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RESUMO: A qualidade nos serviços públicos ABSTRACT: The quality of the public service
depende de uma série de fatores. Em âmbito depends on a series of factors. In the criminal
criminal, a qualidade é proporcional à excelência justice, quality is related to the excellence of its
dos trâmites e ritos que o distinguem, como a procedures. One of the concepts of quality
perícia. Um dos conceitos em qualidade applied to the criminal justice is the Chain of
aplicados à área pericial é a cadeia de custódia, Custody, which is not foreseen in the Brazilian
que não está prevista na legislação. Neste legislation. In this work, some concepts of
trabalho, são revisados alguns de seus conceitos, Chain of Custody are reviewed. lts importance
é analisada sua importância por meio de seus is examined through its essential elements and
elementos essenciais e se propõe um método de a method of its documentation is proposed.
documentação. Distinguem-se vestígios, Distinction is made between several words
evidências e indícios sob uma ótica lógica e used as synonym of evidence in a logical and
etimológica. Propõe-se um conceito para cadeia etymologic point of view. A concept for Chain
de custódia, considerando seu início, seu fim e of Custody is proposed, gathering its temporal
seus elementos essenciais (registro documental, dimension, its purpose and its essential
rastreabilidade e integridade da prova). É elements (documentation, traceability and
apresentado um paralelo entre cadeia de custódia evidence integrity). A parallel is made between
e o método científico, além de ponderações de Chain of Custody and the scientific method, as
cunho prático e jurídico. well as some considerations of legal issues.
PALAVRAS-CHAVE: Código de Processo Penal - KEYWORDS: Criminal justice procedures -
Indício - Qualidade - Perícia criminal. Evidence - Quality - Expertise.
DOUTRINA PENAL - SEGUNDA SEÇÃO 437
INTRODUÇÃO
O que é cadeia de custódia? Muitos autores definiram o termo. Eis algumas dessas
definições e alguns comentários acerca delas. Não é o objetivo descrever
cronologicamente tais definições, mas apresentá-las em ordem de complexidade, da mais
simples à mais completa.
1
Dec.-lei 3.689, de 03.10.1941. Doravante Código de Processo Penal brasileiro.
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Segundo Saferstein (2004), cadeia de custódia é "uma lista de todas as pessoas que
estiveram de posse de um item de evidência". Para este autor, a cadeia de custódia
parece reduzida a uma lista, um documento contendo a identificação dos indivíduos que
custodiaram um item. A documentação é parte integrante da cadeia de custódia e talvez
seja a mais importante delas. Tanto assim o é que alguns autores chamam o documento
propriamente dito, contendo tais informações, de "cadeia de custódia". O documentar
dos procedimentos de custódia é o que garante a responsabilização e a rastreabilidade da
prova, daí sua grande importância. Entretanto, os procedimentos de custódia não devem
se resumir a um documento.
Byrd (2001) acrescenta a responsabilização e a confiabilidade quando define o
termo como "um registro escrito e defensável de todos os indivíduos que mantiveram o
controle sobre as evidências". Defensável é o que pode ser defendido mediante a
sustentação por argumentos e razões. Quanto mais robusta esta defesa, mais confiável é
o que se defende e, consequentemente, maior é o impacto na tão importante convicção
do magistrado. A confiabilidade muitas vezes depende da argumentação e quando
falamos em cadeia de custódia, a argumentação deve ser baseada essencialmente no
documento de custódia ou num sinônimo usado pelo autor, um "registro escrito".
Outra questão relevante a ser considerada na cadeia de custódia é a dimensão
temporal. Quando ela tem início e quando termina? Neste sentido, o conceito de
Giannelli (1996) é relevante: "a movimentação e a localização de uma evidência física
desde sua obtenção até sua apresentação na corte". Aqui a cadeia de custódia se inicia
com a obtenção do vestígio e termina com sua presença no tribunal. Mas em que
momento se dá a obtenção de um vestígio? E, diante da legislação nacional, a custódia
pode ser encerrada após a apresentação da prova à corte? Estas questões serão mais bem
discutidas adiante.
A cronologia evidenciada no conceito de Giannelli (1996) é um fator importante na
conceituação de cadeia de custódia. Porém sua definição deixa de lado outros pontos
relevantes já mencionados, como a documentação e, por conseqüência, a confiabilidade
e a responsabilização.
Brenner (2004) ressaltou a relevância da inteireza e do armazenamento do vestígio
ao definir o termo como "procedimentos e documentos de importância para a integridade
de um espécime ou amostra pelo rastrear de seu manuseio e armazenamento do ponto de
coleta a sua disposição final; um processo usado na manutenção e documentação da
história cronológica das evidências". Tão importante quanto a documentação é a garantia
de integridade da prova. A integridade pode ser considerada um elemento mais amplo do
qual fazem parte outros fatores mencionados anteriormente, como a fiabilidade ou
confiabilidade.
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2
Alice Aparecida da Matta Chasin em disciplina de Toxicologia Forense do Curso de Formação Técnico-
Profissional para a carreira de Perito Criminal ministrada pela Academia de Polícia Dr. Coriolano Nogueira
Cobra, realizada entre 19.04.2006 e 26.12.2006.
3
Norma Bonaccorso em argüição da aula-prova do candidato Claudemir Rodrigues Dias Filho, apresentada no
processo de Seleção de Professor Temporário de Biologia Forense da Academia de Polícia Dr. Coriolano
Nogueira Cobra, realizada em 22.06.2007.
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4
Art. 158 do CPP: "Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto
ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado".
5
Art. 564 do CPP: "A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: (...) III - por falta das fórmulas ou dos termos
seguintes: (...) b) o exame de corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, ressalvado o disposto no art.
167".
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Assim como ocorre com o vestígio, a origem da palavra indício também vem do
latim: indicium, cuja semântica é "sinal, indicação, revelação, denúncia, descoberta,
acusação, indício, prova". O próprio radical latino index, por si só, tem sentido de
"aquilo que indica" (Mazzilli, 2003). Porém, ao contrário do vestígio e da evidência, o
indício apresenta uma conceituação legal prevista no Código de Processo Penal
brasileiro.6 Neste sentido, indício seria uma circunstância conhecida, provada e
necessariamente relacionada com o fato investigado, e que, como tal, permite a
inferência de outra(s) circunstância(s). O termo "circunstância" é aqui utilizado como
expressão próxima, semanticamente, de "conjuntura", como a combinação ou
concorrência de elementos em situações, acontecimentos ou condições de tempo, lugar
ou modo.
Considerando a definição legal, é de se reparar que um indício, sendo uma
circunstância, autoriza a conclusão indutiva de outros indícios, também circunstanciais.
Nos termos da lei, a circunstância conhecida e provada seria uma premissa menor, ao
passo que a razão e a experiência seriam uma premissa maior; da comparação entre as
premissas menor e maior emerge a conclusão indutiva de que trata o texto legal
(Mirabete, 2003). Via de regra, essa premissa menor vem apresentada de forma objetiva
por se tratar de "circunstância conhecida e provada". Cumpre consignar que o indício se
reveste de uma situação circunstancial, cuja interpretação pode ser objetiva ou subjetiva,
ainda que relativamente. Nesses termos, a premissa menor referida acima coincide com a
evidência, por se afastar do caráter subjetivo e, consequentemente, por se revestir de
objetividade.
A subjetividade potencial do indício é a ele inerente dado o momento pós-pericial
de sua gênese. O indício surge num instante processual, quando às evidências foram
agregados fatos apurados pela autoridade policial (quando do inquérito) ou ministerial
(quando da denúncia). Então, toda informação que tem relação com o relevante penal é
um indício, seja ela objetiva ou subjetiva. Entretanto, o indício se aparta das conclusões
periciais quando puramente subjetivo. Logo, o indício originário de uma evidência é
sempre decorrente de um procedimento pericial e, portanto, objetivo. Na processualística
penal, há quem intitule o indício resultante de subjetividade de prova indiciária
(Mazzilli, 2003).
Assim sendo, podemos deduzir que a evidência é o vestígio que, mediante
pormenorizados exames, análises e interpretações pertinentes, se enquadra inequívoca e
objetivamente na circunscrição do fato delituoso. Ao mesmo tempo, infere-se que toda
evidência é um indício, porém o contrário nem sempre é verdadei-
6
Art. 239 do CPP: "Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato,
autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias".
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ro, pois o segundo incorpora, além do primeiro, elementos outros de ordem subjetiva.
7
Art. 6.° do CPP: "Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: I -
dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada
dos peritos criminais".
8
Art. 160 do CPP: "Os peritos elaborarão o laudo pericial, onde descreverão minuciosamente o que
examinarem, e responderão aos quesitos formulados".
9
Art. 6.°, II, do CPP: "apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos
criminais".
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Conclui-se que a prova material presente na corte judiciária deve estar revestida de
idoneidade e licitude, ainda que submetida a uma série de procedimentos técnicos ou
pelas mãos de algumas pessoas. Genericamente, tais características são presumidas no
processo, quando deveriam ser documentadas. Eis o primeiro
10
Art. 10, §1.°, do CPP: "A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará os autos ao
juiz competente".
11
Art. 11 do CPP: "Os instrumentos do crime, bem como os objetos que interessarem à prova, acompanharão
os autos do inquérito".
12
Art. 118 do CPP: "Antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser
restituídas enquanto interessarem ao processo".
13
Art. 91 do CP: "São efeitos da condenação: (...) II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do
lesado ou de terceiro de boa-fé:
a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção
constitua fato ilícito;
b) do produto do crime ou qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do
fato criminoso".
14
O Capítulo V (Da restituição das coisas apreendidas) do Título VI (Das questões e processos incidentes) do
Livro I (Do processo em geral) do Código de Processo Penal brasileiro dispõe sobre destinações possíveis dos
objetos apreendidos após o transito em julgado.
15
Outros aspectos pertinentes ao término da cadeia de custódia são passíveis de revisão, como o artifício da
revisão criminal. Nesta circunstância, a cadeia de custódia seria reiniciada e, portanto, continuada. Estes
aspectos, entretanto, não são objeto de discussão deste artigo.
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"Toda amostra deve ser documentada, desde seu nascimento no local de crime até sua análise e descrição
final, de forma a se estabelecer um histórico completo e fiel de sua origem".
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5. PROPOSIÇÃO DE UM CONCEITO
Conceituar é fazer uma proposta ajuizada e pertinente a algo sob suas diversas
faces e promover, sob uma ótica cognoscível, seu entendimento de forma íntegra,
consciente e válida no momento da propositura. O conceito transcende o tempo, mas sua
validade não. As palavras e os verbetes, com a evolução da língua, tomam outras
dimensões, apresentando novas semânticas com o avançar cronológico.
Este capítulo não possui a audácia, nem a arrogância, de apresentar um conceito
eterno e irrevogável. Tampouco insuperável ou isento de críticas. Afinal, como qualquer
proposta, todo conceito é passível de ser revisto; o que se segue inclusive. Entretanto, de
forma muito mais modesta, este capítulo visa simplesmente propor um conceito que
entrelace os aspectos basilares dos processos de certificação e qualificação da perícia
criminal.
DOUTRINA PENAL - SEGUNDA SEÇÃO 447
Para efeito deste texto, será adotada a visão de ciência que cabe ao paralelo que se
está construindo, e não a proposta mais recente das mudanças de paradigma de Thomas
Kuhn ou a mais antiga de um observador desinteressado de Francis Bacon. Ciência não é
apenas um amontoado de conhecimento acumulado acerca da natureza. Ciência é, em
sua essência, um processo, um meio de examinar o mundo natural e descobrir
importantes verdades a seu respeito. Logo, ciência e método científico se confundem em
uma semântica reducionista em que o segundo é a própria síntese do primeiro.17
Sob a ótica popperiana, o método científico tem por base a assimetria de um
processo de falseabilidade, no qual uma hipótese nunca será provada verdadeira por
meio da concordância com as observações experimentais, mas será provada falsa se em
desacordo com as mesmas observações. No cume desse processo se aceita ou se rejeita
uma hipótese inicialmente proposta. Essa hipótese, segundo Popper (2002), tem origem
desconhecida e, por ser este o fator de criatividade da ciência, não pode ser analisado por
qualquer arcabouço filosófico. Mas sua proposição visa explicar fenômenos naturais
previamente observados.
Muito antes de Karl Popper, Galileu Galilei já havia criado um método
experimental que postulava que "para que um conjunto de proposições científicas (...)
seja válido, deve ser verificado" (Vera, 1976). Do enlace da experimentação de Galilei e
da falseabilidade de Popper, extraímos uma sucessão de eventos que sumariamente
conhecemos como método científico, qual seja: observação de um fenômeno, proposição
de hipótese, teste de hipótese (verificação) e aceitação ou rejeição da hipótese
(validação). Ressalta-se que uma hipótese só pode ser verificada se sua falseabilidade for
possível e sua validação deve decorrer, necessariamente, dessa verificação. Portanto, em
termos teóricos, não deve existir hipótese aceita ou rejeitada previamente à
experimentação.
Emerge daqui o paralelo com a cadeia de custódia da qual trata este artigo. De
acordo com o conceito proposto, cadeia de custódia é um processo, uma sucessão de
eventos tanto quanto a ciência expressa pelo método científico. Neste último, a
observação viabiliza a proposição de uma hipótese, que, por sua vez, permite a
experimentação e, consequentemente, sua validação. É notório o paralelismo com o
conceito de cadeia de custódia proposto, já que este foi aqui documentado como "uma
sucessão de eventos concatenados em que cada um proporciona a viabilidade ao
desenvolvimento do seguinte (...)".
Em um mesmo giro, é possível relacionar estes termos com a progressão de etapas
sucessivas que representa cada um. Ambos se iniciam com a observação: um
17
A lógica aqui explicitada se traduz no que tange às ciências empíricas naturais.
DOUTRINA PENAL - SEGUNDA SEÇÃO 449
7. PONDERAÇÕES FINAIS
Almeja-se que a leitura atenta deste artigo revele da importância de uma cadeia de
custódia adequada para função processual de uma evidência: prestar-se como prova
material de um evento de relevância penal. Como visto, a custódia legítima e idônea
confere robustez ao conjunto probatório, o que deveria, de alguma forma, sensibilizar a
tão importante apreciação da prova por parte daqueles que julgam, seja um juiz, seja um
júri.
A reforma do Código de Processo Penal brasileiro18 contemplou a inclusão de
aspectos referentes à cadeia de custódia da prova que recaem sobre o terceiro elemento
aqui descrito: a Integridade da Prova. As alterações dizem respeito a onde a prova será
custodiada (em órgão oficial) e à conservação e disponibilidade das provas às partes,19 o
que é, indubitavelmente, um avanço em nossa processualística penal. Porém, não
contribuiu com novidades em outras frentes, em especial sobre a obrigatoriedade de um
registro de custódia.
Interessante notar que referida reforma retoma o inc. LVI do art. 5.° da CF/1988,
que dispõe sobre a inadmissibilidade das provas ilícitas, conceituando-as como aquelas
"obtidas em violação a normas constitucionais ou legais".20 Além disso, enxertou-se
expressamente a inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação pela teoria dos frutos
da árvore envenenada,21 isto é, quando de uma pro-
18
Leis 11.689 e 11.690, ambas de 09.06.2008.
19
Art. 159, § 6.°, do CPP: "Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à
perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de
perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação".
20
Art. 157 do CPP: "São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim
entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais".
21
Fruit of poisonous tree.
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8. AGRADECIMENTOS
BIBLIOGRAFIA
22
Art. 157, § 1.°, do CPP: "São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não
evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma
fonte independente das primeiras".
DOUTRINA PENAL - SEGUNDA SEÇÃO 451
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