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América Latina en sua Literatura 3. Situacdo do Escrito José Guilherme Merqi a 1, OBSERVAGOES PRELIMINARES ‘A. anélise da situagdo social do escritor é uma das estra- tégias da auténtica abordagem estilistica, pois o estudo do estilo, Sempre que se aprofunda, se desdobra necessariamente neste ine-vir do texto & hist6ria fora da qual a riqueza semdntica das cobras literdrias ndo se revela & interpretagio critica. Mas a socio- logia do autor, como a sociologia do gosto literdrio, coloca-se nno proprio centro do exame literirio quando é enfocado a par tir do angulo cultural, ¢ tal precisamente nosso caso. A andlise social do escritor deve naturalmonte estudar sua situago sécio-econdmica, mas ndo deve esquecer a natureza cespecifica da literatura em sua qualidade de esfera cultural, Entre © substrato sécio-econdmico do grupo social “escritores” ¢ 0 significedo social de suas obras, as relagdes so muito mais com- plexas, mais variadas no tempo e no espago, do que suspeitam 08 esquematismos “materiaistas". O ponto’ capital da contr bbuiggo da. sociologia do grupo literdri, para o entendimento tanto da literatura como da cultura, depende de sua capacidade de vincular em termos dialéticos as diferentes expressdes da fungio. cultural da obra literdria com a evolugdo da situapio social do esertor. A sociologia da produeso literdria latinoamericana & ainda embrioniria; 0 inveatério objetivo dos dados pertinentes a situa- fo social e econdmica do esctitor latine-americano é uma inda- gapdo incipiente. A gente se sente praticamente convidada a ree Inara descrifo atomistica do status, da renda ou da origem social dos escritores; mas nada poderia ser téo ingéaue como rocedimento cient. Mesmo antes de acumular fatos e cifras, 6 nevessirio formular as interrogag6es essenciais de uma socio- 384 [AMERICA LATINA EM SUA LITERATURA logia do autor latinomericano. Por isso, a construgéo de mode- los histérco-comparativos inspirados na sociologia das ireas cultural, por exemplo, é tio importante quanto o registro dos aspectos sécioecondmicos. A comparagso da realidade social ‘da América Latina, de sua evolugdo e do papel que nela tiveram a “intelligentsia”, em geral os literatos, em particular, com sous equivalentes em’ éress culturalmente afins (Europa Ocidental, Amnériea Anglo-Sax) pode orientar a investigagfo; mas o sim. ples registro factual atomistico pode deixar sem resposta as inter- rogagies decisivas, anular assim a perspectiva critica e sep init para o esclaecimento da verdadeira problemética dg/cultura latino-americana [As observagoes que seguem nZo so mais do que uma ten- tativa de esboar uma sociologia da produgdo literéria Iatino- americana de um ponto de vista histSrico-comparativo. No pre- dente como em sua dimenago diacronics, « altuaglo do eacritor que se vai delinear no € uma descriggo exaustiva, mas uma est Tizagao conceptual, um Ideaitypus inevitavel- Ademeis, era vir- tude no do método escolhido, mas da competéncia do obser vador © do equilibrio global do presente volume, nosso esbogo tenderd a privlogiar 0 campo. das letras brasiiras — com 0 que ndo se pretende, de forma alguma, minimizar 23 peculie Tidades das literaturas hispano-americanas, seja em bloco (na ‘medida em que se distinguem da brasileira), seja separadamente (na medida em que sua pluralidede reflete a diversidade das regides cultura 6a América Espanhola) 2. CARACTERISTICAS SOCIOLOGICAS DA SITUACAO BO ESCRITOR Entre as linhas gersis da evolugZo social latinoamericana, ressalta, em clara oposi¢go com o curso evolutivo europeu ou norte-americano, a sobrevivéncia do subdesenvolvimento eco- rnomico © das hegemonias oligdrquicas. Até o século XX, a supre- ‘macia da classe senhorial em todas as nag6es latino-americanas coincidiu com a mediocre amplitude da diferenciaglo social econémica. A formagdo dos estratos médios em volume conside- rivel dats apenas do século XIX; e somente nos altimos eem anos, com a inguietagdo social da populagdo das cidades aumen- ‘ada’ pela urbanizagio, comegoi a erescer uma brecha no mono: polio politico e cultural da clase senhoral Estes mesmos cem anos viram surgir as principals carac- teristicas sociol6gicas da sitvagdo stual do escritor latino-ame- ricano: © comego da profissionalizago da atividade literiria, « criagdo de uth piblico real, a implantagto de canais de distr- buiggo regular de textos, etc. A esses sintomas “neutros” da exis- téncia*de uma “classe” 'literdtia dotada de autonomia funcional screscentaramse, as és Gltimas décadas, virios fatores de fenado enire 0 escritor e a sociedade. Em nossa opinigo, tais fato- res configuram 0 perfodo atual da literatura latino-americana SITUACAO DO EScRITOR aes (entendendo-se por “atual” a fase que comega em tomno da Segur a Guerra Mundial, mas euja fisionomia se acentua, de maneira particular, nos fltimos quinze anos) como a épocs de mixima ‘ansfo entre o esertor e a sociedad. "Nossa _tarefa consiste em demonstrar analiticamente esta afirmagao. Desde jf, tais fatores de teisfo entre o escritor € a sociedade no podem ser compreendidos fora do quadro das carac- ‘eristicas sociolégleas “neutras” mencionadas, ot sa, a eriago de um pilblico, a profissionalizagio do escritor ¢ 0 grat de auto- consciéncia funcional que ela supe. Esta é a razHo por que, antes de analsar @ estrutura da tensfo escritorsociedade em seu aspecto contemporineo, 6 novessério evocar 0 vontexto sociolégico do processo formative do piblico ¢ da profissionalizagio do autor Iatino-americano. 2) A colbnia Durante 4 era colonial, 2 auséncia de diferenciagto sécio- -eoondimica em nivel satisfat6rio e a sestrigio do alfabetismo as classes superiores ou aos pequenos grupos de seus depen- dentes impediram, grosso modo: 1) que a procedéncia sovial dos literatos ultrapassisie a classe senhoril; 2) que a atividade lite- risia se profisionalizasse. O grupo dos autores foi, no regime colonial, um conglomerado de limites imprecisos. A stuaggo cesporidica e nfo profissional dos eseritores correspondia a natu- reza ocasional do piiblico. A apresertagdo dos textos iiteririos ro se distinguia, na verdade, da cerimonia religiosa, da come: moragio publica’ ou simplesmente familiar que os provocava; « pela mesma razio, 0 escritor se confundia com 0 sacerdote, Hicenciado, o funcionitio, ote. A consisténcia socioldgica da intelligentsia" 86. se esbosa na segunda metade do século XVUIL, sob a influéncia das idéias iluministas, que inspirardo sucessiva- mente os cfreulos intelectualizados da administragio éclairée bourbsnica ou pombalina, as rebelides nativistas e a luta pela independéncia. A passagem do escritor aficionado, membro ou asociado da classe senhorial, a0 literato profissonal de origem Dburguesa anunciase somente com o romantismo, ¢ 86 s© consuma 4 partir dos fins do século XIX. Marchou paralelamente & amplia- ‘ef do piiblico, & sua divetsificaeZo, ao desenvolvimento da ta prensa ¢ do livro e ao hébito da remuneragfo especifica do tra- batho lterato. 1) Romantismo e critica da cultura Ora, se & primeira vista o século XIX constitui o periodo de implantago daquilo que acima chamamos caracteristicas sociologices “neutras” da situagio atual do escetor latino-ame- ricano — isto é, « base sociolégica da autonomia da literatura ~, {qual foi, por outro lado, o tipo de relagdo do escritor com a sie dade, no que se refere 2 sous valores, que prevaleceu na mesma poce? A pergunta estd longe de ser arbitra, que, se, fidis ‘a nosso método comparativo, vemos o que se passava entao na 386 AMERICA LATINA EM SUA LITERATURA Buropa e, até certo ponto, not Extados,Unidor, darnosemos conta de que preisamente a parts do roplintiamo a tenslo entre 6 esenitor ea sodedade ganha uma inffmsdade inéata e dur foura, uma intensidade que, & forga de manifetarse em toda a literatura modem (no sentido de péselisica) quate nos parece, ém nossos dis, algo inerente & propria autenticidade da obra itera ‘Além diso, com a “insttucionalizagéo” do. antagonismo entre 0 eseritor¢ os valores coletivos, entre a literatura ea soci fade, apareceu tambem outro fendmeno, De fato, se algaém ‘stingue ma literatura 20” menos ter fungGes cultuais predo- rinantes ~ edifieagSo, divers, problematizagio — no hd Gavia de que, como quer W. Kayser, « fanglo problemetizante tende 2 agambarear a alta literatura dos dois altimos séulos até hoje. ‘A patir do romantismo, a finalidade ostesiva ds produgio ats lWeamence supeior ¢ a exposito dos aspectos problemaices da existencia. O afesmento dos valores coleiis corre de par com © questionamento axiolégieo no eixo da. attude expiitual do ‘autor mademo Mas ¢ evidente que, na América Latina, nenhuma dessas tendénciae se impos. com’ mesma enerpia que na Europa. A Tteratura do séulo XIX des antgas colonies tras néo denota, é caro, uma harmonia perfeita entre o excitr © a sociedade, tas nfo existe um grupo de obras marcadss pelo aprofunda. rent da funglo problematizante, Todavia, 0 nivel de rupture com a Sociedade e'a aberture da visto problemética nfo te pode omparse com as vanguardas curopeies do séeulo, A personal dade erticovtelectuat dos grandes scritoreslatino-aericanos, fem sua majria, possi uma colorado; sua obra é menos radical: mente crfice, Na Europa, tem sentido falarae de uma “tradigto da arte modems” qu, herdeira da Kulturkrith romantic, remonta xe Baudelaire ¢ Flaubert; mas 0 equivalent latinoamericano de tal tradigio nose encontca sno em noso tempo. Do ponto de vata sociolégco, esa diferna nfo 6 dificil de explicar. Culturalmente, os dois tragos essenciais da socie- dade enropeia do ssoulo XIX sfo 2 univerizacio do estilo de vida burgués — 0 predominio nfo 96 econbmico e politico, mas tutwal dos estatos médios ~ e, em meados do séeul, « gene- liza das condutes introduzias pela spargio da grande cidade, ou ‘sj, 0 cariter cada vez mats impessod! ¢ stomitico das relapses humanas nas grandes concentragaee demogrfias, tal como fot deseito por G. Simmel no enstio A merrdpole ¢ 4 sds mental. Corrlativarente, 4 grande literature européia da época € governaa pelos teri: 0 repo do ethos bungies (6 tema da “vids gris, do prosasmo do cotdiano) és geragao de Baudelaice, a riicaradeal da desumanizagfo no erpago exit teneial da grande cidade. O conjunto dos estilos rominticos pode ser considerado como uma ampla reagfo & “prosa da vida" ¢ a0 racioalsmo. ultra, benthamista, dos costumes do. inicio do. séeulo. XIX; os vévat metamorfosr da busca romintca de ume reaivagio’ da religondade a partir da expansfo sosmica SITUAGAO DO ESCRITOR 387 do eu nio foram manifestaydes de uma simples epidemia reacio- névia, mas tentativas de cedescobrimento do sentido do sagrado eda posibilidade de harmonizé-lo com o individualismo da cul- tura modema, Por outro lado, o fecundo estudo “culturalégico” a lirics de Baudelaire, feito’ por W. Benjamin, revelou quanto © estilo arquilicido e ultrasensivel do “pai da poesia moderna” € motivado pelo desejo de neutralizar os choques desumani- zantes do ritmo de vida metropolitana e a degradapio mecinica das vivéncias do Homo urbanus. O rorsantismo foi um combate contra a “prosa da vida", quando esta, depois do desmorona- mento das sacraizag0es tradicionas, sparecew em sua cruel nudez; a arte pésromintica se apresentou, ¢ 3© apresenta ainda hoje, ‘como uma defess do espirito contra a erosio da experiéncia mum mundo contemporineo, isto 4, no universo urbano-ndustrial ‘Consideremos ainda por um instante, antes de voltar& nossa América Latina, a raizes sociolipieas dos fenémenos apontados: 4 universalizagiéo do ethos burgués e 3 consolidagdo da grande cidade. Digamos logo que tais fendmenos nfo teriam aconte- ido sem a Revolugfo Industrial, mas esta também ngo teria ocor- Fido sem o elevado nivel de diferenciagéo sécioecondmica da sociedade curopéia dos séeulos XVILXIX. Mas na América Latina, 20 contritio, a subdiferenciagio prevaleceu; os estratos, médios foram escasvos, os mercados urbanos inexpressivos, a industralizagéo inexistente. AS grandes concentrages urbanes tardario muito a nesces, enquanto que a “universalizagso do ‘ethos burgués” viuse travada pela robusta sobrevivéncia dos cos- tumes senhoriais, isto ¢, por uma série de condutas de carter tradicional, no sentido tmuito preciso de alheias a0 animo racio- nalutilitrio-impessoal do comportamento burgués. E 0 ethos senhorial nfo se limitou s classes superiores, mas impregnou as demas, 0 “fidalguismo” cativou também as clases médias. Em condigées sociais to diversas, como surpreenderse que 2 literatura atino-americana nfo apresente 2 mesma tensio Gritica para a cultura, nem o mesmo nivel de aprofundamento a visio problemstizante? Os escritores erioulos ustvam 05 modelos europeus, as formas franceses ott ingleses, mas feltavamlhes os estimulos socisis para que tis modelos tivessem 0 contetido assinalado por essa idade cultural. O cardter culturalmente hipo- critica da Viteratura ibero-emericana resultava da situagéo peri férica do continente, no que se refere 20 centro evolutivo da civ lizagdo a que pertence. Mas a auséncia de uma “critica da cultura” como contedido feral da visSo da literatura latino-americana do século XIX nfo significa, naturalmente, que seus escritorestenham sido totalmente conformistas, O romantismo liberal canalizou um forte refor- mismo social. Na Argentina, sem divide gragas a0 estabeleci- ‘mento mais precoce do ensino universitério ¢ da violéncia do caudilhismo, 25 grandes expressdes do romantismo liberal surgem antes do que no Brasil. EI matadero ¢ Facundo so muito ante- riores 4 poesia literéria de Castro Alves e do antiescravismo de Joaquim Nabuco. E significativo que a polémica contra o clas see 388 AMERICA LATINA EM SUA LITERATURA, sicismo tenha sido, na Argentina ¢ no Chile, obra de roménticos liberas (Sarmiento 13, Andrés Bella), ao passo que, no Brasil, foi conduzida pelo indinista conservador José de Alencar (ainda antes do romentismo a literatura bispano-amerieana hava Tos- frado maior inclinagio para atitude engapée; pense-se na fleezo picara de Lizardi, muito mais ideol6giea — mas talvez, menos tealista — do que 0 costumbrismo do plearesco brasileiro Manuel, Antonio de Almeida, contemporineo dos narradores romticos). ‘Ademals, ndo se deve restringie 0 conteddo de critica social 4 suas manifstagies explicitas, doutrindras, nem sequer “cons cientes"; no romantismo urbano do conservador Alencar, por exemplo, como 0 indicou A. Cindido, certos axpectos proble- riéticos ‘de inféncia da sociedade burguesa do Rio de Janeico so enfocados com uma inteligéncia postica ndo de todo indigna de Balzze ov de Dickons. O proprio fopionllsmo, fruto do histor ticismo romdntico, € a maior prova da perspcdei critica sociolé- ca da literatura do século XIX. : Logo, se na América Latina, no periodo da formagdo do piblico © da profssonalizacio do grupo dos autores (04 sj, no século XIX), a relagio escritorsociedade nfo evoluiu para a ruptura entre a fang literéria ¢ os valores vigentes nem para 4 radicalizagfo da imagem problematica da vida, no fol ‘por causa de uma simples cegueira dos escritores diante do soci, ‘mas porque, ni América Latina, o eitmoeiy da cultura conten pornea ~ 0 estilo exstencial da grande cidade ~ era ainda muito Aébil, muito tenve, emborajé existsse como hovizonte des forges, de modemizagio da socieJade. Na Europa, a literatura fez da critica da cultura « musa predilota do sua concentragdo na visio problemétia. Tal critica da cultura expressava a angistia da sociedade diante dos efeitos brutais ¢ desumanizantes da moder nizagdo, mes nem por iss0 se resumia na saudade do passado, za nostalgia do sereno ritmo do Ancien Regime, mas realizava a conjungio dialética da dor causada pelos traumas da modemi- aso abrupta da sociedade com a nova estrutura dos desejo, dos maltiplos anelos que o proprio progresio despertou. OqU6 chamamos “carter hipocritico" da_ literatura latino-americana de entao no & mais do que isso: 0 fato de que na América Latina, a literatura oritiea est, no século passado, comprometida sobietido com o ideal de motemizagdo (isto é, de aburguesa- mento ¢ industrisizagio) da sociedade, enquanto' que na Europa std comprometids, principalmente, com a eritica dat consequén- as de tal modemizago. L, Schiicking observou 0 paradoxo da situagSo dos libersis ceuropets que, como Shelley, foram 20 mesmo tempo democra tas na politica atistocratas na. cultura, inimigos da. massif capfo, Os rominticos liberals latino-amerianos seguiram nisto mais a Hugo do que a Shelley: praticaram a ertiea da sociedade sem deixar de lado a problemética da cultura, ov, © se prefee, sem centrar sua mensagem estética na ertica dos valores domi, nantes da civlizagao modema. A verdade 6 que 0 significado do tomantismo latino-americano no esteve no desenvolvimento de SITUAGKO DO ESCRITOR 389 ‘uma visto critica radical, mas na legitimagio artistico-ideologica das jovens nacionalidades, nessa mirifieapfo da realidade ameri- fang que o indianismo dustra perfeitamente, Mas tal vocagio, mais proxima das antigas posticas edificantes do que da sedan problomaticidade do contetdo, afistou 2 tteraturg romdntica rnoodbérica da fungo critico-problemstica a que sua costinea ceuropéia se consagrava, ¢ mantevesa também alheia a essa auto- rnomia de pensamento com que, desde o pri-romantismo, a ratura ocidental soube rechagar as tendéncias culturals dominantes, Todo © processo que tcabainos de evocar evitow uma mup- tura radical entre a fungdo literdria e a tonica da cultura, entre otetitor e a sociedade. O escritor inconformista, o rebelde decla- rado, entrava muitas vozes em Iuta com o regime, com a estrutura do poder, com as hegemonizs do momento, mas ngo the faltava © apoio dot movimentoe de oposieio e das camadas sociais que ot sustentavam. A rebelido solitiria dos protagonistas europeus da Kulturkampf da arte moderna foi rara no novo mundo ibérico. ©) Profissonalizagto e expansio da clientela No primtiro periodo péeromintio, ito é,ente os anes 80 ¢ a sopinda dada de nono veel, agulo que consideramos como o suporte sociolégico “neutro” da situagdo do escritor — 2 profisionalizagio. © 2 expansio da cliente fortalec 6 pblico somdntio ea ainda muito frig em oera dress, como to" Bras, ext azplamente comporto de mulheres © ae ete dances isto & de propos efmeros ot pasivos dat les supe flores” Com a aderago da urbaniagto,o plblin se estes © se matiza. A ampliagdo (embora muito limitada) do ensino oca- Sionou uma nov fonte de promosto soe: a speriordade do Saber. A sofstcagfo intelectual ¢ um taago distnive das letras porromantca; o nivel elovado da ensuntca de Belle Epoque fou wfinamento conceltaleanaliic, eantrapSemee carmen i ingecidadeidelipca. da maionn dos esas roméntcos; tata‘ fol por acaso a primera Idade do exeretelo sstemsieo dries Roper Bastde subliniou de manera penetrante 0 carter socialmente “elasificador” das. pottlcas anstoriica Jo poe ‘tomantismo, © Pamaso ¢ 0 sinbolimo foram, af certo ponto, fotas de aeeso 20 starus social para um grande nimero dé esc tores pequeno-burgueses O respeito sor cones dx are dificd tp asestismo do esttcsmo,--~ atwou como instrumento de sega socal, sas de uma eegzo (oom nese concasos pub Gos que o cresciento do apasino burocriio nfo tardak a gene- falas) aberta ar clases médias, que a expenio. do univeso trbano toma sempre mais consent de sus propia spragdes. ‘A igifeageo” Ge endade teri, trasparente 10. apopeu das academe, emana cese contexto soilopico.Felo fim do steulo, a socetade ltno-amedicana distngu se por wa cosa Assmcria entre o subdesenwolvmento eeonbmico © orefinamento intelectual ow melhor, dos itletuais 390 AMERICA LATINA EM SUA LITERATURA Mas o orgutho do escritor, seu prestigio na imprensa e nos sales, foi em parte uma compensagio pela sobrevivéncia dos limites da profissionaizagao. A maioria dos chefes do estet cismo findesiécle continuo sendo publicada na Europa — nessa peninsula onde a litica modemista seri o primeiro exem- plo histérico de influéncia de um estilo crioulo (embora for- ‘mado, comme il faut, em Paris...) sobre a literaturamie, Ade- ‘mais, 0 prestigio dos escritores esteve longe de vivficar a inde- pendéncia de sua obra diante da cultura © da sociedade. A viséo do mundo desses esteticismos ngo ultrapassou, em muitos casos, © nivel decorativo da literatura enquanto “sorriso da sociedade”, nna férmula significativa de um neoparnasiano brasileiro, Sobre tudo, no se deve esquecer de que o emprego dat posticasaristoeré- ticas como vefeulo de aguisiggo de starus so harmonizava perf tamente com o vetho fidalguismo das vlases médias latino-ame- ricanas, isto 6, com a psicologia do tradicionalismo. Os escritores latino-americanos do periodo 1880-1924 adotaram com fieqiéncis os temas do progressismo precedente ‘A onda positivista, em particular, declarou-se herdeira do cienti- ficismo iluminista e da repulsa liberal pela religiosidade tradicio- nalista do romantismo conservador. Mas 0 eurioso é que, na Europa, 0 positivismo metafisico de Comte logo se dissolveu ‘numa multiplicidade de pesquisas cfentificas (em fecunda conti- ‘uidade com a caga romantica das particularidades do fato his- torico ¢ da evolurdo biol6gica) enquanto que, na Amética Latina, © espitito positivista se tomou notivel pelo ubstracionismo esco- listico de um grande niimero de sous produtos. Na América Latina, positivismo © falta de objetividade foram companheiros cons. fantes. Até mesmo o romance naturalist, flho do cientificismo, fj singularmente pobre em matéria de notagfo realista da social A partir de Baudelaire ou de Wagner, 0 genusno esteticsmo europe se afastou da mitologia humanistico-progresista. Em seu papel de frente estética da Kulturkritik, as vanguardas poé- tices aprenderam a questionar o prometefsmo ingénuo das apo- logias da cigncia, da téenica e das massas. Mas o humanitarismo de Datio, 0 emersonignismo de Rodé ou 0 liberalismo de Rui Barbosa estdo chelos de premissas antropélatras humanistico- -progressistas; isto revela que o esteticismo pésroméntico preser- vou caviterhipocritico da literatura anterior, sua miopia diante do “malestar da civilizaefo", na prépria fase em que sua base socioldgica, especialmente a grande cidade, ja ganhava realidade 80 sul do Rio Bravo. Nos Estados Unidos, 20 contrdtio, a ruptura as ilusdes progressistas © prometéicas teve lugar jé durante o romantismo. A obra de Poe, Hawthome ou Melville opés-0 20 otimismo acritico da escola de Concord. Verdade & que © norte atlantico conhecia desde hé muito uma cultura urbano-industrial baseada no ethos burgués, quod erat demonstrandum. ‘Nossa olhada ao passado imediato da literatura latino-ame: ricana contemporinea, ou seja, sua trajetéria desde o século XIX, indica que 2 situagfo do escrtor por volta de 1920-1930 se dife- renciava em dois pontos de sew anélogo europeu ou norte-ame- SITUAGAO DO EScRITOR 391 ricano, Em primsiro lugar, a profssionalizagdo do literato latino- -americano, embora iniciada desde hé muito, fot muito menos vigorosa do que na Europa Ocidental ou nos Estados. Unidos. ‘A grande quantidade de escritores funcionirios, a escasez de editoras, a modéstia das edigdes, © pequeno volume do piblico letrado,” $40 outros tantos obsticulos a0 degenvolvimento aut6- rnomo da atividade literdria. Os esforgos de 1 das letras, ‘sentido promocional dos parnasos¢ academias,s80 também fadi- ces de que a profissionalizagdo relativa ¢ insegura. Em segundo lugar, © tipo’ de relagdo entre o escritor e a sociedade também presenti diferengas. Em geral, os grandes escritores nfo se afas- tam dos valores culturais vigentes; sua obra ndo € consagrada & fangio problematizante, 20 contrério, freqientemente & mals apologética ou lidica, mas em harmonia com © quadro axiolé- ico da civilizaedo urbanondustrial. Sem dtvida, 0 “matetia- lismo” de tal civilizagio é, as vezes, condenado; 0 modemnismo Rispanosnnericaiy len win aspecto’ claramente” tradicionalista, culturalmente antiianque; mas ossa oposi¢go cultural & mais tradicionalista do que verdadeiramente critica e, em suma, t@ Timitada assistematica, enquanto visdo social, como 0 anarco- sindividualismo elitista de virios modemistas, A literatura se fentrega muito ‘pouco a critica da cultura, e @ arte-purismo nfo ‘@ desdobra, dileticamente, em problematizacao da realidade. or isso, entre o esctitor ea sociedade, de um ponto de vista geral, ndo hé ainda grande tensfo. Se nossa tese & exata, isso se deve em perte a0 fato de que o estado da estrutura sicio-cul- tural e 0 ritmo de modemnizagéo da sociedade ainda ndo tinham projetado no plano da visibilidade os temas especificos da lite ature modema no sentido de arte verbal autombuida da figue ago simbdlica dos problemas do homem contemporineo. 3. 0 ULTIMO MEIO SECULO 8) Introversdo da literatura B sabido que a situago do eseritor modemo diante da cultura urbanosndustrial levou & introversdo da literature. W. Benjamin pos em evidéncia a relaglo profunda entre, por exem- plo, a poesia de Baudelaire, o romance de Proust ou de Kafka © & consciéncia da perda da autenticidade da experiéncia no fespago existencial da grande cidade, logo convertido em teatro da socledade de massa: Baudelaire, Proust ou Kalka, eles desenvol- veram, cada qual a seu modo, estratégias de “apo simbolice” (Kenneth Burke) de resistincia a ossi ameaga desumanizante. ‘Um dos tragos tfpicos da estrutura existencial modems, mar- ceada pelo declinio da autenticidade do viver, é a ruins da capa ‘dldade do transmitir sua propria experiéncla, @ destruipto do substrato existencial do narrar. Isto ovotte porque 0 sabor ético ‘0 valor exemplar da existéncia individual so encontram mais e mas fem perigo. Na sociedade de massa, o valor do hie et nunc, dx 392 AMERICA LATINA EM SUA LITERATURA, ‘unicidade no fungivel da experiéncia pessoa. tende a desaparecer, © de fato no inconsciente coletvo jé ¢ praticamente nulo. Ade- mais, os aspectos realmente inéditos da experiéncia também escasseiam; na existéncia hiperorganizada do homem modemo, © acontecsr quase nfo apresenta nenhuma novidade. Mas a nar ragio, em seu sentido tradicional, radica-e precisamente na trans. missfo de uma experiéncia vivida cheia de novidade e de exempla- ridade; o verdadeito narrar & comunicagdo do maravilhoso capaz dle repercutic — por seu significado moral — na vida de seus ouvin- tes. Nisto pensa Benjamin ao definir os provérbios como euinas de ntigas narragses. Ora, 0 correlato literirio da narrago tradicional ¢ a epo- péia “primitiva”; qual seré 0 comrlato da modema impossibi- lidade de comunieago existencial? Bo romance, 0 géner0 ‘modemo por exceléncie. O romane: € a cena do individuo soli- tirio; 0 jovem Lukics definiua como a crOnica do herbi sem sagesse, que em sua usca de valores autentioos nao é acompanhado pela sociedade. Historia de solidao, 0 romance destina-se sempre ‘20 leitor solittio. Nisto se parece com o jomnal. NZo 6 por acaso {que 0 triunfo do romance coincide com o surgimento da imprensa modema. Mas 0 periddico representa a aceitapio do principio da dissolugio do narrar ~ em suas péginas, a “objetividade” con- siste em anonimizar a narragdo e em concentré-la no “plaustvel” sem efeito existencial —, 20 passo que o romance — a0 menos nna grande tradigf0 da novelistica problematizante — sonha com a restauragdo do “semblante do narradox”, isto é, com a rec pperagio do significado ético da existéncia por meio do {régico do herd solitrio. ~ “en ‘Em conseqiéncia, 0. romance, em seu contetide como no modo de emprego que requer, orienta a literatura para a intro- versio. Como a poesia moderna, lirica da dissondincia (H. Friedrich), (© romance desnuda a natureza problematizante da literatura modema em: sua qualidade de dramatizagao critica da solide do homem no tempo da massa. Daf que a literatura enquanto Kulturkrtik seja introvertida ¢ tenda a privilogar a experiéncla ‘intima do livo contra 0 antigo ideal de transmissio oral. ) “Onalidasle” latino-americana ‘Mas também nisso a evolugao da literatura latino-ameri- ‘cana se soparou da linha ocidental. Desde 0 romantismo até ontem, 4 literatura latino-americana foi o reino da oralidade. Anténio Candido sublinhow com agudez sua indole oratéria, eloguente, declamstéria, Em sua proto-historia, ou seja, @ fase colonial, nossa literatura esteve, como vimos, muito vinculads — quase subot- dinada — 2 fungées sovias (Feligiosas ow profanas) onde © use da palavra prevalecia sobre as virtudes especificas do texto e Jei da improvisagdo verbal, sobre as disciplinas mais sutis e mais austeras do escrever. O vestigio psicolégico: dessa servido € um velho companheio do escritor latino-americano | SITUAGAO DO ESCRITOR 393 oo Pe ae eee ee rere Grado, ¢ cons rors que ao analabton® desta conponden qui compre a‘spericlage dn cult dos srontuon Dee Baioug i oF tome. paagico come Machado de. Asis ov J ‘Pee, 2 emdigag tem sido multe Leena eatin gig einer eae Smee mais rds do que a omit, dnote na cur tra sprente do que sea ¢ fel om to enn tuo ator tb eapaaticen, sonny nas pedeotrs, A pobrrs ites fh pcg do ecto um downers do dtancatento ete ee gels anes eos eos do moemidn, Fer agus o sna entado a detacar qe tl ovate, Eg hareaieed ote erat a es eC ee re oes pier mer rien pe een ices latnoatoricaes nade tom aver sorta utente Cate bopyor ¢ Re ftcomo enupanan as pope tn feet ficken foe de ges, uno at hens las SP Dlewaan 9 mpste de fle A ibs monanicy de mm Shogo “pamive™” gowicnente automa, Gare poplar fal coer mas igs us o romantsny tove 80 at foal do flcoc conta endo vida O to de objeto Me ions ao Tle» ot Hire, NO pres, « ee crue Soo um pote Genomes ages que 9 inept Sve rattan do mesmo mode gus os fast amar Geter es He inotary, a ora ib 00 bec @ onatpon de gas, fe arn remo e rrray gree nee pa oreo agave terrae een Orn oraade” tendencal Ge Hers lating sere cane, tice eliston da stm sosal do esto, nfo oper So tare oben “metic da lings” mat no ogo Svetlana fal; em dive, exoverids ou, « Hera nfo onprog teas nore rigid que carstorzan 0 Re oper ae ans 6 tullo mba, Ent come, «ore Godan ules ao vo ds uma rota cou Se popular Agu etd rdo por que nfo, ome enn, anlage Go setmligin, oe anon don males ree ee peer es ee o> dng, orate fot age, ©) Consolidagio e autonomia do campo intelectual ‘Todos esses tragos que viemos enumerando, ainda que assistematicamente, constituem uma constemadora heranga para 2 clase literdria do século XX. Em nossos dias, a’ profissionali 394 AMERICA LATINA EM SUA LITERATURA zabGo do escritor continua sendo demasiadamente preciria. Os literatos so remunerados “profissionalmente” desde hd muito; ‘mas pouguissimos deles vivem da literatura. As c ‘eam, mas até em paises de maior populagso sfo ainda peque- nas; cinco mil exemplares & uma média generosa no México © no ‘Brasil. éxodo dos escritores emigrados para outras ativi- dades em sua maturidade biologica ¢ ainda muito freqiente, ¢ 1 conseqiéncia & que a literatura latino-americana continua sendo © paraiso de erritioos ardores juvenis, de improvisagio e da irre flexio. A natuteza animica do escritor tipico da América Latina tem muito do puer aetemus de Jung; € um Don Juan das letras, ‘um virtuose da yolubilidade. Daf a extrema descontinuidade das geragdes, Na mente mais “césmica” do que historica da “intelligentsia” crioula, 0 novo se apresenta como criagdo ex nihila,e nso como produto dialético da tradigso. Nao obstante, os altimos quarenta anos trouxeram sen- sivels © positives modificagtes. O retroceso da criaggo literaria como carreira curta é uma caracteristica dessas décadas; a nova consciéneia técnica do escritor, sua consciente atengio & Ute ralidade fot paralela, Poder-seia dizer que 0 meio século tem sido, para a “intelligentsia” latino-americana em geral, e para a classe literiria em particular, 2 época da consolidagdo da auto- nnomia do campo intelectual (Bourdieu), isto &, do fortaleci- mento de suas proprias instincias de seleeao ¢ de consagrac A legitimagdo da literatura deixou de proceder_predominan- temente dos centros de hegemonia social ou de estratégias da obtengio de status, para depender mais e mals de eritéios intrin- secamente estéticose intelectuais. E claro que tal autonomizag2o do “campo intelectual” se aimentou de bases “exteriores”. O perfodo de reforgo das wstinciss intemas de selegéo e aprovagéo coincidiu natural mente com a expansfo dos canals transmissores, desde a proli- feragio das revistas de cultura até 0 presente boom editorial da Argentina, do Brasil ou da Venezuela. A moderna sociologia da arte sabe que 2 relago entre 0 criador ¢ sua obra, embora nna vigéncia da sutonomia do “campo intelectual”, é'necessa- riamente mediatizada pela relaggo entre 0 proprio ‘criador © 0 significado piblico de sua obra. Enquanto objetivagdo da intentio ctiadora, a publicaea0 das obras (sua presenca diante dos olhos dde um publico) se cumpre mediante uma rede de relagdes sociais (entre autor ¢ editor, entre os dois e a critica, entre os autores, te.) permedvsis aos impulsos da sociedade global; sem prejuizo de sua conquistada autonomia, © campo intelectual esté, pois, fisiologicamente vinculado ao buck-ground social da produgdo liters, Se a autonomizagfo do campo intelectual ~ 0 que se pode- ris chamar de “maturidade sociolégica” da produgdo literiria = nfo exclui, mas supSe um sistema complexo de fungSes e rela- 68es sociais, ento 0 crescimento da diferenciagZo sécio-cultural The ¢ favordvel. Desde os anos 20, a sceleragao das mudancas sociais na América Latina e o orescimento das presses com vistas SITUAGKO DO ESCRITOR 385 4 mudanga tém sido constantes do processo histérico. Como resultado, a diferenciasio social elevou-se a um nivel desconhe- ido no ‘passado. O desenvolvimento de novos grupos socais, 4 nova situagio dos ‘tradicionsis, as relagGes cambiantes entre umas ¢ outras tudo concorre para dar 20 tecido sécio-ultural latino-americano uma policromia inédita. De fato, a intensidade da diferenciagdo social € uma companheira his: ‘rica da acumulagso de estimulos para aerial artstica. Pensese ‘no quo representou, para a vitalidade do teatro de Shakespeare, ox, mutacis mutandis, para o de Racine, a natureza policroma de sua base s6cio-cultural, verdadeiro ponto de intersecpo de diversas cimadas socisis, de suas convergéncias © de suas opo- sigGes. Talvez.um trapo tipicamente modemo, ou melhor, recente, a cultura estéticelatino-americana — a nova robustez da crag teatral — seje um dos melhores antincios da produtividade do presente. Um dos sinais da anemia cultural da literatura latino- americans 6 (ou era) a circunstancia de ser uma literatura pre- ‘icamente sem dramaturgia — ngo s6 quase sem teatro popular, mas simplesmente som teatro vivo. ‘A consolidagso do campo intelectual © a acumulagdo dos éstimulos & criagZo literdvia a partir da terceira década de nosso século favoreceram 2 conversio da literatura & perspectiva crt tico-problematizante. Do ponto de vista comparativo, a carse- teristica fundamental das letras ibero-americanas contempord- neas € a répida redugéo da distancia entre o impulso intelectual bisico da literatura modema (alianga entze 2 predomindncia do contetido problemdtico e a critica da cultura) e © movimento ‘ntimo da literatura latino-americana. Veremos logo que também no carso deste processo a rlagio escritorsociedade tende a alcan- ar seu nivel de maxima tenséo, [Em linhas gerais, 0 fortalecimento da tendncia critica da literatura latinoamericana impos a ruptura com o esteticismo pésromintico. Quando nfo secrificou a0 exético, a novelistica regionalista que floresceu na Belle Epoque foi um primeiro passo nessa dreedo desformalizante; mas alguns dos mais s6lidos pre- cursores da arte critica, como Machado de Assis, fizeram obras de grande complexidade formal. A velada malicia com” que Machado subverie os médulos narrativos do século XIX é sol désia da discreta agudez com que seu olhar sociol6gico atravessa 38 miscaras do Brasil vitorano. Em seu periodo inicial, « van- tuaréa brasileira (euja denominagéo usual, “modemismo”, ngo deve sugerir nenhuma analogia com seu’ homénimo_hispano- -americano) optou por uma espécie de “critica etnolégica” da sociedade, No Brasil, a ligSo revolucionésia das poéticas de van- guarda (futurismo, surtedlismo) foi empregada por uma vontade de autooonhecimento nacional, mas 0. reptio a ideaizagio romantica manteve 0 primitivismo dos anos 20 ¢ 30 (na aparén- cia, neoindianista) aberto 4 incorporagio dos temas da critica da sociedade urbana. A zona de maior densidade da lirica moder nista (0 verso de Catlos Drummond de. Andrade ou de Murilo Mendes) pertence precisamente ao eftoulo da poesia problem. 396 AMERICA LATINA EM SUA LITERATURA tizante histérico-crftica, no sentido da tradigdo “baudelairiana”); fe a mesma forma de concretizagio da visio problemétics anima ‘a novelistica do periodo, seja no intimismo humoristico de Ciro dos Anjos, seja na variada gama narrativa de Graciliano Ramos, {que nfo hesitou em unir um protesto social sem concessdes com ‘uma temética dostoievskiana de representaggo dos “subterré- nneos da alma” 4, SITUAGAO SOCIAL DO ESCRITOR ATUAL 4) Incompatiblidade com os valores dominantes A os anos 40, 2 Introdugfo do conte prodimtico 0 ettbecinant ou Coen opinion ts novidadet fom’ a's nore enperr daisies cotocr a mete Ive deca ta ago. produ Meri A reida mosenge estou seuranents «situ scl do tor Gece de una itera cateoprolomstsn ao foi precarade obeuva du png do entr, 4 faglade Ae saunas poison resotincs poles do exc Sia de ua ave mul spent mals cocina ex font Conti, s ent ome o eetore# ogee Bore Freompunvinene mis sa do que no pasado, fou ret Mada por ous fares. 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SITUAGAO DO ESCRITOR 307 mins insuficientemente desenvolvidas, agrava de maneira notével 1 problematicidade da situagdo da intelligentsia. A andlise s0- ioldgica de tal superposigao esté ainda por ser feite, mas uma cojse jé 6 corta: na América Latina, regizo ocidental do Teresito Mundo, 0s efeitos sécio-psicologicos da confluéncia das encri ailhedas ~ da soma de pré-Revolugio Industrial e de mal-star cultural ~ se apresentam com uma rotundidade inédita 'No campo da sucessi0 dos estilos literirios, 0 fim da pers- Peetiva otimista-progresssta © da irrupgio da perplexidade atual casionou o eclipse do romance engagée de tenica naturalista, aquele que Femando Alegria chama romance “tetrato", por oposigéo 20 ubiquo e problemitico “auto-retrato” da narra tiva de Cortizar ou de Gareia Mérquez. A mudanga ¢ sociologi- amente muito reveladora; indica 0 ocaso das iltimas geragdes a intelectualidade “iuminista" no sentido tradicional, ow seja, dos ditimos eseritores seguros de si e do futuro, portadores de valores estaveis, embora em grande parte ngo redlizados. A agonia do romance naturalista reflete a transformagao da América Latina ‘numa — para dizé-o com a farmosa exprestdo de R. Benedict — guilt culture: mostra o novo homem ibero-americano, ¢ 0 intelec- tual em particular, em,luta com as angistias caracteristicas de ‘uma ética da interioridade, de uma auto-andlise cheia de signi- fleado étnico ¢ humano, b) Concentragto no tmaginério Enquanto literirio, € bem sabido, todo relato) é imagina- ‘vo: 86 a partir das peculisridades de-um contexto verbal orgi- nico e polissmico (Della Volpe) se refere a0 “mundo” ou a “rea lidade. Nesse sentido, o romance naturalist nio é menos imagi- nativo do que os contos de Hoffmann ou A metamorfose. Mas ‘ narragfo literiia pode afastar-se intencionalmente dos padrdes dda verossimilhanea; neste caso, como quer N. Fiye, seré ndo 36 imaginative, mas também imagdnéria. Na moderna literatura latino -americana, @ crise da novela cléssica gerou a primecia do imagi- nério da linguagem narrativa. A fice Visionscia, com suas asso ciagdes “livres” © sua Lingua que nfo o € menos, aproxima o relato da soberania postica e do ludismo das vanguardas do pri= :meiro novecentos. Mas 0 elemento arcaico mitol6gico, utiliaado por A. M. Asturias, A. Carpentier ou Guimardes Rosa, casa-se com @ cap: tasdo do social concreto, @ @ nova novelistica ~ por exemplo, ‘© romance argentino cortazarisno, onde a marca de Arlt talver seja to forte como aquela de Borges — provou que a concen: tragfo no imagindrio é uma estratégia realisia, muito mais do que Juma volta anacténica a0 absiracionismo ou. a0 decorativismo estetcistas. Os jovens eriticos, como 0 paraguaio Rubén Barciro Saguier ou o brasileiro Roberto Schwartz, reconhecem a. pers- picicia sociolégica do romance de vanguard, pos joyceano, ¢ lhe aplicam com éxito a idéia benjamino-adomiana (intetramente 398 AMERICA LATINA EM SUA LITERATURA alheia a0 Lukes da fase marxsta) do romance “negativo” da realidide tidiana, isto 6, do romance como reverso critico.da “boa conseiéncia” da sociedade. (A atragio da nova ars narrandi, fantistica e enamorada das ocultesriquezas da linguagem, seduziu até alguns protagonistas do romance tradicional; vejamse os saborotos livzos do iltimo Jorge Amado.) Contudo, o experimentalismo também comete seus pecados. Uma parte da’ poesia de-vanguarda, nolens volens epigénica em relagdo com as pesquisese rupturas dos comegos do século, prefere as vezes @ tentativa de rivalizar com os mass media e 2s modernas ‘tenicas de comunicago em vez de aprofundar a critica da cul- tura, 0 formalismo (ago na intengfo mas no resultado artistico) € um dos polos da degradagso do impeto critieo-problemitico. © outto € 0 suicidio potencial ~ embora no fatal ~ da trans- formagfo estética, nas posticas do “realismo, imediato™. A disso- ugéo do contetido anagégicn da arte — ot soja, a anulagzo de sua capacidade de realizar, mediante t€cnicas de alta complex dade, a mimese do “total dream of man” (N. Frye) ~ é um perigo inerente a essas poéticas. Todavia, Angel Rama nfo se engana a0 incluélas entre as constantes estilisticas da produezo literd- ria nas épocas de mudange social acclerada. Idoalmente, 0 roa lismo imediato no faz mais do que experimentar novas con- vengées artisticas diante do esgotamento das convene6es vigentes, A vizinhanga da extrema depuragio construtiva, 0 finca-pé do controle artesanal, com o surgimento da antiliteratura & um trago da modemidade, sua presenga na América Latina — pense-se na contemporaneidade da lirica elaboradissima do brasileiro Jot Cabral de Melo Neto com os poemas-nsaios do argentino ‘Césis Femnéndez Moreno — & uma caracteristica da atuslidade. ©) Oexitio. Tembém atual é a intensifieagZo sem precedentes dos con tatos entre as diversas literaturas nacionais do continente. Nessa cultural latino-americana que comega a tomarse licida dante dda situago comum de_suas sub-regides sem por iss0 esquecer 4 modulagio de suas diferencas especificas, o eseritor de nossos ‘dias no vive mais sua nacionalidade como algo hipotético, como uum doloroso desejo, nem sente aquela antiga necessidade de Formacse na Europa que fez tantas vezes das melhores letras da ‘América Latina 0 produto de exilios voluntérios e culturalmente “naturais”. A permanéneia na Europa de um Goncalver Dias, deum Andrés Bello, de um Dario, estava de certo modo na “ordem ‘das coisas". Hoje jf ndo é assim, e © exilio da intelligentsia latino-americana, fora da parte devida a esse macigo brain's drain que nds sofremes mais do que todos, é uma condiao de angts- tia pessoal tanto quanto um drama coletivo. O exilio se fez dra- ritico. Seu aumento indicard, como o da censura, 2 gravidade a pressio que 2 consciéneia critice enfrenta no tinel do presente @ dari uma das melhores medidas do destino da tendéncia para ‘aumento da tensdo entre o escritore a sociedade. Jo = SITUAGKO Do EScRITOR 299 4) delidade @teeratura Dizese com razo que os grandes momentos da teoria pol tica coincidem com as épocas de crise. O século XX, como 0 século XVI, parece mostrar que as febres da" historia nfo so menos propiciss a essa forma especial da fungio mitopostica que chamamos literatura erudita © que, em nosso continente, 80 pobre em outras artes, quase se confunde com a propria arte. As tens6es previsiveis entre a clase literdria e a sociedade podem inspirar mais do que impedir a expansio vigorosa das Tetras latino-americanas, livremente associadas 20 impulso bésico de literatura ocidental moderna em sua diregfo eritioo-problem tizante. Saja como for, a dignidade do projeto literério na Amé- rica Latina radica hoje nessa diregao. Embora nada seja capaz do profetizar teu curto concrete, uma certeze jé 6 possivel: da situagio atual do escritor Istino-americano, de seu status, inse- pardvel da evolugfo que tomou a. elite do corpus literétio en: quanto sistema do valores, deduz-se uma ética, a que ordena 20 cscritor buscar a autenticidade critica de sua visio ma prépria fidelidade @ literatura. Os compromissos ideoldgicos do eseritor 6 alcansardo sua verdadeira eficdcia cultural se se harmonizarem com 0 desenvolvimento auténomo do campo intelectual em sua dimensio propriamente literdria. Nao se trata de isola a lite- ratura, mas de cumprir o ascetismo que ela requer para falar sem filsas retéricas em nome da salvagZo-da cultura. A literatura deve continuar sendo critica até mesmo onde a critica social se converte em cantico de esperangas. Talver isso seja failtado pelo fato de que na América Latina a literatura foi com freqién- cia um instrumento independente de conhecimento socioldgico; ‘muitas vezes 0 nico. O perigo esté na tradigio dulica — ibéricat de nossas letras, em sua presenca inconsciente e apta, pois, nao 6 para influir negativamente na atitude pessoal dos autores, mas também em sua capacidade para libertar os textos das serviddes do meio social:

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