Suzana Herculano-Houzel Minha rea da neurocincia, a neurobiologia comparativa, considerada cincia absolutamente bsica, daquela que se interessa em entender aspectos fundamentais do sistema nervoso e sua diversidade sem se preocupar com a utilidade que esses novos conhecimentos um dia tero (mas na certeza de que esse dia chegar). Prova disso o lema brincalho do nosso pequeno grupo de especialistas, o JB Johnston Club: "neuroanatomistas comparativos tem mais crebros". Mas ocasionalmente at a neurobiologia comparativa tem seus dias de aplicao imediata. Exemplo disso foram os achados apresentados por Oyvind Overli, da Universidade Norueguesa de Cincias da Vida, em nossa ltima reunio em Chicago, dias atrs, durante uma apresentao de puxar o tapete de quem acha que o crebro humano mpar. Segundo Overli, peixes tambm demonstram caractersticas de depresso - e ensinam que, s vezes, sofrer de depresso pode ser a melhor sada para uma situao ruim. Overli estuda o comportamento de peixes colocados em aqurios na presena de um estranho maior, menor, ou de tamanho semelhante. Quando h diferena bvia de tamanho, o maior rapidamente se torna dominante, explorando ativamente o aqurio, enquanto o outro fica quieto. Quando os peixes tem tamanhos semelhantes, contudo, vrios enfrentamentos se seguem, como se os animais se medissem mutuamente. Os confrontos elevam os nveis de hormnios de estresse, e ao cabo de algumas horas de embate, um dos animais sai vencedor: o novo "dono" do aqurio. A partir da, o perdedor recolhe-se sua insignificncia - e passa a demonstrar sinais claros de depresso: pouca atividade, pouca motivao e iniciativa, menor apetite, perda de peso. Para quem se apressaria em curar o animal "deprimido" nessa situao, Overli faz, contudo, uma ressalva crucial: neste contexto de estresse profundo e continuado, a depresso ... adaptativa. Tratar o animal com antidepressivo faz com que ele volte a enfrentar o "dono do aqurio", e vrias vezes acabe morrendo no confronto - prova de que recolher-se protege o animal dominado de sofrer mais agresses. O paralelo com pessoas vivendo situaes semelhantes de opresso bvio. Por isso o diagnstico correto da depresso como condio clnica, patolgica, to importante. No bastam os sinais bvios de falta de motivao e tristeza. s vezes, o que precisa de conserto no o crebro, e sim seu ambiente. Suzana Herculano-Houzel carioca, neurocientista treinada nos Estados Unidos, Frana e Alemanha.