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GEOGRAFIA E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Professor Paulo Jonas Grando*

1. Introdução

Este artigo discorre sobre conhecimentos em geografia que podem ser importantes para
a formação intelectual dos estudantes e do profissional de relações internacionais (RI). Dado
seu objeto de investigação, o espaço geográfico, a geografia contribui para auxiliar o processo
de formação dos internacionalistas, pois o espaço se constitui num dos elementos quase
sempre presentes na análise dos profissionais de RI, seja como meio, seja como teatro, seja
como objetivo das ações (ARON, 2002). Decorrente deste intuito, o texto, a seguir, procura
apresentar alguns elementos sobre a evolução das principais escolas desta área do
conhecimento e também os principais conceitos com que a ciência geográfica procura tratar a
sua especificidade, o estudo do espaço geográfico. Busca-se, ainda no tópico final, apresentar
ao estudante de relações internacionais, algumas temáticas em que conhecimentos de
geografia contribuem para seu processo de formação acadêmica.
O trabalho não se aprofunda na discussão do debate conceitual sobre a complexidade
epistemológica da conceituação utilizada. As fontes utilizadas cumprem esta função. Sua
finalidade é, no espaço disponível, introduzir o diálogo entre dois campos de conhecimentos,
que afirma-se: são complementares e, como ocorre em outras áreas do saber são
interdependentes em muitos aspectos.

2. Breve retrospecto sobre a evolução da Geografia Moderna.

As raízes da geografia são muito remotas. Alguns chegam afirmar que a geografia tem
origem com os primeiros hominídeos, pois estes necessitavam, para sua sobrevivência,
dominar alguns conhecimentos fundamentais sobre o ambiente em que viviam. Contudo, este
conhecimento era apenas instrumental e pragmático. Tentativas de produzir um conhecimento
geográfico sistematizado aparecem na Grécia antiga com Heródoto que estudou o rio Nilo no
Egito. Ele procurou analisar a influências das enchentes no uso que as pessoas faziam do solo
para a prática da agricultura. Destaca-se ainda o trabalho de Ptolomeu, autor que produziu
uma das primeiras formulações do sistema planetário geocêntrico. Todavia, preocupações com
uma ciência geográfica, específica e autônoma, é produto da época moderna (ANDRADE,
1989).

*
MSc, em geografia e professor da disciplina no curso de Relações Internacionais da Univali, campus de São
José. E.mail: grando@univali.br.
2.1. A Geografia Tradicional: Determinismo e Possibilismo.

No período moderno, a Geografia estabeleceu-se como ciência autônoma a partir dos


esforços, sobretudo, de pensadores alemães no fim do século XVIII. Merecem destaque
Immanuel Kant que ensinou Geografia em Koenisberg e elaborou “o primeiro sistema
filosófico capaz de definir o papel e o valor da geografia moderna” a partir de suas reflexões
sobre a questão do espaço (GOMES, 1996, p. 138). Outros alemães são deveras importantes.
Merecem destaque nomes como Alexandre von Humboldt (considerado o pai da geografia e o
produtor da primeira cosmografia de fôlego), Karl Ritter e Friederich Ratzel. Este autor
contribuiu para criar a visão de que a geografia explicava os fenômenos sob sua órbita de
investigação sob uma roupagem determinista, ou seja, o homem era produto do meio que
habitava (ANDRADE, 1989). Para Ratzel a noção de espaço vital foi essencial ao Estado
Nacional, pois a soberania de um estado estaria vinculada à gestão do espaço territorial do
próprio Estado. Essas noções propostas por Ratzel, cujas raízes estão na biologia
representariam, teoricamente, as necessidades territoriais de uma sociedade em função das
condições naturais, sócio-econômicas e tecnológicas que um determinado povo seria capaz de
alcançar conforme sua capacidade cultural de compreender o meio natural e de modificá-lo
fossem evoluindo.
Contrapondo-se à visão alemã, país que fazia da ciência geográfica uma filosofia do
“dever ser” na luta das suas elites para unificarem e construírem seu Estado Nacional,
despontava a geografia de matriz francesa. A Europa da época vivia sob o impacto dos
nacionalismos e do colonialismo, e opondo-se à visão alemã, a França também usaria a
geografia para justificar suas disputas políticas de poder no Velho Mundo. Naquele contexto,
a geografia adquiria colorações de discurso ideológico voltado para a legitimação do
imperialismo (conquista de novas terras e da dominação dos povos que as habitavam),
segundo o pensamento da época, baseado na visão da superioridade racial dos povos brancos
de origem européia (MAGNOLI, 1999).
No contexto daquela época, a polêmica entre o prussiano Friedrich Ratzel e o francês
Vidal de La Blache foi encarada como contraposição entre duas escolas do pensamento
geográfico que marcaram profundamente os caminhos trilhados pela disciplina. A geografia
de Ratzel, elaborada no curso do movimento de unificação nacional da Alemanha, procurava
enraizar o Estado e o território na própria natureza, ao mesmo tempo em que fazia do
expansionismo daquele Estado uma virtude da civilização e da cultura. Delineavam-se naquele
momento as fundações da geografia política de matriz determinista e, também, os argumentos
de ordem geográfica que o nazismo manipularia politicamente, mais tarde a partir dos
trabalhos de Ratzel e seus seguidores.
Por outro lado, a geografia proposta pelo francês Vital de La Blache pretendia ser a
antítese das políticas ratzelianas. O francês propunha uma geografia baseada em regras estritas
de “cientificidade”, extirpando a política e a ideologia que se consolidara na geografia de
matriz alemã. Para Moraes (2000), o avanço da Geografia Francesa, significou a
despolitização da reflexão geográfica, pois implicava em tratar de temas “perigosos e
inoportunos em face da perspectiva não ideológica” (Op. Citp. p. 19-20). Mas
contraditoriamente, na época, as disputas entre aqueles Estados apontavam para a importância
da competição política. Por exemplo, La Blache utilizou seus conhecimentos de geografia
atuando politicamente para justificar as reivindicações francesas de devolução da Alsácia e da
Lorena ocupadas pela Alemanha, assim como os interesses franceses no Amapá, polemizando
com o brasileiro Barão do Rio Branco. Assim, a geografia possibilista, proposta por La
Blache, destinava-se a sustentar uma cientificidade que não deixava de representar um
argumento de legitimação do colonialismo francês (MAGNOLI, 2001). Mesmo assim, sua
visão possibilista criou um novo modo de fazer geografia que representava uma ruptura com a
tradição alemã.
Partindo da visão proposta por Ratzel, sobre o estudo das influências do ambiente
sobre o homem, La Blache se preocupou em incorporar, nos seus estudos, o conjunto de
técnicas e utensílios que as sociedades utilizariam para transformar o ecúmeno. Para o autor
francês, a geografia teria a missão de explicar os lugares. Nesse sentido, La Blache criou e
desenvolveu o conceito de gênero de vida para explicar que a partir dos processos de evolução
cultural os grupos humanos seriam capazes de atuar sobre os ambientes e modificá-los.
(CLAVAL, 2001) Para La Blache, o gênero de vida representando o acervo de técnicas e
hábitos gerados pelo relacionamento entre grupos humanos e o meio é o centro de sua teoria
possibilista. Nesta visão, cada espaço apresentaria traços diferenciadores que lhe confeririam
uma singularidade. Decorrente desta visão, o progresso resultava do contato transformador
entre distintos gêneros de vida. O domínio da cultura permitia aos povos mais avançados
alcançar níveis crescentes de progresso e se imporem sobre “povos inferiores” . Dessa forma,
a geografia oferecia sua contribuição para explicar, no início do século XX, a atuação do
colonialismo europeu. Essa é, em grandes linhas, a visão possibilista proposta por La Blache
para contraditar a observação do alemão Friederich Ratzel de que as influências do ambiente
determinariam a vida das sociedades, ou seja o determinismo do ambiente condicionaria a
existência humana. Assim, para o francês, a visão possibilista decorre de que movido pelas
técnicas disponíveis, seu back ground cultural, “o homem age sobre seu meio, ao mesmo
tempo em que sofre sua ação” (GOMES, 1996, p. 200).
Apresentando uma explicação sobre a necessidade dos conhecimentos geográficos
terem surgido no período focalizado na Europa, Porto Gonçalves (1993) destaca que a ciência
geográfica foi fundada pela necessidade de demarcação dos territórios. Nesse sentido,
geografia significa etimologicamente grafar a terra (marcar, mapear, instituir territórios,
definir os limites territoriais dos Estados e gerar conhecimentos sobre o espaço). O autor
citado destaca que o geógrafo foi, ao mesmo tempo, parte e protagonista do processo de
reorganização espacial que caracterizou a organização societária centralizada espacial e
politicamente, primeiro no poder monárquico, depois na figura do Estado-Nação. Com o
surgimento do Estado Moderno, servos, camponeses e senhores perderam o poder de
determinar sua organização espacial que foi centralizada no poder dos Estados, a partir do
Tratado de Westfalia, quando se consagrou o princípio da soberania do Estado Moderno sobre
seu território, no século XVII. O autor continua e destaca que o poder dos Estados Nacionais
foi inicialmente ampliado pelas revoluções burguesas (Inglaterra-1688, França-1789, EUA-
1776) que reduziram as relações medievais de lealdade pessoal e de poder na escala do espaço
local, fortalecendo sua centralização na figura do Estado Territorial Moderno.

2. 2. A Geografia Quantitativa: Contribuições da escola norte americana

Decorrente do que foi apontado acima, pode-se observar que a geografia moderna,
inicialmente, foi uma construção das necessidades européias. Por outro lado a geografia norte
americana, mais preocupada com a busca de conhecimentos e informações sobre a “nova
terra”, pouco contribuiu para o debate epistemológico da disciplina nos seus primórdios.
Deste modo, o legado desta disciplina é predominantemente europeu. Mas, a partir da
contribuição de geógrafos europeus, a escola norte americana também se expandiu.
Inicialmente, os nortes americanos adotam a visão da escola determinista alemã, a qual
contribuiu para justificar a expansão territorial do país.
Contudo, em meados dos anos de 1950, com a vitória aliada na Segunda Guerra, a
escola norte americana de geografia produziu o que se denominou de geografia quantitativa.
Resultante, dos processos de planejamento estratégico, implementados pelo país durante a
guerra, a geografia norte americana incorporou um conjunto de técnicas estatísticas e
matemáticas a fim de possibilitar estratégias de planejamento territorial. A partir de um
elevado nível de abstração que considerava o espaço como homogêneo em todas as direções,
a escola quantitativa pressupunha um espaço relacional, entendido a partir da relação entre
objetos, onde haveria custos em tempo, energia e recursos para se vencer distâncias entre
objetos localizados em pontos diferentes do espaço. Refletindo segundo uma visão
economicista de custo-benefício, a geografia quantitativa, através do uso de matrizes
estatísticas e equações, procurava explicar a diferenciação espacial como resultado de ações e
mecanismos determinados pela distância entre diferentes localizações espaciais. As críticas
feitas a essa concepção de fazer geografia, é que ao privilegiar sempre um presente eterno não
são consideradas as contradições sociais e a história das transformações espaciais. Por outro
lado, como meio de conhecimento sobre localizações espaciais, fluxos, hierarquia e
especialização funcional dos lugares constitui-se numa técnica avançada para processos de
planejamento e organização do espaço (LOBATO CORRÊA, 1995).
Observando as formulações teóricas propostas pela escola quantitativa é significativo
apontar que estas técnicas também foram utilizadas nas RI pela escola behaviorista, embora
com menor preponderância. Nas RI, buscava se trabalhar elementos de estatística e equações
para se produzir séries históricas matematizáveis sobre determinados comportamentos dos
Estados, opção que se mostrou de pouca eficiência prática. Por outro lado, observando a
aplicação das ferramentas propostas pela escola quantitativa de geografia, estas técnicas
podem ser necessárias à atuação dos profissionais de RI no caso destes se envolverem em
atividades práticas ou negociações que impliquem em estimar procedimentos que aproximem
lugares e/ou mercados. Seria o caso de negociações internacionais que se relacionem com
projetos comuns de infra-estruturas de transportes, energia, etc. Ou ainda pesquisas
diagnósticas ou aplicadas na área de logística internacional ou estratégias militares que
dependam de deslocamentos de tropas e materiais.

2.3. A Geografia Crítica e os Problemas do Subdesenvolvimento

A instalação de cursos de geografia em universidades da periferia, inicialmente


absorvendo as formulações teóricas produzidas nos países centrais, levou esta ciência,
gradualmente, a se preocupar com os problemas resultantes dos desníveis de desenvolvimento
entre os países. Assim, surgiu em meados dos anos de 1960, uma escola do pensamento
geográfico que procura explicar as diferenciações espaciais entre países desenvolvidos e
subdesenvolvidos, segundo observações oriundas do Marxismo e aportes da teoria da
dependência. Incorporando à análise, elementos da economia, das ciências sociais e da
política, a escola que foi dominada de Geografia Crítica viria a se constituir numa escola de
pensamento bastante influente, sobretudo nos países periféricos.
A geografia crítica teve grande receptividade nos países subdesenvolvidos e em alguns
locais do primeiro mundo. Os escritos de Marx exerceram influência sobre a geografia a partir
da idéia de que o capital, sobretudo na fase do capitalismo industrial, revolucionou as
condições produtivas e os relacionamentos sociais, constituindo-se numa influência
homogeneizante e centralizante, também sobre a dinâmica da organização espacial. Com isso,
os geógrafos adeptos da escola crítica absorvem a idéia de que, dado os processos de
colonização e desenvolvimento desiguais entre os países, resultado da penetração desigual do
capitalismo em cada espaço, explicar-se-iam as desigualdades dos processos de
desenvolvimento e das diferenças na organização espacial dos lugares. Para isso, introduziram
o conceito de divisão espacial do trabalho cuja asserção básica é que diferentes níveis e
técnicas de produção exigem diferentes qualidades de mão-de-obra e produzem diferentes
maneiras de organizar o processo produtivo, do qual derivaria organizações espaciais
diferenciadas.
Tal situação seria resultado de um processo histórico complexo que teria, pelo menos,
as seguintes características: a) O espaço foi reduzido a uma mercadoria qualquer e passou a
ser apropriado de forma desigual. Isto ocorre porque a sociedade capitalista é desigual e
organiza o espaço sob a lógica do capital, ou seja, sua função não é a sobrevivência humana e
sim produzir lucros. b) A revolução industrial acelerou o crescimento das cidades que
comandam o mundo moderno. Isso ocorreu pela necessidade de mão-de-obra, de mercados e
matérias primas, fator que estimulou a expansão de infra-estruturas, o crescimento urbano e o
êxodo rural. c) O capitalismo se instalou inicialmente nos países desenvolvidos onde ocorreu
a integração do território nacional visando a criação do mercado interno que viabilizasse a
geração de lucros e para isso, modificando o espaço pela construção de ferrovias, rodovias e
estradas de rodagem para facilitar a circulação de pessoas e mercadorias. Nas antigas
colônias, as atividades econômicas foram localizadas próximas ao litoral e a integração do
território e do mercado interno não foram estimuladas. Ocorreu apenas a produção de
matérias primas e de produtos agrícolas tropicais para os mercados externos, ao mesmo
tempo, que eram obrigadas a importar manufaturas. Com isso, o subdesenvolvimento foi
imposto de fora para dentro, devido ao controle externo do processo produtivo pelas
metrópoles. d) Atualmente, a partir do momento que o mundo entrou na era do capitalismo
baseado no poder das corporações multinacionais apoiadas por enormes estruturas de crédito
e poder, produz-se uma nova ordem espacial. Trata-se da nova ordem do capital, a que está
produzindo mais heterogeneidade: lugares que permitem a expansão dos lucros crescem
enquanto aqueles que necessitam de recursos para se desenvolver são abandonados. Desta
forma, o fenômeno da exclusão avança, é o caso da África e grande parte da América Latina.
No Brasil, a denominada Geografia Crítica é hegemônica e deriva, em grande medida,
dos esforços do professor Milton Santos. Em livros como “Espaço e Sociedade: ensaios
(1982); Por uma Geografia Nova (1986); Metamorfoses do Espaço Habitado (1988);
Pensando o Espaço do Homem (1992); Problemas Geográficos de um Mundo Novo (1995); A
Natureza do Espaço (1996) e O Brasil – Território e Sociedade no início do século XXI
(2003)” entre outros, este autor produziu um amplo e qualificado acervo teórico para se
pensar a realidade brasileira. E mais, a atuação profissional deste professor contribuiu com a
organização de obras coletivas, artigos, ensaios e como orientador de novos mestres e
doutores, Milton Santos contribuiu para colocar a geografia brasileira entre as mais
importantes do mundo.
Por exemplo, no livro “A natureza do espaço” (1996, p. 187-197), a partir de suas
pesquisas sobre a importância da “tecnociência”, o professor Milton Santos propôs uma nova
maneira de periodizar a evolução das transformações espaciais. Pela observação das
transformações na sociedade, nas técnicas, no espaço e na cultura, ele apresenta uma nova
proposta teórica, propondo uma periodização em três momentos, denominados de Meio
Natural, Meio Técnico – científico – informacional. Essa proposta foi utilizada em sua última
obra (O Brasil – Território e Sociedade no início do século XXI de 2003), concluída no fim da
vida, na qual o autor nos deixou um enorme legado sobre os processos de construção do
Território Brasileiro.

A importância da obra citada é que ela permite o entendimento do que é Brasil a partir
da idéia que na contemporaneidade o espaço e a sociedade são transformadas pela técnica,
pela ciência e pela informação, meios e vetores de existência de boa parte da humanidade e
dos processos sociais e econômicos. Como as técnicas são, economicamente, cada vez mais
necessárias, os elementos técnico-informacionais que surgem como informação, constituem a
energia principal da artificialização do meio natural. Com isso, as transformações espaciais se
subordinam à ciência, à tecnologia e à informação, sob a égide do mercado se globaliza. Desta
forma, os territórios estão sendo equipados para facilitar a circulação material e imaterial em
nível global e o meio natural tende a recuar, passando a dominar, espacialmente, um ambiente
artificial. Ao mesmo tempo em que o discurso ambiental e preservacionista se agudiza, a
cultura tende a ser virtual, dada a massa de informações produzidas e difundidas por atores
hegemônicos dos centros de produção, onde são criadas e difundidas novas técnicas e as
decisões mundiais.

Embora este processo não aconteça instantaneamente em todas partes, o conhecimento


passa atuar como recurso fundamental das transformações sócio-espaciais. As porções
instrumentalizadas pela ciência e pela técnica são capazes de oferecer uma melhor relação
produto por investimento em relação àquelas que não detém esse recurso. Isso gera uma nova
seletividade espacial e sócio-econômica entre os lugares. A lucratividade dos investimentos
capitalistas será maior e constante, onde os recursos técnicos-científicos do conhecimento
estiverem disponíveis. Com isso, os atores hegemônicos, principalmente transnacionais,
armados do arsenal da ciência, da tecnologia e da informação atuam sobre todos os territórios
e, utilizando o arsenal tecnológico, disposto sobre os espaços nacionais, tendem a criar uma
erosão da noção de soberania nacional. Desta forma, a velocidade das transformações atuais
que o meio-técnico-científico-informacional imprime sobre os territórios faz com que as
diferenciações espaciais, culturais, históricas, sociais e econômicas, circunscritas aos espaços
geográficos, sofram rápidas mudanças de conteúdo e sejam incorporadas e redefinidas no
contexto global sob novos arranjos.
Os aspectos apontados por Milton Santos (1996) nos permitem entender melhor a
lógica que comanda a ordem espacial das coisas, os quais também são destacados por
GOMES (1996). Para esse autor, a geografia apresenta o compromisso de produzir uma
cosmovisão sendo entendida, pelo autor, como a compreensão das imagens mentais que
constroem um ordenamento ou coerência espacial em cada época a partir dos instrumentos
conceituais disponíveis. Desta forma. o desenvolvimento da reflexão geográfica na busca da
“ordem espacial” que preside os fenômenos geográficos implica em se pensar os sentidos e
significados do seu objeto de estudo: o espaço geográfico, assunto tratado a seguir.

3. Espaço: o conceito central para pensar a geografia.

Da leitura do item anterior, observa-se que a geografia se torna ciência a partir do ato
de estabelecer limites, colocar fronteiras, fundar objetos espaciais, orientá-los e de pensar
estas ações dentro de um quadro lógico de se refletir sobre esta ordem e seu sentido. Desta
forma, o objeto da geografia é o espaço: sua arrumação, a disposição física das coisas e das
praticas sociais. Essa discussão importa ao profissional de RI, pois ao utilizar conhecimentos
desta ciência é necessário compreender que ao pensar e utilizar o conceito de espaço e noções
auxiliares, a geografia pensa este conceitos com significados distintos, dependendo das
escolas de pensamento que os formularam.

Na visão crítica, adotada neste trabalho, a geografia é definida como ciência que se
preocupa em estudar as relações entre os processos históricos, sociais, políticos e econômicos
que regulam a formação das sociedades humanas e o funcionamento da natureza, através do
estudo do espaço geográfico. A geografia pode ser, dessa forma, entendida como uma
“gramática do mundo”. O espaço geográfico surge como um texto a ser decifrado e
interpretado, que traz informações essenciais sobre a sociedade que os produziu. O espaço
geográfico é, historicamente, produzido pela sociedade segundo aspectos sociais e culturais,
situados além e através das perspectivas econômica e política, e que imprimem seus valores
no processo. Do espaço geográfico fazem parte, ainda os fenômenos que não são
imediatamente observáveis pelos sentidos: os fluxos de matéria, energia e informação, mas
que lhe dão conteúdo. (MAGNOLI & SCALZARETTO, 2001)
Gomes (1997) contribui para esta discussão ao apontar que a análise geográfica deve
examinar o espaço como um texto, onde formas são portadoras de significados e sentidos: é
uma linguagem, que se expressa na maneira como as coisas estão postas no espaço, pelo seu
sentido, sua coerência e seus elementos. Gomes vai além e aponta que esse saber (o
conhecimento geográfico) não se resume ao inventário das coisas sobre o espaço, é necessário
que sejam construídos os instrumentos analíticos para isso. Na busca da “ordem espacial” dos
fenômenos geográficos, a lógica que se busca depende dos princípios que presidem as causas
e seus significados, estes perpassaram todas as escolas do pensamento geográfico das quais
receberam diversas influências. Assim, nesse processo implica em buscar, continuamente,
respostas para a seguinte questão, proposta Gomes (1997): todo fenômeno geográfico
implicaria descobrir o por que do onde?

Para dar conta deste questionamento é necessário que se construa as ferramentas


conceituais para se pensar o objeto. Neste sentido, Lobato Corrêa (1995) aponta que o objeto
de estudo da geografia é a sociedade através da sua dimensão espacial. Empiricamente, isto é
objetivado via cinco conceitos-chave: paisagem, região, espaço, lugar e território. Estes
conceitos guardam entre si grande parentesco, pois todos se referem a ação humana
modelando a superfície terrestre.
Cada conceito apontado por Corrêa exprime a escala espacial e analítica da amplitude de
fenômeno em estudo. Contudo, esses conceitos possuem várias acepções (significados)
segundo as diversas correntes de pensamento (formas e maneiras de explicar a realidade e que
ocorrem em função da evolução da ciência ou da ideologia de um grupo de cientistas). A
partir disso e com base no texto de Lobato Corrêa (1995), procura-se mostrar como cada
escola tratou esta discussão.
A geografia tradicional, escola que incorpora a matriz alemã e francesa e que predominou
desde a segunda metade do século XIX, período de fundação da geografia como ciência,
até 1950, apresenta uma visão de mundo historicista e positivista. Esta escola privilegiou
os conceitos de paisagem e região e, em torno deles construiu uma visão de mundo que
tem como noções-chave as idéias de região natural, região paisagem, paisagem cultural,
gênero de vida e diferenciação de áreas.
Ainda segundo Lobato, o conceito de espaço aparece de forma marginal estando
presente em autores como Ratzel. Com raízes na biologia, ele apresenta a noção de espaço
vital e de território. O espaço vital representaria as necessidades territoriais de uma sociedade
em função das condições naturais, sócio-econômicas e tecnológicas, e atuaria como a base
indispensável à vida humana. Já a noção de território, quando apropriado pela ação política de
uma sociedade, se transforma na dimensão espacial do Estado soberano, seu território, sua
base espacial. Outro autor a discutir o conceito de espaço é o Norte Americano Richard
Hartshorne. Este autor trabalhava com a noção de espaço absoluto, ou seja, o espaço seria o
receptáculo de coisas e era empregado no sentido de diferenciação de áreas. Para Hartshorne
cada área é única e a geografia deveria identificá-las, estudá-las, descrevê-las e analisá-las. É
uma visão absoluta: o local onde as coisas se encontram.
Na escola quantitativa, o espaço aparece como conceito-chave para a geografia sendo
considerado sob duas formas que levam em conta a distância, a orientação e a conexão. A
primeira implica na noção de planície isotrópica. Partindo da teoria do valor-utilidade e da lei
dos rendimentos decrescentes, elementos fundamentais da economia neoclássica, esta é uma
construção teórica que parte de uma superfície uniforme em que a diferenciação espacial
resultaria de ações e mecanismos econômicos determinados pela distância entre diferentes
localizações espaciais. Essa noção de espaço é econômica e relacional, ou seja, o espaço é
entendido a partir da relação entre objetos, havendo um custo em tempo, energia e recursos
para se vencer distâncias entre objetos localizados em pontos diferentes do espaço. A segunda
noção de espaço é pensada sob a noção de representações matriciais, aspecto que implicou na
matematização da geografia através do uso de matrizes estatísticas e equações.
As críticas que os geógrafos fazem a essa concepção de espaço, é que ao privilegiar
sempre um presente eterno as contradições sociais e a história das transformações espaciais
não são consideradas. Mas, por outro lado, como meio de conhecimento sobre localizações
espaciais, fluxos, hierarquia e especialização funcional dos lugares constitui-se numa técnica
avançada para processos de planejamento e organização do espaço.
O conceito de espaço se torna central na geografia crítica (pós 1970). Sua interpretação
das mudanças espaciais, das contradições sociais, econômicas, históricas e culturais que
afetam as diferentes sociedades e a maior necessidade de controlar os processos de produção
do espaço geográfico em todos os níveis trouxe novos significados para o conceito de espaço
geográfico. O espaço passa a ser considerado como o local da reprodução das relações sociais
de produção, desempenhando um papel decisivo na existência e manutenção de todas as
sociedades. Nesta visão não é possível entender uma formação sócio-econômica sem recorrer
ao espaço ocupado e produzido por uma dada sociedade. Uma sociedade só se torna concreta
através do espaço que ela produz e por outro lado, para entender o espaço produzido por uma
determinada sociedade, é necessário compreender como essa mesma sociedade produz seu
espaço geográfico e se reproduz coletivamente. Isso ocorre porque o espaço organizado pelo
homem condiciona a existência e a reprodução social de cada sociedade em função da sua
organização tecnológica, social e cultural.
Na geografia humanista e cultural (pós 1970), corrente calcada nas ciências do
significado como a fenomenologia e o existencialismo e de matriz lógico-positivista é
retomado o viés historicista. Assentada na subjetividade, na intuição e na contigência social,
que privilegia o singular e não o universal, os conceitos de paisagem e região são
revalorizados e o de lugar passa a ser o conceito-chave. Isso é pensado, porque as pessoas
produzem seu espaço no lugar onde vivem e trabalham... Já, o conceito de espaço tem o
significado de espaço vivido. Este enfoque destaca que cada ator social constrói sua relação
com o espaço geográfico de maneiras diferentes durante sua vida cotidiana. Nesta escola, o
lugar se manifesta diferentemente, segundo a vivência e percepção do espaço vivido por cada
ser humano.
Assim, esta escola entende que para compreender a dinâmica e o funcionamento do
espaço geográfico, devem ser considerados os sentimentos de um povo ou grupo social
sempre partindo da sua experiência sobre espaço ocupado. Nesse sentido, existiriam vários
tipos de espaço num mesmo lugar: o espaço pessoal, o grupal, o ritual.... Por exemplo, no
espaço vivido das sociedades industriais, a técnica elimina as dificuldades impostas pelo
ambiente e a distância é medida em unidades quilométricas, neutras em função do tempo. Nas
sociedades tradicionais é diferente: espaço e tempo aparecem de forma descontínuas e com
cortes brutais. O espaço seria marcado por três concepções de distância: a estrutural que
amplia ou reduz distâncias entre lugares diferentes; a afetiva ligada ao sentido de
pertencimento a um mesmo grupo étnico e a distância ecológica, relacionada à dinâmica do
meio ambiente.
Na atualidade, a ampliação dos espaços organizados segundo a lógica capitalista tende
a minimizar essas distinções na medida que novas práticas sócio-espaciais são criadas e
originam espaços vividos dotados de atributos da modernidade (LOBATO CORRÊA, 1995).

2.4. Observações sobre a maneira de se fazer geografia

Este tópico procura destacar como os geógrafos atuam ao produzir conhecimentos que
serão definidos como geografia, ou seja, como este profissional raciocina para pensar sua
atuação profissional. Tendo por base o texto de Gomes (1997), relata-se a seguir algumas das
principais maneiras como os geógrafos atuaram e atuam para produzir o conhecimento dito
geográfico.
Inicialmente, destaca-se a idéia de geografia como ciência de síntese. Muito utilizado
pela geografia tradicional e pouco aplicado na atualidade, esse procedimento buscava
recuperar as grandes cosmologias do passado, segundo princípios que congregam o
conhecimento a partir de grandes matrizes de reflexão, capazes de explicar o todo e a parte, o
detalhe e o global, indo do simples ao complexo. Essa opção metodológica implica na opção
de localizar os fenômenos singulares e descrevê-los sem mediação da teoria, principalmente a
partir do “método regional” (empirismo). Esta forma de fazer geografia está bastante presente
em almanaques, enciclopédias e revistas geográficas onde o inédito, o diferente, ou o singular
são ressaltados, juntamente com um conjunto de informações básicas sobre população, tipo de
produtos cultivados, industrias e dados estatísticos.
A geografia como ciência do empírico busca definir os fenômenos que ocorrem sobre a
superfície da terra segundo a idéia de mundo máquina, a partir dos princípios de equilíbrio e
do organicismo e pela inter-relação dos elementos físicos e humanos, via recortes da
superfície como a região, a paisagem, a cidade. Sua descrição implica colocar em relevo os
fenômenos físicos e humanos que estruturam o espaço e sintetizar o processo. É um
procedimento muito usado para construir os mapas físicos onde são expostas, em linhas
gerais, as principais características do terreno.
A geografia pensada como ciência encarregada da classificação morfológica se traduz
em outra forma de se produzir conhecimento geográfico. Decorrente do conhecimento
produzido sem mediação da teoria, a generalização das classificações e dos tipos ideais
implica na transformação das formas espaciais em um objeto do conhecimento em si mesmo:
a “ilusão da forma” segundo o método da descrição. Esse procedimento foi muito usado para
fazer classificação dos aspectos que a natureza apresenta num dado recorte territorial. Por
exemplo, as formas de relevo ou os tipos de cultivos, existentes no território brasileiro e que
os alunos precisam decorar nas escolas fundamentais e secundárias.
Nascido nos anos 50 com a escola quantitativa, o objetivismo estatístico também adota
os aspectos visíveis da forma. Segundo esta visão, a forma apresentaria expressão espacial
passível de ser cartografada a partir de categorias como localização e distância. A critica é que
a preocupação, apenas, com a forma do fenômeno geográfico não pode dar conta dos
fenômenos, significados e práticas sócio-culturais que a própria forma encerra. Com isso, a
forma não pode ser pensada como objeto epistemológico, pois esta não é questionada em
relação com seus usos e significados. Como já apontado, é utilizada pragmaticamente para
fins de diagnósticos e planejamento para organizar a variável espacial a fim de reduzir custos
e maximizar benefícios, como o traçado de uma estrada ou ferrovia que ligaria dois ou mais
pontos de produção e consumo, por exemplo.
A Geografia como ciência da natureza parte de reflexões sobre a integração isonômica
entre a natureza (geografia física) e o humano (geografia humana) produzindo a síntese a
partir do discurso das ciências naturais. Seria uma revitalização da relação homem (enquanto
espécie) e meio. Gomes, crítica a objetividade positivista que buscava construir a síntese entre
aspectos físicos e sociais. Para o autor, sua complementaridade, mantida pela aproximação da
matemática e das ciências naturais, seria “indemonstrável”, pois os objetivos, os instrumentos,
as dinâmicas da sociedade e da natureza não são as mesmas. É encontrada, sobretudo, nos
livros didáticos mais antigos, onde numa parte da obra se explica a atuação do homem sobre o
meio e noutra a dinâmica dos elementos da natureza. Como a junção destes dois elementos é
difícil de ser feito na prática, eles aparecem em partes isoladas, pois cada qual tem uma lógica
de atuação e comportamentos diferentes.
A geografia como ciência da causalidade histórica observa que os fenômenos
geográficos poderiam ser explicados pela reconstrução do passado a partir de marcos
fundamentais e nexos causais que encadeariam os eventos. Ocorre que o verdadeiro nexo
causal se situa entre o presente a ser explicado e a reconstituição dos fatos que selecionamos
para dar o sentido. O recuo temporal depende da reconstituição que se faz, pois é possível
fazer diferentes leituras ao se resgatar o passado. A reconstrução dos fatos, devido as
diferentes narrativas produzidas, não apresenta objetividade necessária para explicar os
fenômenos. Este tipo de procedimento é bastante utilizado para se compreender a dinâmica
histórica de um dado espaço como em processos de planejamento e gestão do território.
Após a apresentação, simplificada, de como os geógrafos atuam, apontam-se a seguir
os princípios fundamentais que este profissional aplica para estudar seu objeto de estudo. A
idéia de princípios implica em observar que cada fenômeno apresentaria uma ou várias
origens ou causas primárias que predominariam na busca das explicações de dado fenômeno.
Portanto, para responder a questão sobre o porque do onde, um estudo geográfico iniciaria
elencando alguns princípios fundamentais.
Entre aqueles que os geógrafos deveriam aplicar, segundo Manuel Correia de Andrade
(1989) destacam-se: a) Princípio da extensão: usado para localizar e delimitar espacialmente
todo fenômeno geográfico. b) Princípio da analogia: aplicado para estabelecer as semelhanças
e diferenças entre fenômenos estudados e os que ocorrem em outros lugares.c) Princípio da
causalidade: usado para identificar e esclarecer as causas que geraram o fenômeno. d)
Princípio da conexidade: como vários fatores respondem pela ocorrência de um dado
fenômeno geográfico, ao se buscar as causas deve-se atentar que estas resultam de ações
interdependentes, seja por parte do ser humano seja da natureza ou outra. e) Princípio da
atividade: como o espaço geográfico está em permanente transformação, deve-se atentar para
o caráter dinâmico dos processos espaciais.
Após, apresentar e discutir as principais questões sobre o objeto, método, limites e
importância do conhecimento geográfico, Gomes (1997) destaca que estas discussões têm
sido recorrentes e são bastante positivas. Isso fez com que a geografia tivesse se mantida
atenta a sua especificidade e permitiu aos geógrafos participar dos debates acadêmicos dentro
de recortes temáticos cada vez mais amplos como o que esta sendo proposto neste trabalho.
Desta forma, preocupada com a maneira como se constrói o conhecimento na sua área de
especialidade, a geografia tenta contribuir no processo de explicar a dimensão espacial da
humanidade.

4. Conhecimentos em geografia e o profissional de Relações Internacionais

Decorrente destas observações iniciais sobre a evolução da geografia, esta terceira


parte do texto trata dos conteúdos em geografia que seriam necessários aos profissionais de
RI. Para isso, tomou-se como referência o edital do concurso de 2003, do instituto Rio
Branco, órgão encarregado pelo Estado para atuar na formação dos diplomatas brasileiros. O
documento apresenta em seus programas de ingresso à carreira diplomática, os conhecimentos
necessários em Geografia que os futuros candidatos precisam dominar. Os programas
destacam como campo de reflexão da Geografia a relação entre Sociedade e Espaço, e desta
matriz epistemológica derivam uma série de conhecimentos envolvendo o conceito de espaço.
A partir dos conteúdos solicitados pelo Instituto Rio Brando, aborda-se nos parágrafos
seguintes os principais conhecimentos em geografia que os graduandos de RI precisam
dominar.

4.1. Geografia Política e Relações Internacionais

Na área de geografia Política são solicitados conhecimentos para o especialista em RI


trabalhar as relações entre espaço e poder. Um rápido apanhado em livros clássicos mostra
isso. Dizia Raymond Aron no célebre clássico “Paz e Guerra entre as Nações” (2002, p. 254)
que “o espaço pode ser considerado como meio, teatro e objetivo (motivo) da política
externa” dos Estados. Nesta obra o autor citado destaca ainda que “a terra não deixou de
constituir motivo de disputa entre as coletividades”. No mesmo sentido outro livro clássico,
“A Geografia serve antes de mais nada para fazer a Guerra”, escrito pelo francês Yves
Lacoste, sustenta que a geografia serve e serviu, para preparar, sustentar e legitimar a
expansão territorial e os empreendimentos imperiais, atuando como instrumento intelectual
para o domínio sobre o espaço e, portanto, para o gerenciamento do território (espaço) pelos
Estados e de suporte nas operações bélico-militares.
Paralelamente, esta ciência serve às estratégias empresariais, que envolvem decisões
de localização e integração de fluxos no espaço globalizado, mas recortado por fronteiras
nacionais. Neste sentido, nos alerta Moraes (2000, p.22): “as Relações Internacionais
contemporâneas e a chamada globalização pressupõem a existência de Estados e de países, e
estes tem por pressuposto a delimitação de espaços em cujos contornos vivem seus habitantes
[...] expressando-se e relacionado-se através de instituições em sua maioria originárias e/ou
circunscritas a cada território estabelecido.” Estes exemplos mostram a necessidade de se
dominar conceitos como espaço e território e não apenas em relação a sua significação, mas
também em relação a sua operacionalização empírica.
As observações de Moraes são importantes e foram trabalhadas também por
MAGNOLI (1999). Para este autor, o conceito de território está ligado ao de fronteiras
políticas, e estas são legitimadas por Tratados internacionais. O Estado nacional define-se pelo
domínio que exerce sobre o território. O pensamento geográfico desempenhou funções
cruciais na cristalização dessa identidade entre nação e território e gerou mitos territoriais que
formaram os arcabouços ideológicos do nacionalismo contemporâneo.
O território é o espaço delimitado por fronteiras, sobre o qual se exerce a soberania do
poder político, ou seja, o espaço político (território) está ligado ao poder do Estado que exerce
o poder de controle, utilizando-se de meios democráticos ou autoritários, em nome da nação.
É da geografia política que se origina o conceito de território, aspecto que Ratzel apontou com
propriedade. Trata-se de uma dimensão especial do espaço geográfico que expressa a vigência
de um conjunto de leis e da legitimidade fundada pelo consentimento ou pela força. O
território nacional expressa, ainda, o patrimônio da nação, elaborado ao longo da sua história e
de suas lutas. No mundo contemporâneo, a nação e o território estão subordinados à soberania
do Estado. (MAGNOLI, 2002).
O território é uma construção social e histórica, um produto de opções políticas e
estratégias dos Estados e as fronteiras constituem as linhas divisórias entre soberanias onde se
criam verdadeiros espaços fronteiriços. Nesse movimento, as linhas de fronteira são
estabelecidas através de um processo que envolve, sua definição, delimitação e, depois, a sua
demarcação sobre o terreno. Mas o controle político das linhas de fronteiras envolve ações do
Estado nos espaços contíguos a elas, gerando as faixas de fronteira (MAGNOLI, 1999). Esse
processo exige além dos conhecimentos de história, direito e geografia, a atuação do
profissional de relações internacionais, pois a definição e a delimitação das linhas de fronteiras
dependem do trabalho deste profissional para negociar os tratados que irão definir
concretamente onde o como se dará a demarcação. Nesse mister, a história do Barão do Rio
Branco, no processo de demarcação das fronteiras brasileiras, e dos técnicos com que se
cercou ilustraria o que estamos destacando.

4.2. Geografia histórica e Relações Internacionais

Outro tema importante destacado pelo Instituto Rio Branco trata das teorias e conceitos
da Geografia Histórica. Sua importância está ligada aos conteúdos para se trabalhar as
transformações que o espaço geográfico e os territórios vão sofrendo com o passar do tempo.
Por exemplo, como tratar do processo de formação territorial de um país sem recorrer às
informações disponibilizadas pela geografia e pela história? Como entender um processo de
transformação econômica que gera um sem número de mudanças espaciais, num entorno mais
ou menos vasto, sem observar seus processos geradores, construídos ao longo do tempo. O
planejamento urbano, por exemplo, depende da compreensão da dinâmica histórica que
produziu determinada concentração de pessoas, de atividades econômicas, das dinâmicas
sociais internas e das relações de poder, entre outras e, é óbvio, da dinâmica dos elementos da
natureza que são potencializadas na área do sítio urbano e suas adjacências.
As paisagens são qualificadas pela história e os seus atributos são conferidos pela
atividade transformadora dos homens organizados em sociedade. As circunstâncias
econômicas e políticas, as técnicas e as idéias que envolvem essa atividade humana
transferem-se para o espaço transformado e podem ser observadas nas construções que o ser
humano produz. Nesse percurso de produção do espaço geográfico, a natureza original e a
herança das gerações anteriores funcionam como suporte, limitação objetiva e recurso para a
geração presente.

4.3. Geografia cultural e Relações Internacionais

Outro ponto, também solicitado pelo edital do Rio Branco, está relacionado com a
dimensão cultural e a representação que cada sociedade faz de si própria. Muitos dos
processos que geram transformações espaciais tem origem nas diferenças culturais de cada
povo. Desta forma, como compreender a organização de um dado espaço sem atentar para a
forma como cada povo produz sua cultura e dela deriva ou adota as técnicas que são utilizadas
nesta função? Isso implica que os alunos de RI, conheçam os conteúdos sobre espaço e
representação tratados pelas teorias e conceitos da Geografia Cultural. Deve-se atentar para
aspectos como a maneira de produzir e consumir e como estas atividades são estruturadas, não
apenas pelo uso da técnica, mas como culturalmente as pessoas se relacionam com a técnica,
com os ambientes, suas relações sociais, barreiras culturais que implementam e outros
aspectos. Por exemplo, como se relacionar com japoneses, chineses, árabes? Para que a
aproximação seja passível de sucesso é necessário entender os códigos culturais e também
como esta relação se dá internamente entre os membros daquela própria sociedade e que tipos
de imagem fazem de outros povos.
Na contemporaneidade, as migrações internas e internacionais motivadas por diferentes
motivos, a integração econômica do espaço nacional, a globalização e a difusão dos meios
modernos de comunicações romperam a segmentação cultural dos lugares e das regiões. Esses
fenômenos integradores tendem a enriquecer culturalmente todas sociedades. Eles também,
por outro lado, amplificaram preconceitos e discriminações. Uma das funções da geografia
consiste em promover o reconhecimento do valor intrínseco das manifestações culturais
diversas do país, e compreender sem preconceitos aquelas produzidas por outros povos, de
forma a combater preconceitos e discriminações. Cultura é, numa situação análoga, cultura
material. Nesse sentido as diversidades das atividades econômicas e das paisagens socialmente
construídas sintetizam a produção de diferentes culturas materiais sobrepostas aos aos
ambientes naturais transformados pelo trabalho de gerações.

4.4. A Relação Sociedade/natureza na produção do espaço Geográfico

As teorias geográficas da relação sociedade-natureza são outro ponto destacado pelo


referido instituto. O assunto é extenso e os conteúdos do Instituto Rio Branco abordam essa
discussão de maneira ampla: Os temas seguintes retirados do Edital do Rio Branco dão uma
boa idéia disso: a questão ambiental no Brasil e o desenvolvimento sustentável; meio
ambiente e políticas de ocupação do território, degradação dos ecossistemas brasileiros, meio
ambiente urbano e rural. Como se vê a abordagem é ampla...
Os conteúdos necessários estão ligados à forma com que as diferentes sociedades
imprimem suas marcas aos ambientes naturais ou construídos e aos procedimentos para
transformar os ambientes, explorar e utilizar os recursos naturais. Essa temática é atualmente
significativa para as Relações Internacionais, haja vista as discussões e protestos sociais, de
grupos ambientalistas e até de Estados pela recusa de alguns países não participarem nos
acordos que culminaram no protocolo de Kioto. Nesta temática é importante ter em mente que
o ser humano vai absorvendo os estímulos que advém do ambiente natural e do ambiente
social, ambos em progressiva evolução e transformação.
De acordo com o geógrafo Porto Gonçalves (1998), toda sociedade cria, inventa e
institui significados do que seja natureza. O primeiro marco evolutivo da história da
humanidade foi a revolução neolítica, momento em que o homem passou da coleta para
agricultura, iniciando a luta para dominar a natureza, tornando-se sedentário. Para o autor
citado, dominar a natureza é dominar a inconstância, o imprevisível; é dominar o instinto e as
paixões humanas que nos retiram do estado de natureza. O antropocentrismo estimulou o
sentido prático-utilitarista da natureza e este não pode ser desvinculado da estrutura
econômica erigida para dominá-la. O século atual é o triunfo deste paradigma, com a ciência e
a técnica adquirindo maior importância na vida humana e a natureza passando a ser vista
como um objeto a ser possuído e dominado. A ciência reflete estes aspectos erigindo áreas do
conhecimento para compreender e entender o homem e a natureza separadamente. Para
entender o homem surgem conhecimentos destinados a explicar as relações, ações e
contradições que os indivíduos produzem em sociedade, enquanto as ciências da natureza
estudam o homem como um ser biológico. Desse aspecto metodológico que busca estudar o
homem e a natureza, resulta um conhecimento dicotomizado e parcial, pois ao mesmo tempo
em que o homem é um ser social é também um ser natural.
O parágrafo anterior foi, intencionalmente, colocado para que se atente para a
importância deste debate e a complexidade da temática. Neste assunto, a interdisciplinaridade
se destaca, pois envolve questões complexas como as relações de trabalho e suas contradições
na maneira como os grupos humanos se relacionam com a natureza em diferentes lugares etc.
O domínio destes conhecimentos é importante, pois como já foi apontado, essa discussão está
na pauta dos grandes debates internacionais. Por exemplo, os acordos que surgirem como no
caso dos créditos sobre a redução de emissões que causam o efeito estufa gera reflexos no
Brasil. Ainda, têm-se as discussões sobre a da proteção na camada de ozônio contra os
malefícios causados pelos raios solares, a poluição dos oceanos, dos rios, desflorestamentos,
etc.
4.5. Geografia Econômica e Relações internacionais

O Instituto Rio Branco também se preocupou com os conteúdos de geografia


econômica. Nesta área trabalha-se a relação entre espaço e valor buscando, com isso, a
compreensão de como estas duas categorias se inter-relacionam. De acordo com as idéias
apresentadas por Rui Moreira uma das interpretações possíveis nesta relação aponta para a
seguinte idéia: as atividades produtivas necessárias à sobrevivência humana significam a
alteração da natureza. Conforme esta vai sendo modificada, humanizada, as sociedades vão
impondo ao espaço as suas características que refletem, em parte, as leis econômicas que
organizam uma dada sociedade.
A evolução dos sistemas econômicos e principalmente com o advento do capitalismo
que surgiu nas cidades e lentamente evoluiu na Europa a partir do séc. XIII, gerou-se uma
série de contínuas transformações no modo de se produzir os bens. Esse processo transformou
o próprio espaço geográfico e alterou as relações do ser humano com os ambientes naturais
numa dinâmica mais ampla do que acorria em sistemas sócio-econômicos anteriores. Por
exemplo, com a libertação do domínio feudal e a eliminação da servidão, o estabelecimento
de uma classe de comerciantes e banqueiros preparou o terreno para a Revolução Comercial,
no séc. XVI. No período anterior, o poder econômico e a vida social eram restritos ao campo
e ao feudo, estrutura social e produtiva que apresentava uma organização espacial particular:
características locais e menor alteração no ambiente natural.
Mas outra evolução, a Revolução Industrial no final do séc. XVIII, que teve por palco
a área urbana alterando o modo de produção, modificou ainda mais os processos produtivos.
Até então os instrumentos de produção eram propriedade dos artesões. Com a expansão da
manufatura, foi inserida a divisão do trabalho e a produção econômica foi reduzida a um
conjunto de funções interdependentes sob uma nova lógica de relações sociais, o
assalariamento. Nesse processo, não era necessário um longo aprendizado anterior, pois as
pessoas eram adestradas para fazerem apenas uma parcela do produto, portanto diferente do
que ocorria no processo artesanal. Esse processo separou o trabalhador das condições de
produção e o subordinou ao capital. Surge o fabricante, cuja meta é a valorização do capital e,
para isso, a aplicação de novas técnicas tende a proporcionar lucros crescentes, ao mesmo
tempo os ambientes sofreram maior alteração, tanto de forma como na utilização e consumo
de recursos naturais. Este processo foi evoluiu conforme a industrialização se expandia
vertical e horizontalmente.
Como resultado desse processo, a indústria exige em sua proximidade um grande
número de trabalhadores e seu grande volume de produção requer serviços de infra-estruturas
(estradas, centros de armazenamento, energia, matérias primas, mercados, cidades...) que
constituem o elemento central da organização espacial numa “sociedade moderna”. Nesse
processo, as transformações por que passou a geografia dos lugares mostra uma grande
diferenciação espacial. Onde o capitalismo apresenta maiores graus de desenvolvimento
verifica-se que a distância entre ser humano da natureza original foi ampliada.
No campo, a indústria urbana revolucionou a tecnologia agrícola, passando a fornecer
ao campo, arados de ferro, tratores, fertilizantes, colhedeiras, energia elétrica, etc. Esse
processo elimina gradualmente, onde se expande, a agricultura de subsistência, estimula a
monocultura e separa a agricultura da pecuária, do extrativismo, etc. Desse modo, embora
produzida no campo, a cidade ficou sendo o lugar onde se concentra a produção agrícola que
é comercializada para ser transformada, industrialmente, em artigos de consumo, tanto urbana
como rurais.
Ainda, a relação entre espaço e valor na geografia econômica pode ser ilustrada por
uma metáfora imaginada pelo geógrafo Ruy Moreira (1996), autor que incorpora a dimensão
social ao processo apresentado. O autor citado destaca que se observarmos uma quadra de
futsal notar-se-á que o arranjo do terreno (linhas que demarcam a quadra) reproduz as regras
deste esporte. Basta aproveitarmos a mesma quadra (o mesmo espaço) e nela superpormos o
arranjo espacial de outras modalidades: o vôlei, o basquete... Cada esporte apresenta leis
próprias e pode-se notar que o arranjo espacial será diferente para cada modalidade. Diferirá
porque cada arranjo espacial reproduz as regras do jogo e estas regras diferem para cada
modalidade selecionada. Se fossem as mesmas leis, o arranjo espacial seria homogêneo.
Assim é também, o espaço geográfico em relação a sociedade, diferenciado. A
organização do espaço geográfico exprime o “modo de socialização” da natureza: a maneira
como os homens se relacionam para produzir as condições de sua existência e a reprodução
das suas famílias. O processo de socialização da natureza pelo trabalho social implica uma
estrutura de relações sob determinação do social e o espaço é a sociedade vista como sua
expressão material visível. A sociedade é a essência, de que o espaço geográfico é a aparência
diz este autor. Para cada organização social há arranjos espaciais específicos que reproduzem
o modo de vida, as leis, as lutas sociais, as disputas pelo poder, a organização da produção e
do consumo, as diferenças entre os bairros, entre as cidades, entre os países etc... Portanto,
sendo o modo de produção capitalista o elemento central de organização da nossa sociedade o
espaço geográfico expressará as leis deste sistema social e econômico que organiza ao mesmo
tempo a produção de mercadorias e as relações sociais nos países capitalistas (Op. Cit. 1996,
p 35-38).
O avanço da maneira capitalista em organizar os processos produtivos mostra que as
relações do homem com a natureza foram subordinadas pela racionalidade técnica e
econômica do capital. Assim, terrenos áridos são adubados e irrigados, pântanos são
drenados, insetos e pragas são exterminados, rios são retilinizados, terrenos são terraplanados,
não por determinações estéticas, mas pela lógica de acumulação de capital. Na guerra da
concorrência, a busca da produtividade e custos menores subordinou o tempo e o espaço a
uniformidade do ritmo da máquina, criada pela técnica. O domínio tecnológico foi essencial
para conquistar maiores produtividades e mercados, ao mesmo tempo em que se mobiliza
maiores quantidades de matéria e energia. (PORTO GONÇALVES, 1993)
Pelo exposto na síntese acima, observa-se que a organização dos diferentes lugares, ou
seja, do espaço habitado e transformado continuamente pelo trabalho das pessoas, obedece a
algumas regras instituídas socialmente. Estas podem convencionadas por processos culturais
ou, em muitas situações, impostas às coletividades por processos políticos ou econômicos.
Nas sociedades contemporâneas, observa-se que a organização espacial dos diferentes lugares
passa a ser condicionada em sua maior expressão pela força das relações do econômico sobre
as necessidades sociais. Neste processo, a política, na maior parte das vezes, se subordina às
necessidades da economia para determinar os regramentos que passarão a estruturar os
diferentes espaços geográficos.
Para o profissional de Relações Internacionais, acostumado a refletir sobre as
dinâmicas nacionais em confronto com as grandes questões internacionais, está temática pode
parecer que tem pouca importância, mas um exemplo a título de ilustração permite mostrar
que isso não simples assim. Por exemplo, as discussões tratadas no âmbito dos poderes
executivo e legislativo em Brasília sobre a liberação ou não, do cultivo da soja transgênica no
Brasil, afeta interesses de milhões de pessoas no Brasil e fora do país. São plantadores,
consumidores, importadores e exportadores, governos, ambientalistas, empresas nacionais e
multi(trans)nacionais, bancos que financiam o plantio e a compra do produto entre outras. No
mesmo sentido, a dinâmica espacial é influenciada, e incorpora ainda o aspecto ambiental.
Em 2004, o Brasil se tornou o maior exportador deste produto o que implica em
constantes gestões da diplomacia brasileira em fóruns internacionais para viabilizar a luta do
agronegócio nacional contra os subsídios agrícolas dos pais ricos. Mas o avanço desta cultura
no Brasil, não poderia ter sido alcançado sem a expansão da área cultivada (lembrar do
desfloramento, sobretudo na Amazônia), do uso de tecnologias compatíveis com a cultura,
dos milhares de trabalhadores envolvidos no plantio, no esmagamento do produto, na geração
de tecnologia, na construção das agroindústrias, na produção de máquinas, caminhões para o
transporte, adequação de portos e rodovias, ferrovias, hidrovias, etc... etc. Feita a
apresentação, bastante resumida, da cadeia da soja e dos interesses envolvidos, uma decisão
como a autorização para o plantio de soja transgênica pode ou não gerar um sem número de
transformações sociais, econômicas, espaciais e outras. Mas uma coisa é clara, o foco
econômico da questão tende a predominar em função dos interesses envolvidos.
Novamente trabalho com exemplos neste assunto, mas agora são apenas questões, pois
as respostas não seriam objetivas e isentas. Os europeus, chineses e japoneses importariam
soja transgênica? O meio ambiente seria alterado? (as pesquisas não são conclusivas).
Centenas de empresas que produzem semente de soja no Brasil se subordinariam a Monsanto?
(empresa norte americana que detém a patente da soja transgênica). Os agricultores pagariam
royalties à Monsanto? Haveria mais ou menos contaminação do solo? O aumento da
produtividade, se de fato aconteceria, diminuiria a quantidade de terras (espaços) para o
cultivo desta oleaginosa? E as remessas de lucros à Monsanto como ficariam? O maior
negócio da agricultura brasileira seria controlado por uma empresa multinacional, através do
controle das sementes? Quantas questões podem ser levantadas, algumas a geografia
econômica pode contribuir com respostas, outras dependem de outras áreas do conhecimento
como economia, política, direito, e as RI, entre outras. Por isso, o Instituto Rio Branco
também coloca os conhecimentos de geografia econômica como importantes ao profissional
de RI. É óbvio que este profissional não precisa dominar todas as questões, ninguém poderia,
existem especialistas e assessorias, contudo alguma visão do assunto é necessária de se ter.

4.6. Outras questões envolvendo Geografia e Relações Internacionais

O Instituto Rio Branco aponta outros conteúdos como necessários. São eles a
formação, definição e ocupação do território brasileiro e os assuntos referentes à
industrialização, urbanização e a modernização da agricultura brasileira.
Trataremos primeiro da formação, definição, ocupação do território e iniciamos com
uma pergunta. O território brasileiro sempre foi assim e sempre será, poderá haver secessão,
poderemos entrar numa guerra e perder parcela do território? A resposta é sim. Por isso, o
profissional de RI precisa dominar conhecimentos a respeito da construção, manutenção e
integridade do território. A geografia tem muito para oferecer nesta área, juntamente com a
historia e os conteúdos de política externa e estratégia, pois novamente relembrando Aron
(2000, p. 255), as questões envolvendo o espaço sempre foram fonte de Guerras. Diz Aron, “a
violação da linha que separa o território das unidades políticas e um casus belli por excelência
e prova de agressão”.
Além disso, este conhecimento precisa estar acoplado aos processos de ocupação do
território e a sua utilização, ou seja, como a dinâmica produtiva do território está estruturada.
Aqui entram as atividades econômicas, capazes de dar sustentação e definir o uso dos recursos
que o território proporciona e também identificar as deficiências. Desta forma conteúdos como
a industrialização, a urbanização e a modernização da agricultura ajudam a pensar estratégias
de integração econômica e territorial ao mesmo tempo em que possibilitam tratar dos
interesses que se manifestarão, tanto no cenário nacional como internacional. Por exemplo,
como negociar acordos regionais como a ALCA sem ter conhecimentos, tanto ao nível dos
setores econômicos como nas áreas ou aspectos o país será competitivo e onde pode enfrentar
dificuldades. Novamente é obvio, consultores podem ser contratados, mas se alguns forem
favoráveis ao acordo e outros contrários. Por isso, é necessário ter conhecimentos razoáveis
sobre os conteúdos abordados. Outra dedução óbvia seria que este é assunto dos governos.
Engano, um internacionalista atuando no setor privado também teria que ter conhecimentos
nestas questões, a(s) empresa(s) em questão poderá (ao) ter ganhado ou perdido num acordo
como a ALCA ou Mercosul. Por isso, o especialista precisa antecipar-se aos fatos.

4.7. Geopolítica e Relações Internacionais.

Por fim o Rio Branco aponta os conhecimentos específicos sobre o Brasil no Contexto
Geopolítico Mundial. Nesse tópico merecem destaque a globalização da economia, a
reorganização da Divisão Internacional do Trabalho e as tendências geopolíticas na formação
de blocos geoeconômicos, UE, ALCA, MERCOSUL...
Numa época de internacionalização crescente dos fluxos econômicos e das
informações, as explicações mudam. No mundo em que se vive a organização espacial dos
lugares já não se explica por si mesma. Isso acontece porque o centro de decisão das
atividades desenvolvidas em determinado lugar situa-se, muitas vezes, a milhares de
quilômetros dali. O processo de globalização da economia reforça esse quadro. Todavia, à
medida que esse processo suscita resistências e novas formas de afirmação de identidades,
ligado a lugares, e religiões e culturas refratárias aos processos em curso, fazem com que
novas formas de organizar o espaço geográfico sejam estimuladas.
Essa discussão envolve as novas relações de poder que se estabelecem no sistema
global, onde novas dinâmicas territoriais desafiam as explicações geopolíticas clássicas como
nos esquemas de Mackinder sobre o world island e heartland, ou as visões de Kjellén e
Aushofer sobre o espaço e a sua posição, ou ainda os modelos sobre as grandes ilhas
continentais do norte americano Spykman. Depois dos foguetes intercontinentais carregados
com múltiplas ogivas atômicas e disparados por submarinos atômicos, quase invisíveis, e que
podem atingir qualquer ponto do planeta, a lógica é outra. Ocorre, com isso, um deslocamento
geopolítico que incorpora a questão da tecnologia capaz de viabilizar a expansão econômica e
os acordos regionais ou negociações multilaterais que implicam em perdas ou em ganhos
relativos para os países.
Por outro lado, com a crise do modelo keynesiano-fordista em meados da década de
70, devido a redução da extração da mais valia social pela via do aumento na produtividade
do trabalho, decorrente da crise do paradigma tecnológico, limitou-se a capacidade de
crescimento econômico. Isso abriu espaços para o questionamento do Estado Nacional e da
ordem internacional gestada a partir dos esquemas de confrontação leste-oeste. Com isso, o
capitalismo do tipo liberal se expandiu e vêm sendo geradas novas formas de territorialidades.
Hoje, num mundo globalizado, de Estados fragilizados, precarização de relações trabalhistas,
mercados transnacionalizados, tecnologias geograficamente flexíveis, menor uso de matéria e
energia e maior uso do conhecimento e de informações, a capacidade de reprodução material
e simbólica se desloca do Estado Nacional para o espaço global sob a lógica dos mercados.
(PORTO GONÇALVES, 1993)
No mesmo sentido se observa uma desvinculação geográfica e social entre os locais de
produção e consumo. A mediação social ocorre pelo mercado, instituição que determinará o
valor das mercadorias e do lucro. Assim, novas escalas geográficas se inscrevem na
organização social do espaço geográfico e a divisão territorial do trabalho implica novas
inserções sócio-produtivas de cada lugar em função de vantagens comparativas, fator que
elimina sazonalidades causadas pela dinâmica da natureza. Com isso, novos valores são
estimulados. Estes implicam na conquista de mercados, na competição, na concorrência, e
negociações para o acesso a fontes de energia e matérias primas (PORTO GONÇALVES,
1993). A título de exemplo, estes são alguns destes pontos que a geografia pode contribuir
para fornecer uma “cosmovisão” a partir dos referenciais da geopolítica aplicada aos
problemas internacionais.

5. Considerações finais:

A geografia trata da ordem espacial das coisas. Seu campo de investigação e atuação
continua valorizado e apresenta o compromisso de produzir uma cosmovisão. Esta é
entendida como ciência da compreensão de uma ordem ou coerência espacial. Esse
conhecimento não se resume ao inventário das coisas sobre o espaço, é necessário se construir
os instrumentos analíticos para isso. Na busca da “ordem espacial” tanto dos fenômenos
físicos como humanos, a lógica que se busca depende dos princípios que presidem as causas e
seus significados.

Para Magnoli & Scalzaretto a geografia é o ato de estabelecer limites, colocar


fronteiras, fundar objetos espaciais, orientá-los, qualificar o espaço e para os geógrafos o ato
de pensar estas ações dentro de um quadro lógico, de refletir sobre esta ordem e seu sentido.
O objeto da geografia é o espaço: sua arrumação, a disposição física das coisas e das praticas
sociais. A análise geográfica deve examinar o espaço como um texto, onde formas são
portadoras de significados e sentidos. Esta é uma linguagem que se expressa na maneira como
as coisas estão postas no espaço, pelo seu sentido, sua coerência e seus elementos.

A linguagem de captar os nexos e a ordem espacial das coisas implica num processo
de conceber o espaço como uma composição de formas em permanente e contínuo processo
de produção de sentido e ações. O espaço não é um dado fixo, imóvel, é um processo em
permanente, construção e reconstrução. A geografia procura compreender a ordem espacial
das coisas pela busca de significados e sentidos.

Ainda, a geografia é uma ciência social que apresenta interfaces com as questões
ambientais, sociais, econômicas etc, de um lado, e com a problemática política de outro.
Dominar conhecimentos em geografia potencializa as pessoas na formação dos valores numa
sociedade democrática e pluralista, pois a cidadania requer um acervo de informações
variadas e, sobretudo, o exercício da habilidade de decifrar os discursos sociais. A geografia,
entendida como “gramática do mundo” tem um papel insubstituível a desempenhar na
construção dessa habilidade, pois o pensamento geográfico acompanhou toda a aventura
histórica da humanidade, refletindo-se na produção de discursos sobre as características das
sociedades e dos lugares que elas habitam, respondendo às necessidades dos soberanos, dos
chefes militares e dos comerciantes, prefigurando e preparando o estabelecimento de uma
gestão mais eficaz sobre os territórios. (MAGNOLI, 1998)

Nesta busca, os documentos que apresentam os Parâmetros Curriculares Nacionais, de


1997 destacam que adquirir conhecimentos básicos em geografia é algo importante para a
vida em sociedade: cada cidadão ao conhecer as características sociais, culturais e naturais do
lugar onde vive, bem como as de outros lugares, pode comparar, explicar, compreender e
espacializar as múltiplas relações que diferentes sociedades estabelecem(ram) com a natureza
na construção de seu espaço geográfico. A aquisição de conhecimentos em geografia permite
maior consciência dos limites e responsabilidades da ação individual e coletiva com relação
ao lugar em que se vive e em contextos mais amplos, tanto em escala regional como nacional
e mundial.

6. Fontes consultadas:

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pensamento Geográfico. São Paulo: Ed. Atlas, 1987
ANDRADE, Manuel Correia de. Geografia Econômica. 10. ed. São Paulo, Atlas, 1989
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Universidade de Brasília, Instituto Oficial de Pesquisa de Relações Internacionais; São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002.
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