Sie sind auf Seite 1von 4

VIII DESÂNIMO

Dois dias passaram depois da chegada dos Aimorés; a posição de D. Antônio de


Mariz e de sua família era desesperada.
Os selvagens tinham atacado a casa com uma força extraordinária; diante deles a
índia, terrível de ódio, os excitava à vingança
As setas escurecendo o ar abatiam-se como uma nuvem sobre a esplanada, e
crivavam as portas e as paredes do edifício.
À vista do perigo iminente que corriam todos, os aventureiros revoltados
retiraram-se e trataram de defender-se do ataque dos selvagens.
Houve como que um armistício entre os rebeldes e o fidalgo; sem se reunirem, os
aventureiros conheceram que deviam combater o inimigo comum, embora depois
levassem ao cabo a sua revolta.
D. Antônio de Mariz, encastelado na parte da casa que habitavam, rodeado de sua
família e de seus amigos fiéis, resolvera defender até à última extremidade esses penhores
confiados ao seu amor de esposo e de pai.
Se a Providência não permitisse que um milagre os viesse salvar, morreriam todos;
mas ele contava ser o último, a fim de velar que mesmo sobre os seus despojos não
atirassem um insulto.
Era o seu dever de pai, e o seu dever de chefe; como o capitão, que é o último a
abandonar o seu navio, ele seria o último a abandonar a vida, depois de ter assegurado às
cinzas dos seus o respeito que se deve aos mortos.
Bem mudada estava essa casa que vimos tão alegre e tão animada! Parte do edifício
que tocava com o fundo onde habitavam os aventureiros tinha sido abandonada por
prudência; D. Antônio concentrara sua família no interior da habitação para evitar algum
acidente.
Cecília deixara o seu quartinho tão lindo e tão mimoso, e nele estabelecera Peri o
seu quartel-general e o seu centro de operações; porque, é preciso dizer, o índio não
partilhava o desanimo geral, e tinha uma confiança inabalável nos seus recursos.
Seriam dez horas da noite: a lâmpada de prata suspensa no teto da grande sala
iluminava uma cena triste e silenciosa.
Todas as janelas e portas estavam fechadas; de vez em quando ouvia-se o estrépito
que fazia uma seta cravando-se na madeira, ou enfiando-se por entre as telhas.
Nas duas extremidades da sala e na frente tinham-se praticado no alto da parede
algumas seteiras, junto das quais os aventureiros faziam à noite uma sentinela constante,
a fim de prevenir uma surpresa.
D. Antônio de Mariz, sentado numa cadeira de espaldar, sob o dossel, repousava um
instante; o dia fora rude; os índios tinham investido por diferentes vezes a escada de
pedra da esplanada; e o fidalgo com o pequeno número de combatentes de que dispunha e
com o auxilio da colubrina conseguira repeli-los.
A sua clavina carregada descansava de encontro ao espaldar da cadeira; e as suas
pistolas estavam colocadas em cima de um bufete ao alcance do braço.
Sua bela cabeça encanecida, pendida ao seio, ressaltava sobre o veludo preto de seu
gibão, coberto por uma rede finíssima de malhas de aço que lhe guarnecia o peito.
Parecia adormecido; mas de vez em quando erguia os olhos e corria o vasto
aposento, contemplando com uma melancolia extrema a cena que se desenhava no fundo
meio esclarecido da sala.
Depois voltava à mesma posição, e continuava suas dolorosas reflexões; o fidalgo
conservava toda a firmeza e coragem, mas interiormente tinha perdido a esperança.
Do lado oposto Cecília recostada em um sofá parecia desfalecida; seu rosto perdera
a habitual vivacidade: seu corpo ligeiro e gracioso, alquebrado por tantas emoções
prostrava-se com indolência sobre uma colcha de damasco. A mãozinha caia imóvel
como uma flor a que tivessem quebrado a haste delicada; e os lábios descorados
agitavam-se às vezes murmurando uma prece.
De joelhos à beira do sofá, Peri não tirava os olhos de sua senhora; dir-se-ia que
aquela respiração branda que fazia ondular os seios da menina, e que se exalava de sua
boca entreaberta, era o sopro que alimentava a vida do índio.
Desde o momento da revolta não deixou mais Cecília; seguia-a como uma sombra;
sua dedicação, já tão admirável, tinha tocado o sublime com a iminência do perigo.
Durante estes dois dias ele havia feito coisas incríveis, verdadeiras loucuras do heroísmo
e abnegação.
Sucedia que um selvagem aproximando-se da casa soltava um grito que vinha causar
um ligeiro susto à menina?
Peri lançava-se como um raio, e antes que tivesse tempo de contê-lo, passava entre
uma nuvem de flechas, chegava à beira da esplanada, e com um tiro de sua clavina abatia
o Aimoré que assustara sua senhora, antes que ele tivesse tempo de soltar um segundo
grito.
Cecília, aflita e doente, recusava tomar o alimento que sua mãe ou sua prima lhe
traziam?
Peri correndo mil perigos, arriscando-se a despedaçar-se nas pontas dos rochedos e a
ser crivado pelas flechas dos selvagens, ganhava a floresta, e daí a uma hora voltava
trazendo um fruto delicado, um favo de mel envolto de flores, uma caça esquisita, que
sua senhora tocava com os lábios para assim pagar ao menos tanto amor e tanta
dedicação.
As loucuras do índio chegaram a ponto que Cecília foi obrigada a proibir-lhe que
saísse de junto dela, e a guardá-lo à vista com receio de que não se fizesse matar a todo o
momento.
Além da amizade que lhe tinha, um quer que seja, uma esperança vaga lhe dizia que
na posição extrema em que se achavam, se alguma salvação podia haver para sua família
seria à coragem, à inteligência, e à sublime abnegação de Peri que a deveriam.
Se ele morresse quem velaria sobre ela com a solicitude e o ardente zelo que tinha
ao mesmo tempo o carinho de uma mãe, a proteção de um pai, a meiguice de um irmão?
Quem seria seu anjo da guarda para livrá-la de um pesar, e ao mesmo tempo seu escravo
para satisfazer o seu menor desejo?
Não; Cecília não podia de modo algum admitir nem a possibilidade de que seu
amigo viesse a morrer; por isso mandou, pediu, e até suplicou-lhe que não saísse de junto
dela; queria por sua vez ser para Peri o bom anjo de Deus, o seu gênio protetor.
Do mesmo lado em que estava Cecília, mas num outro canto da sala, via-se Isabel
sentada de encontro à ombreira da janela; enfiava um olhar ardente, cheio de ansiedade e
de susto, por uma pequena fresta, que ela entreabrira a furto.
O raio de luz que filtrava por esta aberta da janela servia de mira aos índios, que
faziam chover setas sobre setas naquela direção; mas Isabel, alheia de si, nem se
importava com o perigo que corria.
Ela olhava Álvaro, que no alto da escada com a maior parte dos aventureiros fiéis,
fazia a guarda noturna; o moço passeava pela esplanada ao abrigo de uma ligeira
paliçada. Cada seta que passava por sua cabeça, cada movimento que fazia, causava em
Isabel uma aflição imensa; sentia não poder estar junto dele para ampará-lo, e receber a
morte que lhe fosse destinada.
D. Lauriana, sentada em um dos degraus do oratório, rezava; a boa senhora era uma
das pessoas que mais coragem e mais calma mostravam no transe horrível em que se
achava a família animada pela sua fé religiosa e pelo sangue nobre que girava nas suas
veias, ela se tinha conservado digna de seu marido.
Fazia tudo quanto era possível; pensava os feridos, encorajava as meninas, auxiliava
os preparativos de defesa, e ainda em cima dirigia sua casa como se nada se passasse.
Aires Gomes encostado à porta do gabinete, com os braços cruzados e imóvel,
dormia; o escudeiro guardava o posto que lhe fora confiado pelo fidalgo. Desde a
conferência que os dois tinham tido, Aires se postara naquele lagar, donde não saia senão
quando D. Antônio vinha sentar-se na cadeira que havia junto da porta.
Dormia de pé; porém mal um passo, por mais sutil que fosse, soava no pavimento,
acordava sobressaltado com a pistola em punho e a mão sobre o fecho da porta.
D. Antônio de Mariz levantou-se, e passando à cinta as suas pistolas e tomando a
sua clavina, dirigiu-se ao sofá onde repousava sua filha, e beijou-a na fronte; fez o
mesmo a Isabel, abraçou sua mulher e saiu. O fidalgo ia render a Álvaro, que fazia o seu
quarto desde o anoitecer; poucos momentos depois de sua saída, a porta abriu-se de novo,
e o cavalheiro entrou.
Álvaro trajava um gibão de lã forrado de escarlate; quando ele apareceu no vão da
porta, Isabel soltou um grito fraco e correu para ele.
— Estais ferido? perguntou a moça com ansiedade, e tomando-lhe as mãos.
— Não; respondeu o moço admirado.
— Ah!... exclamou Isabel respirando.
Tinha-se iludido; o rasgão que uma flecha fizera sobre o ombro mostrando o forro
escarlate do gibão, tinha de repente lhe parecido uma ferida.
Álvaro procurou desprender suas mãos das mãos de Isabel, mas a moca
suplicando-o com o olhar e arrastando-o docemente, levou-o até o lugar onde estava há
pouco, e obrigou o cavalheiro a sentar-se junto dela.
Muitos acontecimentos se tinham passado entre eles nestes dois dias; há
circunstâncias em que os sentimentos marcham com uma rapidez extraordinária, e
devoram meses e anos num só minuto.
Reunidos nesta sala pela necessidade extrema do perigo, vendo-se a cada momento,
trocando ora uma palavra, ora um olhar, sentindo-se enfim perto um do outro, esses dois
corações, se não se amavam, compreendiam-se ao menos.
Álvaro fugia e evitava Isabel; tinha medo desse amor ardente que o envolvia num
olhar, dessa paixão profunda e resignada que se curvava a seus pés sorrindo
melancolicamente. Sentia-se fraco para resistir, e entretanto o seu dever mandava que
resistisse.
Ele amava, ou cuidava amar ainda Cecília; prometera a seu pai ser seu marido; e na
situação em que se achavam, aquela promessa era mais do que um juramento, era uma
necessidade imperiosa, uma fatalidade que se devia cumprir.
Como podia ele pois alimentar uma esperança de Isabel? Não seria infame, indigno,
aceitar o amor que ela lhe oferecera suplicando? Não era seu dever destruir naquele
coração esse sentimento impossível?
Álvaro pensava assim, e evitava todas as ocasiões de estar só com a moça, porque
conhecia a impressão veemente, a atração poderosa que exercia essa beleza fascinadora
quando a paixão, animando-a, cercava-a de um brilho deslumbrante.
Dizia a si mesmo que não amava, que nunca amaria Isabel! Entretanto, sabia que se
ele a visse outra vez como no momento em que lhe confessara seu amor, cairia de joelhos
a seus pés, e esqueceria o dever, a honra, tudo por ela.
A luta era terrível; mas a alma nobre do cavalheiro não cedia e combatia
heroicamente: podia ser vencida, mas depois de ter feito o que fosse possível ao homem
para conservar-se fiel à sua promessa.
O que tornava a lata ainda mais violenta era que Isabel não o perseguia com o seu
amor; depois daquela primeira alucinação concentrava-se, e resignada amava sem
esperança de nunca ser amada.

Das könnte Ihnen auch gefallen