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MINISTÉRIO DA DEFESA

ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA

CURSO SUPERIOR DE INTELIGÊNCIA ESTRATÉGICA

ENSAIO

INTELIGÊNCIA ESTRATÉGICA

Atividade de Inteligência e Estado Democrático de Direito: Caso do Brasil

Autores:

Carlos Augusto MÜLLER – Capitão de Longo Curso

Luiz Marcos LAGOEIRO Barroso – Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil

Coordenador:

IVAN FIALHO, CEL R1


2

Rio de Janeiro, 08 de junho de 2009.

Carlos Augusto MÜLLER

Luiz Marcos LAGOEIRO Barroso

INTELIGÊNCIA ESTRATÉGICA

Atividade de Inteligência e Estado Democrático de Direito: Caso do Brasil

Ensaio apresentado na Escola Superior de Guerra (ESG)


como parte dos requisitos necessários à conclusão do Curso
Superior de Inteligência Estratégica (CSIE).

Coordenador:

IVAN FIALHO, CEL R1

Rio de Janeiro

2009.
3

Resumo

Este trabalho tem por objetivo geral identificar os óbices decorrentes dos conflitos
característicos do ambiente democrático brasileiro que impedem ou dificultam o pleno
exercício da atividade de Inteligência no Brasil, bem como propor alternativas para modificar
esta relação. Especificamente, o trabalho abordará o problema mencionado na atuação dos
órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), especialmente na
Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), por tratar-se do órgão dedicado à atividade de
Inteligência em nível estratégico.
4

Lista de Abreviaturas e Siglas

ABIN Agência Brasileira de Inteligência


BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CCAI Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência
CF Constituição Federal
CIA Central Intelligence Agency
CNJ Conselho Nacional de Justiça
CPI Comissão Parlamentar de Inquérito
CSIE Curso Superior de Inteligência Estratégica
DOU Diário Oficial da União
ESG Escola Superior de Guerra
GSI Gabinete de Segurança Institucional
ONU Organização das Nações Unidas
SAE Secretaria de Assuntos Estratégicos
SISBIN Sistema Brasileiro de Inteligência
SNI Serviço Nacional de Informações
5

Sumário

1 Introdução........................................................................................................... 6

3 As instituições democráticas e a atividade de Inteligência...............................10

3.1 Relação da Inteligência com o Poder Executivo.........................................11

3.2 Relação da Inteligência com o Poder Legislativo.........................................14

4 O ordenamento jurídico atual e a atividade de Inteligência..............................16

5 Necessidade da Inteligência Estratégica no Brasil...........................................19

6 Conclusão.......................................................................................................... 21

7 Bibliografia........................................................................................................ 22
6

1 Introdução.
Este trabalho tem por objetivo geral identificar os óbices decorrentes dos conflitos
característicos do ambiente democrático brasileiro que impedem ou dificultam o pleno
exercício da atividade de Inteligência no Brasil, bem como analisar alternativas capazes de
modificar esta relação. Especificamente, o trabalho abordará o problema mencionado na
atuação dos órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN),
especialmente na Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), por tratar-se do órgão dedicado à
atividade de Inteligência em nível estratégico.
O trabalho será limitado à experiência brasileira recente e não abordará o período
anterior à criação do SISBIN. Não é propósito deste trabalho estudar a natureza sociológica da
democracia brasileira, avaliá-la qualitativamente e nem compará-la com outros modelos de
governo. O trabalho utilizará o método dedutivo e será realizado com base na análise crítica
da literatura especializada de autores nacionais e estrangeiros, da legislação pertinente e dos
fatos contemporâneos relacionados como exemplos que serão interpretados para corroborar
posição teórica ou doutrinária da atividade de Inteligência, sem tratamento jornalístico.
A despeito da nova institucionalização do sistema de Inteligência, os órgãos do
SISBIN deparam-se, atualmente, com obstáculos de todas as naturezas que os impedem de
exercer plenamente suas atribuições no ambiente do Estado Democrático de Direito. A
legislação brasileira não dispõe de todos os mecanismos necessários para garantir o pleno
exercício da atividade de Inteligência em harmonia com a doutrina emanada para esta área. A
atividade de Inteligência, por sua vez, não é reconhecida pela sociedade brasileira como
essencial para defesa do Estado e da sociedade e goza de uma reputação que não condiz com
sua verdadeira missão e relevância.
Espera-se que este trabalho propicie uma compreensão mais ampla da natureza desses
problemas e das tensões existentes no desenvolvimento da atividade de Inteligência no Brasil.
Com isso, objetiva-se subsidiar a proposição de alternativas para legitimar a doutrina de
Inteligência através da elaboração de um contrato juridicamente perfeito que possa regular a
atividade de Inteligência e ajustá-la aos preceitos democráticos existentes, sem que para isso
precise mitigá-la.
O presente trabalho será desenvolvido analisando a tese de que é plenamente possível
conciliar as demandas democráticas de uma sociedade livre e moderna com a necessidade da
produção do Conhecimento Estratégico, alinhando os métodos de busca e coleta e o espectro
de atuação dos órgãos de Inteligência com os interesses nacionais e com as limitações
7

impostas ao poder de atuação do Estado. Para tanto a Inteligência no Brasil será analisada
face aos diplomas legais existentes, aos Poderes constituídos e às propostas de alteração da
legislação pertinente, com vistas a identificar os pontos de conflito e, principalmente, as
necessidades e possibilidades de aperfeiçoamento do sistema.

2 Os princípios democráticos e a atividade de Inteligência no Brasil.

Durante o período do regime militar, a atividade de Inteligência de Estado no


Brasil foi exercida pelo Serviço Nacional de Informações (SNI), criado pela Lei nº 4.341, de
13 de junho de 1964. Após o fim do regime militar, em 1990, no contexto de uma ampla
reforma da Administração Pública Federal, no governo do Presidente Fernando Collor de
Melo, o SNI foi extinto. A atividade de Inteligência foi fortemente reduzida, mas permaneceu
preservada com a criação da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), que absorveu as
atribuições do SNI e parte de sua estrutura.
Em 1999, no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, foram
instituídos pelo mesmo diploma legal tanto o SISBIN como a ABIN. Desde então a atividade
de Inteligência estratégica tem sido desenvolvida no Brasil dentro de um novo contexto, que
será objeto deste trabalho.
A promulgação da Constituição Federal de 1988 e as inovações trazidas no corpo do
texto constitucional, principalmente no que diz respeito aos direitos individuais e à limitação
do poder do Estado, são elementos que tornam necessário repensar a estruturação e o
desenvolvimento da Inteligência Estratégica no Brasil, de maneira que esse instrumento se
coadune com os fundamentos contidos no ordenamento jurídico atual e com os seus
princípios emanados.
Os fundamentos e a composição da república brasileira estão relacionados no art. 1º da
Constituição Federal (CF) e a caracterizam como Estado Democrático de Direito.
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático
de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político;
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição.
8

O art. 3º da CF relaciona as metas que devem ser desenvolvidas pelo governo


brasileiro e é importante na medida em que classifica os objetivos a serem adotados pela
política governamental, priorizando as ações do governo.
Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade
e quaisquer outras formas de discriminação.

O art. 5º da CF trata dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, registrando,


entre outros, a liberdade de expressão e o direito à informação. O constituinte de 1988 redigiu
a nova CF após o fim do regime militar, notando-se no art. 5º a preocupação em registrar uma
imensa gama de direitos e garantias individuais, dentre as quais as abaixo destacadas, cuja
observância tende a conflitar com a atividade de Inteligência:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
...
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
...
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de
dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial,
nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal
ou instrução processual penal;
...
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte,
quando necessário ao exercício profissional.

Cabe esclarecer que o termo Estado Democrático de Direito traz em sua definição
dois vieses: o primeiro diz respeito ao acatamento incondicional dos princípios da democracia
propriamente dita, cuja essência fundamenta-se na exaltação do poder popular como principal
e insubstituível instância deliberativa de uma Nação; o segundo materializasse como
submissão, por parte do Estado e suas instituições, ao ordenamento jurídico pátrio. Assim,
além da persecução dos valores consubstanciados no conceito ocidental de democracia, como
liberdade e igualdade, temos que o Estado brasileiro deve submeter-se à Lei, entendida como
a vontade do povo, mais especificamente aos limites constitucionais de sua atuação.
Ora, no curso do desenvolvimento de uma sociedade complexa, como a brasileira, é
natural que esses conceitos embutidos na natureza do Estado Democrático de Direito entrem
em conflito, em certas ocasiões, com os mecanismos utilizados para a consecução dos
Objetivos Nacionais, principalmente no que diz respeito às ações com vistas à manutenção da
ordem institucional e da segurança da nacional.
9

No entanto, estes conflitos são frutos do próprio ambiente democrático existente,


que permite tanto o acesso e a participação do cidadão às decisões de alto nível quanto a
manifestação de vontades coletivas ou mesmo individuais. O dissenso, útil à democracia, não
elimina o dever do Estado de zelar pelos interesses da sociedade e pela salvaguarda da Nação
frente às ameaças internas ou externas. Mesmo o direto à vida, um dos bens mais caros
salvaguardados em nossa Carta Magna, é relativizado quando confrontado com a necessidade
de sobrevivência da Nação. Esta situação fica evidente quando, em caso de guerra declarada,
é resguardado o direito de o Estado aplicar a pena de morte, como prescrito no Art. 5º, inciso
XLVII, alínea a, da CF: “não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada,
nos termos do art. 84, XIX;”.
Assim, ao priorizar os objetivos e interesses maiores, torna-se plenamente legítimo a
atuação da Inteligência em nível estratégico e a aplicação de seus métodos tradicionais, uma
vez que aí está contemplada a própria vontade do cidadão. Limitações, no entanto, podem e
devem existir, e os instrumentos de controle externo servem justamente para fiscalizar as
ações de Inteligência e situá-las dentro do espectro de razoabilidade no qual se espera que ela
atue. Como veremos no próximo tópico, esse tipo de controle é realizado no Brasil justamente
pela instância mais representativa da sociedade, que é o parlamento.
Em relação ao sigilo dos atos e documentos da Inteligência, por exemplo, veremos
adiante como a ação do Estado se ajusta ao direito à informação do indivíduo.
A atividade de Inteligência tem como característica essencial o sigilo, porém, em um
sistema democrático não existe segredo absoluto. Todas as informações, mesmo as sigilosas,
são passíveis de conhecimento em determinadas circunstâncias (ABIN, 2008, p.59), visto as
garantias acima relacionadas. Deste conflito específico, que se refere ao acesso à informação,
resultam muitas das dificuldades para a plena execução da Inteligência no ambiente
democrático, já que o sigilo é a principal matéria prima dessa atividade.
Mas esse conflito não está apenas presente em países com histórico recente de rupturas
institucionais. Ele pode ser encontrado, inclusive, em democracias consolidadas. SHULSKY e
SCHMITT (2002), estudando o caso americano, entendem que, em que pese o segredo
permanecer como uma característica essencial da Inteligência, existe uma crescente discussão
pública de assuntos afetos a esta área. Por outro lado, os autores americanos entendem que os
assuntos de Inteligência poderiam ser levados, desde que desmistificados, para a discussão
com a comunidade acadêmica, o que poderia contribuir para o aprimoramento da atividade.
Em se tratando de espionagem e ações encobertas, SHULSKY e SCHMITT entendem
que estas práticas, muitas vezes, podem violar leis internacionais. Para que o governo possa
10

negar de forma plausível a execução destas ações, a atividade de Inteligência tem que se
realizar com o conhecimento do menor número possível de autoridades e com uma quantidade
mínima de registros, que são geralmente destruídos quando a atividade é concluída
(SHULSKY e SCHMITT, 2002, p.130). Este é, pois, um ponto de confrontação clássico entre
democracia e inteligência, apesar de que devemos destacar que ações encobertas não fazem
parte do rol de atividade previstas para a ABIN.
Assim, sopesando liberdades individuais e manutenção do sigilo, podemos inferir
que cabe ao Estado a proteção de informações cuja livre divulgação do conteúdo ameace a
sociedade nos seus mais variados aspectos, tanto na manutenção de suas instituições vitais
quanto no desenvolvimento das ações de interesse geral, o que pacifica a questão.
Um correto balanceamento entre as garantias individuais, a transparência nos atos de
um governo democrático, o efetivo controle externo das atividades e a manutenção do sigilo
de informações sensíveis, assim como o empreendimento de ações com o objetivo de produzir
conhecimentos estratégicos vitais para a nação, é a meta a ser alcançada no desenvolvimento
da atividade de Inteligência na atual conjuntura nacional.
Em especial, no caso brasileiro, observa-se ainda certo preconceito e desconfiança da
sociedade em relação à atividade de Inteligência, fruto de uma visão particular de segmentos
de nossa população sobre a atuação do SNI na vigência do regime militar. Essa desconfiança
ganha contornos ainda mais dramáticos no Brasil quando consideramos que muitos dos
protagonistas da luta entre o regime militar e os movimentos contrários dividem, atualmente,
cargos estratégicos nas mais variadas instâncias dos Poderes constituídos da república. Esta
forma distorcida com a qual a realidade que envolve a Inteligência é percebida pelos atores
políticos é, talvez, o maior obstáculo na caminhada a ser trilhada na busca do equilíbrio
institucional entre esta atividade e a democracia.

3 As instituições democráticas e a atividade de Inteligência.


Os conflitos entre o estado democrático de direito e a atividade de Inteligência,
vistos no tópico anterior, manifestam-se institucionalmente através da maneira como a
Inteligência atua no cumprimento de sua missão e como ela se articula no relacionamento
com os poderes que a delimitam e a demandam.
Assim, há que se analisar as relações dos Poderes Legislativo e Executivo com os
órgãos de Inteligência no Brasil, especialmente os conflitos decorrentes da atuação dos órgãos
11

de Inteligência em um ambiente democrático, para que possamos compreender o processo


institucional por trás da já constatada deterioração dessa atividade no país.
Considerou-se que a relação do Poder Judiciário com a atividade de Inteligência não
seria passível de análise neste estudo, visto que a esse Poder caberia o papel restrito de dirimir
os conflitos existentes entre as ações perpetradas pelo Executivo, mediante seu órgão de
Inteligência, e o conteúdo dos diplomas legais emanados pelo Legislativo.

3.1 Relação da Inteligência com o Poder Executivo.


A credibilidade do órgão central de Inteligência perante o seu principal cliente, qual
seja, a Presidência da República, é um aspecto essencial para que esta ferramenta seja
efetivamente utilizada e considerada como importante e necessária para o assessoramento,
seja com relação ao conhecimento produzido ou às operações empreendidas. 1
Ainda sobre a credibilidade do conhecimento produzido pela Inteligência, Harry
Howe Ranson afirma que:
Um dos problemas mais importantes das informações centralizadas é a
receptividade e a credibilidade do produto. Uma grande parte dos usuários das
informações, tanto chefes militares como civis de graduação elevada,
responsáveis pela tomada de decisões, parece encarar as informações com
perspectivas dúbias. (RANSON, 1958, p. 147).

Essa credibilidade, por sua vez, decorre diretamente da qualidade e da precisão do


conhecimento produzido. Sem o devido respaldo institucional e apoio material, e com a
consequente deterioração da qualidade do produto final do órgão de Inteligência, forma-se um
ciclo vicioso que tende a levar o sistema de produção do conhecimento à estagnação.
Tal estagnação é decisivamente deletéria para os interesses nacionais, uma vez que,
prescindindo da ferramenta da Inteligência, um Governo arrisca-se a tomar decisões com base
em informações pouco precisas ou até tendenciosamente distorcidas. De acordo com Ranson
(1958, p. 141), "A correção da política é condicionada pela qualidade da informação na qual
se baseia", daí a relevância que é dada a este ativo na tomada de decisão de alto nível em
países como os EUA. Se levarmos em conta, ainda, que os serviços de Inteligência de países
estrangeiros mantêm redes de espionagem de altíssima competência espalhadas pelo mundo,
perseguindo os mais variados propósitos, temos que o Brasil se apresenta aos seus pares como

1
"Em julho de 2004, em discurso proferido durante a posse do novo diretor-geral da ABIN, Mauro Marcelo de Lima e Silva,
o presidente Lula destacou a necessidade de a agência superar definitivamente a herança do passado por meio do
fortalecimento da capacidade analítica coletiva e da relevância dos seus produtos, algo diretamente dependente do crescente
profissionalismo dos seus funcionários." (CEPIK, 2005, p. 92).
12

uma Nação desprotegida e despreparada para o enfrentamento dessa ameaça translúcida,


somente detectada por um órgão de Inteligência à altura de seu opositor.
Neste sentido, é nítida a pouca participação da ABIN nos assuntos tratados pelo
Ministério das Relações Exteriores, em função de uma visão institucional deste importante
mecanismo de projeção nacional que não considera a Inteligência Estratégica uma ferramenta
útil no desenvolvimento de suas atribuições.
Entretanto, para acionar sua principal agência de Inteligência, deve a autoridade
decisória conhecer em profundidade a forma de funcionamento desse órgão, suas
competências e seus limites de atuação, e não apenas o seu potencial. O pouco conhecimento
sobre Inteligência no Brasil, mesmo em esferas governamentais de alto nível, tem dificultado
o preciso e tempestivo acionamento do órgão central, em prejuízos do processo de tomada de
decisão.
As feridas ainda não cicatrizadas do regime militar, especialmente no que se refere à
atuação do Serviço Nacional de Informações (SNI) no combate ao que se designou subversão,
distanciaram o Poder Executivo de seu mais importante organismo de assessoria. A palavra
Informações ganhou uma conotação negativa entre os personagens que desenharam os
contornos do novo regime civil que se vislumbrava, e a produção do conhecimento estratégico
foi associada a perseguições políticas e a cerceamento das liberdades individuais.
Sobre esse assunto, afirma o professor Cepik:
Considero, entretanto, que o duplo desafio da legitimidade e da efetividade dos
serviços de Inteligência é particularmente decisivo nas chamadas "novas
democracias" como o Brasil, exatamente pela experiência do regime militar e
pelos desafios recentes na área de segurança pública e inserção internacional.
(CEPIK, 2005, p. 69).

Essa ruptura atingiu seu ápice quando, em 1990, Fernando Collor de Melo,
cumprindo uma promessa de campanha, extinguiu o SNI, sem criar um órgão que pudesse
cumprir o seu papel e sem se preocupar com a preservação e com a continuidade dos
processos e competências já desenvolvidos.
Esse gesto demonstrou o quanto a atividade de Inteligência era incompreendida por
parte de quem deveria ser o seu principal usuário e demandante: o Presidente da República.
Apesar da precipitação e da inconsequência do ato, o gesto foi interpretado por segmentos da
sociedade civil como um aceno à democracia e às liberdades, num processo de adesão que
muito tinha a ver com um sentimento de vingança e pouco com uma visão de Estado2.

2
A esse respeito, A Analista da ABIN Cláudia Assaf Bastos Rebello afirma que “No início da década de 1990, a estrutura
de Inteligência brasileira chegou a ser extinta pelo governo Fernando Collor, atitude aplaudida por muitos à época. Afinal,
pensava-se ser o fim da estrutura inibidora de liberdade” (Rebello, 2006, p. 40).
13

Com a criação da ABIN, em 1999, o Estado brasileiro dá o primeiro passo para o


ressurgimento da atividade de Inteligência, apesar da timidez e da reserva com que o assunto
foi tratado pela legislação específica da área. A agência central de Inteligência no Brasil,
como constituída, e ainda até os dias atuais, deixou de possuir interlocução direta com o
Presidente da República, passando a dialogar com ele através do Gabinete de Segurança
Institucional (GSI), órgão ao qual se encontra subordinado. Esse distanciamento se justifica,
em parte, por uma dinâmica burocrática própria, mas também pela intenção de blindar a mais
alta autoridade republicana de possíveis desvios ou escândalos provenientes das ações do
órgão de Inteligência, precaução baseada em um relacionamento eivado de desconfiança e
receio. Assim, o Ministro Chefe do GSI passa a atuar como um “fusível” do Presidente,
assumindo a responsabilidade pelo órgão a que se interpõe. Sobre esse assunto, Cepik
comenta:
...o governo procurou justificar essa decisão, tomada ainda durante o segundo
mandato presidencial de Fernando Henrique Cardoso, pela necessidade de
preservar o presidente das demandas gerenciais cotidianas e de crises potenciais
decorrentes de escândalos e/ou de tensões inerentes à relação entre Inteligência e
democracia. (CEPIK, 2005, p. 84).

Ao posicionar um elemento a mais entre a autoridade tomadora da decisão e o órgão


de Inteligência, o Governo prejudica a agilidade com que as informações sensíveis tramitam
nas esferas burocráticas, nos dois sentidos, ao tempo em que aumenta o risco de vazamento de
assuntos classificados.
No entanto, para Mark Lowenthal (2007, cap. II, p. 4), o grau de aproximação da
agência de Inteligência com o seu cliente deve ser objeto de cautela por parte das instituições.
Uma relação muito distanciada entre esses atores pode prejudicar o fluxo de informações e
fazer com que a agência perca o foco de seu trabalho, produzindo trabalhos pouco úteis, como
dito anteriormente nesse tópico; por outro lado, uma aproximação excessiva poderia levar à
politização da atividade de Inteligência, levando a atividade a searas sobre as quais não
deveria interferir. A dosagem correta neste nível de relacionamento é o que vai garantir tanto
a agilidade e eficiência como a preservação das instituições democráticas e as liberdades de
ação do líder político.
A consolidação da democracia no Brasil abre espaço para que o Executivo Federal
dote a atividade de Inteligência dos recursos necessários à sua atuação e a utilize efetivamente
como instrumento vital para a obtenção de informações úteis à formulação de políticas e
estratégias. A missão é fazer com que essa escolha não seja entendida como um retrocesso no
posicionamento do Estado no que se refere à manutenção dos direitos e das garantias
14

individuais. Como exemplo do que ocorre em boa parte dos países desenvolvidos de tradição
democrática, a Inteligência no Brasil deve ser considerada como um importante aliado na
busca dos objetivos nacionais.

3.2 Relação da Inteligência com o Poder Legislativo.


Na relação da ABIN com o Poder Legislativo, nota-se um elevado grau de
indiferença dos parlamentares brasileiros em relação às atividades de Inteligência. A
Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso Nacional (CCAI)
foi criada juntamente com a ABIN, em dezembro 1999, pela Lei nº 9.883, e deveria funcionar
como órgão de controle externo das atividades da agência. No entanto, o controle efetivo tem-
se mostrado ineficaz e de baixo grau de interesse por parte os parlamentares. Somente em
novembro de 2000, ou seja, após quase um ano da sua criação, a CCAI foi finalmente
instalada no Congresso Nacional. Abaixo segue o quadro de reuniões da CCAI:
Ano Quantidade de Reuniões
2000....................................2
2001....................................1
2002....................................6
2003....................................1
2004....................................4
2005...................................13
2006....................................2
2007....................................0
2008....................................5
2009....................................2
Total.................................36
fonte:http://webthes.senado.gov.br/bin/gate.exe?f=tocn&state=2qn5ec.1.1, em 01/06/2009
A despeito do grande número de reuniões em 2005, pode-se dizer que a CCAI vem
desenvolvendo um tímido controle na atividade de Inteligência, visto a baixa frequência com
que seus membros se reuniram nos demais exercícios estudados.
Além desse fato, destaca-se que 15 reuniões da CCAI foram convocadas para tratar
de assuntos administrativos e burocráticos internos, como apreciação de requerimentos e
eleição de presidente, que não guardam relação direta com as principais atribuições do órgão.
Restam, portanto, apenas 21 reuniões destinadas ao objetivo fim da Comissão, nos seus dez
anos de existência, conforme quadro resumido no Anexo I. Se considerarmos que, dentre as
21 reuniões consideradas técnicas, muitas convocações foram pautadas por demandas
essencialmente políticas e pelo interesse particular de cada parlamentar em figurar no
15

noticiário nacional (CEPIK, 2005, p. 87), podemos concluir que a CCAI vem atuando
precariamente no que se refere ao controle técnico efetivo da Inteligência.
Nesse contexto, o professor Marco Cepik afirma que:
...existe um amplo leque de situações nas quais os parlamentares agem segundo
suas próprias preferências e não segundo as preferências dos eleitores. Em
especial, não existe nenhuma relação necessária e direta entre o interesse geral
dos cidadãos num governo ágil e transparente e uma atuação específica dos
parlamentares na supervisão de qualquer agência executiva que não esteja sob os
holofotes de uma crise política ou administrativa imediata. (CEPIK, 2003, p.
178)
A qualidade da supervisão congressual da atividade de Inteligência, por sua vez, será
determinada tanto pela qualidade da representação popular no parlamento como pela vontade
política e pela capacidade técnica e operacional do órgão de controle. Acima, vimos que a
qualidade da representação é insatisfatória quando o parlamentar coloca suas demandas
pessoas acima das demandas da parcela da população que representa. Em relação à
capacidade técnica e operacional, três fatores contribuem para o insucesso da empreitada da
CCAI: o desenho institucional do órgão, que alterna anualmente a sua presidência, a falta de
recursos técnicos e de pessoal e a falta de assertividade do Congresso Nacional no trato com
os componentes do SISBIN (CEPIK, 2005, p. 86).
Não há ainda uma conscientização da importância de um sistema de Inteligência no
país, que muitas vezes é visto de maneira pejorativa no meio legislativo. Alguns especialistas
da área, como Vidigal (2004, p. 144), apontam a necessidade de divulgar melhor a atividade
de Inteligência no meio legislativo como forma de proporcionar o desenvolvimento de uma
cultura de Inteligência estratégica no Congresso Nacional. Segundo Marques (2004, p. 214),
as principais hipóteses identificadas para este fato são: em primeiro lugar o elevado nível de
dedicação necessário para que um parlamentar especialize-se no tratamento de temas como as
atividades de Inteligência e o baixo retorno eleitoral desses assuntos; e segundo, a tendência
verificada à cooptação dos parlamentares para uma visão acrítica e condescendente em
relação às práticas e justificativas das agências de Inteligência do Poder Executivo.
Em que pese os problemas detectados no procedimento de controle por parte do
Legislativo sobre a atividade de Inteligência, esta esfera se apresenta como a mais legítima
para tal missão, visto seu caráter representativo da população, o que a consagra como
instância apta a fiscalizar o Estado no desenvolvimento de uma atividade que pode facilmente
colidir com os princípios democráticos sacramentados em nossa sociedade, argumento bem
defendido pelo então Diretor-Geral interino da ABIN, Dr. Wilson Roberto Trezza, em sua
16

aula inaugural proferida na Escola Superior de Guerra, no Rio de Janeiro, em 18 de março de


20093.

4 O ordenamento jurídico atual e a atividade de Inteligência.


A doutrina de Inteligência e o atual ordenamento jurídico brasileiro apresentam
situações conflituosas que serão abordadas adiante em tópicos específicos. Esse problema será
analisado de dois pontos de vistas: o primeiro refere-se à análise do ordenamento jurídico em
vigor sobre o tema, em contraposição ao emprego de técnicas específicas e ao uso de
prerrogativas; o segundo diz respeito aos atuais movimentos legislativos e de outras esferas
do poder público com o intuito de cercear ainda mais as linhas de ação da Inteligência,
motivados por escândalos recentemente explorados pela mídia. O problema será analisado
abaixo em subitens específicos, de acordo com o tema abordado:
Emprego de Técnicas Operacionais: em relação às técnicas operacionais utilizadas
pela Inteligência, a Lei Federal no. 9.883/1999 define que “os meios e técnicas sigilosos
devem observar irrestritamente os direitos e garantias individuais, fidelidade às instituições e
princípios éticos que regem os interesses e a segurança do Estado”, mas não explicita quais
meios e técnicas sigilosas são passíveis de serem empregados pela ABIN e outros
componentes do SISBIN na atividade de Inteligência e na busca de dados negados (ABIN,
2009, p.57). Assim, a fiscalização da aplicação dessa técnica é realizada na apreciação dos
casos concretos que chegam ao Judiciário. Em função do princípio da estrita legalidade,
aplicado a todas as instâncias da Administração Pública, essas demandas judiciais tendem a
ser julgadas em prejuízo da aplicação da técnica operacional, expondo tanto o agente como o
órgão de Inteligência a riscos funcionais (ABIN, 2009, p. 61).
Requisição de Informações: nota-se que não há prerrogativa que garanta ao agente
da ABIN/SISBIN o poder de requisitar informações, sigilosas ou não, de órgãos públicos ou
concessionárias de serviços públicos. Atualmente essas informações tramitam em função de
concessões quase que pessoais feitas no âmbito das reuniões do SISBIN, em sua maioria
realizadas informalmente, o que também configura prejuízo para o exercício da atividade e
risco funcional para os agentes.
Interceptação Telemática: é inquestionável a importância da interceptação
telemática como técnica aplicada à formação do conhecimento. No entanto, a Constituição

3
Sobre o controle da atividade de Inteligência, afirma o Professor Cepik: “...o papel do Congresso como
instituição fiscalizadora do Poder Executivo adquire centralidade justamente porque o Legislativo é considerado
o Poder mais representativo nas democracias”. (CEPIK, 2003, p. 178)
17

Federal, no art. 5º, inciso XII, regulamentada pela Lei Federal no. 9.296/1996, restringe seu
uso aos casos de investigação criminal e instrução processual penal, o que restringe sua
aplicação, basicamente, às Polícias e ao Ministério Público. O emprego legal deste recurso,
todavia, é fundamental para que a Inteligência seja revestida da agilidade e poder de
penetração que um órgão que lida com as suas atribuições deve ter.
Proteção do Agente: no Brasil, não há previsão legal consistente para a proteção da
identidade dos agentes de Inteligência nem mecanismos efetivos que garantam o exercício
seguro da profissão, como a emissão de documentos de identificação com dados inverídicos.
Sob outro enfoque, tem-se observado com desconcertante frequência a exposição de agentes
da ABIN nos meios de comunicação, bem como a convocação desses profissionais para
deporem em Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), o que compromete o seu
anonimato. Outros exemplos do nível de exposição a que o profissional de Inteligência está
submetido no Brasil são os processos seletivos da ABIN, realizados por meio de concursos
públicos cujas etapas são de ampla divulgação; bem como a publicação de atos
administrativos no Diário Oficial contendo o nome de servidores e a divulgação do nome do
agente suprido de verba secreta em sites do Governo.
Uso de Verba Secreta: o uso de verba secreta na atividade da ABIN, assim como
em outros órgãos do SISBIN, é visto com desconfiança pela sociedade brasileira. Este assunto
tem sido explorado sucessivamente pela mídia devido à falta de transparência necessária a
este processo. Se por um lado, a utilização de verba secreta é essencial para garantir a
segurança e o êxito de ações que requerem sigilo, a falta de regulamentação e fiscalização por
parte da CCAI torna nebulosa a atmosfera que envolve este assunto.
Não bastasse a legislação impeditiva já consolidada, recentemente os agentes
públicos que operam no âmbito do SISBIN têm sido acossados com a apresentação de
Projetos de Lei e outras medidas tomadas com vistas a tolher ainda mais a atividade de
Inteligência e tornar ineficazes os mecanismos de investigação já existentes, especialmente
depois do desgaste provocado pela deflagração e divulgação de operações policiais contra os
chamados crimes do colarinho branco.
Como exemplo, podemos citar a Resolução nº 59, de 09 de setembro de 2008, do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Resolução nº 36, de 06 de abril de 2009, do Conselho
Nacional do Ministério Público. Estes diplomas estabelecem normas mais restritivas para a
formulação, deferimento, prorrogação e controle das interceptações telefônicas. Em que pese
a cautela necessária nas medidas que permitam a intrusão na intimidade das pessoas, tais
18

Resoluções podem ser consideradas excessivas, visto a interceptação já estar bem disciplinada
pela Lei nº 9.296, de 24 de julho de l996 e pela normatização infralegal decorrente.
Na esfera legislativa, inúmeros projetos de Lei recentemente apresentados no
Congresso Nacional versam sobre o cerco à capacidade investigativa e ao desenvolvimento da
atividade de Inteligência. Numa rápida pesquisa, foram localizados oito projetos de Lei
tramitando na Câmara dos Deputados e um no Senado Federal que versam sobre interceptação
telefônica, apresentados entre 1º de agosto de 2008, data da deflagração da Operação
Satiagraha pela Polícia Federal, e 03 de junho de 2009. A maioria desses projetos tem por
objetivo limitar a interceptação telemática e criar empecilhos burocráticos para a sua
execução, além de estabelecer penas mais rigorosas do que as já existentes para o
descumprimento das normas sobre o assunto.
Podemos destacar, para análise, o artigo 9º-A do Projeto de Lei 327/2008, de 04 de
setembro de 2009, de proposição do Senador Álvaro Dias:
Art. 9º-A. Na hipótese de as investigações não resultarem em prova contra o
cidadão que foi alvo da interceptação telefônica, esse deverá ser notificado para
tomar conhecimento do teor das acusações ou suspeitas alegadas contra ele, bem
como para tomar conhecimento de todo o conteúdo das gravações feitas em seu
telefone e se pronunciar, perante o conselho de que trata o § 1º do art. 3º, na
presença da autoridade que houver solicitado a medida.
Fonte:http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?
p_cod_mate=87250 (em 03/07/2009).

Nota-se, no caso acima, uma medida que, se posta em prática, poderia causar sérios
prejuízos às investigações e uma exposição desnecessária da técnica operacional ao público
em geral. É fato que pessoas interceptadas e não indiciadas em um determinado inquérito, por
falta de provas ou incapacidade operacional da equipe de investigação, podem vir a ser objeto
de outras diligências, como decorrência do aprofundamento ou desdobramento dos trabalhos.
Esse procedimento, que possibilitou a realização de grandes operações por parte da Polícia
Federal e seus parceiros institucionais, seria seriamente comprometido caso o Projeto de Lei
acima viesse a ser aprovado com o texto atual.
Já o Projeto de Lei 5285/2009, proposto pela Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) com a finalidade de investigar escutas telefônicas clandestinas, instalada em dezembro
de 2007, sentencia em um de seus artigos:
Art. 15. O sigilo que recai sobre as informações obtidas por meio de
interceptação judicial só será compartilhado entre órgãos policiais com
competência investigativa, nacionais ou estrangeiros, o Ministério Público e as
comissões parlamentares de inquérito, mediante autorização do juiz competente.

Percebe-se que a transferência do sigilo sobre o produto das interceptações


telefônicas, nesse projeto, é limitada a órgãos Policiais, ao Ministério Público e às próprias
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CPI. Ocorre que o expediente de compartilhamento do conteúdo de interceptações tem sido


utilizado com bastante frequência pela autoridade policial em operações conjuntas com outros
órgãos, como a Receita Federal do Brasil e o Ministério da Previdência, cujos agentes
públicos, quando autorizados judicialmente, prestam-se à tarefa de decodificar e interpretar
conversas e documentos. Essa forma de atuação é especialmente útil quando o crime
investigado é de natureza estritamente técnica e altamente especializada, como normalmente
são as fraudes aduaneira, financeiras, tributárias e previdenciárias. Prescindindo do
especialista, conforme preconizado no Projeto de Lei 5285/2009, fica a autoridade policial
limitada a uma análise restrita dos conteúdos interceptados, prejudicando sobremaneira a
investigação.

5 Necessidade da Inteligência Estratégica no Brasil.


O Brasil vem pleiteando maior poder de decisão nos organismos internacionais dos
quais participa, empenhando-se em demonstrar que sua crescente importância no cenário
econômico mundial, como potência emergente, deve ser acompanhada por uma participação
mais efetiva nas instâncias políticas deliberativas multilaterais, como o Conselho de
Segurança das Organizações das Nações Unidas (ONU). Da mesa forma, o Brasil se apresenta
como líder regional no âmbito da América do Sul, além de protagonista na representação de
nações emergentes, como as que compõem o BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China).
Efetivamente, o Brasil vem projetando sua influência além das fronteiras, com
destaque para os paises africanos e latino-americanos, quer com apoio de tropas militares em
forças de paz a serviço da ONU, caso do Haiti, quer com o financiamento de projetos de
interesse regional com o aporte financeiro do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), como é o caso de ações no Equador e na Venezuela, ou
mesmo através de significativos empreendimentos privados do capital nacional, com destaque
para a atuação de construtoras e mineradoras em países como Angola e Nigéria. Destaca-se,
também, a cooperação militar com países da África e das Américas, citando como exemplo o
projeto de instituição da Marinha da Namíbia e a formação intelectual de Oficiais da Guiné
Bissau e de Moçambique, nas diversas áreas de atuação das forças armadas.
Assim, é imprescindível que essa pretensão brasileira seja acompanhada por uma
política estratégica precisa e muito bem fundamentada, visto que a crescente projeção
internacional será constantemente confrontada com óbices cada vez mais expressivos na
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medida em que o país avance sobre interesses alheios e ocupe mercados globalmente
cobiçados.
Mark Lowenthal (2007, Cap. II, p. 1) afirma que os EUA só vieram a desenvolver
um sistema de Inteligência organizado na década de 1940, quase 170 anos após sua
independência, em 1776. Tal medida só tornou-se necessária quando o país alcançou status de
potência mundial, envolvendo-se em assuntos internacionais relevantes. Guardadas as devidas
proporções, tal é o desafio do Brasil na perspectiva atual.
Ainda sobre esse assunto, respondendo à pergunta "Por que o Brasil necessita da
atividade de Inteligência?", Cláudia Assaf Bastos Rebello afirma:
A crescente inserção do Brasil nas relações internacionais decorre,
principalmente, da capacidade de o País se adaptar às transformações por que o
mundo passa na era de acelerada globalização. As tecnologias brasileiras de
ponta, a soberania alimentar, o conhecimento tradicional de populações nativas,
as formas alternativas de produção de energia e, ainda, as riquezas naturais
abundantes e cada vez mais valorizadas, como água doce, minérios estratégicos,
biodiversidade, entre outras, vêm despertando a atenção de vários países e a
cobiça de transnacionais.
O Brasil destaca-se em áreas de interesse das comunidades científicas
internacionais, das empresas que as financiam e, sobretudo, dos Estados.
Detemos tecnologias de ponta diversas: prospecção de petróleo em águas
profundas e em áreas florestais; domínio do ciclo completo do urânio;
desenvolvimento de espécies híbridas que melhor se adaptam ao complexo
clima-solo; sistemas bancários de informática; urnas seguras para eleições;
tecnologia aeroespacial e para construção de satélites. Trata-se de exemplos que
tornam a proteção do conhecimento desenvolvido e difundido pela Abin alta
prioridade na pauta de segurança nacional. (Rebello, 2006, p. 43).

Tal projeção desejada somente será possível caso o país construa um sistema de
Inteligência que seja forte, estruturado e dotado de prerrogativas legais e institucionais que
garantam o perfeito cumprimento de sua missão, de maneira com que os objetivos nacionais
sejam plenamente alcançados e que os óbices e antagonismos sejam devidamente, e
tempestivamente, detectados, prevenidos, obstruídos e neutralizados.
Sob outra ótica, a atividade de Inteligência em um país que assume papel de
complexidade no cenário externo torna-se imperativa em função do nível e da qualidade das
informações que deve ter o Presidente da República, cada vez mais instado a se pronunciar
sobre assuntos de toda natureza. Como o mandato presidencial brasileiro tem curta duração,
atualmente quatro anos, e as esferas intermediárias de poder costumam a serem substituídas
em menos tempo ainda, impera que haja uma instituição apartidária, independente, confiável e
permanente que acumule e produza o conhecimento necessário para subsidiar a formulação da
política nacional (LOWENTHAL, 2007, Cap I, p. 3). É justamente este espaço que o órgão de
Inteligência deve ocupar.
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A atividade de Inteligência constitui a primeira linha de defesa do país. Sua


valorização torna-se urgente no cenário atual. A tarefa que se apresenta, no entanto, não é das
menores. A luta travada no campo burocrático, árdua por si só, vem acompanhada de um
ressentimento que regride a tempos já ultrapassados, mas não ainda completamente
superados.

6 Conclusão.
A importância da atividade de Inteligência Estratégica para o Brasil resta
demonstrada nesse trabalho. É importante destacar que há, em algumas correntes de
pensamento, a aceitação da falsa premissa de que o pleno desenvolvimento desta tão nobre e
necessária atividade se confronta de maneira inexorável com os princípios consagrados de
nossa democracia e as garantias individuais e coletivas conquistadas.
Pelo contrário. Fica evidente, diante de uma análise desapaixonada, que a
Inteligência é um instrumento que, quando corretamente utilizado, concorre para a proteção
de todos os cidadão e o desenvolvimento da sociedade em geral, no caminho por ela mesmo
definido.
Assim, torna-se urgente a reforma de nosso arcabouço jurídico e a efetiva
implementação dos controles externos que permeiam os entes componentes do SISBIN para
que a Inteligência possa servir à sociedade com eficácia e eficiência, ao mesmo tempo em que
possa ser acompanhada de perto por equipes técnicas compostas por legítimos representantes
populares.
Para isso, como visto, velhas contendas e antigos preconceitos há muito arraigados
em nosso país devem ser superados, seja através da valorização da atividade de Inteligência
pelos usuários do sistema como pela produção de conhecimentos cada vez mais úteis, precisos
e tempestivos. É este o árduo desafio que se apresenta aos integrantes do SISBIN.
22

7 Bibliografia.

ABNT. NBR 6023: 2002 – Informação e documentação – Referências – Elaboração.

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Procedimento

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