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0 POS-COLONIAL E 0 i PO5-MODERNO A QUESTAO DA AGENCIA [Plara alguns de nés o principio de indeterminacdo € que torna sondavel a liberdade consciente do homem. Jacques Derrida, “My Chances" / "Mes Chances"! A SOBREVIVENCIA DA CULTURA A critica pds-colonial é testemunha das forgas desiguais ¢ irregulares de representa¢ao cultural envolvidas na competi¢ao pela autoridade politica e social dentro da ordem do mundo moderno. As perspectivas pés-coloniais emergem do teste- munho colonial dos paises do Terceiro Mundo e dos discursos das “minorias” dentro das divis6es geopoliticas de Leste e Oeste, Norte e Sul. Elas intervém naqueles discursos ideolé- gicos da modernidade que tentam dar uma “normalidade” hegemGnica ao desenvolvimento irregular e as hist6rias dife- renciadas de nagGes, ragas, comunidades, povos. Elas formulam suas revisOes criticas em torno de questées de diferenga cultural, autoridade social e discriminagao politica a fim de revelar os momentos antagénicos e ambivalentes no interior das “racionalizagdes” da modernidade. Para adaptar Jurgen Habermas ao nosso propésito, podemos também argumentar que o projeto pés-colonial, no nivel tedrico mais geral, procura explorar aquelas patologias sociais — “perda de sentido, condigdes de anomia” — que ja nao simplesmente “se aglutinam 4 volta do antagonismo de classe, [mas sim] fragmentam-se em contingéncias histéricas amplamente dispersas”.? Essas contingéncias sao freqiientemente os fundamentos da necessidade histérica de elaborar estratégias legitimadoras de emancipagdo, de encenar outros antagonismos sociais, Reconstituir o discurso da diferenga cultural exige nao apenas uma mudanga de contetidos e simbolos culturais; uma substituicao dentro da mesma moldura temporal de repre- sentagao nunca é adequada. Isto demanda uma revisao radical da temporalidade social na qual histérias emergentes possam ser escritas; demanda também a rearticulagao do “signo” no qual se possam inscrever identidades culturais. E a contingéncia como tempo significante de estratégias contra- hegeménicas nao é uma celebracao da “falta” ou do “excesso”, ou uma série autoperpetuadora de ontologias negativas. Esse “indeterminismo” € a marca do espa¢o conflituoso mas produtivo, no qual a arbitrariedade do signo de significagao cultural emerge no interior das fronteiras reguladas do discurso social. Nesse sentido salutar, toda uma gama de teorias criticas contemporaneas sugere que € com aqueles que sofreram o sentenciamento da histéria — subjugacao, dominacdo, dias- pora, deslocamento — que aprendemos nossas ligdes mais duradouras de vida e pensamento. H4 mesmo uma convic¢do crescente de que a experiéncia afetiva da marginalidade social — como ela emerge em formas culturais nao-can6nicas — transforma nossas estratégias criticas. Ela nos forga a encarar o conceito de cultura exteriormente aos objets d‘art ou para além da canonizagio da “idéia” de estética, a lidar com a cultura como producio irregular e incompleta de sentido e valor, freqiientemente composta de demandas e praticas incomensurfveis, produzidas no ato da sobrevivéncia social. A cultura se adianta para criar uma textualidade sim- bélica, para dar ao cotidiano alienante uma aura de indivi- dualidade, uma promessa de prazer. A transmissao de culturas de sobrevivéncia nado ocorre no organizado musée tmaginatre das culturas nacionais com seus apelos pela continuidade de um “passado” auténtico e um “presente” vivo — seja essa escala 240 de valor preservada nas tradigdes “nacionais” organicistas do romantismo ou dentro das proporgées mais universais do classicismo. A cultura como estratégia de sobrevivéncia € tanto transna- cional como tradutéria. Ela é transnacional porque os discursos pds-coloniais contemporaneos est&o enraizados em histérias especificas de deslocamento cultural, seja como “meia-passagem” da escravidao e servidao, como “viagem para fora” da missao civilizat6ria, a acomodagao macica da migracgio do Terceiro Mundo para o Ocidente apés a Segunda Guerra Mundial, ou o transito de refugiados econémicos e politicos dentro e fora do Terceiro Mundo. A cultura é tradutéria porque essas histérias espaciais de deslocamento — agora acompanhadas pelas ambicg6es territoriais das tecnologias “globais” de midia — tornam a questao de como a cultura significa, ou o que é significado por cultura, um assunto bastante complexo. Torna-se crucial distinguir entre a semelhanga e a similitude dos simbolos através de experiéncias culturais diversas — a literatura, a arte, o ritual musical, a vida, a morte — e da especificidade social de cada uma dessas producgédes de sentido em sua circulagdo como signos dentro de locais contextuais € sistemas sociais de valor especificos. A dimensio transnacional da transformag4o cultural — migragao, didspora, deslocamento, relocagio — torna o processo de tradugao cultural uma forma complexa de significagéo. O discurso natural(izado), unificador, da “nagao”, dos “povas” ou da tradicao “popular” auténtica, esses mitos incrustados da parti- cularidade da cultura, nfo pode ter referéncias imediatas. A grande, embora desestabilizadora, vantagem dessa posigdo é que ela nos torna progressivamente conscientes da construgao da cultura e da invengdo da tradigao. A_perspectiva pés-colonial — como vem sendo desenvolvida por historiadores culturais e te6ricos da literatura —— aban- dona as tradigdes da sociologia do subdesenvolvimento ou teoria da “dependéncia”. Como modo de aniflise, ela tenta revisar aquelas pedagogias nacionalistas ou “nativistas” que estabelecem a relagdo do Terceiro Mundo com o Primeiro Mundo em uma estrutura binaria de oposigdo. A perspectiva pés-colonial resiste 4 busca de formas holisticas de explicagao 241 social. Ela forga um reconhecimento das fronteiras culturais e politicas mais complexas que existem no vértice dessas esferas politicas freqiientemente opostas. Fa partir desse lugar hibrido do valor cultural — 0 tran nacional como o tradutério — que o intelectual pés-coloniai ténta elaborar um projeto histérico e literario. Minha conviceiio crescente tem sido de que os embates e negociagées de signi- ficados e valores diferenciais no interior da textualidade “colonial”, seus discursos governamentais e prdaticas culturais, anteciparam, avant la lettre, muitas das problematicas da significagdo e do juizo que se tornaram correntes na teoria contemporanea — a aporia, a ambivaléncia, a indeterminagao, a questio do fechamento discursivo, a ameaga 4 agéncia, o estatuto da intencionalidade, o desafio a conceitos “totaliza- dores”, para citar apenas alguns exemplos. Em termos gerais, ha uma contra-modernidade colonial em acao nas matrizes oitocentistas e novecentistas da moderni- dade ocidental que, se trazida a tona, questionaria o histori- cismo que liga analogicamente, ou numa narrativa linear, o capitalismo tardio e os sintomas fragmentarios, em simulacro ou pastiche, da pés-modernidade. Essa ligagdo nio explica as tradigées histéricas de contingéncia cultural e indeterminagao textual (como vetores do discurso social) geradas no esfor¢o de produzir um sujeito colonial ou pés-colonial “esclarecido”, e transforma, nesse processo, nossa compreensao da narrativa da modernidade ¢ dos “valores” do progresso. Os discursos criticos pés-coloniais exigem formas de pensa- mento dialético que nao recusem ou neguem a outridade (alteridade) que constitui o dominio simbélico das identifi- cagdes psiquicas € sociais. A incomensurabilidade dos valores e prioridades culturais que o critico pés-colonial representa nao pode ser classificada dentro das teorias do relativismo ou pluralismo cultural. O potencial cultural dessas histérias diferenciais levou Fredric Jameson a reconhecer a “internacio- nalizagio das situagdes nacionais” na critica pds-colonial de Roberto Retamar. Isto nao € uma absor¢ao do particular no geral, pois o préprio ato de se articularem as diferengas culturais “nos coloca em questéo na mesma medida em que reconhece o Outro... nem reduzlindo} o Terceiro Mundo a 347 algum Outro homogéneo do Ocidente, nem... vacuamente celebra[ndo] o espantoso pluralismo das culturas humanas” (Prefacio xi-xii)} Os fundamentos histéricos dessa tradigéo intelectual encontram-se no impulso revisionario que embasa muitos pensadores pés-coloniais. C. L. R. James observou certa vez, em uma conferéncia, que a prerrogativa pdés-colonial consistia na reinterpretagao © reescrita das formas e efeitos de uma consciéncia colonial “mais antiga” a partir da experiéncia posterior de deslocamento cultural que marca as histérias mais recentes, pés-guerra, da metrépole ocidental. Um pro- cesso similar de traducao, e transvalora¢do, cultural fica evi- dente na avaliagio que Edward Said faz da reacao de regides pés-coloniais variadas como uma “tentativa extremamente vigorosa de abordar o mundo metropolitano em um esforgo comum de re-inscrigao, re-interpretagao e expansio dos lugares de intensidade e do terreno disputado com a Europa”.* De que modo a desconstrugado do “signo”, a énfase sobre © indeterminismo no juizo cultural ¢ politico, transforma nossa nocao do “sujeito” da cultura e do agente de mudanga histérico? Se contestarmos as “grandes narrativas”, que temporalidades alternativas criaremos ent&o para articular as historicidades diferenciais lameson), contrapontisticas (Said), interruptoras (Spivak) de raga, género, classe, nagao no interior de uma cultura crescentemente transnacional? Precisaremos repensar os termos através dos quais concebemos a comunidade, a cidadania, a nacionalidade e a ética da afiliagado social? A leitura merecidamente famosa que Jameson faz de Lord Jim, de Conrad, em The Political Unconscious [O Inconsciente Politico] fornece um exemplo adequado do tipo de leitura a contrapelo que uma interpretagao pés-colonial exige, quando se defronta com tentativas de negar a “interrupcao” especifica, ou os intersticios, através dos quais o texto colonia! articula Suas interrogagdes, sua critica em contraponto. Ao ler as contradicGes narrativas e ideolégicas de Conrad “como um realismo cancelado... como a Aufbebung hegeliana”,> Jameson representa as ambivaléncias fundamentais do ético (honra/ culpa) e do estético (pré-moderno/pds-moderno) como a restituigaéo alegérica do subtexto socialmente concreto da racionalizacao e reificagao do final do século dezenove. 243 O que sua brilhante alegoria do capitalismo tardio deixa de representar a contento, por exemplo em ford jim, é a postura especificamente colonial da aporia narrativa contida na repe- tigAo ambivalente, obsessiva da expressao “Ele era um de nés” como tropo principal de identificagio social e psiquica por todo o texto. A repetigéo de “Ele era um de nds” revela as frageis margens dos conceitos de civilidade ¢ comunidade cultural ocidentais colocados sob pressao colonial; Jim é rea- bilitado no momento em que esté ameagado de ser expulso, ou de se tornar um proscrito, claramente alguém que “nao é um de nds”, Tal ambivaléncia discursiva no préprio cerne da questao da honra e do dever no servico colonial representa a liminaridade, se nao o fim, do ideal (e da ideologia) masculino, herdéico, de uma saudavel anglicidade imperial — aqueles pedacinhos cor-de-rosa no mapa que Conrad acreditava terem sido genuinamente resgatados por representar a reserva da colonizagao inglesa, que servia 4 idéia maior, e ao ideal, da sociedade civil ocidental. Questées problematicas como essas sdo ativadas dentro dos termos ¢ tradi¢des da critica pés-colonial quando ela reinscreve as relagdes culturais entre esferas de antagonismo social. Os debates atuais do pés-modernismo questionam a astticia da modernidade — suas ironias histéricas, suas temporalidades disjuntivas, seus paradoxos do progresso, sua aporia da representacao. Haveria uma profunda mudanga nos valores, e juizos, dessas interrogacgdes, se elas se abrissem ao argumento de que as histérias metropolitanas da civitas nao podem ser concebidas sem se evocarem os selvagens antecedentes coloniais dos ideais da civilidade. Isto também sugere, implicitamente, que a linguagem dos direitos e deveres, tao central ao mito moderno de um povo, deve ser questio- nada com base no estatuto legal e cultural andmalo e discri- minatério atribufdo 4s populagées migrantes, diaspdricas e refugiadas. Inevitavelmente, elas se encontram nas fronteiras entre culturas e nacgdes, muitas vezes do outro lado da Sei. A perspectiva pés-colonial nos forg¢a a repensar as profundas limitagdes de uma nogio “liberal” consensual e conluiada de comunidade cultural. Ela insiste que a identi- dade cultural e a identidade politica sao construidas através de um processo de alteridade. QuestOes de raga e diferenca cultural sobrepdem-se a5 problematicas da sexualidade e do 244 género ¢ sobredeterminam as aliancas sociais de classe e de socialismo democratico. A época de “assimilar” as minorias em_nogoes holisticas ¢ organicas de, valor cultural j4 passou. A propria linguagem da ‘coitiunidade cultural precisa ser re- pensada de uma perspectiva p6s-colonial, de modo semelhante a profunda alteragao na linguagem da sexualidade, do indivi- duo e da comunidade cultural, efetuada pelas feministas na década de 1970 e pela comunidade gay na década de 1980, A cultura se torna uma pratica desconfortével, perturba- dora, de sobrevivéncia e suplementaridade — entre a arte ea politica, o passado e o presente, o ptiblico e o privado — na mesma medida em que seu ser resplandecente é um momento de prazer, esclarecimento ou libertacdo. E dessas posigdes narrativas que a prerrogativa pés-colonial procura afirmar e ampliar uma nova dimensao de colaboragao, tanto no interior das margens do espago-nacdo como através das fron- teiras entre na¢gdes e povos. Minha utilizagao da teoria p6s-estruturalista emerge dessa contra-modernidade pés-colonial. Tento representar uma certa derrota, ou Mesmo uma impos- sibilidade, do “Ocidente” e sua legitimacao da “idéia” de colonizacao. Moyido pela historia subalterna das margens da modernidade — mais ‘do que pelos fracassos do jogocentrismo — tentei, em pequena escala, revisar 0 conhecido, renomear © pds-moderno a partir da posicao do pés-colonial— ~ NOVOS TEMPOS A posigéo enunciativa dos estudos culturais contemporaneos € complexa e problematica. Ela tenta institucionalizar uma série de discursos transgressores cujas estratégias sio elaboradas em torno de lugares de representacao nao-equivalentes onde uma hist6ria de discriminagao e representagao equivocada é comum entre, por exemplo, mulheres, negros, homossexuais e migrantes do Terceiro Mundo, No entanto, os “signos” que constroem essas histérias e identidades — género, raga, homo- fobia, didspora pés-guerra, refugiados, a divisdo internacional do trabalho, e assim por diante — nao apenas diferem em contetido mas muitas vezes produzem sistemas incompativeis de significagao e envolvem formas distintas de subjetividade 245 irsocial. Para obter um imaginario social baseado na articulacao de momentos diferenciais, até disjuntivos, da hist6ria e da cultura, os criticos contemporaneos apelam para a temporalidade pecy- jlaeea metafora da linguagem. E como se a arbitrariedade do signs, 4 indeterminagao da escrita, a cisio do sujeito da enun- ciagao, esses conceitos tedricos, produzissem as descricdes mais tteis da formagao de sujeitos culturais “pds-modernas’, Cornel West encena “uma medida de pensamento sine. déquico” (grifo meu) quando procura falar dos problemas da manifestagao no contexto de uma cultura negra, radical, “praticalista”: Uma enorme expressividade é sincopada com a percussiio africana... tornando-se um produto pdés-modernista americano: nao ha, aqui, um sujeito expressando uma angustia original, mas apenas um sujeito fragmentado, fazendo uso do passado e do presente, produzindo de forma inovadora um produto heterogéneo... [Flaz parte das energias subversivas da juventude negra proletaria, energias que sdo forgadas a tomar uma forma cultural de articulagao.® Stuart Hall, escrevendo a partir da perspectiva dos membros de um proletariado pés-thatcherista, fragmentados, margina- lizados, discriminados racialmente, questiona a ortodoxia doutrindria de esquerda em que continuamos a pensar dentro de uma légica politica unilinear € irreversivel, movida por alguma entidade abstrata que denomi- namos o econdmico ou o capital que se desenrola rumo a seu fim pré-determinado.” Em um ponto anterior de seu livro, ele usa o signo lingilistico como metdfora de uma ldgica politica mais diferencial e con- tingente da ideologia: [O] signo ideoldgico € sempre multi-acentuado, e bifronte como Janus — ou seja, ele pode ser rearticulado discursivamente para construir novos significados, ligar-se a diferentes praticas sociais e posicionar sujeitos sociais diferentemente... Como outras formacgdes simbdélicas ou discursivas, [a ideologia] € passivel de diferentes conexées entre idéias aparentemente dis- similares, 4s vezes contraditérias. Sua “unidade” esta sempre 246 entre aspas e é sempre complexa, em uma sutura de elementos que nao tém “correspondéncia” necessaria ou eterna. E sempre, nesse sentido, organizada em torno de fechamentos arbitrarios e nao-naturais.® A metafora da “linguagem’ traz 4 tona a questao da diferenga e incomensurabilidade culturais, nio a nogado etnocéntrica, consensual, da existéncia pluralista da diversidade cultural. Ela representa a temporalidade do significado cultural como “multi-acentuada”, “rearticulada discursivamente”. E um tempo do signo cultural que desestabiliza a ética liberal da tolerancia e a moldura pluralista do multiculturalismo. Cada vez mais, o tema da diferenga cultural emerge em momentos de crise social, e as questées de identidade que ele traz 4 tona sao agonisticas; a identidade é reivindicada a partir de uma posicio de marginalidade ou em uma tentativa de ganhar o centro: em ambos os sentidos, ex-céntrica. Hoje na Gra-Bretanha isto certamente se verifica com relagao 4 arte e ao cinema expe- rimentais que emergem da esquerda, associados com a experiéncia pés-colonial da migracdo e da difspora e articu- fados em uma exploragdo cultural de novas etnias. A autoridade de praticas costumeiras, tradicionais — a relagao da cultura com o passado histérico — nao é desisto- ricizada na metéfora da linguagem usada por Hall. Esses momentos de ancoragem so reavaliados como uma forma de anterioridade — um antes que nao tem 4 priori(dade) — cuja causalidade é eficaz porque retorna para deslocar o presente, para torna-lo disjuntivo. Este tipo de temporalidade disjuntiva é da maior importancia para a politica da diferenga cultural. Ela cria um tempo de significagao para a inscrigaio da incomen- surabilidade cultural, no qual as diferengas nido podem ser negadas ou totalizadas porque “ocupam de algum modo o mesmo espago”.” F esta forma liminar de identificagdo cultural que é relevante para a proposta de Charles Taylor de uma “racionalidade minima” como base para juizos nao-etnocén- tricos, transculturais. O efeito da incomensurabilidade cultural é que ela “nos leva além de meros critérios formais da racto- nalidade e apontam para a atividade de articulagdo humana que da sentido ao valor da racionalidade”.!° A racionalidade minima, como atividade de articulacgao personificada na metdfora da linguagem, altera 0 sujeito da 247 cultura, transformando-o de uma fungao epistemolégica em uma pratica enunciativa. Se a cultura como epistemologia se concentra na fun¢ao e na inten¢gdo, entéo a cultura como enun- ciagao se concentra na significagao e na institucionalizacao, se o epistemoldgico tende para uma reflexdo de seu referente ou objeto empirico, o enunciativo tenta repetidamente reins- crever e relocar a reivindicag&o politica de prioridade e hierarquia culturais (alto/baixo, nosso/deles) na instituigao social da atividade de significagdo. O epistemolégico esta preso dentro do circulo hermenéutico, na descrigao de elementos culturais em sua tendéncia a uma totalidade. O enunciativo € um processo mais dialégico que tenta rastrear deslocamentos e realinhamentos que sao resultado de anta- gonismos e articulagdes culturais — subvertendo a razao do momento hegeménico e recolocande lugares hibridos, alter- nativos, de negociagao cultural. Minha passagem do cultural como objeto epistemoldgico 4 cultura como lugar enunciativo, promulgador, abre a possi- bilidade de outros “tempos” de significado cultural (retroativo, prefigurativo) e outros espacgos narrativos (fantasmatico, metafdrico). Minha inten¢do ao especificar o presente enunciativo na articulacfo da cultura é estabelecer um processo pelo qual outros objetificados possam ser transformados em sujeitos de sua hist6ria e de sua experiéncia. Minha argumentacgio tedrica tem uma histéria descritiva em desenvolvimento recente nos estudos literarios e culturais de afro-americanos e escritores negros ingleses. Hortense Spillers, por exemplo, evoca © campo da “possibilidade enunciativa” para reconsti- tuir a narrativa da escravidao: {Tlodas as vezes que reabrimos o fechamento da escraviddo, somos rapidamente atirados para a frente aos movimentos estonteantes de uma empresa simbdlica e torna-se progressi- vamente claro que a sintese cultural que denominamos “escra- vidio” nunca foi homogénea em suas praticas e concepgses, nem unitaria nas faces que produziu." Deborah McDowell, em sua leitura de Dessa Rose, de Sherley Anne Williams, argumenta que € a temporalidade do “ ‘presente’ enunciativo e seus discursos... em arranjo confuso e hetero- géneo”, abertos na natrativa, que permite ao livro atracar-se 248 vigorosamente com “a Critica do sujeito ¢ a critica das oposigdes binarias... com questdes da politica e da problematica da linguagem e da representagio”.” Paul Gilroy escreve sobre a “comunidade” dialégica e performatica da mdsica negra — rap, dub, scratching — como uma maneira de constituir uma nogio aberta da coletividade negra no ritmo mutante, deslizante, do presente.'3 Mais recentemente, Houston A. Baker Jr. elaborou uma argumentagao vigorosa contra a atitude de superioridade da “alta cultura” e a favor do “jogo muito, muito sio do rap”, que transparece de forma vibrante no titulo de seu ensaio Hibridity, The Rap Race, and the Pedagogy of the 1990s |Hibridismo, Raga Rap, e a Pedagogia dos Anos 90].!4 Em sua perspicaz introducio a uma antologia da critica feminista negra, Henry Louis Gates Jr. descreve as contestagdes e negociagées das feministas negras como estratégias culturais e textuais de aquisigfo de poder precisamente porque a posicdo critica que elas ocupam esta livre das polaridades “invertidas” de uma “contra-politica da exclusao”: Elas nunca estiveram obcecadas pela necessidade de chegar a uma auto-imagem Gnica, por legislar quem pode ou nao falar sobre © assunto, ou, ainda, por policiar as fronteiras entre “nés” e “eles”.!> O que é notavel no foco teérico dirigido ao presente enun- ciativo como estratégia discursiva liberatéria €é sua proposta de que as identificagdes culturais emergentes sdo articuladas na extremidade liminar da identidade — naquele fechamento arbitrério, aquela “unidade... entre aspas” (Hall), que a metafora da linguagem encena téo claramente. As criticas pés-colonial e negra propd6em formas de subjetividade contes- tatérias que sao legitimadas no ato de rasurar as politicas da oposigao bindria — as polaridades invertidas de uma contra-politica (Gates). Ha uma tentativa de construir uma teoria do imaginario social que nao requeira um sujeito que expresse uma angtistia da origem (West), uma auto-imagem dnica (Gates), um afiliagdo necessaria ou eterna (Hall). O con- tingente e o liminar tornam-se os tempos € os espagos para a representacao histérica dos sujeitos da diferenca cultural em uma critica pés-colonial. 249 FE a ambivaléncia encenada no presente enunciativo — disjuntivo e multi-acentuado — que produz 0 objetivo do desejo politico, o que Hall chama de “fechamento arbitrario”, como o significante. Mas este fechamento arbitrario é também © espaco cultural para a abertura de novas formas de iden- tificagio que podem confundir a continuidade das tempo- ralidades histéricas, perturbar a ordem dos simbolos cul- turais, traumatizar a tradicao. A percuss4o africana que sincopa o heterogéneo pés-modernismo negro norte-americano, a ldogica arbitraria mas estratégica da politica — estes mo- mentos contestam a “conclusio” sentenciosa da disciplina da histéria cultural. Nao podemos compreender o que esté sendo proposto como “novos tempos” no interior do pés-modernismo — a politica no lugar da enunciagao cultural, os signos culturais falados 4s margens da identidade e do antagonismo social — se nao explorarmos brevemente os paradoxos da metdfora da linguagem. Em cada um dos exemplos que apresentei, a metdfora da linguagem abre um espacgo onde um fechamento teérico é usado para ir além da teoria, Uma forma de experiéncia e iden- tidade cultural é concebida em uma descri¢do teérica que nao cria uma polaridade teoria-pratica; a teoria também nao se torna “anterior” 4 contingéncia da experiéncia social. Este “além da teoria” é ele mesmo uma forma liminar de significagao que cria um espaco para a articulacao contingente, indeterminada, da “experiéncia” social, que ¢ particularmente importante para a concepgao de identidades culturais emergentes. Mas ele € uma representacao da “experiéncia” sem a realidade trans- parente do empirismo e exterior ao dominio intencional do “autor”. Apesar disto, € uma representagao da experiéncia social como a contingéncia da histéria — a indeterminagao que torna possiveis a subversdo e a revisio — que esta pro- fundamente atenta as questées da “legitimacao” cultural. Para evocar este “além da teoria”, volto-me para a exploragao de Roland Barthes do espago cultural “exterior & senten¢a”. Em O Prazer do Texto encontro uma sugestio sutil de que além da teoria ndo se encontra simplesmente sua oposicao, teoria/pra- tica, mas um “lado de fora” que coloca a articulagao das duas —- teoria e pratica, linguagem e politica — em uma relagao produtiva similar 4 nog&o derridiana de suplementaridade: 250 um meio-termo nao-dialético, uma estrutura de predicagio conjunta, que nao pode ser compreendida pelos predicados que distribui... Nao que esta capacidade.., demonstre uma falta de poder; mais propriamente, esta incapacidade é constitutiva da prdépria possibilidade da légica da identidade,'® FORA DA SENTENCA Semi-adormecido sobre sua banqueta em um bar, de que Tanger é o lugar por exceléncia, Barthes procura “enumerar a estereofonia de linguagens ao alcance do ouvido”: misica, conversas, cadeiras, copos, drabe, francés.’ De repente, a fala interior do escritor se transforma no espa¢go exorbitante do souk {mercado] marroquino: (Plor mim passavam palavras, sintagmas, partes de férmulas e nenhuma frase se formava, como se esta fosse uma regra daquela linguagem. Esta fala, ao mesmo tempo muito cultural e muito selvagem, estava acima de todo léxico, esporidica; despertava em mim, através de seu fluxo aparente, uma descon- tinuidade definitiva: essa nao-sentenga nao era de modo algum algo que nao pudesse ter assentido 4 sentenga, que pudesse ter sido antes da sentenga; ela era: o que fica... fora da sentenga, Nesse momento, escreve Barthes, toda a lingiistica que da uma dignidade exorbitante 4 sintaxe predicativa desmoronou. Por conseqiéncia, torna-se possivel subverter o “poder de completude que define o dominio da sentenga e marca, como com um supremo savoir faire, duramente obtido, conquistado, os agentes da sentenga”.'? A hierarquia e as subordinagdes da sentenga s4o substituidas pela descontinuidade definitiva do texto e o que emerge é uma forma de escrita que Barthes descreve como “escrita em voz alta”: um texto de incidentes pulsionais, a linguagem forrada de carne, um texto onde podemos ouvir o grao da garganta,,, toda uma estereofonia carnal: a articulagdo da lingua, nao o significado da lingua.” Por que retornar ao devaneio do semiGtico? Por que comecar com a “teoria” como histGria, como narrativa e anedota, 251 em vez de com a Histéria ou 0 método? Comegar pelo Pprojeto semi6tico — enumerar todas as linguagens ao alcance do ouvido — evoca memérias da influéncia seminal da semiética dentro do nosso discurso critico contemporaneo. Para tal, este petit récit ensaia alguns dos principais temas da teoria contemporanea prefigurados na prética da semidtica: 0 autor como espaco enunciativo, a formagao da textualidade apés o declinio da lingitistica, o agonismo entre a sentenga da sintaxe predicativa e 9 descontinuo sujeito do discurso, a disjuncdo entre o léxico e o gramatico dramatizada na liberdade (talvez libertinagem) do significante. Estar face a face com o devaneio de Barthes é reconhecer a contribuigdo formativa da semiética aqueles conceitos influentes — signo, texto, texto-limite, idioleto, écriture — que se tornaram ainda mais importantes desde que penetra. ram o inconsciente de nossa empresa critica. Quando Barthes tenta produzir, com seu brilhantismo erratico e sugestivo, um espago para o prazer do texto em algum ponto entre “o policial politico € o policial psicanalitico” — ou seja, entre “a futilidade e/ou a culpa, o prazer é ou ocioso ou vao, uma nogao de classe ou uma ilusio” —?! ele evoca memérias das tentativas, no fim dos anos 70 e em meados da década de 80, de segurar firme a linha politica enquanto a linha poética lutava para se libertar de sua priséo pés-althusseriana. Que culpa, que prazer! Tematizar a teoria, no momento, ndo interessa. Reduzir esse devaneio fantastico e maravilhoso do pedagogo semi6é- tico, j4 um pouco tonto, a apenas mais uma repeti¢ao da litania teérica da morte do autor seria redutivo ao extre- mo, Isto porque o devaneio pega a semidtica de surpresa; ele transforma a pedagogia na exploracdo de seus préprios limites. Se procuramos simplesmente o sentencioso ou o exegético, nao poderemos apreender o momento hibrido no exterior da frase — nao inteiramente experiéncia, ainda nao conceito; meio sonho, meio andlise; nem significante nem significado. Este espaco intermedidrio entre a teoria ¢ a pratica desestabiliza a demanda semioldgica disciplinar de enumerar todas as linguagens ao alcance do ouvido. © devaneio de Barthes é suplementar, nao-alternativo, a atuagado no mundo real, lembra-nos Freud; a estrutura da fantasia narra o sujeito do devaneio como a articulagao de 252 temporalidades incomensuraveis, desejos recusados, ¢ rotei- ros descontinuos. © significado da fantasia nao emerge no valor predicativo ou proposicional que poderiamos atribuir a estar fora da frase. Ao contrario, a estrutura performatica do texto revela uma temporalidade do discurso que acredito ser significativa, Ela inaugura uma estratégia narrativa para a emergéncia e negociacgio daquelas agéncias do marginal, da mi- noria, do subalterno ou do diaspérico, que nos incitam a pen- sar através — e para além — da teoria. © que € apreendido de maneira anedotica “fora da sentenca”, no conceito de Barthes, € o espago problematico — mais performatico do que experiencial, nao-sentencioso, porém tedrico — do qual fala a teoria pés-estruturalista em suas muitas vozes, Apesar do declinio de uma lingiifstica previsivel, oredicativa, o espago da naio-sentenga nao é uma ontologia negativa: nio esta antes da sentenga, mas é€ algo que poderia ter assentido 4 sentenga e todavia estava fora dela. Este discurso é de fato um discurso de indeterminismo, imprevisibilidade, que nao é nem contingéncia ou negativi- dade “pura” nem adiamento sem fim. “Fora da sentenga” nao se contrapdée A voz interior; a nao-sentenga nao se relaciona com a sentenga como polaridade. A apreensao atemporal que encena essas confrontagGes epistemolégicas, na expressao de Richard Rorty, € agora interrompida e interrogada na duplici- dade da escrita — “ao mesmo tempo muito cultural € muito selvagem”, “como se essa fosse a regra dessa lingua”.”* Isto perturba o que Derrida chama estereotomia ocidental, o espaco ontoldégico, circunscritivo, entre o sujeito e o objeto, dentro e fora.2 E a questao da agéncia, da forma como emer- ge em relagio com o indeterminado e o contingente, que pretendo explorar “fora da sentenga”. No entanto, quero pre- servar, a todo momento, aquele sentido ameacador no qual a ndo-sentenga é contigua 4 sentenga, préxima mas dife- rente, nado simplesmente seu rompimento anarquico. TANGER OU CASABLANCA? Aquilo com que nos deparamos fora da sentenga, além da estereotomia ocidental, é o que chamarei de a “temporalidade” 253 de Tanger. E uma estrutura de temporalidade que vai emergir apenas aos poucos e¢ indiretamente, com o passar do tempo las time goes by], como se diz nos bares marroquinos, seja em Tanger ou Casablanca. Ha, porém, uma diferenga instrutiva entre Casablanca e ‘Tanger. Em Casablanca a passagem do tempo preserva a identidade da linguagem; a possibilidade de nomeacio através do tempo esta fixada na repeticao: You must remember this a kiss is still a Riss a sigh is but a sigh the fundamental things apply As time goes by. (Casablanca) [Vocé tem de se lembrar um beijo ainda é um beijo um suspiro, apenas um suspiro as coisas bisicas se mantém com o passar do tempo.] “Toque mais uma vez, Sam” [Play it Again, Sam], que é talvez o pedido de repetigao mais célebre do mundo ocidental, ainda é uma invocagao 4 similitude, um retorno as verdades eternas. Em Tanger, 4 medida em que o tempo passa, ele produz-se uma temporalidade iterativa que rasura os espa¢os ociden- tais da linguagem — dentro/fora, passado/presente, aquelas posigdes epistemoldgicas fundamentais do empirismo e histo- ricismo ocidentais. Tanger abre relagdes disjuntivas, inco- mensuraveis, de espagcamento e temporalidade no interior do signo — uma “diferenga interna do chamado elemento ultimo (stoikbeion, trago, letra, marca seminal)”. A nao-sentenga nao fica antes (seja como passado ou a priori) ou dentro (seja como profundidade ou presenga), mas fora (tanto espacial como temporalmente ex-céntrica, interruptiva, intervalar, nas fronteiras, virando o dentro para fora). Em cada uma dessas inscrigdes h4 uma duplicagéo e uma divisio das dimensdes temporais e espaciais no préprio ato da significagao, O que emerge nesta forma agonistica, ambivalente, de fala — “ao mesmo tempo muito cultural e muito selvagem” — é uma pergunta sobre o sujeito do discurso e a agéncia da letra: poder4 haver 254 um sujeito social da “nao-sentenca”? fl possivel conceber-se a agéncia histérica naquele momento disjuntivo, indetermi- nado, do discurso fora da sentenga? Nao sera tudo isso apenas uma fantasia te6rica que reduz qualquer forma de critica poli- tica a um devaneio? Estas apreensOes a respeito da agéncia do aporético e do ambivalente tornam-se mais agudas quando sao feitas reivin- dicagées politicas de sua acao estratégica. Esta é precisamente a posi¢cio recente de Terry Eagleton, em sua critica do pessi- mismo libertario do pds-estruturalismo: [E] libertdério porque algo do velho modelo de expressio/ repressao permanece no sonho de um significante inteiramente sem amarras, uma produtividade textual infinita, uma existéncia abencoadamente livre dos grilhdes da verdade, do significado e da socialidade. Pessimista porque o que quer que bloqueie essa criatividade — lei, sentido, poder, fechamento — é perce- bido como encaixado nele, em um reconhecimento cético da imbricagao de autoridade e desejo.* A agéncia implicita neste discurso é objetificada em uma estrutura de negociacao do sentido que nao é uma falha no tempo sem amarras, mas um entre-tempo — um momento contingente — na significagao do fechamento. Tanger, o “signo” da “nao-sentenca” transforma-se retroativamente, ao fim do ensaio de Barthes, em uma forma de discurso que ele deno- mina “escrita em voz alta”. O entre-tempo localizado entre o evento do signo (Tanger) e sua eventualidade discursiva Cescrita em voz alta) exemplifica um processo onde a intencio- nalidade € negociada retrospectivamente.?6 O signo encontra seu fechamento retroativamente em um discurso que ele antecipa na fantasia semidtica: ha uma contigtiidade, uma co-extensividade, entre Tanger (enquanto signo) e a escrita em voz alta (formac¢ao discursiva), na qual a escrita em voz alta 6 o modo de inscri¢ao do qual Tanger é um signo. Nao ha causalidade estrita entre Tanger como inicio de predicagio e a escrita em voz alta como fim ou fechamento; porém, nao hé um significante sem amarras ou uma infinidade de produtividade textual. Existe a possibilidade mais complexa de negociar 0 sentido e a agéncia através do entre-tempo no entremeio do signo (Tanger) e sua inauguragdo de um discurso ou narrativa, 255 onde a relagao entre teoria e pratica ja € parte do que Rodolphe Gasché denominou “predicagdo conjunta”. Neste sentido, o fechamento vem a ser efetivado no momento contingente da repetic¢ao “uma superposi¢ao sem equivaléncia: fort: da” ?’ A temporalidade de Tanger nos ensina a ler a agéncia do texto social como ambivaléncia e catacrese. Gayatri Spivak fez uma descricao titil da “negociacao” da posi¢ao pés-colonial “em termos da reversio, deslocamento e apropriagao do aparato de codificagao do valor" como constituindo um espaco catacrésico: palavras Ou conceitos arrancados de seu signifi- cado préprio, “uma metéfora-conceito sem referente adequado” que perverte seu contexto subjacente. Spivak continua: “Reivindicar a catacrese de um espaco que n4o se pode nao querer habitar [a sentenga, sentenciosa], e todavia tem-se de criticar [de fora da sentenga] é entéo o dilema desconstrutivo do pés-colonial.”* Esta posi¢ao derridiana est4 préxima do dilema conceitual de fora da sentenga. Procurei apresentar a temporalidade discur- siva, OU o entre-tempo, que € crucial para 0 processo pelo qual esta circulagao — de tropos, ideologias, metaforas concei- tuais — passa a ser textualizada e especificada na agéncia p6s-colonial: o momento em que o “bar” da estereotomia ocidental se transforma nas fronteiras contingentes, co-exten- sivas, da re-locacao ¢ reinscri¢ao: o gesto catacrésico, A questao insistente em tal movimento é a natureza do agente negociador percebida através do entre-tempo. De que modo a agéncia vem a ser especificada e singularizada, fora dos discursos do individualismo? De que modo o entre-tempo significa a indivi- duagao como uma posicéo que € uma Conseqiiéncia do “inter- subjetivo” — contigua com o social e todavia contingente, indeterminada, em relagdo a cle?” A escrita em voz alta, para Barthes, nao é a funcao “expres- siva” da linguagem como intengio autoral ou determinagao genérica nem o sentido personificado.® Ela é similar 4 actio reprimida pela ret6rica classica, e é ainda a “exteriorizagao corpérea do discurso”. Ela é a arte de guiar o corpo discurso adentro, de tal forma que a acessao do sujeito ao significante como individuado, assim como seu desaparecimento nele, é parado- xalmente acompanhada por seu residuo, um consectario, um duplo. Seu ruido — “quebrando, ralando, cortando” — se faz 256 vocal e visivel, ao longo do fluxo do cédigo comunicativo da sentenga, a luta envolvida na insergio da agéncia — ferida e arco, morte e vida — no discurso. Em termos lacanianos, que se mostram adequados aqui, este “ruido” é 0 “resto” que ficou ap6s a capttonnage, ou posicio- namento, do significante para o sujeito. A “voz” lacaniana que fala fora da sentenga é ela mesma a voz de uma agéncia interrogativa, calculadora: “Che vuoi? Vocé esta me dizendo isso, Mas O que é que vocé quer com isso, o que vocé pretende?” (Para uma explicagdo clara deste processo, ver Zizek, The Sublime Object of Ideology lO Sublime Objeto da Ideologial)." O que fala no lugar desta quest4o, escreve Jacques Lacan, é um “terceiro locus que nado é nem minha fala nem meu interlocutor”. O entre-tempo descerra este espacgo de negociagio entre fazer a pergunta para o sujeito e a repeti¢ao do sujeito “em torno” do nem/nem do terceiro locus. Isto constitui o retorno do agente sujeito como a agéncia interrogativa na posigdo catacrésica. Esse espago disjuntivo da temporalidade é o locus da identificagdo simbélica que estrutura o dominio intersubjetivo — o dominio da outridade e do social — onde “nos identificamos com o outro exatamente no ponto em que ele é inimitavel, no ponto em que se esquiva da semelhanga”,* Meu argumento, elaborado em meus escritos sobre o discurso pés-colonial em termos de mimica, hibridismo, civilidade dissimulada, é que este momento liminar de identificagio — que se esquiva da semelhanca — produz uma estratégia subversiva de agéncia subalterna que negocia sua prépria autoridade através de um processo de “descosedura” iterativa e religagao insurgente, incomensuravel. Ele singulariza a “tota- lidade” da autoridade ao sugerir que a agéncia requer uma fundamentacao, mas nao requer que a base dessa funda- mentac&o seja totalizada; requer movimento e manobra, mas nao requer uma temporalidade de continuidade ou acumulacao; requer diregao e fechamento contingente, mas nenhuma teleo- logia e holismo. (Para a elaboragaéo destes conceitos, ver Capitulos i e VIII.) A individuacgaéo do agente ocorre em um momento de deslocamento. E um incidente pulsional, o movimento ins- tantaneo em que o processo de designagao do sujeito — sua fixagio — se abre lateralmente a ele, em um estranho abseits, 257 um espaco suplementar de contingéncia. Neste “retorno” do sujeito, jogado de volta por sobre a distancia do significado, para fora da sentenga, o agente emerge como uma forma de retroatividade, Nachtrdglichkeit. Nao é agéncia por si mesmo (transcendente, transparente) ou em si mesmo (unitario, orpa- nico, aut6nomo). Como resultado de sua prépria divisto no entre-tempo da significagao, o momento de individuagio do sujeito emerge como um efeito do intersubjetivo —- como o retorno do sujeito como agente. Isto significa que aqueles elementos de “consciéncia” social imperativos para a agéncia — agao deliberativa, individuada e especificidade de andlise — podem ser pensados agora de fora daquela epistemologia que insiste no sujeito como sempre anterior ao social ou no saber do social como necessariamente subsumindo ou negando a “diferenca” particular na homogeneidade transcendente do geral. O iterativo e o contigente que marcam esta relagao in- tersubjetiva nao podem ser libertérios ou sem amarras, como afirma Eagleton, pois o agente, constituido no retorno do sujeito, esta na posicgao dialdgica do calculo, da negociagio, da interrogagao: Che vuoi? AGENTE SEM CAUSA? Algo desta genealogia da agéncia pds-colonial ja foi abor- dado nas exposi¢des que fiz do ambivalente ¢ do multivalente na metdfora da linguagem em acdo no “pensamento sinedé- quico” ocidental sobre o hibridismo cultural negro americano ea nogao de Hall da “politica como uma linguagem”. As implicagdes desta linha de pensamento foram postas em pratica de forma produtiva no trabalho de Spillers, McDowell, Baker, Gates e Gilroy, que enfatizam a importancia da heterogeneidade criativa do “presente” enunciativo que liberta o discurso da emancipacio de fechamentos binarios. Quero dar a contingéncia uma outra direg&o — por meio da fanta- sia barthesiana — relacionando a Ultima linha do texto, sua conclusio, com um momento anterior em que Barthes fala sugestivamente do fechamento como agéncia. Mais uma vez, temos uma sobreposic¢aéo sem equivaléncia. Isto porque a nocao de uma forma de fechamento nao-teleolégica e outra 258 nao-dialética foi freqiientemente considerada o ponto mais problematico para 0 agente p6s-moderno sem uma causa: iA escrita em voz alta] consegue empurrar o significado para uma grande distancia e langar, por assim dizer, 0 corpo anénimo do ator em meus ouvidos... E este corpo de éxtase € também meu sujeito bistérico, pois é na conclusdo de um processo muito complexo de elementos biograficos, histéricos, socielégicos, neurdticos... que controlo © jogo contraditério de prazer [cul- tural] ¢ éxtase [nao-cultural}, que me escrevo como um sujeito neste momento fora do lugar.*# A contingéncia do sujeito como agente é articulada em uma dupla dimensao, uma agio dramiatica. O significado é distan- ciado; o entre-tempo resultante descerra o espago entre o léxico e 0 gramatico, entre a enunciagaio e o enunciado, no intervalo do ancoramento dos significantes. Ent&io, de repente, esta dimensio espacial intervalar, este distanciar-se, converte-se na temporalidade do “langar’ que iterativamente (re)torna o sujeito como momento de conclusao e controle: um sujeito histérica ¢ contextualmente especifico. Como poderemos pensar o controle ou a conclusio no contexto da contingéncia? Precisamos, 0 que nao nos surpreende, invocar ambos os significados de contingéncia e depois repetir a diferenga de um no outro. Lembrem-se de minha sugestéo de que para interromper a estereotomia ocidental — dentro/fora, espago/ tempo — € preciso pensar, fora da sentenga, simultaneamente de modo muito cultural e muito selvagem. O contingente é contigiiidade, metonimia, tocar as fronteiras espaciais pela tangente, e, ao mesmo tempo, o contingente é a temporali- dade do indeterminado e do indecidivel. E a tensdo cinética que mantém esta dupla determinagao coesa e separada do discurso, Eles representam a repetigao do um no outro ou como o outro, em uma estrutura de “superposi¢ao abissal” (uma expressio de Derrida) que nos permite conceber um fechamento e controle estratégico para o agente, A represen- tagdo da contradi¢ao social ou do antagonismo neste discur- so duplicador da contingéncia — onde a dimensio espacial da contigitidade € reiterada na temporalidade do indetermi- nado — nao pode ser descartada como a pratica arcana do indecidivel ou do aporético. 259 A importancia da problematica da contingéncia para 9 discurso histérico esta evidente na tentativa de Ranajit Guha de representar a especificidade da consciéncia rebelde 4 argumentacao de Guha revela a necessidade dessa no¢io du- pla e disjuntiva do contingente, embora sua prdpria leitura do conceito, em termos do par “universal-contingente”, seja mais hegeliana em sua elaboragdo.** A consciéncia rebelde est4 inscrita em duas grandes narrativas. Na historiografia burguesa-nacionalista, ela é vista como “pura espontaneida- de que se opde contra a vontade do Estado personificado no Raj”. A vontade dos rebeldes é negada ou subsumida na ca- pacidade individualizada de seus lideres, que freqtiientemen- te pertencem 4 elite da pequena nobreza. A historiografia radical deixou de especificar a consciéncia rebelde porque sua narrativa continuista classificava “as revoltas campésinas como uma sucessio de eventos, que se estendem ao longo de uma linha direta de descendéncia... como uma heranga”. Ao assimilar todos os momentos de consciéncia rebelde ao “momento culminante da série — de fato, a uma Consciéncia Ideal” — estes historiadores “esto mal-equipados para en- frentar contradigdes que sao, na verdade, o material de que é feita a histéria”.’? A concep¢ao de Guha da contradigao rebelde como cons- ciéncia aponta fortemente para a agéncia como atividade do contingente. O que descrevi como o retorno do sujeito esta presente em seu relato da consciéncia rebelde como auto- alienada, Minha proposta de que a problematica da contin- géncia permite estrategicamente que uma contigtiidade espacial — solidariedade, a¢gdo coletiva — seja (re)articulada no momento da indeterminagio, lida nas entrelinhas, esta muito préxima de sua nogio de aliangas estratégicas em funcio- namento nos lugares e simbolos contraditérios e hibridos da revolta campesina. O que a historiografia nao compreende é de fato a agéncia no ponto da “combinagdo de sectarismo ¢ militancia... [especificamente] a ambigtiidade desses fendmenos”; a causalidade como o “tempo” da articulagao indeterminada: “a veloz transformagao da luta de classes em conflito comunitario e vice-versa em nossa 4rea rural”; e a ambivaléncia no ponto de “individuagao” como um afeto intersubjetivo: 260 Cegado pelo fulgor de uma consciéncia perfeita e imaculada, o historiador nfo vé nada... senio solidariedade no comporta- mento rebelde e deixa de notar o seu Outro, ou seja, a traicao... Ele subestima os freios postos [a insurgéncia como movimento generalizado] pelo localismo e a territorialidade.* Finalmente, como se para prover com um emblema minha no¢io de agéncia no dispositive da contingéncia — sua figu- racao hibrida de espaco e tempo — Guha, citando Agrarian Struggle in Bengal (Luta Agraria em Bengala], de Sunil Sen, faz uma bela descrigao da “ambigitiidade desses fenémenos” como os signos e lugares hibridizados durante o movimento Tebhaga em Dinajpur: Os camponeses muculmanos [vinham] ao Kisan Sabha “as vezes inscrevendo uma foice e um martelo na bandeira da Liga Mugul- mana” e jovens matlavis “{recitavam} versos melodiosos do Corao” nas reunides locais “enquanto condenavam o sistema jotedari e a pratica de cobranga de juros altos’.* O TEXTO SOCIAL: BAKHTIN E ARENDT As condigdes contingentes da agéncia também nos levam ao cerne do importante intento de Bakhtin de designar o sujeito enunciativo da heteroglossia ¢ do dialogismo nos géneros da fala Como fiz com o texto de Guha, minha leitura ser4 cata- crésica: leitura entre-linhas, que nao segue rigorosamente nem suas palavras nem as minhas, Ao enfocar o modo como a cadeia de comunicagio vem a se constituir, trato do intento de Bakhtin de individuar a agéncia social como um efeito subseqiiente do intersubjetivo. Minha matriz da contingéncia, em trama entrecruzada — como diferenga espacial e distincia temporal, para alterar um pouco os termos — permite-nos ver como Bakhtin elabora um saber da transformagao do discurso social enquanto desloca o sujeito originador e o progresso causal e continuista do discurso: O objeto, digamos assim, j4 foi articulado, discutido, elucidado e avaliado de varias maneiras.., O falante no é o Adio biblico... 261 como sugerem as idéias simplistas sobre a comunicagao enquanto base légico-psicolégica para a sentenga.”' O uso que Bakhtin faz da metéfora da cadeia de comuni- cagéo capta a no¢gio da contingéncia como contiguidade, enquanto a questao do “elo” imediatamente traz a baila o tema da contingéncia como o indeterminado. O deslocamento do autor como agente, efetuado por Bakhtin, resulta de sua percep¢do da estrutura “complexa, de multiplos planos”, do género da fala que existe naquela tensdo cinética intermediaria as duas forcas da contingéncia. As fronteiras espaciais do objeto de enunciagdo sdo contiguas na assimilagaéo da fala do outro; porém, a alusdo ao enunciado de um outro produz uma virada dialégica, um momento de indeterminagao no ato da interpelagio laddressivity| (conceito de Bakhtin) que faz, surgir, no interior da cadeia de comunhao de fala, “reacdes de resposta nao-mediadas e reverberacées dialégicas”.? Embora Bakhtin perceba este movimento duplo na cadeia da elocugao, ha um sentido no qual ele recusa sua eficacia no momento da enunciagdo da agéncia discursiva. Ele desloca o problema conceitual que diz respeito a performatividade do ato de fala — suas modalidades enunciativas de tempo e espacgo — para um reconhecimento empirico da “drea da ati- vidade humana e da vida cotidiana as quais se relaciona a elocugao”.” Nao é que o contexto social nao localize a elo- cugao; apenas, o processo de especificagao e individuagao ainda precisa ser elaborado dentro da teoria de Bakhtin, como a modalidade através da qual o género da fala vem a reconhecer o especifico como limite de significagao, uma fronteira discursiva. H4 momentos em que Bakhtin toca obliquamente na tensa duplicagao do contingente que descrevi. Quando ele fala dos “sobretons dialdgicos” que permeiam a agéncia da elocugio — “muitas palavras de outros semi ou totalmente escondidas, com graus variados de estrangeirismo” —— suas metéforas apontam para a temporalidade intersubjetiva iterativa na qual a agéncia é percebida “fora” do autor: [A] elocugao parece estar sulcada por ecos distantes e mal audiveis de mudangas de sujeitos da fala e sobretons dialégicos, fronteiras 262 da elocugao bastante enfraquecidas que sao completamente permedveis 4 expressdo do autor. A elecucao mostra-se um fendmeno muito complexo e de miltiplos planos se nao consi- derada isoladamente e relacionada a seu autor... mas sim como elo na cadeja da comunicagio da fala e em relagdo a outras elocugdes associadas a ela... Através desta paisagem de ecos e fronteiras ambivalentes, emoldurada em horizontes passageiros, sulcados, o agente, que “nao é Adio” mas esta, contudo, situado num entre-tempo, emerge no dominio social do discurso. A agéncia, como o retorno do sujeito, como “nao-Adao”, tem uma histéria mais diretamente politica no retrato que Hannah Arendt faz da narrativa conturbada da causalidade social. De acordo com Arendt, a incerteza notéria de todas as quest6es politicas vem do fato de que o descerramento do quem — o agente como individuagao — é contiguo com 0 o gue do dominio intersubjetivo. Esta relagdo contigua entre quem e 0 que nao pode ser transcendida, mas deve ser aceita como uma forma de indeterminismo e duplicagao. O quem da agéncia nao possui imediatidade ou adequacao mimética de representacao. Ele s6 pode ser significado fora da sentenga naquela temporalidade esporadica, ambivalente, que habita a inconfiabilidade notéria dos ordculos antigos, que “nem revelam nem ocultam em palavras, mas fornecem signos manifestos”.** A inconfiabilidade dos signos introduz uma perplexidade no texto social: A perplexidade € que, em qualquer série de acontecimentos que juntos formam uma histéria com um sentido unico, pode- mos no maximo isolar o agente que coloca todo o processo em movimento; ¢, embora este agente freqiientemente continue sendo 0 sujeito, o “herdi” da histéria, nunca podemos aponta-io claramente como o autor de seu desfecho.* Esta é a estrutura do espago intersubjetivo entre agentes, o que Arendt denomina “inter-esse” [inter-est] humano. £ esta esfera ptiblica da linguagem e da acao que deve se tornar ao mesmo tempo o teatro e a tela para a manifestagdo das capa- cidades da agéncia humana. Ao modo de Tanger, o evento e€ sua eventualidade estao separados; o entre-tempo narrativo torna contingentes o quem e o o que, cindindo-os, de maneira 263 que 0 agente continua sendo o sujeito, em suspensio, fora da sentenga, O agente que “causa” a narrativa torna-se parte do interesse, apenas porque nao podemos apontar claramente aquele agente no momento do desfecho. Ff a contingéncia que constitui a individuagao — no retorno do sujeito como agente — que protege o interesse do dominio intersubjetivo, A contingéncia do fechamento socializa o agente como “efeito” coletivo através do distanciamento do autor. Entre a causa e sua intencionalidade projeta-se uma sombra. Pode- riamos entao inquestionavelmente propor, ja de inicio, que uma histéria tem um significado tnico? A que fim tender a série de eventos se o autor do produto nao é claramente o autor da causa? Sera que isto ndo sugere que a agéncia surge no retorno do sujeito, da interrupcio da série de eventos como uma espécie de interrogaca4o e reinscrigao do antes e depois? Onde os dois se tocam, nao ha ali aquela tensdo cinética entre o contingente como o contiguo e o indeterminado? Nao é de la que a agéncia fala e age: Che vuoi? Estas questGes sao provocadas pela brilhante sugestivi- dade de Arendt, pois sua escrita encena sintomaticamente as perplexidades que ela evoca. Tendo aproximado ao maximo © significado tnico e o agente causal, ela diz que o “ator invisivel” € uma “invengado que surge de uma perplexidade mental” que nao corresponde a nenhuma experiéncia real.” E este distanciamento do significado, este fantasma ansioso ou simulacro — em lugar do autor — que, de acordo com Arendt, indica mais claramente a natureza politica da histéria, O signo do politico nao é, além do mais, investido no “préprio carater da histéria mas apenas [nlo modo no qual ela passou a existir”. Portanto, é o dominio da representagao e 0 processo de significagio que constituem o espago do politico. O que é temporal no modo de existéncia do politico? Aqui Arendt apela para uma forma de repetigao para resolver a ambivaléncia de seu argumento. A “reificagéo” do agente sé pode ocorrer, escreve ela, através de “uma espécie de repeticgao, a imitagio da mimese, que, de acordo com Aristételes, prevalece em todas as artes, mas é na verdade apropriada ao drama”. A repeticao do agente, reificado na visdo liberal do estar- junto [togetberness}, € bastante diferente de minha nogao da 264 agéncia contingente para nossa era pds-colonial. As razoes para isto nao sao dificeis de encontrar. A crenga de Arendt nas qualidades reveladoras da mimese artistotélica € baseada em uma nogio de comunidade, ou da esfera publica, que é amplamente consensual: “onde as pessoas estio com outras enema favor nem contra elas — este é 0 prdéprio ato humano de estar-junto”.*’ Quando as pessoas sao a favor umas das outras ou umas contra as outras de forma passional, ai o estar-junto humano se perde na negacgao que fazem da completude do tempo mimético aristotélico. A forma de mimese social de Arendt nao lida com a marginalidade social como produto do Estado liberal, que pode, se articulado, revelar as limitagdes de seu senso comum Cinter-esse) da sociedade a partir da perspectiva das minorias ou dos marginalizados. A violéncia social é, para Arendt, a negagao do descerramento da agéncia, © ponto em que “a fala se torna ‘pura conversa’, apenas mais um meio para se atingir o fim".>! Minha atengao se dirige para outras articulagées do estar- junto humano, na medida em que elas est4o relacionadas 4 diferenga cultural e 4 discriminagao. Por exemplo, o estar- junto humano pode vir a representar as for¢as da autoridade hegemS6nica; uma solidariedade baseada na vitimizagio € no sofrimento pode, de forma implacavel, as vezes violenta, voltar-se contra a opress4o; uma agéncia subalterna ou minoritaria pode tentar interrogar ¢ rearticular o “inter-esse” da sociedade que marginaliza seus interesses. Estes discursos de dissenso cultural e antagonismo social néo podem encontrar seus agentes na mimese aristotélica de Arendt. No processo que descrevi como o retorno do sujeito, hd uma agéncia que procura a revisao e a reinscrigdo: a tentativa de renegociar o terceiro locus, o dominio intersubjetivo. A repetigao do iterativo, a atividade do entre-tempo, € mais interruptora do que arbitraria, um fechamento que nao é conclusdo, mas uma interrogacao liminar fora da sentenga. Em “Onde est a fala? Onde esté a linguagem?”, Lacan des- creve este momento de negociacio de dentro da “metaforici- dade” da linguagem enquanto faz uma referéncia lac6nica a ordenagéo de simbolos no dominio do discurso social: 265 E 0 elemento temporal... ou o intervalo temporal... a interven- ¢ao de uma escansdo que permite a intervencao de algo que pode assumir significado para um sujeito... Ha de fato uma realidade de signos dentro da qual existe um mundo de verda- de, inteiramente destituido de subjetividade, e, por outro lado, houve um desenvolvimento histérico da subjetividade direcig- nado manifestamente para a redescoberta da verdade que resi- de na ordem dos simbolos.* O processo de reinscrigao e negociagio — a insergio ou intervengio de algo que assume um significado novo — acontece no intervalo temporal situado no entremeio do signo, destituido de subjetividade, no dominio do inter- subjetivo. Através desse entre-tempo — o intervalo temporal na representagao — emerge o processo da agéncia tanto como desenvolvimento histérico quanto como agéncia nar- rativa do discurso histérico. O que se evidencia de forma tao clara na genealogia do sujeito de Lacan é que a intencionali- dade do agente, que parece “direcionada manifestamente” para a verdade da ordem dos simbolos no imagindrio social, é também um efeito da redescoberta do mundo da verdade a que foi negada a subjetividade (pois ela é intersubjetiva) no nivel do signo. E na tensio contingente que resulta que signo e simbolo se sobrepSem e sao indeterminadamente articulados através do “intervalo temporal”, Onde o signo des- tituido do sujeito — intersubjetividade — retorna como sub- jetividade direcionada a redescoberta da verdade, ai uma (re)ordenagio de simbolos se torna possivel na esfera do social. Quando o signo cessa o fluxo sincr6nico do simbolo, ele apreende também o poder de elaborar — através do entre-tempo — agéncias e articulagdes novas e hibridas. Este é o momento Para as revisGes, REVISOES O conceito de reinscrigao e negociagao que estou elabo- rando nao deve ser confundido com os poderes de “redescrigao” que se tornaram a marca registrada do ironista liberal ou neo- pragmatico. Nao apresento uma critica desta influente posigao nao-fundamentalista aqui senao para apontar para as 6bvias 266 diferengas de enfoque. A concepgio de Rorty da represen- tagao da diferenga no discurso social € a sobreposigéo consen- sual de “vocabularios finais”, que permitem identificacao imagi- nativa com o outro desde que certas palavras — “bondade, decéncia, dignidade’? — sejam consideradas comuns.*? No entanto, como ele diz, o ironista liberal néo pode jamais elaborar uma estratégia de aquisi¢do de poder. Vé-se, em uma nota de rodapé, como suas idéias sao redutoras de poder em relagao ao outro nao-ocidental, como elas estéo submersas em um etnocentrismo ocidental, em conformidade com seu nao- fundamentalismo. Rorty sugere que a sociedade liberal ja contém as instituig6es para seu préprio aperfeicoamento {e quel o pensamento social e politico oci- dental pode ter tido a Ultima revolugio conceitual de que precisa na proposta de J. S. Mill de que os governos deveriam otimizar o equilibrio entre nao se intrometer na vida particular das pessoas e evitar o sofrimento.™ O trecho acima vem acompanhado de uma nota de rodapé em que os ironistas liberais repentinamente perdem seus poderes de redescrigao: Isto nado quer dizer que o mundo jé tenha tido a tiltima revolu- ¢40 politica de que precisa, E dificil imaginar a redugao da crueldade em paises como a Africa do Sul, 0 Paraguai e a Albania sem uma revolucdo violenta... Mas nesses paises a coragem bruta (como a dos lideres da COSATU ou dos signata- rios do Documento 77) é a virtude relevante, nao o tipo de sagacidade reflexiva que contribui para a teoria social.* Ai termina a fala de Rorty, mas temos de forgar o didlogo para reconhecer uma teoria social e cultural pés-colonial que revela os limites do liberalismo na perspectiva pés-colonial: “A cultura burguesa atinge seu limite histérico no colonialis- mo”, escreve Guha de modo sentencioso,® e, quase como que para falar “de fora da sentenga”, Veena Das reinscreve o pensamento de Guha na linguagem afetiva de uma metdfora e no corpo: “As rebelides subalternas s6 podem fornecer uma noite de amor... Todavia, talvez ao apreender este desafio, o 267 historiador nos tenha dado um meio de construir os objetos desse poder como sujeitos.”*” Em seu excelente ensaio “O Subalterno como Perspectiva”, Veena Das demanda uma historiografia do subalterno que desloca o paradigma da agio social como definido basicamente pela a¢4o raciona}. Ela busca uma forma de discurso onde a escrita afetiva ¢ iterativa desenvolve sua prépria linguagem. A histéria como uma escrita que constréi o momento de desafio emerge no “magma de significagdes”, pois “o fechamento repre- sentacional que se apresenta quando tomamos o pensamento em formas objetificadas é agora rompido a forga. Em seu lugar, vemos esta ordem questionada”.** Em uma argumenta¢io que exige uma temporalidade enunciativa notavelmente préxima 4 minha nogao de entre-tempo, que circula no instante da captura/cesura pelo signo do sincronismo simbélico, Veena Das localiza o momento de transgress4o na cisdo do presente discursivo: é necessdrio haver uma maior atengéo para localizar a agéncia transgressora na “cisio dos diversos tipos de fala produzidos em afirmagdes de verdade referencial no presente do indicative”. Esta énfase no presente disjuntivo do enunciado permite ao historiador escapar de definir a consciéncia subalterna como binaria, como tendo dimens6es positivas ou negativas. Ela permite que a articulagao da agéncia subalterna venha a emergir como relocagao e reinscrigao. Na apreensao do signo, como argumentei, nao ha nem negagio dialética nem signifi- cante vazio: h4 uma contestagao dos simbolos de autoridade dados que fazem mudar o terreno do antagonismo. O sincro- nismo na ordenagio social dos simbolos é desafiado em seus préprios termos, mas as bases do embate foram deslocadas em um movimento suplementar que excede aqueles termos. Este € 0 movimento histérico do hibridismo como camuflagem, como uma agéncia contestatora, antagonistica, funcionando no entre-tempo do signo/simbolo, que é um espaco intervalar entre as regras do embate. £ esta forma tedérica de agéncia politica, que estive tentando desenvolver, que Veena Das desen- volve de modo brilhante em um argumento histérico: £ a natureza do conflite em que esta encerrada uma casta ou uma tribo que pode fornecer as caracteristicas do momento 268 hist6rico; presumir que podemos conhecer a priori as mentalidades de castas ou comunidades é assumir uma perspectiva essencialista que as comprovagoes encontradas nos préprios volumes de Estudos Subalternos |Subaltern Studies) nio apoiariam.© Nao seria a estrutura contingente da agéncia semelhante ao que Frantz Fanon descreve como o saber da pratica da agao? * Fanon argumenta que o maniqueismo primitive do colono — negro e branco, drabe ¢ cristao — desmorona num presente de luta pela independéncia. As polaridades vao sendo substituidas por verdades que sio apenas parciais, limitadas e instaveis. Cada “movimento da maré local revé a questio politica do ponto de vista de todas as redes politicas”, Os lideres deveriam opor-se firmemente aqueles dentro do movimento que tendem a pensar que “nuances de sentido constituem perigo e abrem brechas no bloco sdlido da opiniao popular”. O que tanto Veena Das quanto Fanon descrevem é a potencialidade da agéncia constituida através do uso estratégico da contingéncia histérica. A forma de agéncia que tentei descrever através do corte profundo do signo e do simbolo — as condigées de significagao da contingéncia, a noite de amor — retorna para interrogar a mais audaciosa dialética da modernidade que a teoria contem- poranea oferece: “O homem e seus duplos”, de Foucault. A produtiva influéncia de Foucault sobre os teéricos pds-colo- niais, desde a Australia até a India, nao foi total, particular- mente em sua construciéo da modernidade. Mitchell Dean, escrevendo no periddico Thesis Eleven, de Melbourne, observa que a identidade da modernidade do Ocidente continua sendo obsessivamente “o horizonte mais geral sob o qua! todas as andlises histéricas concretas de Foucault estao demarcadas”.® E por este mesmo motivo, Partha Chatterjee argumenta que a genealogia do poder de Foucault tem utilidade limitada no mundo em desenvolvimento. A combinagdo de regimes modernos e arcaicos de poder produz formas inesperadas de disciplinaridade e governamentalidade que tornam os princi- pios epistemolégicos de Foucault impréprios, até obsoletos.™ Mas como poderia o texto de Foucault, que possui uma relagao atenuada com a modernidade ocidental, estar livre daquele deslocamento epistemolégico — atraves da formagao 269 (pés)colonial — que constitui a concepgao que o Ocidente tem de si mesmo como progressista, civil, moderno? Poder4 4 recusa do colonialismo transformar o “signo” foucaultiano do Ocidente em sintoma de uma modernidade obsessiva? E possivel que o momento colonial nao seja nunca contingente — o contiguo enquanto indeterminagao — 4 argumentacio de Foucault? No fecho magistral de A Ordem das Cotsas de Foucault, quando a segio sobre a histéria confronta seus duplos estranhos — as contra-ciéncias da antropologia e da psicandlise — a argumentagi’o comega a se desemaranhar. Isto acontece em um momento sintomético em que a representacSo da diferenca cultural atenua o sentido da hist6ria como “patria” emoldu- rante, domesticante, das ciéncias humanas. Isto porque a finitude da histéria — seu momento de duplicagéo — com- partilha da condicionalidade do contingente, Uma duplicagio incomensuravel se segue entre a histéria enquanto “patria” das ciéncias humanas — sua 4rea cultural, suas fronteiras cronolégicas ou geograficas — e a pretensdo do historicismo ao universalismo. Nesse ponto, “o sujeito do saber se torna o nexo de tempos diferentes, alheios a ele e heterogéneos em relagdo um ao outro”. Naquela duplicacéo contingente da histéria e do historicismo do século dezenove, o entre-tempo no discurso permite o retorno da agéncia histérica: Como o tempo chega até cle de um lugar outro que nao ele mesmo, ele se constitui como um sujeito da histéria apenas pela superimposicao da... histéria das coisas, da histéria das palavras... Mas esta relacao de simples passividade € imediata- mente revertida... pois ele também tem direito a um desen- volvimento Lio positivo como o dos seres ¢ das coisas, um desenvolvimento nio menos auténomo.* Em conseqiiéncia, 0 sujeito histérico beimlich que surge no século dezenove nao pode deixar de constituir o saber unbeimlich de si proprio ao relacionar compulsivamente um episdédio cultural ao outro em uma série infinitamente repetitiva de acontecimentos que sio metonimicos e indeterminados. As grandes narrativas do historicismo do século dezenove, em que se basciam suas pretenses ao universalismo — o evolucionismo, o utilitarismo, o evangelismo — também foram, 270 em um outro espaco/tempo textual e territorial, as tecnologias da governanga colonial ¢ imperialista. E o “racionalismo” dessas ideologias do progresso que vai sendo crescentemente erodido no encontro com a contingéncia da diferenga cultural. JA explorei este processo histérico, tio bem captado nas palavras pitorescas de um missionrio desesperado no inicio do século dezenove, como a dificil situagao colonial da “civilidade dissi- mulada” (ver Capitulo V). O resultado desse encontro colonial, seus antagonismos e ambivaléncias, tem uma grande influéncia sobre o que Foucault descreve tao bem como sendo a “exigii- dade da narrativa” da hist6ria naquela era tao famosa por sua historicizagao (e colonizagio) do mundo e da palavra.” A hist6ria agora “acontece nos confins do objeto e do sujeito”, escreve Foucault,® e é para investigar 0 inconsciente estranho da duplicacdo da histéria que ele apela para a antropologia e para a psicandlise. Nessas disciplinas o inconsciente cultural é falado na exigttidade da narrativa — na ambivaléncia, na catacrese, na contingéncia, itera¢4o e sobreposi¢io abissal. No intervalo temporal agonistico que articula o simbolo cultural ao signo psiquico, iremos descobrir o sintoma pés-colonial do discurso de Foucault. Escrevendo sobre a histéria da antro- pologia como o “contra-discurso” da modernidade — como a possibilidade de um pds-modernismo das ciéncias humanas — Foucault diz: Ha uma certa posi¢do na ratio ocidental que foi constituida em sua histéria e fornece uma base para a relagao que ela pode ter com todas as outras sociedades, mesmo com a@ sociedade em que ela surgitt bistoricamente.” Foucault deixa de elaborar essa “certa posigao” e sua constituigao histérica. Ao recus4-la, porém, ele a nomeia como uma negacdo logo na linha seguinte, que diz: “Obviamente isto nfo significa que a situagao da colonizagdo é indispen- savel 4 etnologia.” Sera que estamos exigindo que Foucault restaure o colo- nialismo como o momento que falta na dialética da moderni- dade? Sera que queremos que ele “complete” a sua argumentagao langando mao da nossa? Certamente que nao. Estou sugerindo que a perspectiva pés-colonial opera subversivamente em seu 271 texto naquele momento de contingéncia que permite 4 contigiidade de seu argumento — pensamento se seguindo a pensamento — progredir. Ai entao, repentinamente, no instante de seu fechamento, uma indeterminag¢ao curiosa penetra na cadeia do discurso, Este se torna o espago de uma nova temporalidade discursiva, um outro lugar de enuncia- ¢do que ndo permitira a argumentagao se expandir em uma generalidade nio-problematica. Neste espirito de conclusio, quero propor um ponto de partida para o texto pds-colonial no esquecimento foucaultiano. Ao falar de psicandlise, Foucault € capaz de ver como o saber € o poder se unem no “presente” enunciativo da transferén- cia: a “violéncia calma” — nos termos de Foucault — de uma relagao que constitui o discurso. Ao recusar o momento colo- nial como presente enunciativo na condigao histérica e epis- temoldégica da modernidade ocidental, Foucault tem pouco a dizer sobre a relacgdo de transferéncia entre o Ocidente e sua histéria colonial. Ele recusa exatamente o fato de que 0 texto colonial seja a base para a relagdo que a raz4o ociden- tal pode ter “mesmo com a sociedade em que ela surgiu historicamente”.” Lendo a partir desta perspectiva, podemos ver que, ao espacializar insistentemente o “tempo” da histéria, Foucault constitui uma duplicagdo do “homem” que esta estranhamente em conluio com sua dispersio, equivalente a seu equivaco, ¢ que é estranhamente autoconstituinte, apesar do seu jogo de “duplicagao e divisdes’. Lendo a partir da perspectiva trans- ferencial, em que a raz4o ocidental retorna a si prépria vinda do entre-tempo da relagao colonial, vemos entéo como a mo- dernidade e a pds-modernidade sio elas mesmas constituidas a partir da perspectiva marginal da diferenga cultural, Elas se encontram contingentemente no ponto em que a diferenga interna de sua prdépria sociedade é reiterada em termos da diferencga do outro, da alteridade do espa¢go pés-colonial. Neste ponto de auto-alienagdo, a agéncia pds-colonial retorna, em um espirito de violéncia calma, para interrogar a duplicagao fluente que Foucault faz das figuras da moderni- dade. O que ela revela nao é nenhum conceito encoberto mas sim uma verdade acerca do sintoma do pensamento de 272 Foucault, do estilo de discurso e narrativa que objetifica seus conceitos. Ela revela o motivo do desejo de Foucault de jogar ansiosamente com as dobras da modernidade ocidental, esgarcando as finitudes dos seres humanos, desfazendo e tecendo obsessivamente os fios da “narrativa exigua” do historicismo do século dezenove. Esta narrativa nervosa ilustra e atenua seu préprio argumento; como o ténue esbelto fio da histéria, ela se recusa a ser entretecida, pendendo das orlas ameagadoramente. O que evita que o fio da narrativa se rompa € a preocupagao de Foucault em introduzir, no nexo de sua duplicagao, a idéia de que “o homem que aparece no inicio do século dezenove é desistoricizado”.”* A autoridade desistoricizada de “O Homem e seus Duplos” produz, no mesmo periodo histérico, as forgas da normalizagio e da naturalizagao que criam uma sociedade disciplinar ocidental moderna. O poder invisivel que é investido nesta figura desis- toricizada do Homem € obtido 4 custa daqueles “outros” — mulheres, nativos, colonizados, os servos [indentured | e os escravizados — que, ao mesmo tempo, mas em outros espagos, estavam se tornando povos sem uma histdria. 273

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