Vamos aqui passar em revista todos os atos do nosso entendimento que nos permitem chegar ao conhecimento das coisas, sem nenhum receio de engano; admitem-se apenas dois, a saber, a intuio e a deduo. Por intuio entendo, no a convico flutuante fornecida pelos sentidos ou o juzo enganador de uma imaginao de composies inadequadas, mas o conceito da mente pura e atenta to fcil e distinto que nenhuma dvida nos fica acerca do que compreendemos; ou ento, o que a mesma coisa, o conceito da mente pura e atenta, sem dvida possvel, que nasce apenas da luz da razo e que, por ser mais simples, ainda mais certo do que a deduo (). Assim, cada qual pode ver pela intuio intelectual que existe, que pensa, que um tringulo delimitado apenas por trs linhas, que a esfera o apenas por uma superfcie, e outras coisas semelhantes, que so muito mais numerosas que a maioria observa, porque no se dignam aplicar a mente a coisas to fceis. Poder agora perguntar-se porque que intuio juntmos um outro modo de conhecimento, que se realiza por deduo, por ela entendemos o que se conclui necessariamente de outras coisas conhecidas com certeza. Foi imperioso proceder assim, porque a maior parte das coisas so conhecidas com certeza, embora no sejam em si evidentes, contanto que sejam deduzidas de princpios verdadeiros, e j conhecidos (). Distinguimos portanto, aqui, a intuio intelectual da deduo pelo facto de que, nesta, se concebe uma espcie de movimento ou sucesso e na outra, no; alm disso, na deduo no necessrio, como para a intuio, uma evidncia actual, mas antes memria que, de certo modo, vai buscar a sua certeza. Os primeiros princpios conhecem-se somente por intuio e, pelo contrrio, as concluses distantes s podem ser conhecidas por deduo. () Eis as duas vias mais seguras para chegar cincia () todas as outras devem ser rejeitadas como suspeitas e passveis de erros. Ren Descartes, Regras para a direco do esprito, Lisboa, 1989, Edies 70, pp. 20-22.