Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
1. Introdução
Este artigo discorre sobre conhecimentos em geografia que podem ser importantes para
a formação intelectual dos estudantes e do profissional de relações internacionais (RI). Dado
seu objeto de investigação, o espaço geográfico, a geografia contribui para auxiliar o processo
de formação dos internacionalistas, pois o espaço se constitui num dos elementos quase
sempre presentes na análise dos profissionais de RI, seja como meio, seja como teatro, seja
como objetivo das ações (ARON, 2002). Decorrente deste intuito, o texto, a seguir, procura
apresentar alguns elementos sobre a evolução das principais escolas desta área do
conhecimento e também os principais conceitos com que a ciência geográfica procura tratar a
sua especificidade, o estudo do espaço geográfico. Busca-se, ainda no tópico final, apresentar
ao estudante de relações internacionais, algumas temáticas em que conhecimentos de
geografia contribuem para seu processo de formação acadêmica.
O trabalho não se aprofunda na discussão do debate conceitual sobre a complexidade
epistemológica da conceituação utilizada. As fontes utilizadas cumprem esta função. Sua
finalidade é, no espaço disponível, introduzir o diálogo entre dois campos de conhecimentos,
que afirma-se: são complementares e, como ocorre em outras áreas do saber são
interdependentes em muitos aspectos.
As raízes da geografia são muito remotas. Alguns chegam afirmar que a geografia tem
origem com os primeiros hominídeos, pois estes necessitavam, para sua sobrevivência,
dominar alguns conhecimentos fundamentais sobre o ambiente em que viviam. Contudo, este
conhecimento era apenas instrumental e pragmático. Tentativas de produzir um conhecimento
geográfico sistematizado aparecem na Grécia antiga com Heródoto que estudou o rio Nilo no
Egito. Ele procurou analisar a influências das enchentes no uso que as pessoas faziam do solo
para a prática da agricultura. Destaca-se ainda o trabalho de Ptolomeu, autor que produziu
uma das primeiras formulações do sistema planetário geocêntrico. Todavia, preocupações com
uma ciência geográfica, específica e autônoma, é produto da época moderna (ANDRADE,
1989).
*
MSc, em geografia e professor da disciplina no curso de Relações Internacionais da Univali, campus de São
José. E.mail: grando@univali.br.
2.1. A Geografia Tradicional: Determinismo e Possibilismo.
Decorrente do que foi apontado acima, pode-se observar que a geografia moderna,
inicialmente, foi uma construção das necessidades européias. Por outro lado a geografia norte
americana, mais preocupada com a busca de conhecimentos e informações sobre a “nova
terra”, pouco contribuiu para o debate epistemológico da disciplina nos seus primórdios.
Deste modo, o legado desta disciplina é predominantemente europeu. Mas, a partir da
contribuição de geógrafos europeus, a escola norte americana também se expandiu.
Inicialmente, os nortes americanos adotam a visão da escola determinista alemã, a qual
contribuiu para justificar a expansão territorial do país.
Contudo, em meados dos anos de 1950, com a vitória aliada na Segunda Guerra, a
escola norte americana de geografia produziu o que se denominou de geografia quantitativa.
Resultante, dos processos de planejamento estratégico, implementados pelo país durante a
guerra, a geografia norte americana incorporou um conjunto de técnicas estatísticas e
matemáticas a fim de possibilitar estratégias de planejamento territorial. A partir de um
elevado nível de abstração que considerava o espaço como homogêneo em todas as direções,
a escola quantitativa pressupunha um espaço relacional, entendido a partir da relação entre
objetos, onde haveria custos em tempo, energia e recursos para se vencer distâncias entre
objetos localizados em pontos diferentes do espaço. Refletindo segundo uma visão
economicista de custo-benefício, a geografia quantitativa, através do uso de matrizes
estatísticas e equações, procurava explicar a diferenciação espacial como resultado de ações e
mecanismos determinados pela distância entre diferentes localizações espaciais. As críticas
feitas a essa concepção de fazer geografia, é que ao privilegiar sempre um presente eterno não
são consideradas as contradições sociais e a história das transformações espaciais. Por outro
lado, como meio de conhecimento sobre localizações espaciais, fluxos, hierarquia e
especialização funcional dos lugares constitui-se numa técnica avançada para processos de
planejamento e organização do espaço (LOBATO CORRÊA, 1995).
Observando as formulações teóricas propostas pela escola quantitativa é significativo
apontar que estas técnicas também foram utilizadas nas RI pela escola behaviorista, embora
com menor preponderância. Nas RI, buscava se trabalhar elementos de estatística e equações
para se produzir séries históricas matematizáveis sobre determinados comportamentos dos
Estados, opção que se mostrou de pouca eficiência prática. Por outro lado, observando a
aplicação das ferramentas propostas pela escola quantitativa de geografia, estas técnicas
podem ser necessárias à atuação dos profissionais de RI no caso destes se envolverem em
atividades práticas ou negociações que impliquem em estimar procedimentos que aproximem
lugares e/ou mercados. Seria o caso de negociações internacionais que se relacionem com
projetos comuns de infra-estruturas de transportes, energia, etc. Ou ainda pesquisas
diagnósticas ou aplicadas na área de logística internacional ou estratégias militares que
dependam de deslocamentos de tropas e materiais.
A importância da obra citada é que ela permite o entendimento do que é Brasil a partir
da idéia que na contemporaneidade o espaço e a sociedade são transformadas pela técnica,
pela ciência e pela informação, meios e vetores de existência de boa parte da humanidade e
dos processos sociais e econômicos. Como as técnicas são, economicamente, cada vez mais
necessárias, os elementos técnico-informacionais que surgem como informação, constituem a
energia principal da artificialização do meio natural. Com isso, as transformações espaciais se
subordinam à ciência, à tecnologia e à informação, sob a égide do mercado se globaliza. Desta
forma, os territórios estão sendo equipados para facilitar a circulação material e imaterial em
nível global e o meio natural tende a recuar, passando a dominar, espacialmente, um ambiente
artificial. Ao mesmo tempo em que o discurso ambiental e preservacionista se agudiza, a
cultura tende a ser virtual, dada a massa de informações produzidas e difundidas por atores
hegemônicos dos centros de produção, onde são criadas e difundidas novas técnicas e as
decisões mundiais.
Da leitura do item anterior, observa-se que a geografia se torna ciência a partir do ato
de estabelecer limites, colocar fronteiras, fundar objetos espaciais, orientá-los e de pensar
estas ações dentro de um quadro lógico de se refletir sobre esta ordem e seu sentido. Desta
forma, o objeto da geografia é o espaço: sua arrumação, a disposição física das coisas e das
praticas sociais. Essa discussão importa ao profissional de RI, pois ao utilizar conhecimentos
desta ciência é necessário compreender que ao pensar e utilizar o conceito de espaço e noções
auxiliares, a geografia pensa este conceitos com significados distintos, dependendo das
escolas de pensamento que os formularam.
Na visão crítica, adotada neste trabalho, a geografia é definida como ciência que se
preocupa em estudar as relações entre os processos históricos, sociais, políticos e econômicos
que regulam a formação das sociedades humanas e o funcionamento da natureza, através do
estudo do espaço geográfico. A geografia pode ser, dessa forma, entendida como uma
“gramática do mundo”. O espaço geográfico surge como um texto a ser decifrado e
interpretado, que traz informações essenciais sobre a sociedade que os produziu. O espaço
geográfico é, historicamente, produzido pela sociedade segundo aspectos sociais e culturais,
situados além e através das perspectivas econômica e política, e que imprimem seus valores
no processo. Do espaço geográfico fazem parte, ainda os fenômenos que não são
imediatamente observáveis pelos sentidos: os fluxos de matéria, energia e informação, mas
que lhe dão conteúdo. (MAGNOLI & SCALZARETTO, 2001)
Gomes (1997) contribui para esta discussão ao apontar que a análise geográfica deve
examinar o espaço como um texto, onde formas são portadoras de significados e sentidos: é
uma linguagem, que se expressa na maneira como as coisas estão postas no espaço, pelo seu
sentido, sua coerência e seus elementos. Gomes vai além e aponta que esse saber (o
conhecimento geográfico) não se resume ao inventário das coisas sobre o espaço, é necessário
que sejam construídos os instrumentos analíticos para isso. Na busca da “ordem espacial” dos
fenômenos geográficos, a lógica que se busca depende dos princípios que presidem as causas
e seus significados, estes perpassaram todas as escolas do pensamento geográfico das quais
receberam diversas influências. Assim, nesse processo implica em buscar, continuamente,
respostas para a seguinte questão, proposta Gomes (1997): todo fenômeno geográfico
implicaria descobrir o por que do onde?
Este tópico procura destacar como os geógrafos atuam ao produzir conhecimentos que
serão definidos como geografia, ou seja, como este profissional raciocina para pensar sua
atuação profissional. Tendo por base o texto de Gomes (1997), relata-se a seguir algumas das
principais maneiras como os geógrafos atuaram e atuam para produzir o conhecimento dito
geográfico.
Inicialmente, destaca-se a idéia de geografia como ciência de síntese. Muito utilizado
pela geografia tradicional e pouco aplicado na atualidade, esse procedimento buscava
recuperar as grandes cosmologias do passado, segundo princípios que congregam o
conhecimento a partir de grandes matrizes de reflexão, capazes de explicar o todo e a parte, o
detalhe e o global, indo do simples ao complexo. Essa opção metodológica implica na opção
de localizar os fenômenos singulares e descrevê-los sem mediação da teoria, principalmente a
partir do “método regional” (empirismo). Esta forma de fazer geografia está bastante presente
em almanaques, enciclopédias e revistas geográficas onde o inédito, o diferente, ou o singular
são ressaltados, juntamente com um conjunto de informações básicas sobre população, tipo de
produtos cultivados, industrias e dados estatísticos.
A geografia como ciência do empírico busca definir os fenômenos que ocorrem sobre a
superfície da terra segundo a idéia de mundo máquina, a partir dos princípios de equilíbrio e
do organicismo e pela inter-relação dos elementos físicos e humanos, via recortes da
superfície como a região, a paisagem, a cidade. Sua descrição implica colocar em relevo os
fenômenos físicos e humanos que estruturam o espaço e sintetizar o processo. É um
procedimento muito usado para construir os mapas físicos onde são expostas, em linhas
gerais, as principais características do terreno.
A geografia pensada como ciência encarregada da classificação morfológica se traduz
em outra forma de se produzir conhecimento geográfico. Decorrente do conhecimento
produzido sem mediação da teoria, a generalização das classificações e dos tipos ideais
implica na transformação das formas espaciais em um objeto do conhecimento em si mesmo:
a “ilusão da forma” segundo o método da descrição. Esse procedimento foi muito usado para
fazer classificação dos aspectos que a natureza apresenta num dado recorte territorial. Por
exemplo, as formas de relevo ou os tipos de cultivos, existentes no território brasileiro e que
os alunos precisam decorar nas escolas fundamentais e secundárias.
Nascido nos anos 50 com a escola quantitativa, o objetivismo estatístico também adota
os aspectos visíveis da forma. Segundo esta visão, a forma apresentaria expressão espacial
passível de ser cartografada a partir de categorias como localização e distância. A critica é que
a preocupação, apenas, com a forma do fenômeno geográfico não pode dar conta dos
fenômenos, significados e práticas sócio-culturais que a própria forma encerra. Com isso, a
forma não pode ser pensada como objeto epistemológico, pois esta não é questionada em
relação com seus usos e significados. Como já apontado, é utilizada pragmaticamente para
fins de diagnósticos e planejamento para organizar a variável espacial a fim de reduzir custos
e maximizar benefícios, como o traçado de uma estrada ou ferrovia que ligaria dois ou mais
pontos de produção e consumo, por exemplo.
A Geografia como ciência da natureza parte de reflexões sobre a integração isonômica
entre a natureza (geografia física) e o humano (geografia humana) produzindo a síntese a
partir do discurso das ciências naturais. Seria uma revitalização da relação homem (enquanto
espécie) e meio. Gomes, crítica a objetividade positivista que buscava construir a síntese entre
aspectos físicos e sociais. Para o autor, sua complementaridade, mantida pela aproximação da
matemática e das ciências naturais, seria “indemonstrável”, pois os objetivos, os instrumentos,
as dinâmicas da sociedade e da natureza não são as mesmas. É encontrada, sobretudo, nos
livros didáticos mais antigos, onde numa parte da obra se explica a atuação do homem sobre o
meio e noutra a dinâmica dos elementos da natureza. Como a junção destes dois elementos é
difícil de ser feito na prática, eles aparecem em partes isoladas, pois cada qual tem uma lógica
de atuação e comportamentos diferentes.
A geografia como ciência da causalidade histórica observa que os fenômenos
geográficos poderiam ser explicados pela reconstrução do passado a partir de marcos
fundamentais e nexos causais que encadeariam os eventos. Ocorre que o verdadeiro nexo
causal se situa entre o presente a ser explicado e a reconstituição dos fatos que selecionamos
para dar o sentido. O recuo temporal depende da reconstituição que se faz, pois é possível
fazer diferentes leituras ao se resgatar o passado. A reconstrução dos fatos, devido as
diferentes narrativas produzidas, não apresenta objetividade necessária para explicar os
fenômenos. Este tipo de procedimento é bastante utilizado para se compreender a dinâmica
histórica de um dado espaço como em processos de planejamento e gestão do território.
Após a apresentação, simplificada, de como os geógrafos atuam, apontam-se a seguir
os princípios fundamentais que este profissional aplica para estudar seu objeto de estudo. A
idéia de princípios implica em observar que cada fenômeno apresentaria uma ou várias
origens ou causas primárias que predominariam na busca das explicações de dado fenômeno.
Portanto, para responder a questão sobre o porque do onde, um estudo geográfico iniciaria
elencando alguns princípios fundamentais.
Entre aqueles que os geógrafos deveriam aplicar, segundo Manuel Correia de Andrade
(1989) destacam-se: a) Princípio da extensão: usado para localizar e delimitar espacialmente
todo fenômeno geográfico. b) Princípio da analogia: aplicado para estabelecer as semelhanças
e diferenças entre fenômenos estudados e os que ocorrem em outros lugares.c) Princípio da
causalidade: usado para identificar e esclarecer as causas que geraram o fenômeno. d)
Princípio da conexidade: como vários fatores respondem pela ocorrência de um dado
fenômeno geográfico, ao se buscar as causas deve-se atentar que estas resultam de ações
interdependentes, seja por parte do ser humano seja da natureza ou outra. e) Princípio da
atividade: como o espaço geográfico está em permanente transformação, deve-se atentar para
o caráter dinâmico dos processos espaciais.
Após, apresentar e discutir as principais questões sobre o objeto, método, limites e
importância do conhecimento geográfico, Gomes (1997) destaca que estas discussões têm
sido recorrentes e são bastante positivas. Isso fez com que a geografia tivesse se mantida
atenta a sua especificidade e permitiu aos geógrafos participar dos debates acadêmicos dentro
de recortes temáticos cada vez mais amplos como o que esta sendo proposto neste trabalho.
Desta forma, preocupada com a maneira como se constrói o conhecimento na sua área de
especialidade, a geografia tenta contribuir no processo de explicar a dimensão espacial da
humanidade.
Outro tema importante destacado pelo Instituto Rio Branco trata das teorias e conceitos
da Geografia Histórica. Sua importância está ligada aos conteúdos para se trabalhar as
transformações que o espaço geográfico e os territórios vão sofrendo com o passar do tempo.
Por exemplo, como tratar do processo de formação territorial de um país sem recorrer às
informações disponibilizadas pela geografia e pela história? Como entender um processo de
transformação econômica que gera um sem número de mudanças espaciais, num entorno mais
ou menos vasto, sem observar seus processos geradores, construídos ao longo do tempo. O
planejamento urbano, por exemplo, depende da compreensão da dinâmica histórica que
produziu determinada concentração de pessoas, de atividades econômicas, das dinâmicas
sociais internas e das relações de poder, entre outras e, é óbvio, da dinâmica dos elementos da
natureza que são potencializadas na área do sítio urbano e suas adjacências.
As paisagens são qualificadas pela história e os seus atributos são conferidos pela
atividade transformadora dos homens organizados em sociedade. As circunstâncias
econômicas e políticas, as técnicas e as idéias que envolvem essa atividade humana
transferem-se para o espaço transformado e podem ser observadas nas construções que o ser
humano produz. Nesse percurso de produção do espaço geográfico, a natureza original e a
herança das gerações anteriores funcionam como suporte, limitação objetiva e recurso para a
geração presente.
Outro ponto, também solicitado pelo edital do Rio Branco, está relacionado com a
dimensão cultural e a representação que cada sociedade faz de si própria. Muitos dos
processos que geram transformações espaciais tem origem nas diferenças culturais de cada
povo. Desta forma, como compreender a organização de um dado espaço sem atentar para a
forma como cada povo produz sua cultura e dela deriva ou adota as técnicas que são utilizadas
nesta função? Isso implica que os alunos de RI, conheçam os conteúdos sobre espaço e
representação tratados pelas teorias e conceitos da Geografia Cultural. Deve-se atentar para
aspectos como a maneira de produzir e consumir e como estas atividades são estruturadas, não
apenas pelo uso da técnica, mas como culturalmente as pessoas se relacionam com a técnica,
com os ambientes, suas relações sociais, barreiras culturais que implementam e outros
aspectos. Por exemplo, como se relacionar com japoneses, chineses, árabes? Para que a
aproximação seja passível de sucesso é necessário entender os códigos culturais e também
como esta relação se dá internamente entre os membros daquela própria sociedade e que tipos
de imagem fazem de outros povos.
Na contemporaneidade, as migrações internas e internacionais motivadas por diferentes
motivos, a integração econômica do espaço nacional, a globalização e a difusão dos meios
modernos de comunicações romperam a segmentação cultural dos lugares e das regiões. Esses
fenômenos integradores tendem a enriquecer culturalmente todas sociedades. Eles também,
por outro lado, amplificaram preconceitos e discriminações. Uma das funções da geografia
consiste em promover o reconhecimento do valor intrínseco das manifestações culturais
diversas do país, e compreender sem preconceitos aquelas produzidas por outros povos, de
forma a combater preconceitos e discriminações. Cultura é, numa situação análoga, cultura
material. Nesse sentido as diversidades das atividades econômicas e das paisagens socialmente
construídas sintetizam a produção de diferentes culturas materiais sobrepostas aos aos
ambientes naturais transformados pelo trabalho de gerações.
O Instituto Rio Branco aponta outros conteúdos como necessários. São eles a
formação, definição e ocupação do território brasileiro e os assuntos referentes à
industrialização, urbanização e a modernização da agricultura brasileira.
Trataremos primeiro da formação, definição, ocupação do território e iniciamos com
uma pergunta. O território brasileiro sempre foi assim e sempre será, poderá haver secessão,
poderemos entrar numa guerra e perder parcela do território? A resposta é sim. Por isso, o
profissional de RI precisa dominar conhecimentos a respeito da construção, manutenção e
integridade do território. A geografia tem muito para oferecer nesta área, juntamente com a
historia e os conteúdos de política externa e estratégia, pois novamente relembrando Aron
(2000, p. 255), as questões envolvendo o espaço sempre foram fonte de Guerras. Diz Aron, “a
violação da linha que separa o território das unidades políticas e um casus belli por excelência
e prova de agressão”.
Além disso, este conhecimento precisa estar acoplado aos processos de ocupação do
território e a sua utilização, ou seja, como a dinâmica produtiva do território está estruturada.
Aqui entram as atividades econômicas, capazes de dar sustentação e definir o uso dos recursos
que o território proporciona e também identificar as deficiências. Desta forma conteúdos como
a industrialização, a urbanização e a modernização da agricultura ajudam a pensar estratégias
de integração econômica e territorial ao mesmo tempo em que possibilitam tratar dos
interesses que se manifestarão, tanto no cenário nacional como internacional. Por exemplo,
como negociar acordos regionais como a ALCA sem ter conhecimentos, tanto ao nível dos
setores econômicos como nas áreas ou aspectos o país será competitivo e onde pode enfrentar
dificuldades. Novamente é obvio, consultores podem ser contratados, mas se alguns forem
favoráveis ao acordo e outros contrários. Por isso, é necessário ter conhecimentos razoáveis
sobre os conteúdos abordados. Outra dedução óbvia seria que este é assunto dos governos.
Engano, um internacionalista atuando no setor privado também teria que ter conhecimentos
nestas questões, a(s) empresa(s) em questão poderá (ao) ter ganhado ou perdido num acordo
como a ALCA ou Mercosul. Por isso, o especialista precisa antecipar-se aos fatos.
Por fim o Rio Branco aponta os conhecimentos específicos sobre o Brasil no Contexto
Geopolítico Mundial. Nesse tópico merecem destaque a globalização da economia, a
reorganização da Divisão Internacional do Trabalho e as tendências geopolíticas na formação
de blocos geoeconômicos, UE, ALCA, MERCOSUL...
Numa época de internacionalização crescente dos fluxos econômicos e das
informações, as explicações mudam. No mundo em que se vive a organização espacial dos
lugares já não se explica por si mesma. Isso acontece porque o centro de decisão das
atividades desenvolvidas em determinado lugar situa-se, muitas vezes, a milhares de
quilômetros dali. O processo de globalização da economia reforça esse quadro. Todavia, à
medida que esse processo suscita resistências e novas formas de afirmação de identidades,
ligado a lugares, e religiões e culturas refratárias aos processos em curso, fazem com que
novas formas de organizar o espaço geográfico sejam estimuladas.
Essa discussão envolve as novas relações de poder que se estabelecem no sistema
global, onde novas dinâmicas territoriais desafiam as explicações geopolíticas clássicas como
nos esquemas de Mackinder sobre o world island e heartland, ou as visões de Kjellén e
Aushofer sobre o espaço e a sua posição, ou ainda os modelos sobre as grandes ilhas
continentais do norte americano Spykman. Depois dos foguetes intercontinentais carregados
com múltiplas ogivas atômicas e disparados por submarinos atômicos, quase invisíveis, e que
podem atingir qualquer ponto do planeta, a lógica é outra. Ocorre, com isso, um deslocamento
geopolítico que incorpora a questão da tecnologia capaz de viabilizar a expansão econômica e
os acordos regionais ou negociações multilaterais que implicam em perdas ou em ganhos
relativos para os países.
Por outro lado, com a crise do modelo keynesiano-fordista em meados da década de
70, devido a redução da extração da mais valia social pela via do aumento na produtividade
do trabalho, decorrente da crise do paradigma tecnológico, limitou-se a capacidade de
crescimento econômico. Isso abriu espaços para o questionamento do Estado Nacional e da
ordem internacional gestada a partir dos esquemas de confrontação leste-oeste. Com isso, o
capitalismo do tipo liberal se expandiu e vêm sendo geradas novas formas de territorialidades.
Hoje, num mundo globalizado, de Estados fragilizados, precarização de relações trabalhistas,
mercados transnacionalizados, tecnologias geograficamente flexíveis, menor uso de matéria e
energia e maior uso do conhecimento e de informações, a capacidade de reprodução material
e simbólica se desloca do Estado Nacional para o espaço global sob a lógica dos mercados.
(PORTO GONÇALVES, 1993)
No mesmo sentido se observa uma desvinculação geográfica e social entre os locais de
produção e consumo. A mediação social ocorre pelo mercado, instituição que determinará o
valor das mercadorias e do lucro. Assim, novas escalas geográficas se inscrevem na
organização social do espaço geográfico e a divisão territorial do trabalho implica novas
inserções sócio-produtivas de cada lugar em função de vantagens comparativas, fator que
elimina sazonalidades causadas pela dinâmica da natureza. Com isso, novos valores são
estimulados. Estes implicam na conquista de mercados, na competição, na concorrência, e
negociações para o acesso a fontes de energia e matérias primas (PORTO GONÇALVES,
1993). A título de exemplo, estes são alguns destes pontos que a geografia pode contribuir
para fornecer uma “cosmovisão” a partir dos referenciais da geopolítica aplicada aos
problemas internacionais.
5. Considerações finais:
A geografia trata da ordem espacial das coisas. Seu campo de investigação e atuação
continua valorizado e apresenta o compromisso de produzir uma cosmovisão. Esta é
entendida como ciência da compreensão de uma ordem ou coerência espacial. Esse
conhecimento não se resume ao inventário das coisas sobre o espaço, é necessário se construir
os instrumentos analíticos para isso. Na busca da “ordem espacial” tanto dos fenômenos
físicos como humanos, a lógica que se busca depende dos princípios que presidem as causas e
seus significados.
A linguagem de captar os nexos e a ordem espacial das coisas implica num processo
de conceber o espaço como uma composição de formas em permanente e contínuo processo
de produção de sentido e ações. O espaço não é um dado fixo, imóvel, é um processo em
permanente, construção e reconstrução. A geografia procura compreender a ordem espacial
das coisas pela busca de significados e sentidos.
Ainda, a geografia é uma ciência social que apresenta interfaces com as questões
ambientais, sociais, econômicas etc, de um lado, e com a problemática política de outro.
Dominar conhecimentos em geografia potencializa as pessoas na formação dos valores numa
sociedade democrática e pluralista, pois a cidadania requer um acervo de informações
variadas e, sobretudo, o exercício da habilidade de decifrar os discursos sociais. A geografia,
entendida como “gramática do mundo” tem um papel insubstituível a desempenhar na
construção dessa habilidade, pois o pensamento geográfico acompanhou toda a aventura
histórica da humanidade, refletindo-se na produção de discursos sobre as características das
sociedades e dos lugares que elas habitam, respondendo às necessidades dos soberanos, dos
chefes militares e dos comerciantes, prefigurando e preparando o estabelecimento de uma
gestão mais eficaz sobre os territórios. (MAGNOLI, 1998)
6. Fontes consultadas:
ANDRADE, Manuel Correia de. Geografia – Ciência da Sociedade: Uma Introdução à Análise do
pensamento Geográfico. São Paulo: Ed. Atlas, 1987
ANDRADE, Manuel Correia de. Geografia Econômica. 10. ed. São Paulo, Atlas, 1989
ARON, Raymond. Paz e guerra entre as nações. Traduzido por: Bath, Sérgio. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, Instituto Oficial de Pesquisa de Relações Internacionais; São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002.
CLAVAL, Paul. A Geografia Cultural. 2. ed. Florianópolis-SC, Editora da UFSC, 2001
CASTRO, Iná Elias et alli. Geografia: Conceitos e Temas. Rio de Janeiro: Bertrand, 1995.
CORREA, R.L. Espaço: Um Conceito Chave da Geografia. In Geografia: conceitos e temas. Org.
Castro, I. de Et all, RJ, Bertrand Brasil, 1995.
GOMES, Paulo Cesar da Costa. Geografia e Modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.
GOMES, Paulo César da Costa, Geografia Fin-de-Siécle: o discurso sobre a ordem espacial do
mundo e o fim das ilusões. In. Explorações geográficas: percursos no fim do Século. CASTRO, Iná
Elias de; GOMES, Paulo César da Costa; Côrrea, Roberto Lobato (orgs). Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1997.