspectos) vinculando a pena ao fato planejado. Deste modo, o delito contra a 49 KANT, como na nota 18, 41 A respeito da historia do § 30 SIGB cfr. LK ~ ROXIN, n. m. 1 prévio a 50. Direito Penal do inimigo 43 seguranca publica se converteu em uma verdadeira punicao de atos preparatérios, e esta modificagao nao foi revogada até os dias de hoje. Portanto, o ponto de partida ao qual se ata a regulacio 6 a conduta nao realizada, mas $6 planejada, isto é, nao o dano a vigéncia da norma que tenha sido realizado, mas o fato futuro. Dito de outro modo, o lugar do dano atual a vigéncia da norma é ocupado pelo perigo de danos futuros: uma regulacao propria do Direito penal do inimigo. O que, no caso dos terroristas — em prinefpio, adversdrios — pode ser adequado, isto é, tomar como ponto de referén- cia as dimensoes do perigo, e nao o dano a vigéncia da norma, jé realizado, se traslada aqui ao caso do planeja- mento de qualquer delito, por exemplo, de um simples roubo. Tal Direito penal do inimigo, supérfluo — a ameaga da pena desorbitada carece de toda justificagao =, € mais danoso para o Estado de Direito que, por exemplo, a falta de comunicagao antes mencionada, pois neste tiltimo caso, s6 nao se trata como pessoa ao — suposto - terrorista, no primeiro, qualquer autor de um delito em sentido técnico e qualquer indutor (§§ 12, pardgrafo 1°, 30 StGB), de maneira que uma grande parte do Direito penal do cidadao se entrelaca com 0 Direito penal do inimigo. ® Apesar de considerarse, gera preparatérios © tentativa co Estado de Diretto, ests ausente dda preparacio dos delitos con B, uma p\ respeito dos delitos no caso de a indugdo ~ margi completo a relevancia do limite; do novo, eft. uma posiglo ct fem JAKOBS, ZStW, 97 (1985), p. 752 44 6. Personalizagao contrafatica: imigos como pessoas /n exposicao nao seria completa se nao se agregasse a seguinte reflexio: como se tem mostrado, 56 & pessoa quem oferece uma garantia cognitiva suficiente de um, comportamento pessoal, ¢ isso como conseqiiéncia da idéia de que toda normatividade necesita de uma cimentacdo cognitiva para poder ser real) E desta con- testagao tampouco fica excluido o ordenamento jurfdico em si mesmo: somente se ¢ imposto realmente, ao menos em linhas gerais, tem uma vigéncia mais que ideal, isto é real. Contrariamente a esta posicao se encontra, entre- tanto, na atualidade, a suposicao corrente de que em todo o mundo existe uma ordem minima juridicamente vinculante no sentido de que nao devem tolerar-se as vulnerag6es dos direitos humanos elementares, inde- pendentemente de onde ocorram, e que, ao contrario, ha que reagir frente a tais vulnerages, mediante uma intervencao e uma pena. O Tribunal para a antiga Tugoslavia em Haia, o estatuto de Roma® e 0 Codigo penal internacional" sao conseqiiéncias desta suposi- ao. Ao se examinar com mais vagar a jurisdicao inter- 5 PubagSes do Bundestag [Falamento Federal alee] 19/2682, p. 9s. 44 Artigo 1 da Lei de 2662002, BGBI, p. 2254 foducio de um Divito Peal do ininigo 45 nacional ¢ nacional que com isso se estabelece, percebe- se que a pena passa de um meio para a manutengiio da vigéncia da norma para ser um meio de criagto de vigéncia da norma. Isto nao tem por que ser inadequa- do, porém é necessario identificd-lo e processé-lo teori- camente. A seguir se tentaré resolver essa tarefa Como ¢ sabido e nao necessita de referéncia algu- ma, em muitos lugares do mundo, ocorrem vulneracdes extremas de direitos humanos elementares. Agora, ali onde ocorrem, estas vulneracées acontecem porque os direitos humanos naqueles lugares até o momento nao estavam estabelecidos no sentido de que fossem respei- tados em linhas gerais, pois ao contrario, também nesses, territérios seriam entendidas as vulneragdes como per- turtagdes da ordem estabelecida e seriam sancionadas, sem necessidade de uma jurisdicao exterior. Portanto, sao alguns Estados — fundamentalmente, ocidentais - que afirmam uma vigéncia global dos direitos humanos, vigéncia que é negada no lugar de comissao de atos, de maneira radical ¢ exitosa, ao menos por parte dos autores. Agora, 0 autor sempre nega a vigéncia da norma que profbe o fato a respeito da conduta que planeja; pois ao contrario, ndo poderia praticar o ato. Em conseqiiéncia, parece que em todo caso - tanto no caso de uma vulneracao de direitos humanos em qualquer lugar do mundo como na hipétese basica de um delito dentro do Estado - 0 autor se dirige contra a norma proil que a vigéncia da norma, afetada por ele, é confirmada em sua intangibilidade pela pena. Entretanto, esta equi- paragao suporia desconsiderar diferencas essenciais. Numa hipétese basica de um delito, em um Estado, em linhas gerais, num caso individual, uma ordem estzbelecida é vulnerada. J4 existe um monopélio da yioléncia a favor do Estado, e a este 0 autor estd submetido, também ja antes de seu ato. Kant formulou 46 Giinther Jakobs isto afirmando que no «estado comunitério-legal» a «autoridade» tem «poder» tanto sobre 0 autor quanto sobre sua vitima.** Portanto, trata-se de um estado de certeza, de que o Estado presta seguranga suficiente para as expectativas normativas da vitima frente ao autor, de modo que, se, apesar disso se produz um fato, este aparece como pecuiliaridade que nao deve conside- rar no célculo cognitivo, podendo sér neutralizada me- diante a imputagdo ao autor e sua punicao. Esta breve consideracao a respeito da situacao em um estado de vigéncia real do ordenamento juridico, isto 6, no Estado em funcionamento, hé de bastar. A situacao ¢ distinta no que tange a vigéncia global dos direitos humanos. Nio se pode afirmar, de nenhum modo, que exista um estado real de vigéncia do Direito, mas t8o-86 de um postulado de realizagao, Este postula- do pode estar perfeitamente fundamentado, mas isso nao implica que esteja realizado, do mesmo modo que uma pretensdo jurfdico-civil nao se encontra realizada 86 porque esteja bem fundamentada. Dito de outro modo: nesta medida, nao se trata da manutengiio de um «estado comunitario-legal», mas, previamente, de seu estabelecimento. A situacio prévia & criagdo do estado «comunitario-légal» 6 0 estado de natureza, e neste nao ha personalidade. Em todo caso, nao existe uma perso- nalidade asseguirada. Por isso, frente aos autores de vulneragdes dos direitos humanos, os quais, por sua parte, tampouco oferecem uma seguranga suficiente de ser pessoas, de per si permite-se tudo 0 que seja necessé- rio para assegurar o ambito «comunitério-legal», e isto é de fato 0 que sucede, corduzindo primeiro uma guerra, nao enviando como primeiro passo a policia para execu- tar uma ordem de detengao. Agora, uma vez que se tem © infrator, trocam-se 0 Cédigo Penal e o Cédigo de 35 Como na nota 18. Direito Penal do Inimigo 47 Processo Penal, como se fosse um homicidio por raiva ou de conflitos cidadaos parciais destas caracteristicas. Portanto, declara-se ser 0 autor uma pessoa para poder manter a ficcdo da vigéncia universal dos direitos huma- nos. Seria mais sincero separar esta coagao na criagto de uma ordem de direito a manter uma ordem: 0 «cidadao» Milosevic faz parte daquella sociedade que 0 coloca ante um tribunal como 0 era 0 «cidadao» Capeto. Como & evidente, nao me dirijo contra os direitos humanos com vigéncia universal, porém seu estabelecimento & algo distinto dé sua garantia. Servindo ao estabelecimento de uma Constituigdo mundial «comunitario-legal», deverd castigar aos que vulneram os direitos humanos; porém, isso no é uma pena contra pessoas culpdveis, mas contra inimigos perigosos, e por isso deveria chamar-se a coisa por seu nome: Direito penal do inimigo. 48 Giinther Jakobs 7, Resumo A. A fungao manifesta da pena no Direito penal do cidadao é a contradicio, e no Direito penal do inimigo 6a eliminacao de um perigo. Os correspondentes tipos ideais praticamente nunca apareceréo em uma configuragao pura. Ambos os tipos podem ser legitimos. B. No Direito natural de argumentacio contratual estrita, na realidade, todo delingiiente é um inimigo (Rosseau, Fichte). Para manter um destinatério para expectativas normativas, entretanto, é preferfvel man- ter, por principio, o status de cidadao para aqueles que nao se desviam (Hobbes, Kant). C. Quem por principio se conduz de modo desvia- do, nao oferece garantia de um comportamento pessoal. Por isso, nao pode ser tratado como cidadao, mas deve ser combatido como inimigo. Esta guerra tem lugar com um legitimo direito dos cidadaos, em seu direito & seguranca; mas diferentemente da pena, nao é Direito também a respeito daquele que ¢ apenado; ao contrario, 0 inimigo excluido. D. As tendéncias contrérias presentes no Direito material ~ contradigao versus neutralizacao de perigos — encontram situagées paralelas no Direito processual E, Um Direito penal do inimigo, claramente delimi- tado, é menos perigoso, desde a perspectiva do Estado Direito Penal do nimigo 49 de Direito, que entrelagar todo o Direito penal com feagmentos de regulagdes préprias do Direito penal do inimigo. F. A punicao internacional ou nacional de vulnera- Ges dos direitos humanos, depois de uma troca politica, mostra tragos prdprios do Direito penal do inimigo, sem set 86 por isso ilegitima. 50 Giinther Jakobs —ue «Direito Penal» do Inimigo? MANUEL CANCIO MELIA 1. Introdugao Simplificando bastante para tentar esbogar os tra- 08 basicos do quadro, pode-se afirmar que nos tiltimos anos os ordenamentos penais do «mundo ocidental» tém comegado a experimentar um desvio que 0s conduz, de uma posicao relativamente estatica, dentro do nticleo duro do ordenamento juridico - em termos de tipo ideal: um nticleo duro no qual iam se fazendo adaptages setoriais com todo cidadao, e no qual qualquer mudanga de direcao era submetida a uma intensa discussao politi- ca e técnica prévia — na diregao de um lugar arriscado na vanguarda do dia-a-dia juridico-politico, introduzin- do-se novos contetidos e reformando-se setores de regulacao ja existentes com grande rapidez, de modo que os assuntos da confrontacao politica cotidiana chegam em prazos cada vez mais breves também ao Codigo penal. As mudangas frente a praxis polftico-criminal, habi- tuais até 0 momento, nao sé se referem aos tempos e as. formas, mas também os contetidos vao alcangando pau- latinamente tal grau de intensidade que se impde for- mular a suspeita - com a vénia de Hegel - de que assistimos a uma mudanga estrutural de orientacao. Este cambio cristaliza, de modo especialmente chamativo - como aqui se tentaré mostrar ~ no conceito do «Direito penal do inimigo», cuja discussao foi recentemente Dirito Penal dolnimigo 53 (re-) introduzida por Jakobs,! de modo um tanto maca- bra avant Ia lettre (das conseqiiéncias) de 11 de setembro de 2001. No presente texto, pretende-se examinar, com toda brevidade, este conceito de Direito penal do inimigo, para averiguar seu significado para a teoria do Direito penal e avaliar suas possfveis aplicagdes politico-crimi- nais. Por isso, em um primeiro passo, tentar-se-4 esbocar a situacao global da politica criminal da atualidade (infra Il), A seguir, poderao ser abordados o contetido e a relevancia do conceito de Direito penal do inimigo (infra TI). ‘A tese a que se chegara é que o conceito de Direito penal do inimigo supde um instrumento idéneo para descrever um determinado ambito, de grande relevan- cia, do atual desenvolvimento dos ordenamentos juridi- co-penais. Entretanto, como Direito positive, o Direito penal do inimigo 6 integra nominalmente o sistema jurfdico-penal real: «Direito penal do cidadao» é um pleonasmo; «Direito penal do inimigo», uma contradi- do em seus termos. 1 Chr. JAKOBS, em: Consefo General del Poder Judicial/Xunta de Galicia (edi), Estudios de Derecho mim. 20,1995, p17 es (La lnc del Derecho penal ante fas exis fem: FSER/ HASSE- isons ear der ee ered , 2000, p.A7 e 5. SL ess, (= tomo no 9 espanhola, ed. a cargo de MUNOZ CONDE [em: ed. id. proximamente também iem, em: idem, Sobre la tivizacit tien jury (ho prelo para a ed. Cl coneeito ido pela primeira vez por Jakobs no debate em seu. escrito publicado em ZS1W (1985), p. 753.¢ ss (= Estudios e Derecho pr 1997, p. 293 e ss): ft. também idem Strafreht.Ailgem id tie Zurechnungslebre, 2* ed., 1991 (= Derecho penal, Parte {fanndamento y la teoris dela imputacion, 1995), 2/25 prelo para a trad ‘Tirant lo Blanch 54 2. Sobre o estado atual da politica criminal. Diagnéstico: a expansao do Direito Penal 2.1, Introdugao As caracteristicas principais da politica criminal praticada nos iltimos anos podem resumir-se no concei- to da «expansdo» do Direito penal? Efetivamente, no 2 Um termo que tem ado SILVA SANCHEZ em uma monograt grande repercssto ma discusdo — apes de gue 2 data de pul recente =, dedicada a eral da {também as exposigoes critcas dos oe situagdo do Direito penal, ias em LUDERSSEN (ed), Aufgek polite Kamp gegen ds cnc ono 1998 Desde 1, teoriea dos que em ‘ discussio; cf. também a er Direito Penal do Inimigo momento atual pode ser adequado que o fenémeno mais destacado na evolugao atual das legislagées penais do «mundo ocidental» esté no surgimento de mtiltiplas figuras novas, inclusive, a vezes, do surgimento de setores inteiros de regulacgdo, acompanhada de uma atividade de reforma de tipos penais jé existentes, realizada a um ritmo muito superior ao de épocas anteriores. O ponto de partida de qualquer andlise do fenéme- no, que pode denominar-se a «expansio» do ordena- mento penal, esté, efetivamente, em uma simples constatacao: a atividade legislativa em matéria penal, desenvolvida ao longo das duas tiltimas décadas nos paises de nosso entorno tem colocado, ao redor do elenco nuclear de normas penais, um conjunto de tipos penais que, vistos desde a perspectiva dos bens juridicos classicos, constituem hipdteses de «criminalizagao no estado prévio» a lesdes de bens jurfdicos,? cujos marcos penais, ademais, estabelecem sancées desproporcional- mente altas. Resumindo: na evolucio atual, tanto do Direito penal material, como do Direito penal proces- sual, pode constatar-se tendéncias que, em seu conjunto, fazem aparecer no horizonte politico-criminal os tragos BUERGO, Et derecho penal om le sociedad de rego, 2001, passin; ZUNIGA RODRIGUEZ, Poles criminn, 2001, p-252 ¢ 0 Desde otra perspectiva Iai mpl fempo, a an dota cole gee do Sxparato como fr MULLER 5G tsrdontonStadon se ler Taare der ela penal y para a critica det discursa de resitenc Sale el eoncepto de Derecho penal maderno cm el mat dad, 2008; vid, também, relaivizando a justifiagio do diseurso globalmente critico, recentemente POZUELO PEREZ, RDPP, 9 (2003), p.13 ess. 3 Cfr. JAKOBS, ZS¢W, 97 (1985), p. 751, 56 Cancio Melié de um «Direito penal da colocagao em risco»t de carac- terfsticas antiliberais.5 2.2. Os fendmenos expansivos Em primeiro lugar, trata-se de esbogar uma ima- gem mais concreta desta evolucao_politico-criminal atual. Desde a perspectiva aqui adotada, este desenvol- vimento pode resumir-se em dois fendmenos: 0 chama- do «Direito penal simbélico» (infra A) e 0 que se pode denominar «tessurgir do punitivismo» (infra B). Em todo caso, deve sublinhar-se, desde logo, que estes dois conceitos s6 identificam aspectos fenot{picos-setoriais da evolucao global e nao aparecem:de modo clinicamen- te «limpo» na realidade legislativa (infra C). Ambas as linhas de evolugao, a «simbélica» e a «punitivista» ~ esta serd a tese a expor aqui ~ constituem a linhagem do Direito penal do inimigo. $6 considerando esta filiagao na politica criminal moderna poder apreender-se 0 fend- ‘meno que aqui interessa (no qual se entraré infra Ill). 2.2.1. O Direito penal simbélico Particular relevancia diz respeito, em primeiro lu- gar, Aqueles fendmenos de neocriminalizagao a respeito dos quais se afirma, criticamente, que tao-s6 cumprem efeitos meramente «simbdlicos».6 Como tem assinalado ivamente HERZOG, Gesllch org, 2001, p. 50 € ss, (cd), jst des Funk ag, 1989, p. 88 es (p. 88); idem mc UNG/ MOLLER DIETZ) NEUMANN (ed, ect und Monat Baige su ner Standorttestinmung, 1991, p. 329 e 8; HERZOG, Unischerket (nota 8), p65 e ss ALBRECHT, em: Insti lwvissenschaften Feankfurt BUM (ed), Zustand 6 Vid, sobre esta nogto, por todos, contidas em VOB, Synboldche Gece sesetagebungsokien, 1989, passing cf imbém, mais sueintamente, SILVA Direito Penal do Inimigo 37 Hassemer, desde o princfpio desta discussio, quem relaciona 0 ordenamento penal com elementos «simbéli- cos» pode criar a suspeita de que nao considera a dureza muito real e nada simbdlica das vivéncias de quem se vé submetido a persecugao penal, detido, processado, acu- sado, condenado, encarcerado.? Isto €, aqui surge, ime- diatamente, a idéia de que se inflige um dano concreto com a pena, para obter efeitos um pouco mais que simbélicos. Portanto, para se poder abordar 0 conceito, ha que recordar, primeiro, até que ponto o moderno principio politico-criminal de que sé uma pena social- mente itil pode ser justa, tenha sido interiorizado (em diversas variantes) pelos participantes no discurso poli- tico-criminal. Entretanto, apesar desse postulado (de que se satisfaz um fim, com a existéncia do sistema penal, que se obtém um resultado concreto e mensuré- vel, ainda que s6 seja — no caso das teorias retributivas ~ a realizagio da justica), os fendmenos de carter simb6- lico fazem parte, de modo necessario, do entrelacamento do Direito penal, de maneira que, na realidede, é incor- reto o discurso do «Direito penal simbélico» como fendmeno estranho ao Direito penal. Efetivamente: des- de perspectivas bem distintas, desde a «ctiminologia critica» — e, em particular, desde o assim chamado enfoque do labeling approach’ — que dé importancia as condig6es da atribuicdo social da categoria «delito», até a teoria da prevengao geral positiva, que entende delito e pena como seqiiéncia de posicionamentos comunicati- 253 e ss; SANCHEZ GARCIA ss DIEZ RIPOLLES, AP 2001, p. Le $= ZW 113 BOO pS ea), Todos com eerencls cleione 7 NSKZ, 1988, p. 553 es. (PoE 1 [1991], p23 es8) 8 Vid, por todas as reeréncas em VOS, Symbolche Gesetagehung (nota 6) p. wes 58 ‘Mansel Cancio Meta vos a respeito da norma:? os elementos de interacao simbélica so a mesma esséncia do Direito penal.” En- tao, 0 que quer dizer-se com a critica ao carater simbé- lico, se toda a legislac&o penal, necessaria mente, possui caracteristicas que se podem denominar de «simbéli cas»? Quando se usa em sentido critico 0 conceito de Direito penal simbélico, quer-se, entao, fazer referéncia a que determinados agentes politicos téo-s6 perseguem. 0 objetivo de dar a «impressao trangiiilizadora de um legislador atento e decidido»," isto 6, que predomina uma fungao latente sobre a manifesta. Mais adiante po- deré fazer-se alguma consideracao acerca de outras fun- Ges latentes do Direito penal simbélico, manifestadas em seu descendente, 0 Direito penal do inimigo.!2 Na «Parte Especial» deste Direito penal simbélico, tem uma relacdo de especial relevancia - por mencionar 86 este exemplo -, em diversos setores de regulagdo, certos tipos penais nos quais se criminalizam meros atos de comunicacao, como, por exemplo, os delitos de insti- gacdo ao édio racial ou os de exaltacao ou justificagdo de autores de determinados delitos. 9 JAKOBS, AT, e ss; vid sigdo de SANCHEZ GARC (2.2), p. 90 ess. em tormo as relag6es entre Direito penal preventivo e Direito penal simbélico. Chr, por todos, DIEZ RIPOLLES, AP, 2001, p. 4 ss. 1 SIVA SANCHEZ, Aproximacién (ota 6), p. 308 12 Infra 2.8, "3 Ctr, por exemplo, a respeito dos delitos de Iuta contra a discriminacso, ultimamente LANDA GOROSTIZA, IRPL/RIDP, 73, p. 167 ess, com uller res referencias, Vid. Também acerca deste tipo de infragdes| CANCIO MELIA, fem: JAKOBS/CANCIO MELIA, Conferencias sore tems pens, 2000, p. 139 35; idem, IpD, 44 2002), p. 36. No Direito comparado, contrariamente & legitimidade' dos precetos andlogos do Cédigo penal alemao, ct. s0 8 con tndente critica de JAKOBS, 2StW, 97 (1985), p. 751 e seu considera-se, de todo modo, que no caso do ordenamento alemao a claustila que Fefere estas condutas b perturbagto de ordem publica permitiria uma selegao das cond tas em questio, em fungio da gravidade social destas. Ainda assim, tem surgido também nesse pafs vozes que ~ mais alm das consideragbes de JAKOBS acabadas de citar ~ poe emt dvida a adequaga.o do ordenamento 1991), p. 52, € a ex Direito Penal do Inimigo 59 2.2.2. O ressurgir do punitivismo Entretanto, reconduzir os fendmenos de «expan- sao» que aqui interessam de modo global s6 a estas hipteses de promulgacao de normas penais meramente simbélicas, nao atenderia ao verdadeiro alcance da evo- lugao. Isto porque o recurso ao Direito penal nao sé aparece como instrumento para produzir tranqiiilidade mediante o mero ato de promulgagao de normas eviden- temente destinadas a nao ser aplicadas, mas que, em segundo lugar, também existem processos de criminali- zacao «4 moda antiga». Estes se verificam com a intro- dugo de normas penais novas com o intuito de promover sua efetiva aplicacao com toda firmeza, isto é, verificam-se processos que conduzem a normas penais novas para serem aplicadas, ou se verifica 0 endureci- mento das penas para normas ja existentes. Deste modo, inverte-se 0 proceso havido nos movimentos de refor- ma das tiltimas décadas — na Espanha, depois de 1978 - em que foram desaparecendo diversas infragdes. Recor- de-se s6 a situagao do Direito penal em matéria de condutas sexuais ~ que ja nao se consideravam legiti- mas. Neste sentido, percebe-se a existéncia, no debate politico, de um verdadeiro «clima punitivistan:'5 0 recur- so a um incremento qualitativo e quantitativo no alcance da criminalizagao como tinico critério politico-criminal; ‘um ambiente politico-criminal que, desde logo, nao carece de antecedentes. Porém, estes processos de criminalizacio. =e isto é novo ~ em muitas ocasides se produzem com ppenal neste contexto: vi, por exemplo, SCHUMANN, StV, 1993, p. 324 e ss. AMELUNG, ZStW 92 (1980), p. 55 ss. Ante 0 consenso politico que incitam festas normas no caso alemao, resulta significative que o antecedente da in Iragao ests no delito de «provocagio a luta de classes»; vid LK! ~ v. BUB- NOFF, comentirio prévio aos 88 125 es. 1M Embora se possa observar que em muitos ca80s Se pro seletiva, 18 Cf, CANCIO MELIA, em: JAKOBS/CANCIO MELIA, Confereneias (nota 13), p Bless, 135 €8, 60 1 aplicagao coordenadas politicas distintas a distribuigao de fungées tradicionais que poderiam resumir-se na seguinte f6r- mula: esquerda politica-demandas de descriminaliza- ¢40/direita politica-demandas de criminalizacao."® Neste sentido, parece que se trata de um fenémeno que supera, em muito, o tradicional «populismoy na legislagio penal. No que tange esquerda politica, é chamativa a mudanga de atitude: de uma linha - de forma simples, é claro ~ que identificava a criminalizacio de determina das condutas como mecanismos de represséo para a manutengao do sistema econémico-politico de domina- go,” a uma linha que descobre as pretensdes de neocri- minalizacdo, especificamente de esquerda:** delitos de discriminagao, delitos nos quais as vitimas so mulheres maltratadas, etc.'? Entretanto, evidentemente, o quadro estaria incompleto se nao fizéssemos referéncia a uma mudanga de atitude também da direita politica: no contexto da evolugéo das posigdes destas forcas, tam- bém em matéria de politica criminal, ninguém quer ser «conservador», mas «progressista» (ou mais) que todos os demais grupos (= neste contexto: defensivista). Neste 16 Assim, por exemplo, sublinha SCHUMANN a respelto das infragies “rbita de manifestacoes neonazistas que existe um consenso esquerdadirelta nna hora de reclamar a intervencio do Direito penal, StV, 1983, p. 324. Vi neste sentido, além disso, as consideragoes sobre as demandas de erimi acto da social democracia européia em SILVA SANCHEZ, La expansian (p. 69'e 35, trata-se de uma situaca0 na qual qualquer coletivo tem suas» pre- tenses de criminalizacio frente ao legislador penal: cf. a exposiga0 sinto smatica de ALBI _ lichen’ Zustand (nota 2), p. 429; 2 moral fazendo uso da legislagso penal s6 VOB, Symbolische Geset=gebung (nota 6), p.28 es. 1 Vid. SILVA SANCHEZ, La expansin (nota 2), p. 57 ess, acerca desta troca de orientacio; movimento pa logia critica ‘com pretensbes abolicionistas vid. somente a panoramica tacada por SILVA Bess, SANCHEZ, Aproximaci 18 «Go and t crime doesn’t exist, frase significativa do crimindlogo YOUNG citada por ILVA SANCHEZ, aprotinin (NOTA 6), p23 nots 36 m 19 Vid, sobre isto, com particular referéncia & social democracia européia, SILVA SANCHEZ, La expansién (nota 2},p. 69 ess, com ulteriores referencias. Direito Penal do Inimigo 61 sentido, a direita politica — em particular, refiro-me & situagao na Espanha - tem descoberto que a aprovacao de normas penais é uma via para adquirir matizes politicas «progressistas».” A esquerda politica tem aprendido o quanto rentavel pode resultar 0 discurso da law and order, antes monopolizado pela direita politica. Esta se soma, quando pode, a habitualidade politico-cri- minal que caberia supor, em princfpio, pertencentemen- te a esquerda, uma situagio que gera uma escala na qual ninguém esta disposto a discutir, verdadeiramente, questdes de politica criminal no 4mbito parlamentar e na qual a demanda indiscriminada de maiores e «mais efetivas» penas ja nao é um tabu politico para ninguém. © modo mais claro de apreciar a dimensao deste fenémeno quicé esteja em recordar que, inclusive, con- duz a reabilitacao de nocdes ~ abandonadas hé anos no discurso tedrico dos ordenamentos penais continentais ~ como a inocuizagao.” Neste sentido, parece evidente, no que se refere & realidade do Direito positivo, que a tendéncia atual do legislador é a de reagir com «firmeza» dentro de uma gama de setores a serem regulados, no marco da «luta» contra a criminalidade, isto é, com um incre- mento das penas previstas. Um exemplo, tomado do Cédigo penal espanhol” sao as infragGes relativas ao 20 $6 assim se explica, por exemplo, que tenha sido precisamente a direita a Inpufsionad eaprorade uma modiiass0 Tegulado no artigo 184 do CP, ue supse um pert sobre a regulncto poucoaprofundads, htraguaida no CP de 195. 21 Che, somente SILVA SANCHEZ, em: ide, Estas de Derecho peal, 2000, p-203 e305 Hom, La epanan nota), pT es 2 vid. a respeito do CP de 1995 36 0 dingntico global de RODRIGUEZ MOURULLG. em seu prdlogo os Comertiro Cogn penal (1957) por ele ain ae nonove€oaigo pen Eontundente de GIMBERNAT ORDEIG, em seu prdlogo {Feeney 9 CP Ge 1995 ets sintluenciado pelo rena Shoe da ideologa da “Ite ondem por wh incre noves figura deitivas, por um insaportivl igor p 62 - trdfico de drogas ou entorpecentes e substancias psico- trépicas:® a regulacao contida no texto de 1995 duplica a pena™ prevista na regulacdo anterior 5 de modo que a venda de uma dose de cocaina — considerada uma substancia que produz «grave dano A satide», ensejando a aplicagio de um tipo qualificado ~ supde uma pena de trés a nove anos de privacao de liberdade (frente a, aproximadamente, um a quatro anos do Cédigo ante- rior), potencialmente superior, por exemplo, a pena de um homicfdio culposo grave (um a quatro anos) ou a um delito de aborto doloso sem consentimento dz gestante (quatro a oito anos) nos termos previstos no mesmo «Cédigo penal da democracia», apoiado pariamentar- mente pela esquerda politica. Como ¢ sabido, a evolugio mais recente se dirige a uma ulterior avalancha de endurecimento.”* Neste mesmo contexto, uma consideracao da evolu- 40 ocorrida nos iiltimos anos nos Estados Unidos - sem considerar as mais recentes medidas legislativas - pode ser reveladora de qual é - ou, melhor dito: de longe que se possa chegar até alcangar ~ 0 ponto de chegada desta escalada: mediante a legislacao de «three strikes», um agente pode, em alguns Estados dos EUA, zeceber a pena de prisao perpétua, entendida esta, ademais, em 2 Sobre esta problematica no caso espanhol cf GONZALEZ ZORRILA, em: LARRAURI IOAN ( espanol em RDFCr, 4 (1999), p. 881, 892 e's, 24 Considerando a mudanga no regime de cumprimento das penas privativas, de lberdade; no Cédigo anterior (fexto refundido de 1973), come & sabido, 0 cumpe sat-se na metade da extensi da pena 25 Cfr. artigos 368 CP 1995 e 344 CPTR 1973 26 Vid contetido dos kimos Projetosde-Lei (adm. 129-1 [BOC 5.2003). Direito Penal do Inimigo 63 sentido estrito (até a morte do condenado)2” enquanto que, sob aplicagao do Cédigo penal espanhol, nem se- quer seria preso.?* 2.2.3. Punitivismo e Direito penal simbélico Do exposto até o momento jé fica claro que ambo os fenémenos aqui selecionados nao sao, na realidade, suscetiveis de ser separados nitidamente. Assim, por exemplo, quando se introduz uma legislagao radical- mente punitivista em matéria de drogas, isso tem uma imediata incidéncia nas estatfsticas da persecucao crimi- nal (isto é, nao se trata de normas meramente simbdli- cas, de acordo com o entendimento habitual) e, apesar disso, é evidente que um elemento essencial da motiva- Gao do legislador, na hora de aprovar essa legislagao, est nos efeitos «simbélicos», obtidos mediante sua mera promulgacao. E ao contrario, também parece que, normas que em prinefpio poderiam ser catalogadas de «meramente simbélicas», possam ensejar um proceso penal «real». © que ocorre é que, na realidade, a denominacao «Direito penal simbélico» nao faz referéncia a um grupo 2 Cir comente BECKETT, Making Cre Pay. Ls an Order Contemporary “Americ Pits, 197, p. 89 e ss 96, a cespelto do caso do Estado da Cal fon, vi, por exemplo, on dado realtone / http aes ie tambein as tteréncas en SILVA SANCHEZ, Le espana (nol 2), P Tess 28 Por exemplo: um delto de roubo do artigo 242: junto com um de lesdes do artigo 1H.2 « outro de violagio da condenagto do artigo 468 CP Jo, respito do artigo S10 co CP espana junto com oa at ‘072.CP, que contem uma infagso que pena # condita de ‘qusiguer mero, de Weiss os dostrinas que neem ou Ae eEnociio ~ continea sendo signifietiva» condenagto ~ em prime admirador do nazismo, propritario de um densa orientagio, a cineo aon de pena pra mire amas inirages; Chara Cuming! rm 3 de 64 ‘Manuel Cancio Melia bem definido de infragdes penais,” caracterizadas por sua inaplicabilidade, pela falta de incidéncia real na «so- lucao», em termos instrumentais. Tao-s6 identifica a espe- cial importancia outorgada pelo legislador,"" aos aspectos de comunicagao politica, a curto prazo, na aprovacao das respectivas normas. Para tanto, inclusive, podem chegar a estar integrados em estratégias ténico-mercan- tilistas de conservacao do poder politico, chegando até a criacdo consciente na populagao, de determinadas ati- tudes no que tange aos fenémenos penais que posterior- mente sao «satisfeitas» pelas forcas politicas. Dito com toda brevidade: o Direito penal simbélico nao s6 identifica um determinado «fato», mas também. (ou: sobretudo) um especifico tipo de autor, que & definido nao como igual, mas como outro. Isto é, a existéncia da norma penal - deixando de lado as estraté- gias técnico-mercantilistas, a curto prazo, dos agentes politicos - persegue a construgao de uma determinada imagem da identidade social, mediante a definicao dos autores como «outros», ndo integrados nessa identida- de, mediante a exclusao do «outros. E perece claro, por outro lado, que para isso também sao necessérios os tracos vigorosos de um punitivismo exacerbado, em escala, especialmente, quando a conduta em questao j4 est apenada. Portanto, 0 Direito penal simbélico e 0 punitivismo mantém uma relagao fratemal. A seguir, pode ser examinado o que surge de sua unio: 0 Direito penal do ini adequado contentar-se com a denominagio do bole al fale, sentido de que so simulara a oblengio de determinados res ont cuidado, DIEZ RIPOLLES, AP, 2001, p.4e sx, com refer 31 € oque agora ineresa: porém, eno, caberiak de «aplicacio simbolicas de normas penais 52 Che, somente as refert slo em BECKETT, Mo Direto Penal do Inimigo 65 3. «Direito Penal do Inimigo»? Para concluir, a seguir, tentar-se-4 analisar 0 con- ceito de Direito penal do inimigo para determinar seu contetido e sua relevancia sistemética. Para isso, em primeiro lugar, apresentar-se-do as definicées deter- minantes que tém aparecido na bibliografia, propon- do-se alguma precisio a essa definigio conceitual. Para isso, ¢ especialmente relevante a imbricagao do fendmeno na evolugao politico-criminal geral, isto é, sua genealogia (infra 1). Finalmente, esbogar-se-4o as duas razées fundamentais pelas quais, desde a pers- pectiva do sistema juridico-penal atualmente prati- cado, 0 conceito de Direito penal do inimigo sé pode ser concebido como instrumento para identifi- car, precisamente, 0 nao-Direito penal® presente nas legislagdes positivas: por um lado, a fungao da pena neste setor, que difere da do Direito penal «verdadeiro por outro lado, como conseqiiéncia do anterior, a falta de orientagao com base no principio do Direito penal do fato (infra 2). 33 sto & um Diet Imputagto que é pri ral meramente form jeada normalmente sab essa denominag. 66 Manuel Cancio Melié 3.1. Determinacio conceitual 3.1.1. Direito penal do inimigo (Jakobs) como terceira velocidade (Silva Sinchez) do ordenamento juridico-penal * Segundo Jakobs,¥ 0 Direito penal do inimigo se caracteriza por trés elementos: em primeiro lugar, cons- tata-se um amplo adiantamento da punibilidade, isto 6, que neste Ambito, a perspectiva do ordenamento jurid co-penal é prospectiva (ponto de referéncia: 0 fato futu- ro), no lugar de — como é o habitual - retrospectiva (ponto de referéncia: 0 fato cometido). Em segundo lugar, as penas previstas sio desproporcionalmente al- tas: especialmente, a antecipacao da barreira de punigio nao 6 considerada para reduzir, correspondentemente, a pena cominada. Em terceiro lugar, determinadas garan- tias processuais sao relativizadas ou inclusive suprimi- das§° De modo materialmente equivalente, na Espanha % Quem, como se tem assinalado, introdvzia ~ em duns fases em 1985 & 1999/2000 ~o conevito na discuss8o mals recente (Jokobs, Estudios de Dere- P ‘om: ESER/HASSEMER /BURK- HARDI (ed, Strafrechtotesncheh [nota I], p. 47 ess, 51 e 36; idem, Z50W, 97 [2985], p. 753 esa; idem, AT?,2/25.), Certamente, se poderiaidentifcar = como subiinha SILVA SANCHEZ, La expansion (nota 2), p. 165 com not 388.~ muitos antecedentes materiais da noglo de Divito penal do inimgo, em particular, em determinadas orientagbes da preveng3o especial an § segunda gucrra mundial fr, MUNOZ CONDE, DOXA 15-16 (199), p. 1031 € 58. Desde uma perspectiva temporal mais ampia,e com on anilisecorrespondente de PEREZ DEL VALLE (CPC 75 [2001 p. ), relativamente 3s teorias do ROSSEAU € HOBBES. Em todo cao, ¢ p antecedentes histricos~ pode ser delxado Wricos eo atu, 35 Vid, sinteticament rnd. 20 (nota Pp. 138 e ss, Os trabalhos de JAKOBS tém desencadeado uma incipiente dliscussao nos Ambitos de fala alema e espankola na qual se constata sobre- tudo vozes marcadamente criticas. Nesta linha, atribem a JAKOBS uma posigio afirmativa a respeito da existéncl ito penal do inimigo, por ‘exemplo, SCHULZ, 2StW, 112 (2000), p. 659 ess, SCHUNEMANN, GA, 2001, Direito Penal do Inimigo 67 Silva Sanchez tem incorporado o fenémeno do Direito penal do inimigo a sua propria concepeao politico-cri- minal. De acordo com sua posigdo, no momento atual estao se diferenciando duas «velocidades» no marco do ordenamento juridico-penal:” a primeira velocidade se- ria aquele setor do ordenamento em que se impdem penas privativas de liberdade, e no qual, segundo Silva Sanchez, devem manter-se de modo estrito os prinefpios politico-criminais, as regras de imputacao e os princi pios processuais classicos. A Segunda velocidade seria constitufda por aquelas infragdes em que, ao impor-se s6 penas pecuniarias ou restritivas de direito - tratando- se de figuras delitivas de cunho novo -, caberia flexi- bilizar de modo proporcional esses principios e regras «cléssicos»® a menor gravidade das sancdes. Inde- pendentemente de que tal proposta possa parecer acer- tada ou nao — uma questo que excede destas breves 210 sa; MUNOZ CONDE, Edmund Merger Estes se ef Derecho pena me Nacionales [AMBOS, Der algenene Yet ens Vohrinfecis, 200% p63 a8 63 orga «fara rgigs nuson wna leita 188 inclusive se firma gue JAKOBS comm tra constantemente a0 pensamento MITT, PORTILLA CONTRERAS, entrtanto nim. 3 Derecho penal y proces del -eneigo™ AS erke nos forges inernor exten, no pelo para Libro Enrique Bacigalopo:s~ jsiicaetentalegitmara eturs de tim Direto penal e proceso scm garantase (exo correspondent hnola Spates feado plcocrinel da primes (1985) e da Se gunda (199/200) aproximagio, PRTTWITZ, ZS1W 13001), p. 778.86, Spr ess: com nola 106 Por osto lado, azn de SILVA SANCHEZ Gate Posigto, vid. a sepur no text) erm referencia 8 concepzto de JAKOBS tivo (em alguns casos) ng aly Si p77 @ 83 FEIJOO SANCHEZ PRJUAM, 4 (2001) peas 46 es, PEREZ DEL VALLE, CPC, 752001. S97 easy POLAINOWAVAKRETE, Derecho penal Parte Gr ‘loti del Drecha pea, 8 ego 200, P1854; CANCIO ME {Gb0my ps 19 eae GRACIA MARTIN, Protea 36 Ci SILVA SANCHEZ, La expamsin (not 2), p. 163 2 Vid SILVA SANCHEZ, La exnsion (ns 2),p. 159 8 8 Cir SILVA SANCHEZ, La cxpusi (0482), p 199 86,161 es 68 Manuel Cancio Melia consideragées -, a imagem das «duas velocidades» in- duz imediatamente a pensar ~ como fez 0 proprio Silva Sanchez® — no Direito penal do inimigo como «terceira velocidade», no qual coexistiriam a imposicao de penas privativas de liberdade e, apesar de sua presenca, a «flexibilizagdo» dos princfpios politico-criminais ¢ as regras de imputagao. 3.1.2. Precisées 3.1.2.1. Consideragdes. Até aqui, realizou-se a descri- ao. A questo que agora se suscita é, naturalmente, 0 que deve ser feito no plano tedrico-sistematico com essa realidade constatada. Ha que parar nessa constatacao? Hé que tentar limité-la na medida do possivel, talvez «domando-a» ao introduzi-la no ordenamento juridico- penal? Em resumo: é ilegitima? Dito de outro modo: nao esta claro se 6 um conceito meramente descritivo ou afirmativo. Antes de tentar responder a essa questao, parece necessério, entretanto, tecer algumas considera~ Ges acerca do contetido do conceito de Direito penal do inimigo. Da perspectiva aqui adotada, ambas as concepsdes, antes esbocados, sao corretas, como elementos de uma descrigao.” No que tange ao alcance concreto destas normas, realmente existentes, posto que se trata, como antes se tem indicado, de uma definicao tipico-ideal, para deter- minar a «Parte Especial» juridico-positiva do Direito tin (nota 2), p. 163 es. le do inimigo no ordenamento pesitivo (SILVA SANCHEZ diz [La expansion (nota 2), 166] que sobre ito 30 cia agua»), © que pode ser descrito. noe} por ce que se tem ‘esenvolvimento dle JAKOBS (eft, por exemple, expressamente PORTILLA CONTRERAS, entrementes, num. 88 [2002 p. 77 e5, 83,91) Direito Penal do Inimigo 69 penal do inimigo seria necessério um estudo detalhado, tipo por tipo — que excederia o escopo do presente texto -, de diversos setores de regulacao.‘! Neste sentido, segu- ramente é certo (como tem afirmado Silva Sanchez") que € necessario demarcar, na praxis da andlise da Parte Especial, diversos niveis de intensidade nos preceitos juridico-penais concretos, e que, no plano tedrico, 6 possivel apreciar que em seu alcance concreto, a nogao de Direito penal do inimigo proposta por Jakobs na primeira aproximacao (1985) 6 consideravelment2 mais ampla (incluindo setores de regulac&o mais préximos ao «Direito penal da colocagao em risco», delitos dertro da atividade econdmica) que a da segunda fase (a partir de 1999), mais orientada nos delitos graves contra bens juridicos individuais (de modo paradigmatic: terroris- mo). Em todo caso, o que parece claro é que, no ordena- mento espanhol, o centro de gravidade do Direito, penal do inimigo esta sobretudo no novo Direito antiterroris- ta, primeiro na redacéo dada a alguns dos preceitos correspondentes no Cédigo Penal de 1995, depois na reforma introduzida mediante a Lei Organica niimero 7/2000, e no futuro mediante as reformas agcra em tramitagao parlamentar.* A esséncia deste conceito de Direito penal do inimigo estd, entao, em que constitui uma reacao de combate, do ordenamento juridico, contra individuos especialmente perigosos, que nada significam,** j& que 41 Chr, por exemplo, 0 catélogo intemacional exposto por PORTILLA CON- "TRERAS, entrementes, nim. 83 (2002), p. 83 es 42 Em uma contribuigdo de seminrio, Universidade Pompeu Fabra 5/2003. 4® Cia sintética descrigdo de CANCIO MELIA, em: RODRIGUEZ MORRU- LO/JORGE BARREIRO ea, Comentarios 1997, p. 1384 es. 41 Che. CANCIO MELIA, JpD, 44 (2002), p. 19 € 88. 23 6 45 Especialmente, as contidas no Projeto-de-Lei nim, 129 (BOCG 142-2008) 46 Nios termos do significado comunicacional habitual da pena criminal sobre isto aseguie inf 2 70 ‘Manuel Cancio Melié de modo paralelo as medidas de seguranga, supde tao-s6 um processamento desapaixonado, instrumen- tal,” de determinadas fontes de perigo, especialmente significativas.** Com este instrumento, 0 Estado nao fala com seus cidadaos, mas ameaga seus inimigos."” 3.1.2.2. Caréncias. Entretanto, desde a perspectiva aqui adotada, essa definicao ¢ incompleta: s6 se ajusta, de maneira parcial, com a realidade (legislativa, politica e da opiniao publicada). Em primeiro lugar: ainda sem levar a cabo um estudo de materiais cientfficos relativos & psicologia social, parece claro que em todos os campos importantes do Direito penal do inimigo («cartéis da droga»; «ctimi- nalidade referente 4 imigracdo»; outras formas de minalidade organizada» e terrorismo) 0 que sucede nio € que se dirjjam com prudéncia e se propaguem com frieza operacdes de combate, mas que se desenvolve uma cruzada contra malfeitores cruéis. Trata-se, portan- to, mais de «inimigos» no sentido pseudo-religioso que na acepsao tradicional-militar do termo.™ Em efeito, a identificagao de um infrator como inimigo, por parte do ordenamento penal, por muito que possa parecer, a primeira vista, uma qualificag3o como «outro»! nao 6, 7 Desde esta perspectva,¢ chamativoo parallismo com a idiossincrasia de determinadas tendéncias inocuizadoras na discussto norte-americana gue recebem a significativa denominagio de «managerial criminology vl. a exposigao de SILVA SANCHEZ, La expansion (nota 2), p-141 e's, 145. #8 fe. SILVA SANCHEZ (La exp ameacam debilitar os fundamentos ultimos da s tadov; ereagies cingidas 20 ‘menos excepcionalmente graves JAKOBS, Cuadernos de Derecho judici 50 A respeito do terrorismo de novo significado SCHEERER (Die Zi Terr 0 71 Direito Penal do Ini na realidade, uma identificagao como fonte de perigo, nao supée declard-lo um fendmeno natural a neutrali- zar, mas, ao contrario, é um reconhecimento de fungao normativa do agente mediante a atribuigao de perver- sidade, mediante sua demonizacao. Que outra coisa no é Litcifer sendo um anjo cafdo?*® Neste sentido, a carga genética do punitivismo (a idéia do incremento da pena como tinico instrumento de controle da criminalidade) se recombina com a do Direito penal simbélico (a tipificacao penal como mecanismo de criagdo de identidade social) dando lugar ao cddigo do Direito penal do inimigo. Em segundo lugar, este significado simbélico espect- fico do Direito penal do inimigo abre a perspectiva para uma segunda caracteristica estrutural: nao é s6 um deter- ‘minado «fato» o que esté na base da tipificagao penal, mas também outros elementos, contanto que sirvam a caracte- rizacao do autor como pertencente a categoria dos ini- migos.** De modo correspondente, no plano técnico, 0 mandado de determinacao, derivado do principio de legalidade e suas «complexidades»® jé ndo sio um ponto de referéncia essencial para a tipificagao penal. 3.2. O Direito Penal do Inimigo como contradigéo em seus termos 3.2.1. Consideragées Quando se aborda uma valoracdo do Direito penal do inimigo como parte do ordenamento juridico-penal, 52 Chea respeito desta ida, também o texto infra 28. 53 Um dos nomes,é, precisamente 0 Jnimigo. 54 Cfr. sobre isto, também, no texto infra 2. C. 55 Um termo que, por exemplo, aparece virias vozes na Exposigio de motivos dda Let Organica nlimero 7/2000 como um problema a superar. 72 Manuel Cancio Melié sobretudo se pergunta se deve ser aceito como inevita- vel segmento instrumental de um Direito penal moder- no. Para responder esta pergunta de modo negativo, em primeiro lugar, pode-se recorrer aos pressupostos de legitimidade mais ou menos externos ao sistema jurfdi- co-penal no sentido estrito: nao deve haver Direito penal do inimigo porque ¢ politicamente erréneo (ou: incons- titucional).®° Em segundo lugar, pode argumentar-se den- tro do paradigma de seguranca ou efetividade no qual a questao é situada habitualmente pelos agentes politicos que promovem este tipo de normas penais: 0 Direito penal do inimigo nao deve ser porque nao contribui a prevencio policial-fatica de delitos.” Fstes sao, natural- mente, caminhos transitaveis, que de fato se transitam na discussio e que se devem transitar. Porém aqui se pretende~em lerceiro lugar — esbogar uma andlise prévia, 56 Pelo que se consegue ver, esta & a argumentagac que est na base das posigdes crticas exstentes na discussdo até o momento (oi. as reenéncias pr, a nota 35) 57 No plano empirico, parece ques pode afrmar que sexperiéncia em outros aloes de nsud entorn, a respeit de orgaizagoes errors senddgenas», fhostra que a aplicagto deste tipo de infracoes nao tem evitado delitos, mas tem contribu para atrair novos militantes as organizagoes em questo (esse parece ser o caso, em particlar, na passagem, na Alemanha, da «primeira Berapion da fragio do cxerlto vermelho [RAF, Role Armee raion] 83 suces- Sivas avalanchas de membros desse grupo {ue se possa isola pars efito de analise,s6 a questao da efetividad prev tiva: pois dentro deste balango deveria terse em conta, de modo muito tspechal, que as normas destascaracersticas tendem a contamina outros Smbitos de ineriminagio como mostram milliph de modo que hs boas razdes para pensar que éilusiria a Sctores do Diseto penal (0 Direito penal do cidadio e 0 Dis inimigos) que possum conver em ulm mesmo ordenamento juicy dissoeno Dalango de wefetividader hd que se considear, como antes se ,gea mer exstencla do Dito penal do inimigy pode representa, em Slguma ocaiao, cm éxito de propoganda pollica pasa precisamente, para ‘a Sobre falta de efetividadey ct. somente FEIOO SANCHEZ, {respi do caso coneteto da introdugao do hamado sterrorismo individual no CP de 1985, cf, por exempl, a anise roducenteslevadas a ele por ASUA BATARRI- ILDUA [coord], Est dri de Jose Direito Penal do inimigo 73 interna ao sistema jurfdico-penal, em sentido estrito: 0 Direito penal (faticamente existente) integra, conceitual- mente, 0 Direito penal?.* Com esta formulagio, como ¢ evidente, implica que a utilizagao do conceito considere, sobretudo, uma des- crigo: a valoracao (politica) cai por seu préprio peso, uuma vez dada a resposta. Deste modo, introduz-se a questo, amplamente discutida, acerca de se este tipo de concepcées pode legitimamente levar a cabo tal descri- 40, ou se, ao contrério, todo trabalho tedrico neste contexto oferece sempre, ao mesmo tempo, uma legiti- magio. A este respeito 56 ha que se anotar aqui que na discussao incipiente em torno da idéia de Direito penal do inimigo, desde © principio se percebem, as vezes, tons bastante rudes, que se dirigem, em particular, contra a mera (re) introdugao do par conceitual Direito penal do cidadao e do inimigo por Jakobs. Sem preten- der reformular aqui a discussdo global em torno do significado do sistema dogmatico desenvolvido por Ja- kobs, sobre sua compreensao como descricao ou legiti- macao,® sim h4 que indicar que aquelas posigdes que enfatizam os possiveis «perigos», insitos na concepcao de Jakobs, nem sempre consideram, de modo suficiente, que essa aproximacao, tachada de estruturalmente con- servadora ou, inclusive, autoritéria, 4 tem produzido, em varias ocasides, construgdes dogmaticas com um alto potencial de recorte da punibilidade. Um pequeno 5 Expaem e deixam aberta esta questio, tanto JAKOBS (em: ESER/HASSE- MER/ BURKHARDT [ed], Siafechtniseonschat [nota], p. 50) como SILVA SANCHEZ (La exponsin [nota 2), p. 165) 5 Chr. a espeito, ds novo, prprioJAKOBS, em: on, Ste 1a normatvizncn dele dogmiticn jurdico-pena, 2 (o prelo para a Ea. Civitas); id, quanto a0 mais, somente PENARADA RAMOS/SUAREZ GONZA. es de Derecho penal, 1997, p. 17 € 229. ., 242 es. dem, Lesion to, 2008, passim, com anteriores referencias. 74 Manuel Cancio Melié exemplo, precisamente relativo ao Direito penal do inimigo: segundo Muitoz Conde, no que tange ao conceito de Direito penal do inimigo, e considerando o grande eco da teoria de Jakobs na América latina," 6 necessério sublinhar que essa aproximacao tedrica nao é «ideologicamente inocente», precisamente em paises, como Colémbia, nos quais «esse Direito penal do inimi- go € praticado». Com toda certeza, qualquer concepgio te6rica pode ser corrompida ou usada para fins ilegiti- ‘mos; ndo se pretende aqui negar essa realidade. Porémn, 6 um fato que a Corte Constitucional colombiana tem declarado recentemente inconstitucional ~ aplicando, expressamente, o conceito de Direito penal do inimigo, desenvolvido por Jakobs ~ varios preceitos penais pro- mulgados pelo presidente. Concluindo: nao existem concepdes tedricas (estritamente juridico-penais) que tornem invulnerdvel um ordenamento penal, frente a evolugoes ilegitimas. A resposta que aqui se oferece é nao. Por isso, propor-se-do duas diferencas estruturais (intimamente relacionadas entre si) entre «Direito penal» do inimige e Direito penal: a) 0 Direito penal do inimigo nao estabili- za normas (prevencio geral positiva), mas denomina determinados grupos de infratores; b) em conseqiiéncia, 0 Direito penal do inimigo nao 6 um Direito penal do fato, mas do autor. Ha que ser enfatizado, de novo, que estas caracterfsticas nao aparecem com esta nitidez pre- @ mx: BARQUIN/SANZ/OLMEDO CARDENETE, Conversagoes: Dr. Fran- cisco Mutoz Conde, RECPC 04 € (2002) 61 Esta influéncia também & constatada, em termos 5 pacdo, por AMBOS, Vilzrstrjrecht (note 31), p. 64 8 near 99/02 de 31-1020 lao My seg cct ec ‘do principio deur ratio. © Vid. CANCIO MELIA, em: JAKOBS/CANCIO MELIA, Conferences (nota 13), p. 139 e 88, 197 Direto Penal do Inimigo 5 to no branco, no texto da Lei, mas que se encontram sobretudo em diversas tonalidade cinzentas. Porém, pare- ce que conceitualmente pode-se tentar a diferenciagao. 3.2.2. O Direito penal do inimigo como reagao internamente disfuncional: divergéncias na fungio da pena ‘Quando se argumenta que os fendmenos, frente aos quais reage 0 «Direito penal do inimigo», s4o perigds que poem em xeque a existéncia da sociedade, ou que é a auto-exclusdo da condigo de pessoa o que gera uma necessidade de proporcionar uma especial seguranca cognitiva frente a tais sujeitos, ignora-se, em primeiro lugar, que a percepcao dos riscos - como é sabido em sociologia ~ é uma construcdo social que nao esta rela~ cionada com as dimensoes reais de determinadas amea- cas. Desde a perspectiva aqui adotada, também neste caso se da essa disparidade. Os fendmenos, frente aos quais reage 0 «Direito penal do inimigo, nao tém essa especial «periculosidade terminal» (para a sociedade), ‘como se apregoa deles. Ao menos entre os «candidatos» a «inimigos» das sociedades ocidentais, ndo parece que possa apreciar-se que haja algum — nem a «criminalida- de organizada» nem as «mafias das drogas», e tampouco 0 ETA ~ que realmente possa por em xeque ~ nos termos «militares» que se afirmam — os parametros fundamentais das sociedades correspondentes em um futuro previsivel. Isto é especialmente claro quando se compara a dimensao meramente numérica das lesdes de bens juridicos pessoais experimentadas por tais condu- tas delitivas com outro tipo de infragdes criminais que se Chr as consideragdes do proprio SILVA SANCHEZ, Le expansién (nota 2, pp See, aceren da seensagao social de inseurangios elt lambém MEN- BONZA BUERGO, Sociedad de riesgo (nota 2), p. 30 ess, ambos com anteriores roferéncias. 76 ‘Manuel Car cometem de modo massive e que entram, em troca, plenamente dentro da «normalidade». Entio, 0 que tém de especial os fendmenos frente aos quais responde o «Direito penal do inimigo»? Que caracteristica especial explica, no plano fatico, que se reaja precisamente desse modo frente a essas condutas? Que fungao cumpre a pena neste ambito? A resposta a esta pergunta esta em que se trata de comportamentos delitivos que afetam, certamente, os elementos essenciais e especialmente vulnerdveis da identidade das sociedades questionadas. Porém, nao no sentido entendido pela concepgao antes examinada ~ no sentido de um risco fatico extraordindrio para esses elementos essenciais —, mas antes de tudo, como antes se tem adiantando, em um determinado plano simbélico. E, sabido que precisamente Jakobs representa uma teoria do delito e do Direito penal na qual ocupa um lugar proeminente ~ dito de modo simplificado, é claro - 0 entendimento do fendmeno penal como pertencente ao mundo do normativo, dos significados, em oposicao ao das coisas. Desta perspectiva, toda infracao criminal supde, como resultado especificamente penal, a quebra da norma, entendida esta como a colocagao em diivida da vigéncia dessa norma: prevengio geral positiva.% Pois bem, estes casos de condutas de «inimigos» se caracterizam por produzir esse rompimento da norma a respeito de configuracdes sociais estimadas essenciais, mas que sao especialmente vulnerdveis, mais além das lesdes de bens juridicos de titularidade individual. As- sim, nao parece demasiado aventurado formular varias & Cir. supra IlL1.B4), No lado da percepeso dos GARCIA SAN PEDRO, Terrorism: aspesos c m uilteriores referéncias. somente JAKOBS, AT2, 1/4 ¢ ss; 2/16, 2/25., 25/15, 25/20. Direito Penal do Trimigo 7 hipéteses neste sentido: que o punitivismo existente em matéria de drogas pode estar relacionado, nao s6.com as, evidentes conseqiiéncias sociais negativas de seu consu- mo, mas também com a escassa fundamentacao axiol6- gica e efetividade das politicas contra seu consumo nas sociedades ocidentais; que a «criminalidade organiza- da», nos pafses nos quais existe como realidade signifi- cativa, causa prejutzos 2 sociedade em seu conjunto, incluindo também a infiltragao de suas organizacoes no tecido politico, de modo que ameaga nao s6 as finangas ptiblicas ou outros bens pessoais dos cidadaos, mas ao pr6prio sistema politico-institucional; que o ETA, final- mente, nao s6 mata, fere e seqiiestra, mas pde em xeque um consenso constitucional muito delicado e frigil no que se refere A organizacao territorial da Espanha. Se isto é assim, quer dizer, se certo que a caracte- ristica especial das condutas frente as quais existe ou se reclama «Direito penal do inimigo» esté em que afetam elementos de especial vulnerabilidade na identidade social, a resposta juridico-penalmente funcional nao pode estar na troca de paradigma que supde o Direito penal do inimigo. Precisamente, a resposta idénea, no plano simbélico, ao questionamento de uma norma essencial, deve estar na manifestacto de normalidade, na negacao da excepcionalidade, isto 6, na reagao de acordo com critérios de proporcionalidade e de imputagao, os quais estdo na base do sistema jur{dico-penal «normal Assim, se nega ao infrator a capacidade de questionar, precisamente, esses elementos essenciais ameacados.” 6 cespeto das infagbes de terorismo,assnala, por exemplo, ASUA BA- TARRITA (em: ECHANO BASALDUA (coord. EM Lindsn [nota 56, p. 47) gue «a reprovagao indlserninada dos metodo vol free eae dagules qe yl Plo metado de rere no Prponto serem identificados e nomeados por sis iddias e nko por ses Tespeito da sideologa da normaligade» como base (8s vere, 96 nominal) a regulagio espanhola em matéria de terrorism si: CANCIO MELIA, JpD, 4112002), p. 23.e ss, com referent 78 ‘Manuel Cancio Melié Dito desde a perspectiva do «inimigo», a pretendida auto-exclusdo da personalidade por parte deste ~ mani- festada na adesao & «sociedade» mafiosa em lugar da sociedade civil, ou no rechaco da legitimidade do Esta- do em seu conjunto, tachando-o de «forca de ocupacao: no Pas Basco ~ nao deve estar a seu alcance, posto que a qualidade de pessoa é uma atribuigao. E 0 Estado que decide, mediante seu ordenamento juridico, quem é cidadao e qual 6 0 status que tal condi¢ao comporta: nao € possivel admitir apostasias do status do cidadao. A maior desautorizacio que pode corresponder a essa defecgio tentada pelo «inimigo» € a reafirmagio do sujeito em questao pertencer & cidadania geral, isto 6, a afirmagao de que sua infragdo é um delito, nao um ato cometido em uma guerra, seja entre quadrilhas ou contra um Estado pretendidamente opressor. Portanto, a questo de poder existir Direito penal do inimigo se resolve negativamente. Precisamente, da perspectiva de um entendimento da pena e do Direito penal, com base na prevencao geral positiva, a reago que reconhece excepcionalidade a infragao do «inimi- go», mediante uma troca de paradigma de princfpios e regras de responsabilidade penal, é disfuncional, de acordo com o conceito de Direito penal. Desde esta perspectiva, é possivel afirmar que 0 «Direito penal» do inimigo, juridico-positivo, cumpre uma fungao distinta do Direito penal (do cidadao): sao coisas distintas. O Direito penal do inimigo praticamente reconhece, a0 optar por uma reacdo estruturalmente diversa, excepcio- nal, a competéncia normativa (a capacidade de questio- nar a norma) do infrator; mediante a demonizagao de 6 Coneretamente, em nossas sociedades (Estados de Diteito atuais) essen- cialmente ~ e, desde logo, no que se refere a sua posigio como possiveis, infratores de normas penais ~ correspond todos 0s seres humanos, em ide de sua condicao humana; por isso, n20 pode haver wexclusto» sem ruptura do sistema, Direito Penal do inimigo 79 grupos de autores, implicita em sua tipificacao - uma forma exacerbada de reprovacao - da propagacao de seus atos. Em conseqiiéncia, a fungao do Direito penal do inimigo provavelmente tenha que ser vista na criagao (artificial) de critérios de identidade entre os excluden- tes, mediante a exclusao. Isso também se manifesta nas formulagées técnicas dos tipos. 3.2.3. O Direito penal do inimigo como Direito penal do autor Finalmente, incumbe agora realizar uma brevissi- ma reflexao no que tange A manifestagao técnico-juridica mais destacada da funcao divergente da pena do Direito penal do inimigo: a incompatibilidade do Direito penal do inimigo com o princfpio do direito penal do fato Como é sabido, 0 Direito penal do inimigo juridico- positivo vulnera, assim se afirma habitualmente na discussio, em diversos pontos, 0 principio do direito penal do fato. Na doutrina tradicional, 0 principio do direito penal do fato se entende como aquele principio genuinamente liberal, de acordo com 0 qual devem ser exclufdos da responsabilidade juridico-penal os meros pensamentos, isto é, rechagando-se um Direito penal orientado na «atitude interna» do autor. Consideran- do-se este ponto de partida coerentemente até suas liltimas conseqiiéncias ~ mérito que corresponde a Ja- kobs” -, fica claro que numa sociedade moderna, com © Vid, por exemplo, STRATENWERTH, Strajrecht Sirapat, Pe edigho, 2000, 2/25 e 3. recentemente, com algo mais de de tie, HIRSCH, env Festsegrt fir Kia stg, 2002, P Ssiess ‘A argumentagio decsiva esta em ZStW, 97 (1985), p. 761 (como se recor- dara, se trata do mesmo trabalho em que também se ilrodutu 0 conceit ‘de Direito penal do inimigo) mm ponto de partida ~ a normatizasa0 do prinepio do ditelto penal do fatoe, com iso, da nogio de esfea privada hreste contexto ~ que, no que pode ser visto, nao tem merecido tengo na discussao humana 80 boas razdes funcionais, a esfera de intimidade atribuida ao cidadao nao pode ficar limitada aos impulsos dos neur6nios ~ algo mais que a liberdade de pensamento -. Isto cristaliza na necessidade estrutural de um «fato» como contetido central do tipo (Direito penal do fato em lugar de Direito penal do autor). ‘Ao examinar-se, por este prisma — por exemplo, no Direito penal espanhol relativo ao terrorismo, depois das tiltimas modificagoes legislativas havidas ~ a ampla eliminagao iuspositiva das diferencas entre preparagao e tentativa, entre participacdo e autoria, inclusive entre \$ politicos e colaboragao com uma organizacao terto- rista,”! dificilmente pode parecer exagerado falar de um Direito penal do autor: mediante sucessivas ampliagdes se tem alcangado um ponto no qual «estar af» de algum modo, «fazer parte» de alguma maneira, «ser um deles», ainda que sé seja em espirito, é suficiente. $6 assim se pode explicar que no CP espanhol de 1995 — por mencio- nar um sé exemplo - se tenha introduzido a figura do «terrorista individual»? uma tipificag’o que nao se encaixa de nenhum modo com a orientagao da regulacao, espanhola neste setor, estruturada em torno a especial periculosidade das organizagves tertoristas. Esta segunda divergéncia é, como ocorre com a fungao da pena que a produz, estrutural: nao é que haja um cumprimento melhor ou pior do prinefpio do direito penal do fato — 0 que ocorre em muitos outros ambitos de «antecipagao» das barreiras de punigao — mas que a regulacaio tem, desde o inicio, uma direcao centrada na identificagao de um determinado grupo de sujeitos ~ os «

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