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O DEBATE ATUAL SOBRE OS PARADIGMAS DE _ PESQUISA EM EDUCACAO Alda Judith Alves-Mazzotti Professora Titular de Psicologia da Educagao — Faculdade de Educacao / UFRJ RESUMO © artigo focaliza 0 debate sobre os paradigmas utiizados na Pesquisa 6m educagdo, apontando alguns dos equivecos que Caracterizam tal debate na década passada @ indicando as ten- dénclas observadas nos trabalhos mals recentes dedicados & uostéo metodolégica. Os trés paradigmas considerados como sucessores do positivism — pée-posivista, todrico-crtco e Construtivista — so brevemente discutdes, analisando-se seus Pressupostos ontolégioos @ epistemolégices © seus aspectos ™etodotégicos basicos, bem como as diferentes posigées sobre 88 possibiidades de acomodagao entre paracigmas. Finalmente, 6 foita uma avaliagdo do debate atual, conciuindo-se que este, 20 buscar caracterizages mais nitidas das altemativas cisponi- veis, abre novas © mals promissoras perspectivas para a pet quisa na area, PARADIGMAS METODOLOGICOS — POs-POSITIVISMO — TEORIA CRITICA — CONSTRUTIVISMO ABSTRACT RESEARCH PARADIGMS IN EDUCATION: AN OVERVIEW OF RECENT DEVELOPMENTS. The article foouses the debate on the paradigms used in educational research, pointing out some of the mistakes that characterized this debate during the last decade and incicating the trends observed in more recent work dedicated to methodological issues. The three paradigms regarded as the successors of postivism — post positvism, ciiteal theory and consiravism — are briefly discussed, analyzing ther ontological and epistemological assumptions and their basic methodological aspocts, as well as the diferent Positions regarding the possibilities of accommodation. Finaly, the curent debate is evaluated and it is concluded that the sherper characterization of the avalable alternatives opens new ‘and promising perspecives to the research in the area. Cad. Pesq., Sao Paulo, 17.96, p.15-23, fev. 1996 18 INTRODUGAO ‘A chamada “guerra dos paradigmas” (Gage, 1989) cocupou, durante a década de 80, 0 centro dos deba- tes travados na érea da pesquisa em educagao. Essa disputa, ou, mais eufemisticamente, “dialogo" entre os paradigmas (Guba, 1990), ao incorrer na simplficagaio que coloca a questo em termos da oposi¢ao quali- tativo versus quantitative — este identiicado com 0 paradigma positvista — deu margem a indmeros equi- vyocos, com reflexos negatives sobre @ qualidade da produgao do conhecimento na area. Este artigo se propde a analisar alguns dos equi- vooos que caracterizam a década passada, e indicar as tendéncias emergentes, observadas nos trabalhos mais recentes dedicados & andlise da questéo meto- dolégica na area educacional, focalizando especifica- mente os trés paradigmas apontados como sucesso- res do positivismo: pés-positivismo, teoria-critica © construtivismo! A discussao sobre os paradigmas na década de 80 s principais problemas encontrados na abordagem da questéo metodolégica no decorrer da década de 80 podem ser assim resumidos: 1. Quantidade @ qualidade nao definem um Paradigma Embora caracterizagdes referentes ao paradigma qua- litativo 0 descrevessem em termos muito mais amplos, os rétulos quantidade versus qualidade tornaram-se pregnantes, cada um deles aglutinando em tomo de si caraceristicas referentes a outras dicotomias igual- mente simplificadoras como descritivo versus interpre- talivo, objetivo versus subjetivo, entre outras. Em con- seqiiéncia, criou-se, pelo menos entre aqueles que se guiam péla vulgata qualitativa, uma espécie de ojeriza ‘ao numero, como se fosse desprovido de significado ou tivesse 0 poder de macular a pureza paradigma- tica. Nao 6 incomum ver-se, em estudos qualitativos, © autor utilizar-se de expressGes vagas como “muitos”, ou “a maioria dos respondentes'... Que maioria’? 26 dos 50 ou 48 dos 50? As duas “maiorias” citadas tem certamente significados diferentes que 0 ntimero po- deria elucidar. (E isto sem mencionar 0 fato de que, ‘em pesquisas nas quais ha grande dispersao nas res- postas, a “maioria” pode nao passar de meia dizia em 50!), 2. Nao se bate em cachorro morto ‘Ao procurarem caracterizar a abordagem qualitativa, diferentes autores 0 fazem por oposi¢ao ao positivis- 16 mo, apontando, ao mesmo tempo, a superioridade da- quela sobre este (ver, por exempio, Lincoln e Guba, 1985, um “cléssico” na Area). Ao fazé-lo, porém, nao se reportam &s correntes contempordneas, caudaté- fias da tradigao positivista, e sim a um positivismo in- génuo que vé o conhecimento cientifico como uma fo- tografia do real, objetiva e neutra, @ que corresponde a0 Unico conhecimento infalivel ¢ verdadeiro. Caberia questionar se este positivismo, tal como 6 descrito por esses autores, algum dia existiu. Para Olroyd (1986), 0 que costuma ser chamado de posi- tivismo constitul uma *vasta, amorfa e mal definida ca- tegoria floséfica” (p.169). Observagao semelhante & feita por Cupani (1985), ao afirmar que a “posi¢ao po- sitivista” existe apenas para seus criticos mas Nao para seus adeptos, os quais diferem substancialmente tentre si, sendo muito improvavel que se encontre al- gum que subscreva todos os cénones atribuidos a essa posigao. Mas, 0 que nos interessa assinalar aqui 6 0 fato de que o programa légico-positivista acabou, uma vez que seus suportes intelectuais foram, hd muito, desmontados. ‘Sempre me pareceu que a comparagao entre as ‘abordagens qualitativas e as correntes contempora- reas ligadas & tradigo positivista — como, por exem- plo, 0 racionalismo critico popperiano — seria bem mais elucidativa das reais diferengas entre as posi es consideradas. 3. © novo paradigma é efetivamente um paradigma? ‘Ao se definiram por oposicéo ao “positivismo”, os “qualitativos’ caem numa negagao indeterminada, jun- tando em um mesmo “paradigma’ uma vasta gama de tradigdes, com seus pressupostos e metodologias, algumas das quais sao posteriormente consideradas imeconelliéveis, como veremos adiante. Varios autores se ocuparam da identificagao dessas tradigoes. Patton (1986) indica a fenomenologia, 0 interacionismo sim- bélico, 0 behaviorismo naturalista, a etnometodologia © a psicologia ecolégica. Wolcott (1982), denunciando a confusdo na area, adota um critério mais frouxo que inclui doutrinas, disciplinas e métodos: etologia, obser- vagéo parlicipante @ ndo-participante, joralismo in- vestigativo, connalsseurship, fenomenologia, estudo de caso, histéria oral, histéria natural (antropolégica); trabalho de campo, etnometodologia, etnografia da co- 1 Esta denominagio fol recentemente adotada em substituigao 4 "pesquisa nalualista’, por torem seus adeptos considerado ‘que ast termo dava margem a associagGes indevidas, como por exemplo, com 0 naluralsma inglés do século XIX ou com tuma ontologia realista (Guba ¢ Lincoln, 1989). A escolha do termo “consirutvismo", porém, néo parece ter sido feliz, pois tesla denominagao tem gerade outras confusses, dosta vez ‘com as teorias construtvistas da aprendizagem @ do desen- Yolvmento humano. Por esta razéo, adotaremos a expresso “haturalistaconstruvsta’ buscando, de um lado, prevenit as- sociagées indesojaveis, e do outro, permitr a répida identi tagao com os termos ulizados na literatura intemacional Paradigmas de pesquisa. municagao (cuja preocupagao central se situa na ‘comunicago interpessoal), etnografia @ etnologia. Lin- coln e Guba (1985) caracterizam 0 novo paradigma ‘como naturalista (denominagao esta que, como ja vi- mos, foi posteriormente mudada para construtivista, € que corresponde & posi¢ao desses autores), adicio- nando as denominagdes de pés-positivista, etnograti- co, fenomenolégico, subjetivista, estudo de caso, qua- litativo, hermenéutico @ humanistico, que, esclarecem eles, correspondem a diferentes “doutrinas” (p.8). Por qualquer das 21 definigdes de paradigma identificadas Por Masterman (1979), dificimente um conjunto tao heterogéneo poderia ser considerado como constituin- do um paradigma, 4. © novo paradigma é efetivamente novo? ‘Como Le Compte (1990) observa, 0 que pode ser considerado novo nas abordagens © métodes que constituem “novo paradigma’ é apenas seu uso por Pedagogos @ pesquisadores da educagéo, uma vez ue estes so, ha muito, uiizados em outras ciéncias sociais. Também questionando a novidade desse “novo", Rizo (1991) mostra que a disputa entre abor- dagens quanttativas e qualtativas remonta ao séoulo XVII e, a partir dai, passou por diversos rounds, entre © quais aquele em que de um lado se colocaram Comte © Mil e, de outro, Windelband e Dilthey. Estes Limos defendiam uma’ nova metodologia para as ciéncias sociais, diferente da utlizada pelas ‘ciéncias da natureza’, e que buscasse a compreensio em vez de tentar a explicacao. Lembra ainda que a Escola de Chicago caracterizou-se, no primeiro tergo deste séoulo, como 0 berco da abordagem baseada em es- tudos de caso, como evidenciam os estudos de Geor- ge Mead, Charles Cooley e outros que iniciaram a Corrente conhecida como interacionismo simbélico. Panorama atual Jé na segunda metade da década de 80, alguns au- tores (Jacob, 1987, 1988; Lincoln, 1989; Marshall, 1985) chamavam a atencdo para o fato de que as diversas tradigdes englobadas sob 0 rétulo de pesqui- sa qualitativa apresentavam entre si diferengas signi- ficativas com relagéo a aspectos essencials a0 pro- cesso de investigagao. Entre estes destacavam a po- sigdo relerente & natureza do real, 0 campo de obje- tos julgados apropriados ao tipo de pesquisa, as cren- gas sobre os méritos de diferentes métodos @ técni- as, a forma de apresentar os resultados @ os critérios Para julgar a qualidade dos estudos. Essa mesma preocupacao levou a Phi Delta Kap- pa Intemacional a promover, em 1989, em Sao Fran- cisco, a “Conferéncia dos Paradigmas Alternativos Os resultados dessa conteréncia estao contidos no li- vro The paradigm dialog, editado em 1980 por Egon Guba. No prefacio do livro, Guba afirma que “o pro- sito da conferéncia nao foi coroar a nova rainha dos Cad. Pesg., 1.96, fev. 1996 paradigmas, mas clarificar as altemativas rivais que tém surgido” (p.9), acrescentando que a intencdo foi a de legitimar os contendores néo hegeménicos, pela demonstragao de que suas posig6es so, pelo menos, igualmente defensdveis e iiteis. Trés paradigmas so apresentados como suces- sores do positvismo: 0 pés-positivismo, a teoria ori 0 naturalismo/construtivismo. O temo paradigma & ai entendide como “um conjunto basico de crengas que orienta a agao” (Guba, 1990. p.17), sendo que, No caso, a ago se refere a “investigagao ciscipli- nada” (p.18). Cada um dos paradigmas é caracte- rizado segundo trés dimensdes: a ontolégica (refe- rente & natureza do cognoscivel), a epistemolégica (referente a relagao conhecedor e conhecido) e a Metodolégica (como 0 conhecimento 6 construido pelo pesquisador) Pés-positivismo? Para Guba (1990), 0 p6s-positivismo & uma visao mo- dificada do positivismo: ciente dos problemas nos quais se enredaram seus antecessores, os p6s-posi- tivistas busca rever os pontos insustentaveis, na tentativa de limitar as perdas. Assim, admitem que a reocupagao com a objetividade resultou em muitos desequilibrios, os quais tentam corrigi, embora predi- ¢40 € controle continuem sendo suas principais me- tas. Entre esses desequilibrios, Guba destaca: 1. Desequilibrio entre rigor © relevancia. Corres- onde, em termos tradicionais, & inescapavel barga- ‘nha entre validade interna e externa’: a énfase no controle (como ocorre, por exemplo, nos experimentos de laboratério) diminui a possibilidade de generaliza- 0 (para contextos naturais). A tendéncia é abando- nar a énfase no controle em favor de ambientes mais naturais, 2, Desequilibrio entre preciso e riqueza. A busca da preciso — essencial as metas de predi¢ao e con- trole, basicas para 0 posttivismo — leva a superenfa- tizar a quantificagao. A incluso de métodos qualita tivos busca corrigir 0 desequilibtio mencionado, 3, Desequilibrio entre elegancia e aplicabilidade. ‘A preocupagao com a predicao e o controle leva tam- bem a valotizagéo das teorias mais abrangentes, as 2 Laudan (1980) questiona a denominacdo pés-positvsta que, ‘segundo ele, “6 usada por todos, exceto pelos especialistas dda 4rea" (p.Vl), por pressupor uma uniformidade inexistante no atual panorama da Filosofia da Ciéncia 3 Os conceites de validade interna @ extema foram desenvol vidos no ambito da pesquisa experimental, sendo posterior- mente estendidos a outros tpos de pesquisa como sinénimos do rigor © generalzablidade, respectvamente. © primero fol dotinido por Campbell Stanley (1966) como “aquele minimo Dasico sem o qual qualquer experimento seria ininterprotavel: 05 tratamentos experimentaisfzeram, de fato, diferenca n ta insténcia experimental especiica?”. Ja a validade externa ‘50 rofere a “quo populagtes, contextos, vandveis do tata- mento e medidas das variveis pode este feito ser gene- ralizado” (98) 7 quais néo “funcionam” em contextos locals. O recurso grounded theories (isto 6, teorias geradas a partir da andlise indutiva dos dados) é visto como uma for- ma de solucionar esse impasse. 4, Desequilibrio entre descoberta e verificagdo. A descoberta era vista pelo paradigma tradicional como lum mero precursor e no como parte integrante do trabalho cientifico, cujo propésito seria apenas a ve- rificagao. Este desequilibrio vem sendo contornado definindo-se um continuum de investigagdes que vai da “pura descoberta’ a “pura veriticagao" (p.23). Quanto as dimensdes de anélise por ele propos- tas, Guba (1990) considera que 0 pés-positvismo adota uma ontologia critico-realista, uma vez que as- sume a existéncia de uma realidade extema ao sujeito que € regida por leis naturais, embora estas nunca ossam ser totalmente apreendidas, em razdo da pre- ariedade dos mecanismos sensoriais e intelectivos do homer, A epistemologia € caracterizada como objetivista- modificada, uma vez que a objetividade continua a ser feal regulatério” (p.23), do qual, na medida do possivel, o pesquisador busca se aproximar. Para isso conta com guardiaes externos como a tradi¢ao critica (exigéncia de clareza no relato da investigacao e con- sisténcia com a tradigéo na area) e a comunidade cri- tica (julgamento dos pares). Quanto & metodotogia, esta ¢ classificada como experimentalimanipulativa modificada. Ao elaborar, po- rém, os aspectos que teriam servido de base a essa classificagdo, Guba (1990) indica apenas que 0 pés- posttivismo enfatiza o ‘multiplismo critico", definido como uma forma elaborada de triangulagdo: se os mecanismos sensoriais @ intelectivos do homem so falhos, é essencial que os resultados sejam baseados no maior nimero possivel de fontes (dados, invest- gadores, teorias e métodos). E acrescenta que, para resolver os desequilibrios anteriormente mencionados, tem-se procurado desenvolver as pesquisas em am- bientes mais naturais, recorrendo mais a métodos Qualitativos e a grounded theories e reintroduzindo a descoberta no proceso de investigagao. E facil observar que nenhum dos aspectos men- cionados poderia caracterizar uma abordagem expe- rimental/manipulativa. A necessidade de usar os dois, adjetivos, aliés, me escapa (a néo ser, talvez, um gos- to pela redundéncia), uma vez que 0 esquema expe- rimental 8, por defini¢ao, manipulativo. Considerando- se que em sua prépria exposicao da metodologia pés- positivista no hé qualquer evidéncia que justifique essa classificagdo, e considerando-se, ainda, sua preocupagao em enfatizar que o paradigma em ques- tao difere muito pouco do positivismo, somos levados ‘a coneluir que a andlise de Guba se basela mais em uma desconfianga histérica (0 cachorro esta morto mas deixou descendentes) do que no sistema de ‘rengas declarado pelos pés-positivistas. E convenien- te, pois, nos valermos da visao de um deles. Para Phillips (1990), no hé raz4o para se con- siderar 0 pés-positivismo como uma forma distargada de positivismo. Em apoio & sua posigdo, afirma que 18 ‘a chamada Nova Filosofia da Ciéncia — especialmen- te através dos trabalhos de Kuhn, Popper, Lakatos © Feyerabend — jé se encarregou de desmontar os principais pilares do positvismo. E, embora ndo se detenha na andlise desses trabalhos, destaca alguns aspectos essenciais para apontar as diferencas entre © novo paradigma e 0 positivista de um lado @ 0 na- turalista/construtivista de outro. ‘Comega por analisar 0 papel da observacdo afir- mando que consideré-la, a0 mesmo tempo, funda- mento e Arbitro do conhecimento cientifico foi um po- sicionamento, ha muito, reformulado. Critica a viséo positivista/operacionalista — segundo a qual todos os conceitos tedricos devem ser traduzidos em termos observacionais — acrescentando que caso esta tives- se prevalecido, teria impedido 0 desenvolvimento da ciéncia em muitas reas como, por exemplo, 0 estudo das particulas subatémicas. Admite, tal como os naturalistas/construtivistas, que a teoria adotada infiuencia a observagao do fe- ‘némeno; ao contrario daqueles, porém, considera que isto nao 6 razao para que se abandone 0 uso de teo- rias a priori no processo de investigacao. Afirma que posquisadores partindo de diferentes referenciais ted- Ficos podem chegar a resultados consistentes entre si e, mesmo quando isto nao ocorre, suas visdes podem ser objeto de discussées e posterior clarticagao. Tam- bém em consonancia com os naturalistas/construtvis- tas, admite a subdeterminagao da teoria, isto é, 0 fato de que, independentemente das evidéncias dispon'- veis para confimar uma dada teoria, ha sempre a possibilidade de que uma outra teoria, referente aos mesmo fenémenos, seja desenvolvida. Quanto & questao da objetividade, Philips 6 ca- tegérico: “a nogéo de objetividade, como a nogao de verdade, é um ideal regulativo subjacente a qualquer investigagao. (..) Se abandonarmos essas nogées, do tem sentido fazer pesquisa” (p.43). Esclarece que sua nogéo de objetividade, assim como a da grande maioria dos pés-positvistas, se baseia na concepgéo de Popper, segundo a qual a objetividade da ciéncia nao se relere & objetividade de cientistas incividuais @ sim a tradigao critica, & critica métua exercida entre (8 cientistas, Questiona, porém, a afirmagao veiculada por Guba (1990), de que os pés-positivistas seriam realistas, argumentando que nao ha detinic&o precisa do que Seja essa posigao. Esclarece, finalmente, que © fato de a realidade ser socialmente construida n&o resulta necessariamente, como concluem os natural tas/construtivistas, no relativismo. Essas diferentes construgdes podem ser estudadas em suas origens, ‘seus efeitos podem ser comparados e as evidéncias cortespondentes a cada uma delas, avaliadas. ‘A comparagdo entre as visées de Phillips © de Guba sobre 0 pés-positivismo, apesar de apresentar muitos pontos em comum, indica também pontos de radical discordancia, particularmente no que se refere semelhanga entre essa posigo @ 0 positivismo. Al- gumas dessas diferencas certamente se devem a uma heterogeneidade interna do novo paradigma. Ou- tras, porém, podem ser interpretadas como 0 resulta- Paradigmas de pesquisa. ‘do de movimentos téticos que fazem parte da disputa entre facgdes rivais. Teoria Critica Guba (1990) inicialmente chama atenco para o fato de que 0 termo “teoria critica” & inadequado para en- quadrar todas as altemativas incluldas nesta catego- fia: neomarxismo, materialismo ¢ freitismo, feminismo, pesquisa participante e outras similares, além da teo- ria critica propriamente dita. Sugere o termo “inve: {gago ideologicamente orientada’ (p.23), uma vez que @ recusa idéia de neutralidade 6 0 ponto que as aglutina: todas partem do principio de que, se os va- lores estdo presentes em qualquer investigapao, en- tao, 6 indispensavel indagar a quem estas server, A investigagdo toma-se, assim, um ato politico, Para Guba, este paradigma assume uma ontolo- gia critico-realista. Argumenta que a expressao “falsa- Cconsciéneia’, freqlentemente empregada pelos seus representantes, implica a existéncia de uma “cons- ciéncia verdadeira” — que pode ser a do pesquisador ou a das elites — @, conseqtientemente, a crenga em uma realidade objetiva que deve ser desvelada. A ta- rela do pesquisador seria fazer com que os svjeltos, (08 oprimidos) atinjam o nivel da “consciéncia verda- deira’. Ao perceber quao oprimidos sao, eles podem agir na transformagao do mundo, O paralelismo entre “transformar 0 mundo" e predizet @ controlar nao pode, segundo o autor, ser perdido de vista, Ao analisar a epistemologia, considerada subjetivi ta, Guba (1990) aponta uma “disjuneao légica” (p.24) entre uma ontologia realista @ uma epistemologia sut jetivista — no sentido de que 0 processo de inve: {gagao € mediado pelos valores do pesquisador —, 0 ue, segundo o autor, faz com que 0 avango repre- sentado pela adogao desta tiltima perca parte de sua forga. Quanto & metodologia, 6 classificada como dialé- . transformadora. O autor observa que esta me- todologia, néo-manipulativa, é coerente com o objetivo de elevagao do nivel de consciéncia com vistas & transformagao social, Popkewitz (1990), representando a teoria critica, fornece, como seria de se esperar, uma caracteriza: 0 bem mais aprofundada desse paradigma. Escla- rece, inicialmente, que, no que se refere a esta cis- cussao, a palavra “critica” assume pelo menos dois sentidos distintos. O primeiro se refere a “critica in- tema” que resulta no questionamento analitico da ar- gumentacao e do método. Focaliza-se af 0 raciocinio te6rico © os procedimentos de selecdo, coleta e ava- liagéo dos dados ressaltando a consisténcia ldgica en- tre argumentos, procedimentos e linguagem. O segun- do sentido da palavra “critica” diz respeito andlise das consigées de reguiagdo social, desigualdade 0 poder. Sem desconsiderar a importancia do rigor na pro- dugio do conhecimento, 0 autor se centra no papel Cad. Pesq,, 1.96, fev. 1996 da historia e dos valores na pesquisa educacional,, procurando demonstrar que suas regras e padrdes 40 historicamente construidos e vinculados a valores sociais @ a relagdes politicas especificas que, frequen- temente, so escamoteados por meio dos rituais ¢ do discurso da ciéncia. Nesse contexto, a questo do progresso e da transformagao social so analisados. ‘A preocupagao da abordagem critica com a trans- formagéo social € também enfatizada por Carspecken @ Apple (1992), que afirmam que a diferenca basica entre esta e as demais abordagens qualitativas esté na motivacao politica dos pesquisadores @ nas ques- des sobre desigualdade e dominagio que, em con- sequéncia, permeiam seus trabalhos. Observam ele: A educagéo ndo existe isolada, como uma instru- ‘mentalidade neutra acima dos confltes ideoldgi- cos da sociedade. Ao contrério, ela esté profun- damente implicada na tormagao das relagdes cul- turais, econémicas e politicas desiguais que do- minam nossa sociedade. A educapao tem sido uma importante arena na qual a dominéncia é produzida © contestada, na qual a hegemonia é parcialmente formada e parcialmente quebrada na ceriagao do senso comum de um povo. Assim, pensar seriamente sobre educagao, como sobre cultura em geral, é pensar também seriamente sobre poder, sobre os mecanismos através dos quais certos' grupos impdem suas visdes, crenas @ prdticas. (p.509) A caracteristica essencial desta abordagem 6, ortanto, 0 pensamento relacional: procura-se investi- gar 0 que ocorre nas instituigbes — no caso, a escola = relacionando as ages humanas com a cultura & as estruturas sociais e politicas, buscando compreen- der como as redes de poder sao produzidas, media- das e transformadas. Na impossibilidade de analisar aqui, em profundi- dade, todos os pontos levantados pelos autores cita- dos, destacamos a discussao feita por Popkewitz (1990) sobre a questéo da objetividade, por ela estar ‘no ceme da critica feta por Guba aos teérico-criticos. Popkewitz comega por dizer que aceitaria a classifi- cacao de “realismo modificado” se isto significa admitir ‘ue existem objetos reais no mundo. Questiona, po- rém, a dicotomia objetivo/subjetivo implicando oposi- Ges, afirmando que esta, ao invés de esclarecer, confunde, além de ser freqiientemente mistiicadora. objetividade nada tem a ver com leis “na- turais" ou com uma ‘natureza’ a ser descoberta; ser objetivo “8 considerar os padrées socialmente (grito ‘no original) formados impostos sobre nossa vida co- tidiana como fronteiras inquestionaveis e aparente- mente naturais, e, 20 mesmo tempo, porque essas condig6es so historicamente formadas através das lutas humanas, que os padrdes sao dinamicos e mu- taveis" (p56). Subjetivo, por outro lado, costuma ser entendido como 0 que ocorre nas mentes das pessoas, isto disposig6es, sentimentos e percepgdes que as pes- soas tm sobre suas vidas. Quando esses dois con- ceitos S20 aplicados com relagao aos fenémenos do 19 mundo, ndo € facil distinguir 0 que pertence a indivi- dualidade de cada um @ 0 que é resultado de regras padrées sociais inconscientemente assimilados, completa o autor. Concluindo, podemos dizer, com relagao as dis- crepancias entre a visdo de Guba e a de Popkewits —e também a de Carspecken e Apple — sobre a teoria critica, algo semelhante ao que dissemos com relagao ao pés-positivismo: em que pese o fato de ha- ver diferenciagdes internas no paradigma que pode- riam explicar parte das discrepancias, parece haver uma luta pela hegemonia na pesquisa no campo das ciéncias sociais, e, em particular, na educagao, con- duzindo © debate. Naturalismo/Construtivismo Segundo Guba (1990), ao contrario do que parece acontecer com os pés-positivistas @ os teérico-criticos, os naturalistas/construtivistas consideram que nao ha acomodago possivel entre os paradigmas. Para ele, © paradigma positivista apresenta falhas essenciais & or isso precisa ser totalmente substituido, em vez de ganhar nova roupagem, como sustenta ser a proposta dos pés-positivistas. Entre os pressupostos do natu- ralismofconstrutivismo, que julga serem incompativeis com outros paradigmas, destaca: 1. Peso da teoria nos fatos Guba argumenta que, para que o teste empirico pu- desse ser um arbitro valido das proposigées tedricas (hipéteses ou questoes do estudo), as linguagens ted- ricas e observacionais teriam que ser independentes, isto 6, seria necessério que os “fatos" fossem aces- siveis a0 observador “em estado puro”, inde- Pendentemente do referencial tedrico que orienta a coleta. Entretanto, 6 hoje consenso entre os fildsofos da ciéncia que os “fatos” s6 so fatos no ambito de um referencial tedrico. Assim, “a base para descobrir ‘como as coisas sdo realmente’ e ‘como funcionam realmente’ se perde" (p.25). 2. Subdeterminacao da teoria Isto significa que nenhuma teoria pode ser totalmente testada. Por causa do problema da inducao, nao ha maneira inequivoca de confirmar uma teoria. Assim, pode haver muitas construgdes tedricas sobre um mesmo fenémeno @ nao ha uma maneira fundacional de escolher a melhor entre elas. 3. Peso dos valores nos fatos Como os teérico-criticos, os naturalistas/construtivistas onsideram que uma investigaedo nunca é neutra, isto 6, isonta de valores. Sustentam que, assim como a ‘Tealidade” s6 pode ser vista através da janela da teo- tia, também 86 pode ser vista através da janela dos valores. 20 4. Natureza interativa da diade pesquisador/pesquisado A idéia aqui 6 a de que os resultados de qualquer investigagdo sd sempre influenciados pela interacdo pesquisador/pesquisado; 0 conhecimento é sempre um resultado da atividade humana e, portanto, uma construgao humana, que nunca pode ser vista como uma verdade definitva, mas, ao contrario, esta sem- pre se modificando. Em face destas caracteristicas Guba conclui que, para os naturalistas/construtivistas, ¢ necessdrio um paradigma inteiramente novo, com as seguintes ca- racteristicas. 1, Uma ontologia relativista: se, em qualquer in- vestigacdo, ha muitas interpretagdes possiveis e nao hd processo fundacional que permita determinar a ve- racidade ou falsidade dessas interpretagdes, os natu- ralistas/construtivistas concluem que néo ha outra al- termativa sendo o relativismo. As realidades existem sob forma de miltiplas construgdes mentais, locais especificas, fundadas na experiéncia social de quem as formula. 2. Uma epistemologia subjetivista: so as realida- des existem apenas nas mentes dos sujeitos, a sub- jetividade 6 a Unica forma de fazer vir a luz as cons- trugdes mantidas pelos individuos. Resultados so sempre criados pela intoragao pesquisador/pesqui- sado. 3. Uma metodologia hermenéutico-dialética: as construgées individuals s40 provocadas @ refinadas através da hermenéutica e confrontadas dialeticamen- te, com o objetivo de gerar uma ou mais construgées sobre as quais haja um significativo consenso entre os respondentes. Guba sublinha fato de que estas so as “suas construgées" a respeito da natureza dos paradigmas analisados. Coerente com sua posigdo relativista, afir- ma que nao faz sentido apontar um paradigma como aquele que deve prevalecer. Considera que o didlogo entre os atuais paradigmas nos levaré a outro nivel ‘no qual todos eles seréo substituldos por outro mais elaborado. Eisner (1990), tal como Guba, defende uma po- ssigdo relativista argumentando que todo conhecimento 6 sempre influenciado pelo referencial utiizado e pela forma de representagao desse conhecimento, bem como pelos cédigos culturais @ pela biografia do su- jeito que conhece. Examina a distingao, proposta por Newell, entre objetividade ontolégica ("ver as coisas, como elas so") @ objetividade processual (uso de procedimentos ¢ instrumentos que busquem eliminar (© espago de julgamento subjetivo do pesquisador), ‘acrescentando que a pesquisa tradicional buscava, através da ultima, atingir a primeira. Apés montar as limitagées referentes a ambas, conclui que 0 conceit de objetividade 6 construido sobre uma falsa episte- mologia, que supde um ideal irrealizvel de objetivi- Paradigmas de pesquisa... dade ontolégica e se restringe a uma busca de con- senso. Ainda dentro da perspectiva naturalista/construti- vista, Lincoln (1990), ao analisar historicamente 0 tra- balho que ver desenvolvendo com Guba, afirma qu a rejeigéo do que chama “paradigma convencional baseou-se om trés pilares: a postura sobre a realida- de, a relagao observador-observado a possibilidade de generalizagao. E acrescenta que este questiona- mento thes parecia ainda mais pertinente no caso es- Pecial da avaliagdo. Este detalhe nos parece impor- tante, pois os problemas referentes a visdo desses autores, em particular sobre a questo das miltiplas construgdes e da generalizagao, se colocam diferen- ‘temente em pesquisa e om avaliagao, sendo mais re- lacionados & primeira que a ultima, ‘Quanto a esses problemas, Lincoln tenta respon- der & questao fundamental, nao analisada por Guba: se tudo que temos sio construgdes da realidade, ‘como se dé a acumulagao do conhecimento sobre 0 mundo social e natural que a ciéncia se propde a for- ecer? Lincoln afirma que o atual modelo de acumu- lagéo do conhecimento & agregacionista — isto 6, ve © conhecimento como hierarquia, taxonomia, pirémide, fou como uma série de blocos de armar — © argu: menta que essa forma de conceber 0 conhecimento 6 apenas mais uma construgao, que talvez ndo seja a mais adequada ao estado atual da discussdo. Diz que 6 possivel conceber o conhecimento de outra for- ma, mais circular ou amebéide, com diferentes tipos de saber assumindo formas diversas, ou ainda, cons- truindo pontes que liguem corpos distintos de conhe- Cimento. Admite, porém, que tais modelos estao ainda para ser construidos. Em artigo recente, Cizek (1996) critica os prinet- pios do naturalismoiconstrutivismo, questionando a afirmagao, feita por seus adeptos, de que ele se pro- oe apenas a oferecer ‘resultados vinculados ao con- texto de cada local pesquisado’, representando uma altermativa aos métodos de pesquisa tradicionais que So orientados por teorias, usam teste de hipdtese pretendem generalizar resultados para outros contex- tos. (Peskin, 1983; Oldather e West, 1994, sdo citados lteraimente ‘pelo autor, mas estes principios séo am- plamente aceitos pelos demais adeptos da abordagem Raturalista/construtivista.) Para Cizek isto pode ser uma metifora da ciéncia social autocentrada, mas certamente néo é pesquisa. Diz ele: Se uma pesquisa ndo se relaciona a coisa algu- ‘ma que atualmente sabemos (isto &, ndo é orien- tada por uma teoria), se ndo esté dirigida para uma questo de interesse do pesquisador (isto é, para 0 teste de hipdtese) ou produz conhecimento que outros possam usar e é vinculado a um con- texto especitico (isto 8, no generalizdvel), como, entéo, pode ser chamada de pesquisa? (p.27) Cizek acrescenta que se criou uma hegemonia da narrativa que faz dos pesquisadores naturalistas/cons- tutivistas meros contadores de histérias. Cad. Pesq., 1.96, fev. 1996 Consideracées finais No preféicio do livro The paraaigm dialog, que reflete 0 debates ocorridos na primeira “Conferéncia dos Pa- radigmas Alternativos’, Guba (1990) afima que, na condigéo de editor, preferiu a autenticidade & assepsia, de modo a retratar todas as ambigtidades, contusdes, © discordancias existentes, mas também como uma forma de estimular a continuago das discussdes. Se 6 certo que 0 panorama parece, muitas vezes, caéti- co, & também verdade que a discussao evoluiu bas- tante em relagdo & que se observava no inicio da dé- cada de 80. Ao se livrarem da polarizagao positvis- taindo-positivista e do terreno pantanoso do termo “qualtativo’, os pesquisadores voltaram sua atengao para as diferenciagées internas e para a andlise das, possibilidades de dilogo, o que, por sua vez, parece estar resultando em um aprofundamento da reflexdo sobre os pressupostos das diferentes abordagens & To refinamento de alguns conceitos basics, Quanto as diferenciagdes entre os paradigmas, & importante enfatizar que 0s pressupostos apresenta- dos por Guba como basilares do naturalismo/constru- tivismo — a influéncia da teoria, dos valores e da in- teragdo pesquisador/pesquisado’ na configuragao dos “fatos’ ea subdeterminagao da teoria — nao séo questionados por quaisquer dos defensores dos ou- ‘ros paradigmas. A diferenga entre as trés posigdes est4 na énfase atribuida a essas questées e, princi- palmente, nas conseqiiéncias delas derivadas. Para 0s naturalistas/construtivistas, a aceitagéo de que a realidade € socialmente construida leva & conclusio de que ha sempre muitipias realidades sobre uma dada questéo, ¢ ndo havendo um critério fundacional que nos permita escolher entre elas, todas devem ser aceitas, sem julgamento. Em outras palavras, para eles, a aceitagdo da construgao social da realidade desemboca necessariamente no relativismo. Para os pés-positivistas e te6rico-criticos, o fato de que a rea- lidade socialmente construida constitui um dado im- portante a ser incorporado anélise, mas nao traz como conseqiiéncia o relativismo, Parece claro, portanto, que 0 ponto central das divergéncias se situa na questo do relativismo © ‘suas implicagSes no que conceme & objetividade e & acumulagao do conhecimento: enquanto os naturalis- tas/construtivistas adotam um relativismo radical — 0 “vale-tudo” de Feyerabend, 1988. p. 22 —, os pés- posttvistas mais explicitamente, mas também os te6- fico-criticos, 0 repudiam © fato de que Guba, Lincoln e Eisner — sem di- vida, trés dos mais conhecidos defensores do natura- lismo/construtvismo na pesquisa educacional — atuam na area de avaliagao, ajuda a esclarecer suas posigdes com referéncia ao relativismo: se alguém se rope a compreender os significados atribuidos pelos atores as situagdes @ eventos dos quais participam, se tenta entender a “cultura” de um grupo ou organi- ago, no qual coexistem diferentes vis6es correspon- dentes aos subgrupos que os compéem (naturalis- mofconstrutivismo), entéo 0 relativismo nao constitu 21 problema; se porém nos propomos a construgéo de teorias (pés-positivismo) ou a transformagdo_ social (teoria critica), a qual exige acordo em tomo de de- cisées ou principios que possibilitem a acao conjunta, entdo o relativismo passa a ser um problema. A passagem de um debate em termos de “tudo ou nada’, que caracterizou 0 periodo anterior, para uma discussao em toro de énfases levou, como vi- mos, a uma maior elaboracao de conceitos, na me- dida em que se tornou necessério substituir antigas dicotomias por distingdes mais rigorosas nas quais os pressupostos epistemolégicos inerentes as diferentes posigées vao sendo mais claramente explcitados. Em Conseqiiéncia, tanto 0 questionamento quanto a ade- 80 a um determinado paradigma podem ser feltos em bases mais sélidas. Isto nos remete & questo da acomodagao entre paradigmas, um problema ainda em aberto. Podemos observar, entretanto, que, enquanto no caso da opo- sigdo positvistaindo-positvista, a acomodagdo era majoritariamente considerada impossivel, na situago presente as posigdes nao parecem tao rigidas, admi- tindo-se, também, posigSes intermedidrias. "Austin (1990) identiicou, na discussao contemporanea, trés diferentes niveis de acomodagao: 0 nivel filosotico (6 Possivel chegar a um acordo em tomo de questdes de fundo?) 0 nivel de comunicagao social (podemos utlizar conhecimentos gerados por outros. paradig- mas?) 0 nivel pessoal (posso eu, como investigador individual, me valer de diferentes paradigmas com o objetivo de dar conta de problemas especificos?) Austin avalia que hé uma tendéncia a considerar que algum tipo de acomodagéo 6 possivel. Podemos actescentar que essa tendéncia se refere mais as duas utimas insténcias do que & primeira, 0 que re- flete a distancia, j4 identiicada por diversos autores, entra 0 nivel da reflexdo epistemolégica e o nivel da Pratica da pesquisa. Cabe aqui assinalar que a discussao sobre a aco- modagao entre paradigmas, tal como vem sendo co- locada, parece estar restrita as ciéncias sociais. Mas- terman (1978) — em sua ja citada exegese sobre a nogéo de paradigma na obra de Kuhn — afirma que, a0 contrério das ciéncias fisicas, as ciéncias sociais 80 multiparadigmaticas, isto 6, nelas competem vé- rios paradigmas, persistindo entre eles a discusséo sobre as quesides fundamentais. Ao considerarmos especificamente o campo da educacao, interdisciplinar poor natureza, a andlise de Masterman torna-se ainda mais portinente, Assim, se, de um lado, 0 reconhecimento da le- gitimidade da cosxisténcia de varios paradigmas hoje uma posigao hegeménica no campo educacional,, hd autores que véem nessa coexisténcia a possibil- dade de acomiodacao em seus diversos niveis (Fires- tone, 1990; Cook e Reichardt, 1986, por exemplo), en- quanto outros (como Guba, 1990; Lincoln, 1990; Skrtic, 1990; e Smith @ Heshusius, 1986) consideram 22 que a acomodagao é insustentével em termos epis- temolégicos. Skrtic (1990), partindo de uma idéia de Burrell Morgan, apresenta uma interessante ilustragéo para sustentar sua posi¢ao “néo-compatibilista’. Estes au- tores concebem os miltipios paradigmas das ciéncias sociais em termos da relagao entre duas dimensdes de pressuposios metatedricos sobre a natureza da ciéncia e da sociedade. A dimensao correspondente & natureza da ciéncia teria, como polos opostos, as posigdes objetivista © subjetivista. A dimensdo relativa, & natureza da sociedade teria, em uma de suas ex- tremidades, a ordem — isto é, a posigéo que concebe a sociedade como integrada e coesa — e, na outra, © conflto — ou seja, a posigéio que assume que a exploragdo @ as contradigdes esto no ceme da so- ciedade. Skrtic olabora essa idéia, propondo que se vejam tais dimensées como elxos ortogonais, situando fem seus quadrantes os quatro paradigmas metated- ricos do pensamento social modemo: o funcionalismo, correspondendo, no caso da presente discussao, a0 és-positivismo (objetivismo @ ordem), o interpretati vismo ou construtivismo (subjetivismo e ordem), 0 hu- manismo radical que € a base metatedrica da teoria critica (subjetvismo e conflito) e 0 estruturalismo ra- dical, base das diversas teorias do conflto, que, se- gundo 0 autor, ndo tem ocupado 0 espaco que me- rece nessa discussdo. A figura abaixo permite visua- lizar melhor © modelo proposto. Paradigmes das Ciéncias Socials Order Funcionalismo (Pos-posttvismo) Intorpretativismo (Construtvismo) (Objetivsrno ‘Subjetvismo Estruturaliemo Radical (Tecrias do Contito) Humanismo Radical (Teoria Critica) Contite Segundo Skrtic, se estes paradigmas representam visées mutuamente exclusivas sobre os fenémenos sociais € sobre como devem ser investigados, pode- ‘80 concluir que ndo ha acomodagao possivel. ‘Smith e Heshusius (1986), também se opondo & acomodagao entre paradigmas, argumentam que esta, traria, como efeito adicional, 0 encerramento de um debate provocativo sobre problemas essenciais, ndo resolvides pela pesquisa educacional. Como vimos, a0 contrario do que pensavam esses autores, 0 de- bate néo se encerra com a despolarizagao quantita- tivo-qualitativo, apenas se desloca para outras arenas Paraaigmas de pesquisa. @ adquire nuangas até entdo inexistentes, em fungao de uma redefinigio do campo, Concluindo, podemos dizer que um dos fatos mais promissores nos desenvolvimentos recentes da discussdo entre os paradigmas parece ser uma dis- osigao de admitir que cada um deles tem contribui- ‘des importantes a dar. Isto néo quer dizer que nao haja luta pela hegemonia. Afinal, como bem observou Gage (1989), hegemonia significa maior espaco em revistas especializadas, maior parcela nos financia- mentos para pesquisa, mais vagas nas instituigdes académicas. Mas, torna-se claro que hoje ja ndo ha mais lugar para a alegagao de que um determinado paradigma 6 0 Unico capaz de fornecer conhecimen- tos confidveis. Considerando-se os rumos que a discusséo vem tomando, parece valido afirmar que 0 diélogo dos pa- radigmas, em suas diversas formas, persistiré por lon- {go tempo, eventualmente agregando novos participan- tes, como vem acontecendo com 0 pragmatismo. Va- fios artigos recentes (Cherryholmes, 1992, 1994; Gar- rison, 1994; House, 1994), vém resgatando as idéias, de Pierce, James, Rorty e Dewey, enfatizando a atua- lidade dessas idéias e apontando-as como uma alter- nativa frutifera para a elaboracao da teoria e da pes- quisa em educagao, REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS AUSTIN, A. Discussion on accommodation, in: GUBA, G. (ed). The Paradigm dialog. London: Sage Publications, 1990. CAMPBELL, D. T., STANLEY, J. C. Experimental and quasi-ex- ‘perimental designs for research, Cheago: Rand McNally Col- loge, 1968, CARSPECKEN, P. F., APPLE, M. Citcal qualitative research, tn LE COMPTE, M. D., MILLROY, W. L., PREISSLE, J. (eds) The handbook of qualitative research, London: Sage, 1982. 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