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O populismo e as ciéncias sociais no Brasil: notas sobre a trajetéria de um conceito* Angela de Castro Gomes apresentado no XI Congresso Internacional da Associagio de lores L canistas Europens (AHILA), realizado na Univer sidade de Liverpool de 17 a22 de setembro de 1996, posteriormente publi cado em Tempo, Revista do Departamento de da Universidade Fede ral Flaminense, vol. 1, 9° 2. RJ, Relume-Dumaré, 1996, 7 UM CONCEITO, MUITAS HISTORIAS Nao importa qual seja a escolha realizadas escrever sobre 0 populismo no Brasil ser4 sempre um risco, Por ii ou por “ma” compreensio, por adesio ou por rejei¢ao, 0 texto serd alvo fécil para crfticas de todas as espécies, Neste sentido, © destino de qualquer reflexo que trate do tema reproduz, em certa medida, © préprio destino de seu objeto de estudo." Conscience, portanto, de tais percalgos, devo esclarecer que este trabalho assume uma abordagem historiografica para en- frentar 0 “tema” do populismo. Teata-se de acompanhar a traje- de um conceito na produgio académica da histéria e das cigneias sociais no Brasil, tendo por base um perfodo aproxima- do que decorre de meados dos anos 50 até os dias atuais. Tal desejo j4 é por si s6 ambicioso e exige uma estratégia altamente seletiva de operacionalizacio. Portanto, nao se pretende, de nenhuma forma, nem discutir a questi dos significados do con- ceito em outras experiéncias historicas (como a russa ou a nor- "Mas, ateamindo todas as responsabilidades, desejo agradecer os comentati- (0 do colega Daniel Aario Reis Filho a uma versio preliminar deste text 19 © POPULISMO EAS CIENCIAS SOCIAIS NO BRASIL te-americana), nem estender as observagdes aqui formuladas a outras vivéncias latino-americanas, ¢ nem mesmo tentar esgotar © debate sobre o tema em nosso pais. O objetivo deste texto é procurar identificar ¢ delinear as principais propostas elabora- das para conformar a categoria na experiéncia brasileira, situ- ando tio-somente alguns contextos, autores e textos. Desta for- matizar os rumos de uma formulagio, ma, seria possivel ainda que com muitas auséncias, localizando, de maneira, esquemidtica, argumentos e questdes centrais de um debate que se prolonga até hoje. De infcio, convém observar que se trata de um conceito com um dos mais altos graus de compartilhamento, plasticidade ¢ solidificagao, no apenas no espago académico da historia e das ciéncias sociais, como transcendendo este espago e marcando 0 que poderia ser chamado uma cultura politica nacional. Ou seja, ‘oexame da categoria exige o reconhecimento da ocorréncia de seu deslizamento de uma retérica sociolégica erudita para uma ica popular, presente nos meios de comunicagao de massa e no senso comum da populagio. Valorar este fato é importante, porque ele pode ajudar a esclarecer alguns aparentes paradoxos. Se o conceito ainda vem sendo utilizado e defendido na academia como de valor, vem igualmente sendo sistematica ¢ fortemente criticado, e mesmo abandonado, por integrantes da mesma academia. Tal debate, que se realiza ha mais de uma década, pelo menos, evidencia tanto as variagbes de sentido do conceito quanto seus graus de resistencia e virvualidade, Contudo, este nivel de questionamento parece nio afetar ito do mesmo con- em praticamente nada a aceitabilidade e tra 20 © POPULISMO & SUA HISTORIA so corrente da sociedade, pois af ele tem um significa sacorporado a meméria coletiva daqueles que, em alos, cém participagao politica: o de estigmatizador 1s ¢ da politica em nosso pais. So populistas os polf- ssanam o povo com promessas nunca cumpridas ou, 1, os que articulam ret6rica facil com falta de cardter «le interesses pessoais. & 0 populismo, afinal, que de- 0 “o povo nao sabe votar” ou, em versio mais nao aprendeu a votar”, Daf decorre uma série entos lamentaveis que, no limite e paradoxalmente, ficar a supressio do vato em nome da “boa polfti- lentifica a 1 forma, o principio da 1 experiéncia brasileira, acabou por ser associado a io de valor que hierarquiza ¢ condena in totum 0 » ¢ tudo que ele possa adjetivar.? \ente, este texto ndo pretende investigar a mecani- ento antes referido, o que remeteria a reflexio cvessante ¢ diffcil terreno da transformagio das idéias, as ew elementos integrantes do vocabulirio da cultura » pafs, numa certa época. Mas, € 0 que se deseja ia impossivel pensar, mesmo que simplificadamente, 1 académica do conceito ignorando sua apropriagio jae ela mesma passa a atuar como forga de pres- smagio dos debates que se desenvolvem sobre sua lc uma forma abrangente. Dias Duarte, “Classificagio e valor na reflexto sobre ide 1 Rath Cardoso (org, aventura antropoldgica: teria e bese io de Janciro, Paz e"Tera, 1988, © POPULISMO E AS CIENCIAS SOCIAIS NO BRASIL (© CONTEXTO DAS PRIMEIRAS FORMULAGOES Reservas feitas & fluidez de toda tentativa de periodizaco, @ escolha do marco inicial deste texto recaiu em meados da déca- da de 50, quando a academia vivia a juventude de seus vinte € oucos anos ¢ era muito recente o interesse dos cientistas soci- ais em construir andlises sobre a estrutura do poder nacional. Podemos simbolicamente assinalar, como ponto de partida des- te processo, as reunides periédicas realizadas, a partir de agostd de 1952, por um grupo de intelectuais, visando discutir os pro- blemas politicos, econémicos e sociais relacionados ao desen- volvimento do pais. Como tais reunides, patrocinadas pelo Mi- nistério da Agricultura, ocorriam em Itatiaia — a meio caminho do Rio e Sao Paulo —, 0 grupo ficou conhecido como Grupo de Itatiaia? Sao eles que, jf em 1953, criam o Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia ¢ Politica (IBESP ) ¢, no mesmo ano, co- megam a publicar os Cadernos do nosso tempo.* Esta publica- fo seria considerada bergo da ideologia nacional-desenvol- vimentista que eresceria no decorrer da década, sendo o IBESP °Partcipam do grupo e colaboram em sua publicagée, dentre outros, nomet como os de Alberto Guerreiro Ramos, Candido Mendes de Almeida, Hermes Lima, tgnicio Rangel, Joao Paulo de Almeida Magathies e, com destaque para esta reflexio, Helio Jaguaribe. *O ano de 1953 & pleno de eventos signficativos na hist6ria politica bral sa. £ o ano da eampanha do “Perrdleo € nosso", da grande greve que mobi ‘zou a cidade de Séo Paulo ¢ da reforma ministerial do governo Vargas, por ‘exemplo, Nao € casual o boom ocorrdo na drea dareflexio social na segunds retade da década, aquela dos anos JK. 22 0 PopuLisMo E SUA HISTORIA © niieleo bésico para a organizagio do Instituto Superior de Brasileiros, o ISEB.’ seleto grupo intelectual tinha como objetivo mais ime- 1 mular uma interpretago para a crise nacional em cur- lerpretagio que pretendia esclarecer e mobilizar as forgas ras do pafs, tendo em vista o desencadeamento de um into amplo em prol de reformas de base. A atuacio des- lcctuais aposta, portanto, no papel de uma vanguarda sesclarecida que, produzindo uma nova visio de mundo, abaste- éetia projetos politicos capazes de solucionar problemas estra- tdgicus por eles identificados ¢ equacionados. Um dentre os principais problemas divisados na agenda do € 0 do surgimento do populismo na politica brasileira. Fle pode ser sugestivamente exemplificado, neste texto, por um peyticno ensaio intitulado: “Que é o ademarismo?”, Publicado durante o primeiro semestre do ano de 1954, antes portanto do {div do presidente Vargas, o artigo tem como preocupagio # inével imediato a projecdo do politico paulista Adhemar de Barros como candidato 2 sucessio presidencial de 1955. Sem autor identificado, 0 ensaio considera imperativo responder & pergunta-titulo, de forma a situar precisamente a que tipo de tnanifestagio politica se esté assistindo, THESE, recém-formade, conveniouvse com a CAPES, Teixcirs, para realizar um seminario sobre os problemas br iyem do pracesso de transformagio do IBESP em ISEB, ambos respons tudos que segulam, no fundamental, as formalagées da Comissio ica para a América Latina (CEPAL). Simon Schwartzman (slegio © rodugiol. O pensamento nacionalista @ 0: “Caderaos de nosso tempo". Un, 1981 23 © POPULISMO EAS CIENCIAS SOCIAIS NO BRASIL Demaneira breve, descarta-se a identificagio do ademarismo com uma expresséo da politica de clientela, embora ele também se beneficie de préticas clientelisticas. Neste sentido, ainda que disponha de um partido, o Partido Social Progressista (PSP), sua influéncia, especialmente sobre o eleitorado de base rural, é de ordem pessoal. Assim, é 0 lider que da substincia ao partido, e nio a méquina eleitoral que sustenta o lider, como acontece- ria no caso dos politicos do Partido Social Democrético (PSD). Por outro lado, também nio se trata de umn fendmeno tipico de politica ideolégica, embora o lider paulista exerga um certo apelo difuso desta natureza em relagao a seu eleitorado urbano, reco- nhecido como amplo e diversificado, fo que Ihe convém e que 0 artigo frisa como freqitentemente utilizada na linguagem corrente é a de po- pulismo. O que se ressalta logo a seguir, porém, é a auséncia de esforgos para a conceituagdo deste fendmeno nas condigdes bra- sileiras e a necessidade de empreender tal tarefa.® De uma for- ma bem esquemdtica, pode-se dizer que 0 ensaio aponta duas condig6es fundamentais para a emergéncia/caracterizacio do populismo, Atuando como varidveis hist6rico-sociais, elas teri longa carreira em inimneras formulagées posteriores, integran- do-se ao esforgo coletivo empreendido no campo das cigncias sociais, Em primeiro lugar, o populismo é uma politica de massas, vale dizer, um fendmeno vinculado & proletarizagéo dos tra- balhadores na sociedade complexa moderna, sendo indicativo de que tais trabalhadores nao adquiriram consciéncia e senti- (Ver “Que € 0 ademarismo?™, em Simon Schwartemaa, op. cit, pp. 23-30. 2a 0 PopuLisMo £ SUA HISTORIA mento de classe: no estio organizados ¢ participando da pol tica como classe. As massas, interpeladas pelo populismo, so originarias do proletariado, mas dele se distinguem por sua in- consciéncia das relagées de espoliagio sob as quais vivem. S6.a -agdo permitiria a liberta- superagio desta condigao de massi io do populismo ou, 0 que seria quase o mesmo, a aquisigao da verdadeira consciéncia de classe. A influéncia marxista é apon- tada entio como perniciosa, por associar, de forma répida e descuidada, fendmenos populares a fendmenos progressistas de esquerda, sem atentar para o carter reaciondrio de manifesta 6es politicas como 0 populismo. Em segundo lugar, o populismo est igualmente associado a uma certa conformagao da classe dirigente, que perdeu sua representatividade e poder de exemplaridade, deixando de eri- ar os valores ¢ os estilos de vida orientadores de toda a socieda- de, Em crise sem condigdes de dirigir com seguranga o Esta se dominante precisa conquistar 0 apoio politico das massas emergentes. Finalmente, satisfeitas estas duas condigoes mais amplas, € preciso um terceiro elemento para completar 0 ciclo: o surgimento do lider populista, do homem carregado de carisma, capaz de mobilizar as massas e empolgar o poder. E da combinagao dinamica destas condigées que uma certa configuragdo politica pode ou néo se desenhar, sendo a razo pela qual 0 Brasil assistiu poderia ainda assist, segundo pro- jegdes do ensaio, a bem-sucedidas manifestagdes populistas. © que importa aqui destacar € a selegdo de variaveis hist6ri- co-sociolégicas efetuada para a construggo do modelo, bem como o perfil dos atores que o integram: um proletariado sem consciéncia de classe; uma classe dirigente em crise de 25 © POPULISWO EAS CIENCIAS SOCIAIS NO BRASIL hegemonia; um lider carismético, cujo apelo subordina insti- tuig6es (como o partido, embora com ele conviva) e transcende fronteiras sociais (de classe e entre os meios urbano/rural), O ademarismo, em meados dos anos 50, € 0 janismo, mais iam questdes que o getu- lismo ja delineara desde os anos 40, impondo as ciéncias sociais para o final da mesma década,” atu brasileiras um campo de reflexio tanto mais significativo quan- to igualmente compartilhado por outras comunidades intelec- tuais latino-americanas, Pode-se dizer, assim, que a questo do) populismo no mais abandonaria horizonte das formulagoes deste campo de estudos, sendo possivel entender por que os cientistas sociais paulistas foram particularmente sensfveis &s andlises deste fendmeno politico, que se manifestava de forma expressiva nos momentos de competigio eleitoral no estado e na capital! Uma forma simples ¢ ilustrativa de acompanhar o fluxo das reflexdes realizadas é tragar brevemente a trajetéria de Hél Jaguaribe, um dos sociélogos de maior destaque no Grupo de Itatiaia. Como os demais colaboradores dos Cadernos do nosso tempo, Jaguaribe est concentrado no esforco de compreensio da crise dos anos 50, solidamente dramatizada pelo suicfdio de Vargas e pelos episédios acontecidos durante a tentativa de impe- "Wale observar qu soviologiaeletor também em meados dos $0, comegam a surgirestudos de 0 artigo de Azis Simo, “O voto opetirio em S60 Brasilsivo de Sociologia, $io Paulo, 1955. "lem das figuras referencias de Flotestan Fernandes e Azis Simao, grandes rangas nos estudos sobre a quest racial e a questio da participagéo po- -a dos crabalhadores, este grupo de clentistas socials ser integrado por ‘nomes que se tornario obrigatéris, até hoje, nestas Sreas de investigagio. 26 © POPULISM E SUA HISTORIA nm novembro de 1955, a posse do presidente eleito, Jusceli- Kubitschek de Oliveira, Neste contexto, as formulagoes sobre dmeno populista estio imersas na temdtica mais abrangente cional-desenvolvimentismo, sendo ele entendido como uma nifestagio da transigéo dos paises latino-americanos de uma ase de economia dependente de base agrario-exportadora para a fase moderna de expansio urbano-industrial, em que a exis- ‘ia das massas é uma das caracteristicas. Dos anos 40 aos 60, portanto, o populismo teria como que s faces absolutamente indissoliveis. A econdmica, traduzida lo processo de industrializagéo em curso, reconhecido como exitoso, no pats; e a politica, mais complexa e ambfgua em ter- isde diagnésticos, materializada pela experiéncia de democra- 2 (elativa, porém impar), exemplificada pelos anos JK. Os sda década de 60, com a emergéncia da figura do presi- re Joo Goulart, o herdeiro de Vargas, ¢ de seus competido- ss, Leonel Brizola e Miguel Arraes em particular, elevam o tom tate, que, como todos os demais, sofrer4 0 impacto do wvimento militar de 1964, 0 fenémeno do populismo passa ento a integrar, com des- aque, a nova agenda de investigagbes que visava responder a a grande e crucial questo: quais foram as raz6es do golpe? ftico que uma associagio fun- neste contexto intelectual e pi mental étragada: as causas do golpe deitariam raizes no esgo- rento da experigncia populista, que passa a possuir uma cla- 1 periodizac&o. Ela tem inicio em 1930, quando eclode o mo- visnento militar liderado por Vargas, e se conclui em 1964, quan- 9 do movimento militar que depée Joo Goulart. Desta for- tanto 0 tema quanto o perfodo se transformam num impe- 27 © POPULISMO E AS CIENCIAS SOCIAIS NO BRASIL rativo de pesquisa na dren das cigncias sociais, De 30 a 64 vive~ se 0 “ciclo populista”, e este adjetivo passa a se estender a dife- rentes substantivos. Muitos intelectuais trabalhario nesta érea. Alguns, como Jeguaribe, continuando uma reflexo que mantém lagos de con- tinuidade compreensiveis com o que jé vinha sendo produzido. Ble se destaca, por exemplo, ao integrar um importante volume, organizado para circulagéo internacional por Celso Furtado, @ convite de Jean-Paul Sartre, em 1968, e que seria publicado pos- teriotmente em portugués com o titulo: Brasil: tempos moder- ‘nos. A partie desta data, e com o endurecimento trazido pelo Al- 5,0 curso dos acontecimentos politicos recebe um novo impac- to, para sé tornar a sofrer uma inflexio quando da posse do pre- sidente Geisel, em 1974, Jaguaribe estaré langando, neste mesmo ano, Brasil: crise e alternativas,”® com toda a primeit nadaa parte dest balango sobre a natureza e a crise do populismo brasi: iro, Escrito como uma conferéncia, pronunciada em 1973 no Tn ito Universitirio de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPER)), vinculado as Faculdades Cindido Mendes, o texto aponta a pre- cecupagio do autor nao mais com as origens do regime militar, ‘mas com seu futuro, que assinala movimentos de flexibi cio. we Terra, no Rio de Janeiro, eo artigo de Jaguaribe & extabilidade social pelo colonial-fascismo?”, pp. 49-76, Pariicipam da pablicagio, além de Celso Furtado, José Leite Lopes, Antonio Callado, Flozestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e também 0 livra fot publicado pela Zahar, no Rio de Janeiro, na colegio Bi im como a Paz e Tetra cem papel sit 10 de pesquisas na dtea das cignciae humanas durante 0 ze © PoPULisMo & sua MisTORIA ao longo deste perfodo, um grande grupo se . reunindo socislogos, cientistas politicos, economistas, dores, como Juarez Brandao Lopes, José Albertino 1's, Leéncio Martins Rodrigues, Emir Sader, Francisco Boris Fausto e José Alvaro Moisés, dentre outros. lo avs limites e objetivos deste texto, € impossivel apre- icativas. A inteng3o contribuigdes tio numerosas ¢ sign somente registrar a importéncia de autores e de um pen- » politico que percorre um longo perfodo, tendo influén- 4 montagem da reflexdo que se estrutura ¢ dissemina a ir de meados dos anos 60. Talvez se possa dizer que s6 en- 10 © populismo encontra, em um integrante do geupo citado, © professor de ciéncia s importante tedrico no Bra da Universidade de Sao Paulo (USP), Francisco Weffort. esta razio, torna-se necesséria uma incursdo especial a suas lagdes. (© POPULISMO NA POLITICA BRASILEIRA: SINDICATO E ESTADO Os trabalhos de Weffort sto numerosos, e mais uma ver este 10 precisa recorrer a uma estratégia de escolhas para andlise, ito de haver uma grande harmonia perpassando toda a a0 do autor ao longo do tempo. De certa forma, pode-se lar em “Rafzes sociais do populismo em Sao Paulo”, pu- ado em 1965 pela Revista Civilizacao Brasileira de Bnio da lveira, um artigo de referéncia inaugural. Em 1967, seguem- is outros artigos importantes: “Estado e massas no Brasil”, ne 29 © POPULISMO EAS CIENCIAS SOCIAIS NO BRASIL também na revista citada,"* e “O populismo na polftica brasilei- a”, Este tiltimo foi escrito para compor o niimero especial da revista francesa dirigida por Jean-Paul Sartre, Les temps modernes, organizado por Celso Furtado. Seria, contudo, di- vulgado no Brasil em duas oportunidades relevantes: ao inte- grar a coletanea, jé mencionada, que traduz 0 niimero da revis- ta francesa ¢ tem como titulo Brasil: tempos modernos, ¢ a0 compor 0 livro que reine a producio de Weffort, em 1978, e. que sugestivamente toma o nome deste artigo.” Por ser um tex- to emblemitico e por ter circulado nacional ¢ internacional- mente, foi selecionado como base para a anélise da montagem da proposta interpretativa de Weffort. Além da produgio mencionada, o autor marcou presenga com sua tese de doutorado, de 1968, apresentada d USP e i corporada, com revis6es, ao seu livro de 19783 com dois im- Portantes artigos, a saber, “Participagio e conflito industrial: Contagcm ¢ Osasco, 1968”, Cadernos CEBRAP, n° S, 1972, ¢ ‘6 importante destacar sempre a importincia de Einio da Siira,falecido lido Mendes; o Centro Brasileiro de Andlise e Planejamento (CEBRAP); e 0 Centro de Estudes de Cultura Contemporinea (CEDEQ), «ambos em Sio Paulo, sendo o dimo vinculado a Weffort, aot anos 70/80, "rail: tempos modernos vem uma segunda edigSe de 1977, da Paz ¢ Terra 10 Rio de Jancio. O populismo na politica brasiaina & de 1978 e também da Paz ¢ Terra. Estes dois sltimos volumes, com os quais estou trabalhando, integram a Cotegdo de Estudos Brasileiros da editor, cujo Conselho Editor al era composto por Anténio Cndido, Celte Furtado e Fernando Henrique Cardoso, 30 © PoPuLismo & SUA HISTORIA 's do sindicalismo populista no Brasil (a conjuntura do nerra)”, Estudos CEBRAP, n. 4, 19733! e com um longo testo, publicado em trés partes, em 1978/9, pela revista do CEDEGH ‘onvém inicialmente situar que toda esta produgio foi rea- um contexto de crise no pensamento das ciéncias so« eiras, marcada pela necessidade imperiosa de explicar, 1c de 1964 e de, para fazt-lo, revisar as interpretagoes até compartihadas ¢ utilizadas como guizs de formulagio a, Neste sentido, pode-se entender nao s6 a reagio a um igma analftico que recorria a causas de teor estrutural (s6- »ondmicas, com destaque), como igualmente a opgo por tbordagem que privilegiard os atores politicos ¢ que os , inclusive, como alvo de exfticas por escolhas realiza- n momentos estratégicos para o curso da histéria do Bra- J. Dai o tom combative de varios textos, os debates que susci- © a emergéncia da “burguesia nacional” e do movimento ical, no mais em uma confortavel posigio de promotores yvolvimento do pais. Daf também a centralidade do ator te artigo guicta um debate, que se torna famoso ma épocs, com Maria nia Tavares de Almeida e Carlos Estevan Martins, e que envolve tanto m dimensio ecadémica quanto uma dimensio militate de ertca e defesa posigbes da lideranca do Pastide Comunista, que transcendia a0 perfodo faco na andlise: a conjuntura da redemocratizagio, Sobre o debate, ver iz Werneck Vianna, “Estudos sobre sindicalismo e movimento operiio: resenha de algumastendéncins”, Boleton Informative e Bibliografico de Cit as Socials, Rio de Janeiro, e° 3, 1978 emocracia e movimento operitio: lgumas quest6es para a hst6ria do lo 1945-1964", Revista de cultura contempordnez, Ano 1, 2 1 © 2; ta de cultura politica, Ano 1, 2° 1, Sio Paulo, CEDEC, 1978/9, at © POFULISMO EAS CIENCIAS SOCIAIS NO BRASIL Estado ¢, sem davida, do tema do pop exceléncia desta trfade fundamental. smo, articulador por Para Weffort, simplificando muito, pode-se dizer que 0 Populismo € 0 produto de um longo processo de transformagéo da sociedade brasileira, instaurado a partir da Revolucdo de 1930, € que se manifesta de uma dupla forma: como estilo de governo € como politica de ma: Assumindo uma nitida perspectiva histérica, sua anélise incidird na construgio de dois tempos para a investigagao do referido proceso. O tempo das “origens” do populismo, que 0 remeterd para um estudo da natureza da Revolugio de 30 dos confrontos politicos que dela se desdobraram; e o tempo da repablica populista de 1945-1964, com a experimentagao da liberal-democracia. No que se refere as origens, trata-se de assi- nalar a crise do liberalismo oligérquico brasileiro e a necessida- de do alargamento institucional das bases sociais de poder do Estado. Isto nao significava, contudo, entender o evento de 1930 como uma revolugao burguesa, mas justamente precis4-la como uma transformagio ainda encabegada por forsas oligérquicas, capazes de tecer variadas aliancas politicas.*’ Dentre estas, figu- ram aproximag6es tanto com setores industriais econdmica e politicamente pouco articulados, quanto com as chamadas clas- ses médias urbanas e também com as classes populares emer- gentes. "E bom assinalar que data de 1970 a primeiza edicfo do hoje classico ivro de Boris Fausto, A Revolucdo de 1930: bistoriografis ¢ histévia, Sio Paulo, Brasilicnse. O consultor editorial de Sociologia e histbria desta editora era o professor da USB LeSrcio Martine Rod a2 © POPULIEMO € SUA HISTORIA ‘Ou seja, 0 quadro analitico construido aponta para a insta- rio de poder, expressa quer na lade das “velhas” oligarquias rurais, quer na fraqueza das “alternativas® ¢ dos novos segmentos do em- urbano. E esta instabilidade que funciona como start wt aproximagio com as classes populares, percebidas ¢ xs pelos grupos dirigentes, mas sem condigées orga- is e ideolégicas de pressionar por uma participagio fetiva e auténoma. na perspectiva te6rica de sabor gramsciano, 0 autor pro- © coneeito, que terd largo transito, de Estado de compro- que é também um Estado de massas. Ou seja, a idéia do misso remeteria a duas frentes que estabeleceriam, a0 sano tempo, seus limites e potencialidades. Um compromisso 1os grupos dominantes, consagrando um equilibrio insté- abrindo espago para a emergéncia do poder pessoal do ipromisso entre o Estado/Principe e as classes popula- ue passam a integrar, de forma subordinada, 0 censrio ico nacional. Estilo de governo ¢ politica de massas inte- 0.0 micleo do que seria o populismo da p Nesta formulagio, fica muito claro que o compromisso/apelo 2s muassas — segmentos urbanos em geral —é um recurso para 1 suporte ¢ legitimidade em situagao de crise de insta- lc, de incerteza politica, Por isso, a categoria-chave para fio que se estabelece entre Iider e massas € 2 de pullagio populista”, remetendo & idéia basica de controle o Fstado, mas assumindo certas especificidades que ame mais cuidadoso. Em primeiro lugar, pode-se di- 33 © POPULISMO EAS CIENCIAS SOCIAIS NO BRASIL zer que Weffort rejeita a formulagéo presente no ensaio dos anos 50 sobre o ademarismo, anteriormente mencionado, que entende 0 populismo como um fruto do processo de “mas- sificagio”, segundo modelo curopeu. Isto é, um processo sécio~ econdmico que atomizou ¢ enfraqueceu os vinculos de solidari- ‘edade da classe trabalhadora, despolitizando-a; esvaziando-a de sua forga original. ‘A categoria “manipulagio” 6 proposta, portanto, nio de forma unidirecional, mas como possuidora de uma intrinséca ambigiiidade, por ser tanto uma forma de controle do Estado sobre as massas quanto uma forma de atendimento de suas reais, demandas. Embora seja enfatizada a dimensio do “masca- ramento” existente neste atendimento, jé que os trabalhadores brasileiros eram fracos numérica ¢ politicamente, nao dispondo de tradigdes de lta como os europeus, 0 impacto da politica wenciado de maneira distinta (como acesso a ado a partir populista é aqui participagdo politica e social), e precisaria ser anal desta perspectiva. E interessante observar que Weffort chega mesmo a sugerir a substituigio de “manipulagio” por “alianga” como categoria mais precisa para o que deseja situar. Contudo, no hi investimento nesta modulacio, nem por parte do autor, nem por parte de muitos outros que seguem suas pegadas. Os motivos que iluminam a consagragio da versio do populismo como politica de manipulagao de massas repdem a relagdo entre Estado e classes populares no centro das observa- ges. E evidente, no caso, o reconhecimento da assimetria de poderes entre estes termos, Mas ha mais do que isto. Ha o dese~ mho de uma relagdo em que um dos termos é concebido como , ndo possuindo forte e ativo, enquanto 0 outro é fraco e pas aa © POPULISMO E SUA HISTORIA capacidade de impulsio prépria por nao estar organizado como classe. As massas ou os setores populares, nao sendo concebidos como atores/sujeito nesta relacao politica, mas sim como desti- natériosobjeto a que se remetem as formulagées e politi populistas, s6 poderiam mesmo ser manipulados ou cooptados (caso das liderangas), o que significa precipuamente, sendo lite- ralmente, enganados ou.ao menos desviados de uma opgo cons- ciente. Neste sentido, se o paradigma de classe operéria europeu (e outros) foi questionado, demandando-se uma ética singular para a realidade brasileira, isso se deu para reforcar uma visio de que o que existe entre nds sio massas — por defini¢o, desorganiza- das e inconscientes —, alvo privilegiado, portanto, da politica de manipulagio do Estado: do populismo. Quando 0 autor des- taca a importancia de se saber até que ponto os “interesses reais das classes populares foram efetivamente atendidos”, ou até que ponto elas funcionaram apenas como massas de manobra, pode- se sentir toda a tensio presente em sua formulagio. No caso, a resposta encaminha uma espécie de “evolugio” do populismo, jd que se estabelece uma relacdo “origindria” de dependéncia que poderia ser minimizada com o tempo, pois implicaria ambi- giiidade no reconhecimento da prépria cidadania das massas, consagrada por uma série de direitos legais. Af residiria o nd- cleo da questo histérica da incorporagio das massas a vida eco- némica ¢ politica do pafs e da possibilidade de, a despeito da manipulagdo, o processo ter sido vivenciado como positivo, especialmente durante os anos 50, a década de ouro do popu- lismo. Esta formulagio ¢ particularmente estratégica, pois permite 35 © POPULISM E AS CIENCIAS SOCIAIS NO BRASIL tanto uma interpretagio para os acontecimentos de 1964 quan- to uma leitura para o perfodo inaugurado com a Constituigio de 1946 e assinalado pelas limitadas transformagées entio implementadas. Em relagio ao primeiro ponto, a crise dos anos 60 € situada como uma crise da manipulagio populista. 10 &, Com efeito, a manipulagdo das massas entrou em crise, abriu a porta a uma verdadeira mobilizagio politica pop exat quando a econo: cegotar sta capacidade de absorgao de novos migeantes e quando se restringiram as margens de redistributivismo econémico.'* Um atento exame deste pequeno trecho pode ressaltar, de um lado, 0 estreito vinculo estabelecido entre o esgotamento do modclo econdmico de substituicio de importagées — das virtualidades do desenvolvimento industrial empreendido des- de 1930 —, ¢ 0 esgotamento do regime politico que estaria dominado pelo dilema da realizago das reformas de base ou do que se chamava 0 aprofundamento e internacionalizagao da in- dustrializagio.” De outro lado, e mais significativo para esta anilise, a interpretagao € a de que se exauriram as condigées histéricas que permitiam o funcionamento da manipulagio populista— da incorporagao tutelada das massas—, chegando- s¢ a0 momento em que estas ganhavam autonomia, transfor “Francisco Weffort.O populisno na politica brasileira op. eit, p. 70, "Esta interpretagio, muito compartilhada nas 60 e 70, vincula-se&sardises 36 © POPULISMO & SUA HISTORIA mando-se finalmente em sujeitos politicos. Ou seja, a depen- déncia origindria estaria sendo rompida, ¢ 0 anacronismo ven- cido, o que teoricamente apontaria para uma situagao favoravel a0 desenvolvimento de uma democracia nfo mais limitada, de uma democracia nfo mais populista. Contudo, ¢ este é o paradoxo que andlises posteriores irdio nente as condig6es tidas como prdprias A izacio, urbanizagio, informagio e mo- abiliza-la no Brasil de meados dos anos apon democracia (industri bilizagdo) que vio 60, Nestes termos, e em uma leitura sem diivida perversa, 0 populismo ndo limitou nossa cxperiéncia democritica, antes a possibilitou. Ora, é preciso deixar claro que este tipo de pers- pectiva no estava nos horizontes das formulagées intelectuais dos anos 50, marcadas pelo otimismo do crescimento econ6mi- co e da participagio politica popular, inclusive por via eleitoral, embora igualmente at iderangas populistas. A questo, voltando mais estritamente ao pensamento de Weffort mas nao ficando a ele reduzida, era a do diagnéstico da incompatibilidade entre transformagées econdmicas e de um lado, e manutengio institucional da democracia, de outro. Esta tensio, representada como imanejavel politicamente, s6 permitiria alternativas radicais, quer pela rea- lizagio “na marra” das reformas, quer por sua supressio, bem ntas & ascensio de novas ado uma série de textos para tecer estes comentiios, mas gosta- ria de destacar ents eles o livo de A. Rouguig, B, Lamounier e J. Scharzer, (orgs), Como roxas Rio de Janeiro, Brasliense, 1985 e, rele, os atigas de Bolivar Lamnounier e Matia do Carmo Carnpello de Souza. “Esteu a7 0 POPULISMO EAS CIENCIAS SOCIAIS NO BRASIL como a da mobilizacdo popular. Sustenta-se, assim, o esgota- mento completo do regime populista, que foi uma democracia incompleta e no uma democracia parlamentar plena, na qual tristemente nao péde se transformar."? Por conseguinte, e mais uma vez de forma paradoxal, a and- ise desta experiéncia tornava-se fundamental para pensar os rumos de uma luta pela redemocratizagao. O periodo do pés- 45 seria extremamente valorizado, e nele as atengoes se con- centrariam nas relagdes entre Estado ¢ movimento operarib/ sindical, base da mani De forma muito breve, o que se fara é elencar alguns pontos marcantes para 0 delineamento desta anélise. A centralidade da conjuntura da redemocratizagio de 1945 € um deles, Momento privilegiado, verdadeira “encruzilhada na historia”, ele marca- ria um reforco da estratégia populista e do papel desordenador do Estado em face do movimento operdrio, Mas isto nao ocor- reria, a despeito das liderancas deste movimento, em especial Andisesj& de meados dos anos 80 ressltam como eal interpreta limita cexcolhas po atureza s6cio-econdmiea inevitivel 0 curso do processo examinado. Ou seja, as questOes séo situsdas como imaneiveis pelos stores, nfo havendo possiblidade de adapragio do regime poltico e de execugdo de qualquer proposta intermediria. O que se discute hoje € muito aso dos eventos sSeio-econdmicos e muito nis que sua ropresentasio como imanejSvel no quodro institucional da época sibilidade de sustenragto da democravia. Sobre 0 tema, ver Guilherme dos Santos, Sestenta ¢ quatro: anatomia da cris, Sa0 , 1986; Argelina Figusitedo, Democracia ou reformat? Alternat- vas democritices 2 crise politica, Sio Paslo, Paz e Terra, 1993, e Angela de ‘Castro Gomes, “Trabalhismo e democracia: 0 PTB sem Vargas, em Angela C. ‘Gomes (org), Vargas e a crise dos anos 50. Rio de Janeiro, Relume Damar FGY, 1994, 38 © PoPuLISMo € SUA HISTORIA daquelas ligadas ao Partido Comunista, que optaram por uma alianga com Vargas, abrindo caminho para os desdobramentos politicos posteriores. Vale a citagio: “Pretendo sugerir que se a andlise histStica do perfodo anteti- ora 45 explica a ruptura existente no movimento operario ea perda de suas tradigées, nem por isso se encontrava predeter- minado no apés-guetra o rumo que 0 movimento operiio de- veria seguir. Sao as orientagdes vigentes em 1945-46, retoma- das e afirmadas em 1950/4, que dardo ao movimento operirio as caracteristicas que veio a possuir até 1964 como dependén- cia do regime populista brasileiro. fim do Estado Novo emerge como um novo momento original do pacto populista, desta feita retirando de Vargas © monopdlio da manipulacio e atribuindo As liderangas politi- camente engajadas uma especial responsabilidade pelos ru- mos do regime. Esta responsabilidade € tanto mais vi quanto reiterada em 1950/4, quando Vargas retorna ao po- der e finalmente comete suicfdio, H4 uma efetiva perio- indimica politica estabelecida dizagéo, elaborada a partir da entre Estado ¢ movimento operaio/sindical, onde os anos 50 se destacam por serem 0 momento de maior intensifica- cdo das pressées populares. O crescente enfrentamento que Vinha ocorrendo entre as forgas que sustentavam © pacto populista eclode quando 0 movimento popular assume for- ‘francisco Welfort,"Origens do sindicalismo popolsta no Beasil (a conjun tura do pds-guerra)”, Estudos CEBRAP, n® 4, Sio Paulo, 1973, p. 71. Em 1979/9, Weifore dé continuidade a esta andlise no CEDEC, a9 © POPULISMO EAS CIENCIAS SOCIAIS NO BRASIL mas novas ¢ mais auténomas, materializadas especialmente pelos trabalhadores rurais. © governo de Janio Quadros, um Iider populista de feigio distinta, ¢ 0 governo de Jodo Goulart, o herdeiro de Vargas, encerram o Jongo ciclo inaugurado em 30. E emblematico que tenha sido este iltimo o politico identificado pela ruptura do pacto. © momento simbélico assinalado € o do abandono do Plano Trienal, em meados de 1963, com as safdas de Celso Fur- tado e Santiago Dantas de seus postos governamentais. Como 0 caminho escolhido foi o das reformas radicais, ja que a premis- sa era ada impossibilidade de solugdes negociadas, o movimen- to militar de margo de 1964 acal inaugurada em 1945, Em fins dos anos 70 ¢ i sente ¢ marcante nas ciéncias sociais brasileiras. Além do impor- tante texto de Weffort, publicado em trés partes na revista do CEDEC e jf citado, pelo menos uma outra contribuigso pode ser mencionada, pelo carter de revisio do tema que assume, Trata-se do artigo de Regis de Castro Andrade, “Perspectivas no we procura fazer uma dis- estudo do populismo bra cussio conceitual ¢ defender uma interpretagio que se distanci- aria daquelas que enfatizam a dimensio das as politicas politica & economia, importava nao exagerar a independéncia da politica, 0 que suscitava a idéia de um Estado tutelar, repre- sentante de uma “diversidade nacional”. © autor cita, como Encontros com a so Bra in” 7, Rio de Jancire, 0 PoPpuLISMo & SUA HISTORIA exemplo a se contrapor, as anilises de Octavio Tanni e K. PB Erickson,” mas no € infundado estender suas observagées & constituigio da proposta de Estado de compromisso/Estado de massas, Isto porque tais formulagdes tém nitida inspiragdo no conceito gramsciano de Estado bonapartista, modernizante, marcado pela auséncia de hegemonia de classe e pela presenga de um Estado arbitral Portanto, retomando a categoria populismo, R. C. Andrade ird defender a tese de que, a partir do Estado Novo, inaugurou- se no Brasil uma forma de supremacia burguesa cuja marca foi o encobrimento” do governo direto da burguesia por meio do controle de poderosos érgaos do poder Executivo e de seus ministétios. Quanto ao pacto entre Estado e massas populares, reconhecido por meio da legislagio trabalhista, € reafirmado 0 controle das massas, mas ¢ questionada a idéia que “reduziria” © populismo a um modelo de manipulagio resultante de confli- tos intra-elites, Para o autor, que tais andlises ignorariam era gue o proprio controle populista necessitaria de um espago de livre expresso das massas, para entio transformar suas deman- das em doagdes, apropriando-se, com antecedéncia, de qual- quer projeto auténomo alternative. Além disso, as presses po- pulares nunca seriam de fato esponténeas, estando sempre liga~ "Um dos tabalhos mais importantes de [anni & O zolapso do populismo no Brasil, Rio de Janciro, Ci ca, 1968 (uso a 3 ed, de 1975 ‘com relevo para sua seg smo e nscionalismo”, onde o autor relaciona politica de massase nacional-deseavolvimentismo. O {nfluente live de Kenneth Paul Erickson é Sindicaliamo no procesco politico brasileiro, Sie Paulo, Besiliense, 1978, fandado em pesquisas realizadas em 1966/7, para seu doutorado. 4a © POPULISMO E AS CIENCIAS SOCIAIS NO BRASIL das a liderangas organizadas (no PC, com destaque) politica- mente, Por estas duas ordens de razées, a manipulagdo (que nao € descartada) jamais era completa, havendo momentos de mo- bilizagdo progressistas ¢ conservadores. Ou seja, por meio desta reflexao estd sendo afirmado ndo s6 0 carster francamente bur gués do regime populista, como sua natureza ambigua ¢ contra ditdria, tanto autoritéria quanto democrética. Um equilibrio sem diivida instivel, que poderia ser rompido pelo crescente peso dos setores populares, sobretudo em situagées de crise econ6- mica ou politica. Desta forma, todos os exemplos de mobilizagio corridos entre os anos 40 ¢ 60 mostrariam esta dupla face: a do fortalecimento das forgas populares e a da crenga em um Estado benevolente. (© que se deseja destacar, para finalizar este item, é como 0 debate sobre 0 conccito de populismo galvanizou as atengoes dos cientistas sociais durante mais de uma década, envolvendo ta € sindical; 0 cardter de nossa experiéncia demo- critica de pés-1945, além de iluminar as raz6es do movimento militar de 1964. As muitas nuances para delinear 0 conceito, préprias as formulag6es de cada autor, no foram obviamente aqui contempladas, descjando-se registrar apenas a contribui- ao possivelmente mais influente —a de Weffort —, nao s6 por fazer escola, como igualmente por suscitar polémicas e varia- ges sobre 0 mesmo tema. Contudo, como se buscou apontar com o texto de Regis de Andrade, ainda que se procurasse, em fins dos anos 70, flexibilizar a idéia de manipulagio ¢ reforgar ainda mais a ambigtidade existente no conceito de populismo (ambigitidade por sinal presente em Weffort), sua utilizagio era quase uma imposigio, pelo compartilhamento jé alcangado ¢ pela falta de vers6es alternativas de maior transito. 0 POPULISMO, DE PEDRA A VIDRAGA ‘Também em fins dos anos 70 e inicios dos 80, pode-se localizar uma crescente insatisfago com 0 uso do conceito e 0 inicio de tum esforgo mais sistemitico no sentido de elencar as questées teéricas ¢ histéricas que, nesta abordagem critica, ele obscure- ceria. E possivel associar, mais uma vez ¢ sem mecanicismos, esta busca de novos angulos interpretativos as transformagéies que a sociedade brasileira vivenciava, particularmente no que diz respeito ao “renascimento” de movimentos sociais diferen- ciados, dentre os quais o grande destaque residia na retomada do sindicalismo. O governo do general Geisel, em curso, anun- ciava uma distensio “lenta e gradual”, 0 que tornava imperaci- ‘vo pensar uma préxima — nao se sabia 0 quio préxima — ex- periéncia de Assembléia Nacional Constituinte. Classe traba- Ihadora, mobilizagio politica e redemocratizagio estavam na ordem do dia, desdobrando-se em anistia, eleigdes diretas e or- ganizagio sindical. ‘Mudangas também ocorriam nas referéncias intelectuais dis- poniveis para pensar o pats, jé que, a nivel internacional, este é uum rico momento de debates na area da histéria e das ciéncias sociais, gerando o que se tornara conhecido como a crise dos paradigmas totalizadores, fossem funcionalistas, estruturalistas ‘ou marxistas. Gramsci, muito utilizado nas andlises sobre o fe- 43 0 POPULISMO & AS CIENCIAS SOCIAIS HO BRASIL ‘némeno populista no Brasil, comecava a ganhar competidores dentro do préprio campo marxista, que se renovava, merecen- do destaque a contribuigao de E. 2 Thompson, pelo impacto que teve na produgio acad ficativo 0 abalo sofrido por orientagées marxistas de fundo teleolégico que postulavam um certo modelo de consciéncia de classe revolucionaria para 0 operariado, permitinda todo um conjunto de interpretagdes que se respaldava no desvio ou na inconsciéncia daqueles atores quando, nfo preenchendo os re- ieados, interferiam nos ramos dos acontecimentos tos d histéricos que insistiam em nao seguir o curso imaginado.® Correndo certamente um risco ainda maior do que o que jé vem sendo enfrentado, a estratégia deste texto seré a de seleci onar 0 meu préprio trabalho como exemplo de debate com a proposta populista, Alternativa que se afigura prete! que se niio fosse contemplada faria o investimento soar falso, ia ser tratado, e mencionar osa, mas uma ver. que algum texto preci minha prépria produgio facilita o recebimento de eriticas, A invengao do trabalhismo comegou a ser pensada e pro- te no contexto jf referido. Sen objetivo era duzida exatam dialogar com enfoques que até entao eram muito abrangentes ical ¢ que, posteri- nos estudos sobre movimento operér tais observagdes funcionam apenas coma intengio de analisar a recepgio no Brasil ibuigies especificas, Angela de Casteo Gomes. A invengdo do trabalhiemo (S40 Paulo, Véstice, 1988, © Rio de Janeiro, ime-Dumard, 1994) foi minka tese de 2, defendida no IUPERJ sob orientagio de © PoruLismo £ sua WisTORIA ormente, ganharam a denominagio de “sociolégico” e “politi- co”25 Mas a preocupacao dominante nao era a de fazer uma discussio te6rica (que, de resto, vinha sendo realizada), ¢ sim, assumindo uma perspectiva interdisciplinar, produzir uma in- terpretacdo histérica alternativa, fundada em pesquisa empfrica mais demorada ¢ ilumminada pelas novas contribuigdes da pro- wadora. nal sobre a formagio da classe trab: Neste sentido, uma série de pontos se colocavam como ob- jeto de flexibilizagio e/ou de questionamento. Em primeiro lu- gar, tratava-se de repensar a ruptura assinalada pela Revolugio de 1930 como instauradora de dois “tempos” para o movimen- to operdrio, onde um se afigurava como “herdico”, € 0 outro como “alienado”. Isto ocorreria tanto porque mudara radical- mente a composig&o social da classe trabalhadora, no mais for- mada por imigrantes estrangeiros (qualificados e politizados) € sim por migrantes rurais (desqualificados e sem tradig6es politi- cas); quanto porque 1930 seria o marco da intervengio de- sordenadora do Estado, aspectos que, associados, produziriam um verdadeiro desmonte da classe. A alternativa era no apenas construir lagos de continuida- de e marcos de descontinuidade entre os dois tempos, jé que de forma alguma transformagbes eram ignoradas e negadas, como igualmente defender, teoricamente, que um proceso hist6rico de construgio de classe nio sofse “desvio”, pois nao hé um modelo prévio de percurso a ser seguido ¢ muito menos um 20 artigo que asinala e consagra esta terminologia é 0 de ‘Viana, “Esnudos eb singicalismo e movimento operitio: cereaha de algu- mas tendéncias", op. cit 4s © POPULISMO & AS CIENCIAS SOCIAIS NO BRASIL resultado modelar a ser alcangado. Tais formulagbes implica- vam considerar uma classe trabalhadora diversificada e afastada de purismos ideoldgicos, e uma agio estatal como varidvel de interlocugio, o que precisava ser qualificado para além de uma intervengao espiria que quebrava a ordem natural de um pro- cesso. Portanto, a idéia era investigar a histéria da constituigao da classe trabalhadora no Brasil, atribuindo-lhe, durante todos os “tempos”, um papel de sujeito que realiza escolhas segundo 0 horizonte de um campo de possibilidades. A abordagem se re- cusava a atribuir aos trabalhadores uma posicéo politica passi- va, nfo importando se mais ou menos completa. Aqui residia a grande dificuldade, tedrica ¢ histérica, de utilizagao do concei- to de populismo, que, como foi visto, remetia 2 idéia de mani- pulacio politica, ainda que se reconhecessem todas as suas am- bigiiidades, Por raz6es que se prendiam a seu préprio uso com- partilhado, tudo 0 que estivesse qualificado como populista enfatizava a dimensio de controle/agio do Estado sobre as mas- ive uma das quest6es mais complexas desta for- mulagio era a prépria negacao do estatuto de classe (por falta de organizagio e conscigncia) aos trabalhadores inclusos nestas massas, que, sem diivida, os extrapolavam. Atribuir aos trabalhadores um papel ativo, vale dizer, uma presenca constante na interlocugéo com a Estado, significava reconhecer um didlogo entre atores com recursos de poder di- ferenciados mas igualmente capazes nio s6 de se apropriar das propostas politico-ideolégicas um do outro, como de relé-las. Tal postura afastava a dicotomia, muito vigente, entre autono- mia e heteronomia da classe, como forma de designar e explicar 46 © POPULISMO & SUA HISTORIA a auséncia de liderangas “verdadeiras” e a “falta de conscién- cia” ou a “consciéncia possfvel”. Este aspecto era importante porque vinculava-se 8 explicagao do sucesso das liderangas populistas, nunca oriundas da classe, e por isso mesmo tendo 0 poder de colocar sob suspeigao aqueles que com elas se relacio- navam, no caso as liderangas sindicais pelegas do regime populista, entre ingénuos e traidores. Como desdobramento deste ponto, seguia-se a utilizagio da categoria cooptacao como o reverso da representacio, ou vez, ainda que de forma imprecisa, como a atuagio sobre aquele que é manipulado/enganado. Ser cooptado exclufa assim uma relagdo de troca, esvaziando 0 sujeito da cooptagio de qualquer poder (inclusive o de ter suscitado a cooptagio), transformando-o em objeto que &, por definigdo, incapaz de negociacio, Por estas intimeras razées, que se prendiam ao efeito obscurecedor que o sentido do conceito de populismo acarreta- tia, a opgio do trabalho foi rejeitar seu uso, muito embora nfo hhaja nele uma argumentagio explicita, como a que se fez agora, sobre esta decisdo. Ela, sem davida, esta implicita, em particu- lar quando se prope assumir a designag4o de pacto trabalhista para pensar as relagées construfdas entre Estado e classe traba- Thadora, escolhendo como momento estratégico de sua monta- gem os anos do Estado Novo. A idéia de pacto procurava enfatizar a relagéo entre atores desiguais, mas onde nao hé um Estado todo-poderoso nem uma classe passiva porque fraca numérica e politicamente. A légica deste pacto, cuja efetivagio estava sendo datada, precisava ser centendida numa perspective temporal muito mais ampla, que ar © POPULISM E AS CIENCIAS SOCIAIS NO BRASIL conectava 0 perfodo do pré- ¢ do pés-30 ¢ as experiéncias af vivenciadas pela classe trabalhadora e pelo Estado. Neste aspec- to particular, o trabalho procurava se contrapor a uma forte interpretacdo que explicava o sucesso populista como o resulta- do de um célculo utilitério em que ganhos materiais eram troca- dos por obediéncia politica, claramente referida & dimensio da manipulagio. A proposta realizada, j4 no marco de contribuigées teéri- cas ligadas 4 dimensio cultural da politica, assinala que o dis- curso trabalhista, articulado em infcios dos anos 40, apropria ¢ resignifica 0 discurso opersrio construido de forma lenta e diversificada nos anos da Primeira Repablica. Os beneficios materiais “oferecidos” e implementados, como todas as anil ses anteriores reconhecem com intensidades variadas, bem como a prépria forma com que vém revestidos, serfio “recebi- dos” e interpretados pela classe trabalhadora, que os apreen- derd e os manejar4 segundo os termos de suas possibilidades vivéncias. O pacto trabalhista, pensado 20 longo do tempo, tem nele, de modo integrado mas nao redutivel, tanto a pala- vra e a agio do Estado (que sem duivida teve o privilégio de desencadeé-lo), quanto a palavra e a ago da classe trabalha- dora, ressaltando-se que nenhum dos dois atores é uma totali- dade harménica, mantendo-se num processo de permanente re-construgao. Se a referéncia teGrica mais geral ¢ esta, sua atualizacao em cada caso de estudo hist6rico especifico, longe de ser prescindt- vel, é absolutamente imperiosa. Este reconhecimento pode abrir perspectivas para repensar, nos anos 30/40, as razoes da partici pagio dos trabalhadores na implementagio do modelo de ae © POPULISMO E SUA HISTORIA sindicalismo corporativo (0 que chega a ser mencionado), , nos anos 50/60, a complexa dindimica de atuagio politica que envolve sindicatos, partidos e Estado (0 que nao chega a ser tratado), € que tem na questio da experiénciaivivencia do corporativismo seu ponto forte. ‘Como se pode facilmente depreender, A invengao do trabalhismo € apenas um dos exemplos de interlocugio com 0 conceito de populismo, ¢ certamente no é um dos que toma a ndo 0 aberto debate tedrico. Contudo, nos limites deste tex- (6, funciona ilustrando preocupagées, abjegdes e propostas al- ternativas que foram crescentemente sendo compartilhadas por utros autores. De qualquer modo, é preciso reconhecer que o cstabelecimento deste debate esta longe de ter abalado o transi- ww do conceito de populismo. UM GATO DE SETE VIDAS snas como demonstragao da afirmagio de linhas atrés, vale a pena trabalhar com uma publicagio recente, organizada por Uvelina Dagnino e intitulada Anos 90: politica e sociedade no Brasil, cuja primeira parte é dedicada a0 tema do populismo.” 'SViios eetudos foram produsidos a partir dos anos 80 discutindo as ques- las. Gostaria de citar o nome de alguns aucores, por vezes ‘om mais de um trabalho, apenas coro registro: Elina Fessanha; Regina Morel I 1 Ricardo Ramalho; José Sérgio Leite Lopes; Carla Anastisiag Angela Ara- 5 Marcelo Badaré Mattos; Ana Lucia Oliveira, "Svelina Dagnino (org), Anos 90: politica e sociedade no Brasil, $40 Paulo, 49 © POPULISMO £ AS CIENCIAS SOCIAIS NO BRASIL Para 0 espago restrito deste texto, um dos artigos é particular- ‘mente interessante: “A reemergéncia do populismo no Brasil e na América Latina, de Décio de Azevedo M. Saes.2* ‘O autor parte exatamente da interrogagao sobre uma possi- vel reemergéncia do fenémeno populista, respondendo afirma- tivamente e procurando caracterizar as novas formas que ele estaria assumindo nos anos 90. Por esta via, traga-se uma espé- cie de tipologia onde se procura distinguir entre um “populismo classico”, vigente entre as décadas de 1930-1960 e interrompi- do pelo regime militar, e um “populismo neoliberal”, que esta- sia atualizando aquela matriz politica ap6s a reativacao do pro- cesso eleitoral e do pluripartidarismo, instalados nos anos 80. Haveria assim um “neopopulismo” nio s6 brasileiro, mas lati- no-americano, interferindo nas expectativas de consolidagao da democracia no continente, Trabalhando com 2 idéia de um proceso crescente de “personalizagao da politica”, préprio as sociedades capitalistas atuais que alimentam uma “autonomizagao” da personalidade individual e um “imperialismo da vida privada sobre a vida pa- blica” como valores politico-sociais, o autor procura explicar a reemergéncia do fenémeno de liderangas carisméticas, inclusi- ve no interior de organizagdes de esquerda, Bste fato, segundo ele, poderia conviver com um contexto de reativacio eleitoral ¢ partidéria (portanto, 0 fortalecimento dos partidos nao € um “horizonte natural” dos anos 90), ¢ com a difusio da midia eletrénica, mas estaria igualmente associado aos vinculos que as ‘artigo (pp. 41-8) softerd, obviamente, muitassimplificagoes nesta répida sincese de seu argumsento, so 0 popuLismo € sua mIsTORIA liderangas conseguem manter com os setores populares a serem incorporados socialmente. Este modelo reteria do anterior o principio basico de que é 0 lider/governo que atua como sujeito da politica, sendo os se- cores populares objeto de politicas publicas, donde seu contet- do autoritério e seu apelo direto ao povo. Contudo, ele se dis- mo classico” ao constr tinguiria radicalmente do “popul um scurso politico antiestatizante, rompendo com uma tradigao ida ¢ lentamente construfda no Brasil, que vincula estatismo ou estatizagio a signos de nacionalismo e desenvolvimento. Ou seria pelo desmonte do Estado, identificado inclusive com x experiéncia populista, que o governo asseguraria, através do mercado, uma nova mecanica redistributiva. Dai a designagio de populismo neoliberal e 0 cuidado em 'servar que tal proposta trabalha com dados coerentes da rea lidade social ao evocar o fracasso do welfare state ¢ os indices ago das infor- x de corrupgio politica mais visiveis pela dissen magées. Uma nova fase do desenvolvimento do capitalismo ¢ uma iberal-democratica estariam, nesta interpre- nova experiénci tag, gerando um novo populismo. Esta abordagem fica ainda mais reforgada se a ela forem ageegados alguns elementos pre- sentes no artigo de Marilena Chaui, da mesma coletinea.” Para esta autora, 0 populismo no Brasil poderia ser pensado segundo na matriz teolégico-politica ¢ funcionaria como uma mitolo- fundadora tanto para as classes dominantes quanto para as igo € “Ratzesteoldgieas do popalismo no Brasil: teoeracia dos domi "0p. city pp. 19-30. © POPULISMO EAS CIENCIAS SOCIAIS NO BRASIL classes dominadas. Ela defende que a prépria organizagio da sociedade brasileira € autoritér ada e hierar- quizada —, havendo assim uma retroalimentagio entre socie- dade e mitologia/politica” Esta situagio trgica explicaria tanto a impossibilidade da efetuagao da idéia liberal-democratica de politica no Brasil, ba- seada nas nogbes de cidadania ¢ representagao, quanto a impos- sibilidade de sustentagio do valor socialista da justi 0 profunda, no superarfamos a matriz mfstica do populismo, que se renovaria, sistematicamente, como pers- ‘a para os setores populares. cl, para quem trabalha com pensamento social ‘© eco de vores que, muito antes dos anos $0, na verdade desde os inicios do século, diagnosticavam 0 Pela mest pectiva messin carter insolidério de nossa sociedade e nele plantavam as rafzes de um inevitivel (embora, talvez, transitério) forte Estado toritério. Se par: lguns destes pensadores, este diagnéstico era também um desejo a ser realizado, para outros era um tormen- toa ser evitado, nao se sabia bem como. Hoje, as vésperas de um novo milénio, talvez se possa pen- sara reemergéacia do populismo como uma atualizagio de nos- sa tragédia. Confesso, para concluir, que me preocupo menos "Ao dizer que a sociedade brasileiea¢ autoritiria, estou pensanclo em certos teagos gerais cas relagdes socials que se reperem em codas as esferas da vida social (da familia 20 Fstado, passando pela rlagSer de trabatho, pela escola, tara)." Na p. 27 do artigo citado, e, para 0 que se estd destacando, o$ Sobre o tema, ver Angela de Casiro Gomes, “A dialéica da tradigao”, Re ta Brasileira de Ciencias Sociais, ° 12, vol, 8 1980, pp. 15-27. 52 © POPULISMO & SUA HISTORIA com 0 sucesso ou insucesso da categoria — pela qual, como ficou claro, néo tenho apego —, do que com o que ela guarda de dramitico e emblemético da politica brasileira, condenada 20 autoritarismo, Quem sabe, como uma erianga, entre a razdo ce aesperanga, eu me negue a fazer escolhas e com ambas procu- re conviver. POS-ESCRITO Nao importa qual seja a escolha realizada: escrever sobre 0 populismo no Brasil ser sempre um risco. Por incompletude ou rejeigho, 0 texto seré ou por “ma” compreensio, por ad alvo fécil para criticas de todas as espécies. 0, tratar da questo do popu rulante para o historiador e 0 cien- Mas, mesmo com este no Brasil é um exercicio es tista social, Por esta razo, concordei com a republicagio do artigo precedente, redigido em infcios de 1996 para ser apre- sentado em um congresso internacional, sem quaisquer altera- ges, acrescido apenas deste pequeno pés-escrito, Um dos motivos da opgio pela auséncia de revisio €a pré- pria natureza do texto, Nele, eu escolhi uma abordagem his- toriogréfica para enfrentar o “tema” do populismo, donde o seu subtitulo: notas sobre a trajetéria de um conceito, Quer dizer, men objetivo nao era realizar a andlise hist6rica de qual- quer fendmeno da realidade social ao qual a categoria populismo estivesse vinculada, mas sim refletir sobre a traje~ ria da prépria categoria, 0 que poderia iluminar a compre ensio de seus usos. Minha proposta, ainda pouco freqtientada 53 © POPULISWO EAS CIENCIAS SOCIAIS NO BRASIL no Brasil, era a de um trabalho com historia de conceitos, por considerd-los, eles mesmos, produces académicas que podem ser datadas; que podem ser contextualizadas: onde e em que condig6es conjunturais ocorreu a construgio teérica de um certo conceito, ¢ qual 0 seu sujeito? Assim, se a preocupagdo do artigo era esta, ele também deveria manter sua “data”, de- marcando 0 momento em que eu o escrevi e o motivo por que o escrevi. A meu juizo, este tipo de proposta tem alguns pressupostos implicitos. © primeito deles € que conceitos, todos eles, sio construgées tedricas, elaboradas por intelectuais em determina- dos momentos, para compreender fendmenos da realidade so- Portanto, nesta abordagem, imaginar a possibilidade de um conceito que nao seja um construto intelectual, “distanciando- se” da realidade justamente para poder com ela operar de ma- neira mais densa, é carta fora do baralho. As “palavras” nio sio as “coisas”, mas a elas se referem, podendo ganhar sentidos di- ferenciados através dos tempos. Exatamente por i880, 0 enten- dimento dos contextos de produgio das “palavras” esclarece sobre os “sentidos” das quais elas so investidas, sentidos que tém hist6ria — sécio-cultural ¢ no “natural” —, que podem e devem ser compreendidos. Ou seja, é to inconcebtvel, para quem esté trabalhando nessa perspectiva, supor que possa ha- ver conceitos que ndo so “invengdes” académicas, quanto su- por que coneeitos possam ser produzidos sem estimulos & vinculagdes com as questdes que povoam a “realidade” dos que 0s elaboram. A segunda razdo para a manutengéo do texto sem re\ s6es foi a intengao de usé-lo para acentuar 0 proprio contex- 54 © POPULISMO E SUA HISTORIA to intelectual que me levou a optar pelo abandono do uso da categoria de populismo em meu livro A invencdo do abalhismo. O momento era o da primeira metade da déca- da de 1980, hé quase vinte anos, quando a adesio ao concei- 10 era muito disseminada, na academia e fora dela, tendo ele um “sentido” amplamente reconhecido, compartilhado pouco criticado. Era precisamente desse “sentido”, que transforma uma “pa- lavea” em conceito, e ndo essencialmente da “palavra”, que eu queria me afastar, na medida em que estava rejeitando seu con- tetido basico, De forma breve, para nao ser repetitiva: de uma classe trabalhadora “passiva” e sem consciéncia, sendo “manipulada” por politicos inescrupulosos que a “enganavam”, e que nao tinham, na verdade, representatividade politica e so- cial. O que eu pretendia demarcar era justamente que nao acei- tava esta concepcio, nem de classe trabalhadora, nem de pacto politico. O uso da “palavra” populismo, assim, me pareceu algo extremamente danoso para enunciar 0 que eu desejava defen- der, e a “palavra” trabalhismo, cuja invencdo eu acompanhava em minha andlise histérica, surgia como muito mais adequada para a proposta da entdo tese. Quer dizer, trabalhismo seria usado, por mim, como uma categoria, passando a se referir a uum certo conjunto de idéias e praticas politicas, partidarias sindicais, 0 que poderia ser identificado para além de seu con- texto de origem histérica: 0 Estado Novo. Como todas as “pa- lavras”, trabalhismo também nao estava desprovida de signifi- cados sociais, estando ligada a alguns partidos e liderangas, es- pecialmente e nao casualmente, do pés-45. Ainda assim, consi- derei interessante sua proposicio, chamando atengéo para a ss © POPULISWO EAS CIENCIAS SOCIAIS NO BRASIL necessidade de sua atualizagdo em outros estudos que se dedi- assem a outros cortes temporais. Na casio, também quero reforcar, a insatisfacio com 0 conceito de populismo era até certo ponto discutida nos meios académicos, ¢ a propo lade de se repensarem postulados vinculados as praticas de liderangas politicas ¢ cais do p6s-30 e sobretudo do pés-45 também. Razoavelmente, € bom frisar, pois vejo hoje como o debate cresceu e se enrique- ceu, beneficiando-se de um bom ntimero de trabalhos que se afastam da idéia de “manipulagio” em politica e retomam as ncias partidirias e sindicais do perfodo entre 1930 & 1964. Textos que tém como seu objeto a propaganda politica ‘ou que voltam sua atengio para o movimento operirio e sind wrestindo os trabalhadores de vor ¢ ressaltando suas com- cal, plexas relagdes com o patronato ¢ Estado. No artigo anteriot, i alguns autores, cujos em nota de rodapé, chego a menci textos conhecia bem na época, mas verifico que eles aumenta- ram muito em mimero, sobretudo na segunda metade da déca- da de 1990, Na verdade, este fato esté nitidamente inserido na tendén- cia de crescimento dos estudos de histéria operdria no Brasil, que tanto tém procurado revisitar as experiéncias da classe trabalhadora em varios momentos e espagos, quanto tém bus- cado enfrentar os desafios lancados pelas transformag&es ocor- ridas no mundo do trabalho neste fim de século. Aliés, foi uma dessas recentes publicagées que mais me estimulou a redigit este pos-escrito, j& que em seus textos realiza um apanhado e um debate sobre varias quest6es vinculadas & produgio de uma hist6ria social do trabalho na América Latina, incluindo o 56 © POPULIsMo € SUA HISTORIA “tema” do populismo.”? Conforme j4 destaquei no artigo an- terior, o transito que a categoria populismo possui na cultura politica do pais e os processos de seu “deslocamento” da lin- guagem académica para 0 vocabulério da midia e da popula- 80 esto a nos desafiar ¢ a merecer reflexes. Conforme tam- destaquei, preocupa-me menos o sucesso ou insucesso alavra” do que a permanéncia do que ela guarda de dra- bem da mitico e emblemético da politica brasileira, vista sempre como 4 beira do autoritarismo e sendo alvo facil de politicos tio habeis quanto cinicos. Este pés-escrito nao é, portanto, um exercicio de zelo a polémica, mas a continuagao de uma refle- xo que quer compreender a sociedade e a politica bras acreditando que elas possam se orientar, com solidez, por va- lores democraticos. URefiroxme ao livco de Alexandre Fortes, Antonio Luigi Negro, Fernando Teixeira da Costa e Paulo Fontes, Na lata por direitos: estudos recentes em Histria Social do Trabalho. Cempinas, Ed, da UNICAME, 1999. ‘Todos os autores t8m trabalhos individuais sobre o assunto, ¢ dois deles s4o autores dessa coletinea. No livro, ver parcicularmente a entrevista do timo cexpitul. s7

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