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CURSO DE DIREITO
DIREITO PENAL I
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Goiânia,
abri de 2010.
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SUMÁRIO
1 Introdução................................................................................................................5
2 Antecedentes das Escolas Penais........................................................................6
3. Escola Clássica......................................................................................................6
3.1 Antecedentes................................................................................................................6
3.2 Francesco Carrara (1805-1888) e a Escola Clássica Italiana........................................7
3.3 A Escola Clássica Alemã..............................................................................................8
3.4 Contribuição da Escola Clássica...................................................................................9
4. A Escola Positiva.................................................................................................10
4.1 Contexto do surgimento..............................................................................................10
4.2 Fases da escola positiva.............................................................................................11
4.2.1 Fase antropológica...............................................................................................11
4.2.2 Fase jurídica........................................................................................................11
4.2.3 A fase sociológica................................................................................................12
5. Terza Scuola Italiana............................................................................................13
5. Escola Alemã........................................................................................................14
6. Escola Técnico-Jurídica......................................................................................15
7. Escola Correcionista............................................................................................15
CONCLUSÕES..........................................................................................................17
REFERÊNCIAS..........................................................................................................21
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1 Introdução
O estudo da evolução histórica das idéias, conceitos e sistemas de pensamento que
norteiam o Direito Penal é de suma importância para avaliar a mentalidade contemporânea no
que tange ao nosso sistema punitivo. No contexto deste estudo, a doutrina penal costuma dar
certo destaque ao histórico das escolas penais, objeto de estudo do presente trabalho.
Entretanto, a este propósito, o autor do texto presentemente sumariado, Cezar
Bittencourt, nos remete a uma advertência feita por Aníbal Bruno, que denuncia, nos
modernos manuais de Direito Penal, a ausência do estudo das Escolas Penais. 1
Ainda que mero resumo de conteúdo acadêmico, o presente trabalho tenta cumprir
uma meta diferenciada, devido à peculiaridade do tema tratado. Acreditamos que o estudo da
dogmática jurídica penal não pode se dissociar de uma visão mais panorâmica e histórica das
bases do direito penal. E o estudo das Escolas Penais parece cumprir bastante bem esta tarefa.
Em suma, não estamos em busca de uma crítica precipitada das condições atuais do
Direito Penal (o que seria um objetivo imoderado para um trabalho de gradução), mas apenas
tentando ressignificar o estudo do direito penal à luz de uma volta crítica ao seu passado e às
suas bases fundamentadoras.
Nossa finalidade principal é a de sumariar o capítulo IV (“Doutrinas e Escolas
Penais”), da obra Manual de Direito Penal – parte geral, de Cezar Roberto Bittencourt, que
trata respectivamente a) dos antecedentes históricos das escolas penais; b) da escola clássica;
c) da escola positiva; d) da terza escuola italiana; e) da escola alemã; f) da escola técnico-
jurídica; e g) da escola correcionista.
Como o texto ora analisado trata-se de visão geral e com finalidade propedêutica,
achamos por bem estruturar nosso trabalho num formato geral bastante esquemático (talvez
até um pouco excessivo), fazendo amplo uso de tópicos. Acreditamos que a opção se justifica
pelo fim que será dado a este trabalho: instrumento didático de estudo. Salvo na última seção
(Conclusões), não será oposto ao autor análise crítica.
Na seção 2, tratamos brevemente dos antecedentes históricos das escolas penais. Em
seguida, partimos ao sumário das escolas penais: iniciando pela escola clássica (seção 3),
subdivididas ainda em escola clássica italiana (seção 3.2) e alemã (seção 3.3); seguindo com a
escola positiva (seção 4), subdividida em suas fases antropológica (seção 4.2.1), jurídica
(seção 4.2.2) e sociológica (seção 4.2.3); as escolas ecléticas, iniciando com a terza escuola
1
Cf. Bruno, A. Apud in: Bittencourt, 2000, p. 46. Um bom exemplo desta denúncia de Aníbal Bruno é
o amplamente adotado manual de direito penal do jurista Fernando Capez, que, ao menos em sua
edição de 2004, não menciona uma linha sequer sobre o tema das escolas penais.
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italiana (seção 5), a escola alemã (seção 6) e a escola técnico-jurídica (seção 7); finalizando
com a escola correcionista (seção 8).
Em cada seção, será apresentado breve contexto histórico, para, em seguida, ser
apresentado (em forma de tópicos) as principais idéias e contribuições de cada escola.
3. Escola Clássica
3.1 Antecedentes
Não é uma escola homogênea, no sentido de corpo comum de doutrinas que tratam do
direito de punir, dos problemas do crime e da sanção penal. Este termo homogeneizador foi
cunhado pelos positivistas com conotação pejorativa.
Beccaria, ainda no século XVIII, apresenta uma coerente e bem delineamenta teoria de
cunho penológico (termo cunhado pelo próprio autor). Das suas obras mais importantes
destaca-se a Dos delitos e das Penas, de 1764. O fundamento básico de sua nova doutrina é a
humanização das Ciências Penais. Propõe uma revolução no sistema punitivo do século
XVIII, até então orientado pela extrema crueldade das sanções criminais. Propugna em defesa
da liberdade e da dignidade do homem.
2
BRUNO, A., 1967, p. 77.
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Desse movimento filosófico surgem doutrinas opostas: a) o jusnaturalismo, de Grócio,
com sua idéia de direito natural fundamentado na razão; e b) o contratualismo, de Rousseau,
que fundamenta o Estado e a ordem jurídica a partir da noção de contrato social (acordo de
vontades individuais).
Essas doutrinas, apesar de opostas, coincidiam no seguinte:
a) na proposição de um sistema de normas jurídicas anterior e superior ao Estado,
contestando a tirania estatal;
b) no individualismo, que vai inspirar o surgimento da Escola Clássica;
c) na restauração da dignidade humana;
d) na defesa do direito do cidadão perante o Estado.
É da teoria de cunho utilitarista do Contrato Social, de Rousseau, que extraímos o
pressuposto de igualdade absoluta entre os homens. Daí, se retiram as bases justificadoras
para a imposição da pena, para a negação do alcance do livre-arbítrio, bem como da defesa de
que o delinquente, por romper o pacto social, torna-se inimigo da sociedade.
Bittencourt lista os pressupostos do utilitarismo contratualista:
a) O Consenso entre os homens racionais acerca da moralidade e imutabilidade da atual
distribuição dos bens (uma vez que decorrente de acordo de vontades).
b) O comportamento ilegal produzido em sociedade (produto do contrato social) é
essencialmente patológico e irracional, típico de pessoas que, por seus defeitos
pessoais, não estão aptos a celebrar contratos. Isso justifica a imposição de pena, no
mínimo como meio “curativo” ou reabilitador.
c) O conceito de utilidade como critério para determinar a racionalidade ou
irracionalidade de um ato.
Modernamente, são feitas severas críticas ao contratualismo. Uma delas é que esta
corrente seria um marco ideológico burguês. Ao propor a recompensa à atividade proveitosa e
castigar a prejudicial, acaba por legitimar as modernas formas de tirania. Além disso, os
anseios reformistas questionaram a racionalidade do contrato e a legitimidade da resposta
estritamente punitiva.
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propondo a retribuição da sanção penal. É desse último período que Bittencourt analisa as
idéias do jurista e político italiano, Francesco Carrara.
Carrara, por ser político, se destacou pelo poder de argumentação lógica e dialética,
além de grande capacidade de sistematização, se sagrando como um dos grandes penalistas de
todos os tempos. Ele propõe o direito natural como fundamento legal e ao Estado caberia
garantir o equilíbrio entre os direitos e deveres.
Com relação à noção de crime, imputa-lhe dupla composição: força física (elemento
objetivo) e força moral (elemento subjetivo). A Pena é a sanção do preceito ditado pela lei
eterna, que visa a conservação da humanidade e à tutela dos seus direitos (procede da norma
do justo).
Os princípios fundamentais da escola de Carrara são:
a) Crime é um ente jurídico.
b) Crime não é uma ação, mas uma infração. Sua essência é a violação de um direito.
c) O direito é congênito ao homem porque foi dado por Deus para que o homem pudesse
cumprir seus deveres.
d) O livre-arbítrio é o fundamento da punibilidade. A Responsabilidade penal somente é
admissível quando embasada no livre-arbítrio (culpa moral do cidadão).
e) É indispensável a vontade livre e consciente orientando a conduta para que a pena se
estabeleça como meio de tutela jurídica e retribuição da culpa moral.
f) O objetivo da pena é a restauração da ordem externa da sociedade (violada pelo
crime).
g) O crime tem sua essência na violação do direito. Repressão visa então a tutela jurídica
do direito lesado.
h) Defesa do princípio da reserva legal. Se a função da lei é tutelar bens jurídicos e se
quem infringe a tutela social infringirá também a lei, então uma ação só pode tornar-se
criminosa quando se choca com a lei. Daí, a prévia necessidade de cominação legal
para considerar-se um crime como tal.
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(1801). O Jusfilósofo alemão segue a doutrina italiana, acrescendo-lhe o rigor formal. Dele é a
consagrada fórmula nullum crimen, nulla poena sine lege (não haverá crime, nem pena, sem
lei). Código da Baviera, de 1813, é de sua autoria.
Sua famosa teoria da coação psicológica defende a idéia de pena como medida
preventiva e não retributiva. Ou seja, a pena não visa retribuir o mal praticado pelo
delinquente, mas apenas prevenir a ocorrência do delito. O Estado espera desestimular
pessoas de praticarem crimes pela ameaça de pena. A idéia aqui é a de que não compensa
praticar o crime porque haverá castigo. Vale lembrar que a ameaça é fundada na cominação
abstrata da pena, que produziria uma contra-motivação aos comportamentos ilegais. 3 Por este
motivo, fundamenta a pena na necessidade de segurança jurídica, não importando para tal o
livre-arbítrio.
Após Feuerbach, a doutrina penal alemã se ramifica em três vertentes:
a) a kantiana, que reage contra o utilitarismo contratualista e concebe a pena como
imperativo categórico (retribuição ética);
b) a hegeliana, que reelabora a retribuição ética de Kant, transformando-a em retribuição
jurídica (se o crime é negação do direito e a pena é negação do crime, então a pena é a
reafirmação do direito) e contesta a desumanidade de Feuerbach;
c) a corrente histórica, que fortalece o Direito Penal através do estudo especulativo e da
dogmática e exegese penal.
A dogmática da corrente histórica vai se consolidar com a escola histórico-positiva,
com destaque para Karl Binding. Mais erudito penalista alemão, defende que a pena é dever e
direito do Estado e, em sua aplicação, deve ser considerado o fato e não o delinquente.
Propõe, entretanto, que a pena deve ser proporcional à culpabilidade. Esse “retrocesso” era na
verdade uma oposição à idéias liberais e renovadoras que estavam sendo disseminadas na
Alemanha, principalmente por Von Liszt.
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Cf. SOUZA, P., p. 77.
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b) Visão da pena como medida repressiva, aflitiva e pessoal, que se aplica ao autor de
fato delituoso que tivesse agido com capacidade para querer e entender.
c) Limitação do Direito Penal entre os extremos da imputabilidade e da pena retributiva
(fundamento teórico na culpa).
d) Preocupação com soberania da lei e com o arbítrio estatal, limitando o poder do juiz
(quase visto como mero executor legislativo).
4. A Escola Positiva
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a) a aplicação da pena é uma reação natural do organismo social (conceito herdado da
biologia pela sociologia) contra atividade anormal dos seus componentes;
b) o delito e o delinquente são considerados patologias sociais, deixando de fazer
sentido uma pena com caráter vindicativo-retributivo;
c) a ressocialização do delinquente passa a segundo plano;
d) a pena se fundamenta na personalidade do réu, na sua capacidade de adaptação e
perigosidade e não na natureza e gravidade do crime.
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Partindo do darwinismo social (aplicação da teoria da seleção natural de Darwin à
sociedade), Garofalo tratava com certo ceticismo a readaptação do criminoso, assumindo
posições radicais em favor da pena de morte aos delinquentes que não tivessem absoluta
capacidade de adaptação na sociedade, eliminando-se o criminoso por sua incapacitação. Está
preocupado não com a correção (recuperação), mas com a incapacitação do delinquente
(prevenção especial sem objetivo ressocializador). Ainda assim, propõe a necessidade de
individualizar o castigo (e aqui se aproxima das ideias correcionalistas). Esta ênfase na defesa
social acaba por justificar o seu desinteresse na ressocialização.
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Como contribuições da fase antropolótica para o Direito Penal, podemos listar as
seguintes:
a) descoberta de novos fatos e a realização de experiências que ampliaram o estudo do
direito;
b) nascimento da criminologia como nova ciência causal-explicativa;
c) preocupação com o delinquente e a vítima;
d) melhor individualização das penas (legal, judicial e executiva);
e) elaboração do conceito de periculosidade;
f) desenvolvimento de institutos como a medida de segurança, suspensão condicional da
pena e o livramento condicional;
g) tratamento tutelar ou assistencial ao menor.
7. Escola Correcionista
A escola correcionista alemã, tratada de forma resumida por Bittencourt, tem início
com a dissertação de Karl Roder, Comentatio na poena malum esse debeat, 1839. Inspirada
no idealismo romântico alemão, tem, contudo, seus principais seguidores na Espanha.
Dentre suas principais idéias, algumas se seguem:
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a) a correção ou emenda do delinquente é o fim único é exclusivo da pena, que se
transforma em meio racional e necessário para ajudar a vontade de um membro do
Estado, injustamente determinada por fatores externos, a ordenar-se por si mesma;
b) por este motivo, a defesa social (muito menos a retributividade) é o fim da pena;
c) a pena não se dirige ao homem em abstrato, mas ao homem real, vivo e concreto, pois
é este que, sendo responsável por um determinado crime, revela a determinação
defeituosa da vontade (a quem a pena se dirige);
d) a finalidade da pena deve ser a conversão da vontade defeituosa aos ditames do direito
(idéia de fundo ético-panteísta, com inspiração na doutrina cristã e no Direito Natural).
e) o delinquente é considerado como ser anormal, incapaz de vida jurídica livre, sendo
um perigo para convivência social;
f) por este motivo, a sanção penal é vista como um bem ao delinquente;
g) assim, o delinquente tem direito de exigir sua execução e não o dever de cumpri-la;
h) a distinção jurídica entre imputável ou inimputável é irrelevante, já que o crime é
consequência de uma anomalia da vontade, negando-se o livre-arbítrio (vontade
livre);
i) a função do Estado é de assistência às pessoas necessitadas de auxílio (incapazes de
auto-governo);
j) o Estado deve atuar de duas formas: restringindo liberdade individual (afastamento
dos estímulos delitivos) e corrigindo a vontade defectível;
k) a cura do delinquente é mais importante do que a correção;
l) o saneamento social (higiene e profilaxia) passa ser o objetivo da administração da
Justiça e o juiz é visto como um “médico social”.
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CONCLUSÕES
O capítulo das escolas penais do Manual de Direito Penal, de Cezar Bittencourt, como
já dito, é introdutório, ou seja, não entra em pormenores nem aprofunda questões (ainda que o
faça mais do que boa parte dos manuais introdutórios de Direito Penal). Por este motivo, a
título de conclusão, acreditamos que tentar estabelecer relações, pontos de encontro e
afastamento entre as escolas penais tratadas seria a melhor coisa a se fazer. Para este
propósito, escolhemos a ideia de “fundamento da pena” como mote para estabelecermos os
possíveis links temáticos entre as várias escolas estudadas.
Antes de tratar da noção de pena, se mostra relevante localizar o modo como cada
escola construiu o seu corpo doutrinário. Com relação à estruturação das idéias, princípios e
fundamentos de cada escola, podemos perceber que a Escola Clássica não se estabelece como
uma escola homogênea, da mesma forma que as escolas intermediárias (Terza escuola
italiana, a alemã e a técnico-jurídica). A escola positiva, por outro lado, tende a apresentar-se
de maneira mais estruturada. O fato de estar ligado à filosofia positiva de inspiração
Comteana, que era, de certa forma, moda intelectual à época, fez esta escola importar os
rígidos conceitos das ciências físicas e biológicas, o que lhe trouxe maior homogeneidade
teórica. Tal homogeneidade e rigor metodológico não evitou, entretanto, que esta escola
apresentasse teses que se revelaram verdadeiros desastres teóricos na história do Direito
Penal, como o são as idéias de Lombroso sobre o criminoso nato e a possibilidade de
idetificá-lo através de traços físicos.
Voltando à concepção de pena em cada escola. A falta de homogeneidade
metodológica e filosófica nos leva à uma variedade de concepções mesmo dentro de uma
mesma escola. Na escola clássica, por exemplo, temos a visão jusnaturalista de Carrara que
defende que a pena tem seu fundamento na lei divina, visando a conservação da humanidade.
Tal visão nos leva à conclusão de que o fundamento da punibilidade é o livre-arbítrio,
entendido como culpa-moral. Ora, se não há capacidade de escolha (vontade livre), não há
culpa e, consequentemente, não há pena.
Ainda na escola clássica, temos uma visão diametralmente oposta. Feurbach,
representante da escola clássica alemã, fundamenta a pena na necessidade de segurança
jurídica. Conclusão: cometido um ato que atenta à essa segurança jurídica, independente da
determinação da vontade do agente que comete tal crime (ou seja, ignorando-se o livre-
arbítrio), há pena. A pena é imposta devido à necessidade que o Estado tem de desestimular as
pessoas a praticar crimes, em nada importando se a vontade do agente foi livremente
determinada.
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A escola positiva também despreza o livre-arbítrio como fundamento da pena,
defendendo a necessidade do corpo social (visto como organismo social) se defender da ação
do delinquente. Aqui, porém, percebemos um viés ditado pela filosofia positivista, que é a de
conceber a sociedade como um organismo que reage naturalmente às invasões patológicas de
corpos estranhos. Delito e delinquente são vistos como patologias sociais, e a pena é um
mecanismo automático da sociedade de reação à patologia do crime. Aqui, não faz o menor
sentido falar em livre-arbítrio, da mesma forma que seria cômico cogitar, na biologia, escusar
tratamento ao doente devido a questões de livre determinação do corpo invasor. Estas
parecem ser as consequências metodológicas da comparação entre corpo social e organismo
biológico, tão típicos do positivismo.
Ainda nesta temática, a terza escuola italiana parece apresentar uma visão
intermediária. A responsabilidade do indivíduo não é fundada no livre-arbítrio, mas isso não
quer dizer que não há, de forma alguma, a possibilidade de determinação da vontade. A
novidade aqui, que parece comportar certo desenvolvimento teórico, é a ideia de
determinismo psicológico. Segundo essa concepção, existiriam determinantes (motivo mais
forte) que conduziriam a vida das pessoas. Aquele que, mesmo tendo a capacidade de se
deixar levar pelos motivos mais fortes, mas por ato de vontade não deixou levar, praticando
atos contra essas determinantes psicológicas, é considerado imputável. O inimputável seria
aquele que, ao contrário, sequer tem a capacidade para se deixar determinar pelos tais motivos
mais fortes. A imputabilidade e a consequente necessidade de aplicação da pena, estão
fundadas na dirigibilidade psicológica dos atos do homem.
Esta posição pode ser considerada intermediária ao positivismo e à escola clássica por
um outro motivo. Segundo Bittencourt, a finalidade da pena para a escola italiana é a defesa
social (semelhante à posição positivista na sua fase jurídica). Por outro lado, para aqueles que
não podem se deixar levar pelas determinantes psicológicas, não há pena, mas a medida de
segurança. Esta não é uma punição, mas uma proteção ao próprio indivíduo. Isso, a escola
positivista não poderia aceitar.
Franz von Liszt, representante da escola alemã, apesar de também negar a noção de
livre-arbítrio, apresenta uma posição diferente das anteriores com relação ao fundamento da
pena. A partir do conceito de normalidade social, relega para segundo plano as funções
retributivas da pena. A função retributiva se fundamenta na idéia de que a pena é um mal
atribuído a alguém que praticou um mal. Uma das ideias centrais de Liszt é a de finalidade do
Direito Penal, orientado pelo princípio da utilidade. Essa visão mais pragmática torna sem
sentido a retribuição do mal ao delinquente, uma vez que a aplicação da pena, em si mesma,
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como uma espécie de vingança promovida pelo poder público, nada traz de benefício ao corpo
social. A função da pena não é retribuir um mal causado a bem jurídico, mas restabelecer a
normalidade social através da prevenção especial. A novidade aqui é que a punição passa a
servir para que a pessoa que é condenada e que a tenha de cumprir pena, não volte ela própria
a cometer crimes. Esta é ainda hoje a definição de prevenção especial. Este raciocínio (pena
como restabelecimento da normalidade social) nos leva à conclusão de Liszt de que pena justa
não é a que retribui justamente.
A escola jurídica tem uma visão mais estrita da pena. Afirmando o caráter puramente
normativo do Direito, e afastando-se dos métodos indutivos-experimentais tão cultuados pelas
escolas positivas, estabelece a autonomia jurídica do Direito Penal e sua pureza de forma com
relação a outras ciências criminais (criminologia, sociologia jurídica, etc.). O estranho aqui é
que na linguagem mais corrente do Direito, quando se fala em positivismo jurídico, de
inspiração Kelsiana, nos remetemos não às ideias da escola positiva, mas às da escola técnico-
jurídica.
Por certo, para os técnico-juristas, a figura do livre-arbítrio não tem assume nenhum
relevo especial. Ela não cabe num esquema lógico-dedutivo, que vê o delito como pura
relação jurídica. Para esta escola, a pena é vista como uma reação e consequência do crime.
Mas não cabe, por isso, nenhum tipo de medida de política criminal. A resposta ao delito é a
tutela jurídica (medida puramente jurídica e não sociológica, criminal, política etc). Isso quer
dizer: aos imputáveis é aplicada a pena com função preventiva e aos inimputáveis a medida de
segurança, não cabendo considerações não jurídicas. Esta visão é a que costumeiramente
chamamos de legalista, na melhor acepção do termo. Afirma-se que a vontade é livre de
determinações e não há escusa para o não cumprimento da lei. Uma vez não cumprida, não há
de se falar em retribuição ou repressão, mas apenas em medidas puramente jurídicas.
Por fim, temos a escola Correcionista. Influenciada pelos ideais do romantismo
alemão, tem postura crítica em relação ao extremo racionalismo e materialismo iluministas,
bem como aos reducionismos teóricos e metodológicos do positivismo. Neste sentido, a pena
não poderia ser cominada em abstrato, mas deveria se dirigir a um homem concreto e real. O
responsável pelo crime tem, na visão desta escola, um defeito de vontade que pode ser
plenamente corrigido. A pena se fundamenta nesta possibilidade de correção ou emenda da
vontade distorcida do delinquente. Inspirada em ideais cristãos, a escola chega a defender que
a finalidade da pena é a conversão do apenado. No tema “fundamento da pena”, a escola
correcionista é bastante peculiar, pois propõe medida penal sem fundo preventivo (nem geral,
nem especial), muito menos retributivo (afligir o mal a quem praticou o mal).
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Bittencourt faz bem em não indicar, no seu texto, preferência por esta ou aquela
escola. Dá, na medida do possível, indicações do que considera avanços e retrocessos teóricos
na consideração dos institutos do Direito Penal. Este parece ser o caminho mais honesto no
tratamento do tema, uma vez que a compreensão do presente através da leitura do passado não
se faz com o julgamento deste último. E esta foi a postura do autor ora analisado.
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REFERÊNCIAS
BITENCOURT, C. R. Manual de direito penal - parte geral. 6ª ed., São Paulo, RT, 2000.
BRUNO, A. Direito Penal. Rio de Janeiro, Forense, 1967.
SOUZA, P. Individualização da pena no Estado Democrático de Direito. Porto Alegre,
Sergio Antonio Martins, 2006.
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