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FRAGMENTOS FILOSÓFICOS EM CANTEIROS HISTÓRICOS: POR UMA

CONCEPÇÃO DE HISTÓRIA EM FOUCAULT

Jonatas Carlos de Carvalho1

Este artigo tem por objetivo discutir a contribuição do pensamento de


Michel Foucault para historiografia. Contribuição esta que não se resume na
sua produção textual historiográfica, Foucault, fez muito mais que escrever a
história da loucura, da clínica ou da sexualidade, seu trabalho insere ofício do
historiador em caminhos sutis e de particular singularidade. Criticado por sua
postura pós-estruturalista, decretando a morte do homem, Foucault inovou a
historiografia de seu tempo introduzindo no discurso histórico, noções até
então, se percebidas, não elaboradas por seus contemporâneos, tais como;
disciplina, episteme, saber/poder, biopolítica e governamentalidade.

Palavras-chave: história; historiografia; história das idéias; história


arqueológica; história genealógica.

This article aims to discuss the contribution of the thought of Michel


Foucault to historiography. This Contribution is not limited in its textual
production historiográfica, Foucault did much more than writing the history of
madness, clinic or sexuality, his work inserts legal historian in subtle paths and
particular singularity. Criticized for his post-structuralist enacting the death of
man, Foucault has innovated the historiography of their time introducing in
historic speech, notions until then, if noticed, not compiled by his
contemporaries, such as; discipline, episteme, know/power, biopolitics and
governamentalidade.

Keywords: history; history; history of ideas; archaeological history;


genealogical history.

1
Formado em História pela Universidade Veiga de Almeida.
2

FRAGMENTOS FILOSÓFICOS EM CANTEIROS HISTÓRICOS: POR UMA


CONCEPÇÃO DE HISTÓRIA EM FOUCAULT

De qualquer modo se trata de fazer da história um uso que a


liberte para sempre do modelo, ao mesmo tempo, metafísico e
antropológico da memória. Trata-se de fazer da história uma
contramemória, e de desdobrar conseqüentemente toda uma
outra forma do tempo. (FOUCAULT, M. Microfísica do poder,
Graal, 1984).

1. INTRODUÇÃO

Foucault demonstrou ser entusiasta da História, para ele seria


necessário libertá-la de uma imagem que durante muito tempo a mantinha
como uma memória milenar e coletiva que se servia dos documentos para
reencontrar “o frescor de suas lembranças.” Esta história tradicional que
propunha a “memorizar” os monumentos do passado, precisaria transformá-los
em documentos, decifrando os rastros deixados pelos os homens, isolando-os,
agrupando-os, relacionando-os em conjuntos, tornando-os pertinentes.2
Era preciso buscar a História por trás da História, Foucault ressaltava
que no submundo da história dos governos, da guerra ou da economia se
desenhava uma história “quase imóvel ao olhar”, histórias com um “suave
declive”. Entre elas estariam a história dos caminhos marítimos, história do
trigo, história da seca e da irrigação, etc. RAGO (1995, p.70), observará que
muito antes do sucesso da “História Cultural”, Foucault já insistia na idéia de
que “tudo é histórico”, e, portanto “nada do que é humano deve escapar ao
campo de visão do historiador”.
Não se pode pensar que Foucault estivesse sozinho neste caminho,
BURKE (2005, p.127), destaca outros pensadores contemporâneos a Foucault
com percursos semelhantes, entre eles estariam, Norbert Elias, Pierre Bourdieu
e Mikhail Bakhtin. Burke chama atenção para a história produzida por Carlo
Ginzburg (1976) “O queijo e os vermes” Ginzburg, por sua vez, na introdução
desta obra menciona que a preocupação de Foucault nunca foi com os
excluídos, mas propriamente com a exclusão3. Caberia saber se se trata de
uma crítica ou apenas de querer não qualificar a obra foucaultiana na

2
FOUCAULT, M. 2007. (p.7-8)
3
GINZBURG, C. 1998 (p. 3)
3

“Microhistória”. Assim temos Burke por um lado tentando incluir Foucault entre
os que produziram uma “História Cultural”, por outro há Ginzburg que não
reconhece a produção foucaultiana como uma ”Microhistória”, e, ainda temos
outros com François Dossê4 que o classifica como um “Estruturalista”.
Caberia perguntar em que tipo de história poderíamos classificar a obra
de Foucault? Se é que seja possível estabelecer critérios claros sobre os
modelos de escrita da História. Todo projeto de análise crítica e histórica em
Foucault, segundo CHARTIER (2002, p.125), está baseado na “recusa
explicita” dos conceitos classicamente manipulados pela “História Tradicional
das Idéias”. Foucault defende a idéia de uma “História Efetiva”, esta deveria se
encarregar de “fazer ressurgir o acontecimento no que ele pode ter de agudo e
único”. 5
Para CHARTIER (2002, p.126), há um preço a pagar ao historiador que
busca “contornar” a história tradicional, já que a “abundância dos fatos, a
multiplicidade das intenções, o emaranhado das ações, não podem, pois, ser
referidos a um sistema de determinação capaz de fornecer uma interpretação
racional, isto é, enunciar sua significação e causa”. O preço neste caso, seria o
“abandono de qualquer pretensão ao universal”. Foucault propõe ser
necessário reconhecer os “acontecimentos da História, seus abalos, suas
surpresas, as vacilantes vitórias, as derrotas mal digeridas”.6
Esta “História Efetiva” se distingue daquela dos historiadores pelo fato
dela não se apoiar em nenhuma constância; “nada no homem”. Nem mesmo o
corpo é bastante fixo, o corpo é destroçado por ritmos de trabalho, repouso e
festa. É intoxicado por venenos, alimentos, hábitos e leis morais. Compreender
o sentido histórico em que vivemos como “sem referências” ou “coordenadas
seguras”, faz para Foucault o trabalho fundamental do historiador.
A “História Efetiva” lança seus olhares ao que está próximo ao corpo, ela
não “teme olhar embaixo”. A “História Efetiva” deve ser a “ciência dos
remédios”, isto é, ela não deve ser “serva da filosofia e narrar o nascimento da
verdade”, ela deve ao contrário fazer “conhecer o diferencial das energias e
desfalecimentos das alturas e desmoronamentos, dos venenos e dos

4
DOSSE, F. História do Estruturalismo. O Campo do Signo. Vol. I, SP: Edusc. 2004.
5
FOUCAULT, M. 1984. (p.19)
6
Ibid. (p.19)
4

antídotos”.7 Ao fazer menção ao tipo de pesquisa histórica que desenvolvia


Foucault afirmou que seu campo era a “história do pensamento” argumentando
que:
Somos seres que vivem e pensam. O que faço é reagir contra
o fato de que exista uma ruptura entre a História Social e a
História das Idéias. Os historiadores das sociedades são
censurados a escreverem à maneira das pessoas que agem
sem pensar, e os historiadores das idéias, à maneira das
pessoas pensarem sem agir. Todo mundo pensa e age ao
mesmo tempo. 8

Na tentativa de escapar aos modelos tradicionais da História, Foucault


desenvolve duas metodologias de análise: a arqueologia e a genealogia.
Quatro obras caracterizam o que MACHADO (2006), chamou de “trajetória
arqueológica”. Assim suas primeiras obras História da Loucura; Nascimento da
Clínica, As Palavras e as Coisas e Arqueologia do Saber, compõem tal
trajetória. Ainda de acordo com MACHADO (2006, p.156), as três primeiras
obras contêm uma homogeneidade temática.

2. A HISTÓRIA ARQUEOLÓGICA

A arqueologia tem como objeto o saber e a epistemologia, ela não


considera o saber a partir de um fim que seria o aprofundamento da verdade. A
arqueologia pretende definir “sistemas de simultaneidade” e “séries de
mutações”, caracteriza uma época por uma episteme única, que rege o
conjunto das formas do saber e dá lugar a uma nova episteme por
descontinuidade radical9.
JAPIASSU (1992, p.127), procura esclarecer que a arqueologia de
Foucault, difere de outros modelos arqueológicos tais como a arqueologia
positiva: que busca a origem do homem e segue o fio de sua história; a
arqueologia ontológica: que remonta ao fundamento buscando a origem do
homem no Ser como origem; a arqueologia fenomenológica: que busca a
origem no homem e do homem, na natureza. A arqueologia de Foucault não
busca a origem do homem, mas o fundamento das ciências humanas. A crítica
7
Ibid. (p. 30)
8
FOUCAULT, M. 2003. (p.05)
9
MACHADO, R. 2006. (p.141)
5

que JAPIASSU faz a história arqueológica é que esta não consegue escapar a
episteme da representação, desta forma toda sua abordagem visa propor ao
leitor uma representação do saber.10
HABERMAS (2006, p.347), por sua vez descreve o método
arqueológico como uma “atitude que dirige o olhar sobre os fundamentos de
sentidos encobertos, sobre infra-estruturas, difíceis de por descobertas e que
ficam no interior dos discursos.” Como conseqüência a História congela-se sob
o “olhar estóico dos arqueólogos”, em um iceberg revestido das formas
cristalinas próprias das formas discursivas arbitrárias.11
A história arqueológica tem como primeiro objetivo nos diz DELEUZE
(2006, p.61), “descobrir uma verdadeira forma de expressão que não possa ser
confundida com nenhuma das unidades lingüísticas, sejam quais forem;
significante, palavra, frase, proposição, ato de linguagem”. Foucault inova na
concepção de uma expressão bem original: “o enunciado”. Os enunciados não
são palavras, frases, ou proposições, mas uma “operação diagonal”, uma
“função que cruza” diversas unidades significantes, rachando abrindo as
palavras, as frases e as proposições para extrair destas o “enunciado”. 12
Na História da Loucura, primeira obra arqueológica de Foucault, o foco
estava em analisar o discurso “filantropo”, que livrava os loucos de suas
correntes, sem esconder o outro acorrentamento mais eficaz. Os enunciados
do século XVIII inscrevem a loucura como grau extremo da “desrazão”, o asilo
ou o internamento insere-a num conjunto que unem loucos a vagabundos,
pobres, ociosos e toda espécie de depravados.13
Vemos um afastamento na História da Loucura da história das ciências,
já que Foucault não está preocupado em analisar o nascimento da psiquiatria.
Foge também a história das idéias, visto que não está investigando o discurso
do louco ou do médico, sua principal tese na obra é estabelecer as condições
históricas que possibilitaram os discursos e as práticas sobre a loucura como
doença mental. Roberto Machado, a partir de uma revisão desta obra, conclui
que Foucault não produz uma história da psiquiatria, ainda que a intervenção
médica em relação ao louco possa ser datada historicamente. Ao contrário

10
JAPIASSU, H. (p.128)
11
HABERMAS. (p. 355)
12
DELEUZE, G. (p. 61)
13
MACHADO, R. 2006 (p.58)
6

disso, Foucault “destrói a postura ufanista dos historiadores da psiquiatria”, que


procuravam dimensionar o “gesto libertador” de Pinel.14
Na História da Loucura, não é o discurso a preocupação, mas o estudo
dos espaços institucionais de controle do louco e dos saberes a ele
intrinsecamente relacionado. Foucault revela que as condições históricas que
possibilitaram o surgimento da psiquiatria, ou seja, o deslocamento da
“desrazão” para a doença mental é institucional, antes de ser teórico. “O louco”,
diz Foucault, “foi circunscrito, isolado, individualizado, patologizado, por
15
problemas econômicos, políticos e assistenciais e não por exame médico” A
história arqueológica na História da Loucura é por assim dizer uma
“arqueologia da percepção”, apenas em As Palavras e as Coisas, que Foucault
irá fazer uma arqueologia do saber.
A arqueologia de “As Palavra e as Coisas” tem inicio aproximado no final
do Renascimento, detendo-se na Idade Clássica, mas desembocando na
modernidade. O objetivo da obra era a “emergência de determinados saberes
de modo a finalmente poder descrever, nos séculos XIX e XX o surgimento das
Ciências Humanas.”16 O intuito é estudar os momentos sucessivos da
episteme ocidental, a arqueologia das Ciências Humanas chega a um
“obstáculo epistemológico”, enquanto Deus existe, isto é, enquanto funciona a
forma-Deus, o homem ainda não existe. Mas no momento em que surge a
forma-homem, necessariamente, já compreende a morte do homem.17
Foucault com certa ironia nos assegura que não haveria motivos para
lamentar tal perda, o fim de Deus e o fim do homem poderão dar lugar a uma
nova forma, o super-homem. Assim, o super-homem seria a mudança de um
conceito, o surgimento de um novo objeto, nem Deus, nem homem, esta nova
forma não seria para ele, pior que as duas precedentes. JAPIASSU (1994), irá
opor Foucault à Sartre:
O essencial não é o que se fez do homem, mas o que
ele fez daquilo que fizeram dele”, o que fizeram do homem são
as estruturas, conjuntos significantes que as Ciências
Humanas estudam. “O que ele faz”, continua Sartre, “é a
própria História, a superação real dessas estruturas numa
práxis totalizadora. (p.134)
14
Ibid. (p.52)
15
MACHADO, R. 2006 (p. 81)
16
TANNUS, S. 2005 (p.49)
17
DELEUZE. 2006. (p.139)
7

3. A HISTÓRIA GENEALÓGICA

“A genealogia é cinza.” Com esta afirmação Foucault insere sua nova


metodologia de investigar a História. Sob a influência total de Nietzsche, ele
chega a uma nova fase conceitual. A “genealogia é meticulosa e paciente
documentária, trabalha pergaminhos embaralhados, riscados, várias vezes
18
reinscritos.” Ela exige a “minúcia do saber”, um grande número de materiais
acumulados, seu objetivo é formular uma História que:
“dê conta dos saberes, dos discursos, dos domínios de
objeto, etc., sem se referir a um sujeito, seja ele transcendente
com relação ao campo do acontecimento, seja perseguindo
sua identidade vazia ao longo da História.” 19

Os estudos históricos sobre a sexualidade e a prisão são os que


remetem a genealogia. As conclusões arqueológicas precisam ser explicadas;
as relações de poder que circulam entre os enunciados científicos. A
genealogia é o distanciamento da “esquerda” e da “direita”, da “dialética” e da
“semiologia”, Foucault busca um caminho do meio, já que a esquerda só
enxergava o poder como “aparelho de Estado”, enquanto a direita o percebia
como “constituição inerente a soberania”, a genealogia não é “marxista”, nem
“fenomenológica.”20
A genealogia não se opõe à História como “visão altiva e profunda do
filósofo ao olhar de toupeira do cientista”, ela se opõe ao desdobramento
“meta-histórico” das significações ideais e das indefinidas teleologias, ela é
contrária a pesquisa da origem. A genealogia é, portanto uma análise histórica
das condições políticas de possibilidades dos discursos, não há saber neutro,
todo saber é político. Ela não é empirismo ou positivismo, mas a “ativação dos
poderes locais, descontínuos, desqualificados, não legitimados”, seu dever é
combater “os efeitos de poder próprios a um discurso considerado como
21
científico.” O projeto genealógico é um empreendimento para libertar os
saberes Históricos da sujeição e torná-los capazes de opor-se contra os
discursos teóricos, unitários, formais e científicos.

18
FOUCAULT, M. 1984. (p.15)
19
Ibid. (p.7)
20
Ibid. (p.8)
21
Ibid. (p.172)
8

Ao fugir da análise repressiva de poder, a genealogia encontrou “as


disciplinas”, “as normas”, “o adestramento”, “o panóptico.” Estes micro-poderes,
que necessariamente não precisam recorrer à força para “obrigar o condenado
ao bom comportamento, o louco à calma, o operário ao trabalho, o escolar a
aplicação e o doente à observância das receitas.”22 A fuga a “hipótese
repressiva” permitiu também um deslocamento sobre a sexualidade, ao
contrário do que se acreditava a sexualidade ou o sexo propriamente não teria
sido reprimido, mas incitado. Foucault mostra que a contra-reforma
implementou no “jogo da confissão” todas as “insinuações da carne”;
pensamentos, desejos, imaginações voluptuosas, deleites, etc., tudo deveria
ser confessado.
A História da Sexualidade nos revela uma “explosão discursiva” sobre o
sexo a partir do século XVIII motivada pela prática confessional, que no século
XIX será reproduzida nas Ciências Humanas. O “poder pastoral” do
cristianismo que visava através de um “exame da consciência” um saber
exaustivo da interioridade humana, com a racionalidade das luzes são as
disciplinas que irão produzir os “efeitos de poder” sobre o que é verdadeiro e o
que é falso na sexualidade.
VEYNE (1998), usa a proibição das lutas entre os gladiadores em Roma,
para aplicar a técnica genealógica de compreensão deste acontecimento, para
ele a proibição das lutas não estava relacionada “à influência humanizadora do
cristianismo”. Os imperadores cristãos não eram melhores que os não cristãos,
tratava-se no caso, de um conjunto de acontecimentos, entre eles a extinção
do senado, que Veyne chamou de uma “academia de letras”, pronta a manter a
tradição. Assim a política de “guiar rebanhos” que conduzia a tática do “pão e
circo”, é substituída por outra política, a de “mimar crianças”, isto é, outra forma
de dominação.23 Veyne percebe que a história genealógica é a história da
prática, são nas práticas que os homens enxergam as verdades e lutam em
torno dela. Não são os objetos que determinam nossa conduta, mas nossa
prática que determina o objeto. Veyne vê a dificuldade dos historiadores
compreenderem esta idéia, já que a prática não é uma instância “como o Id
freudiano” ela é a parte oculta do iceberg, mas é de gelo, só está imersa.24
22
FOUCAULT, M. 1997. (p.167)
23
VEYNE, P. 1998. (p.247)
24
Ibid. (p.251)
9

4. A INFLUÊNCIA FOUCAULTIANA NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA

A receptividade da obra foucaultiana no meio intelectual brasileiro


provocou de início, segundo DIEHL (1999, p.261), um impacto a partir de dois
temas especificamente. Primeiro sua crítica à modernidade e a “razão-
histórica”, seguido por sua “estratégia de poder’, onde a chamada “realidade
objetiva” foi por ele reduzida às práticas discursivas. DIEHL escreve sobre a
dificuldade de analisar as instituições, isolando-as, sem colocá-las teórico-
metodologicamante dentro das estruturas históricas. O problema é que
justamente no momento em que as formas de Estado e suas instituições
repressivas apresentavam-se no auge (fins dos anos 60, até meados de 70),
que nossos historiadores se depararam as idéias de Foucault.
Nossos historiadores estavam envolvidos com a revolução, o
proletariado, com as classes operárias, e mais a frente com a luta pela
redemocratização. RAGO (1995, p.77), afirma que eles não passaram
incólumes ao “furacão Foucault”, a historiadora relata que assim como os anti-
marxistas, acabaram empregando em algum momento de suas vidas conceitos
como “classe social”, “infra-estrutura sócio-econômica” e “relações sociais de
produção”, os anti-foucaultianos se viram impelidos a utilizar “noções de
discurso” e “poder disciplinar.” O “chão dos nossos historiadores desabou”, já
não se podia contar com um “passado organizado”, nem com objetos prontos
cujas as formas poderiam ser reconhecidas ao longo do tempo, nem sujeitos
determinados, era necessário aprender a “desembrulhar o pacote”, e mostrar
como ele fora constituído, efetuando uma “descrição dispersiva.” 25
DIEHL faz um breve apanhado de obras que foram produzidas no Brasil
sob a influência de Foucault, os primeiros estudos teriam sido sobre as
doenças do corpo e da mulher. Um dos trabalhos apontados pelo autor foi o de
Ítalo Tronca: “A história e doença; a partilha da lepra”, nela o autor faz críticas à
modernidade, ao discurso científico e racional, além de citar as instituições
disciplinares.26 Outra obra é a de Salma Tannus Muchail, temas sobre as
“funções de controle do tempo e do corpo”, os aspectos de vigilância

25
Ibid. (p.73)
26
DIEHL, A. A... (p.280)
10

empregados pelas sociedades modernas, a maneira de dispor do tempo para


atender as necessidades da industrialização, são objetos de seus estudos.27
É possível ainda destacar teses de doutoramento produzidas nos anos
90, com caráter teórico foucaultianos, Rago escreve sobre três; “Os prazeres
da noite. Prostituição e os códigos da sexualidade feminina” (Rago, 1990); “Do
trabalhador indisciplinado ao homem prescindível” (Caponi, 1992); e “A
invenção do nordeste e outras artes” (Albuquerque, 1993). Os estudos buscam
privilegiar as “relações de poder”, a “disciplinarização” e “higienização”. Outro
tema é a “subjetivação”, onde o discurso médico e jurídico são contemplados e
relacionados às práticas disciplinares.28
Podemos afirmar que temas relacionados a mulher, o sexo, o operário,
o escravo, o poder, o hospital entre outros não foram trazidos por Foucault,
mas certamente ganharam projeção de significados diferenciados, foram
deslocados das “estruturas seguras” de produção da história. Foucault é
relevante e atual em nossa cultura histórica, depois do “olhar
arquigenealógico”, nossa história nunca mais foi a mesma.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Ao findar este trabalho restam-nos ainda algumas considerações.


Primeiro pontuar que não nos utilizamos das obras referentes à última “fase” de
Foucault, ou seja, seus trabalhos sobre a “subjetivação do sujeito”, discutidos
nos volumes II e III da História da Sexualidade. Isso porque cremos que estes
trabalhos estão mais para a Filosofia que para a História, embora sejam
constituídos por análises históricas.
Nossa intenção foi destacar a importância em contemplar as obras de
Michel Foucault como relevantes ao trabalho do historiador. Poderíamos
perguntar: por que este pensador tornou-se objeto de estudo em várias áreas
de conhecimento? Não desprezar este fato já seria um exercício de humildade
de nossa parte.
Foucault analisou a História filosoficamente, procurou se libertar dos
domínios de saberes constituídos e dos discursos rarefeitos, isto é, investigou

27
Ibid. (p.281)
28
RAGO, M. (p. 80)
11

29
todo saber que não se encontrava na “ordem do discurso.” Ele concluíra que
as condições econômicas e políticas de existência não são um “véu ou um
obstáculo para o sujeito do conhecimento”, mas aquilo através do que se
formam os sujeitos e, por conseguinte, as relações de verdade.30
Gostaríamos aqui dedicar (embora apenas parcialmente), certa atenção
a crítica feita a Foucault e aos que com ele seguiram a crítica ao sujeito
moderno (Derrida, De Certeau, Chartier). Perguntas do tipo: Até que ponto as
tentativas de desconstruir uma História científica, explicativa e que constitua
totalidades sociais como objeto tiveram êxito? Na opinião de CARDOSO
(1999), tiveram muito êxito. Isto:
“por conseqüência da derrota dos movimentos e dos
regimes que falavam em nome do marxismo, em nosso século,
a mais mobilizadoradas tentativas racionais de dar conta do
social com um todo e de sua possível (e desejável)
transformação.” (p.5)

O que está em jogo aqui é o abandono de uma história holística, por


uma “história em migalhas”, assim, “abandona-se uma história social da
cultura, considerada reducionista, em favor de uma história cultural do social.”31
CARDOSO se prende a duas possíveis contradições nos trabalhos ditos
pós-modernos, que por um lado se dedica cada vez mais à pesquisa
delimitada, mas paradoxalmente abordam-na por um víeis interdisciplinar,
pluridisciplinar ou transdisciplinar. Outro paradoxo seria saber: “O aconteceria
se um crítico tomar a forma de análise crítica pós-moderna sabendo que todas
as pretensões normativas problemáticas, sem excluir, portanto, aquelas
comuns entre os pós-modernos, para aplicá-las ao próprio pós-modernismo e
aos valores que sustenta?”32
Este “calcanhar de Aquiles” pós- moderno, parece não ter incomodado
Foucault, que buscou pensar como haviam sido instituídas culturalmente as
referências paradigmáticas da modernidade em relação ao próprio social, à
posição dos sujeitos, ao poder e às formas de produção do conhecimento.”33
A “revolução” que Foucault causaria a História defendida por VEYNE
(1998) e CHARTIER (2002), foi de tornar impossível considerar os objetos cuja
29
FOUCAULT, M. 2006. (p. 37)
30
FOUCAULT, M. 2005. (p. 27)
31
CARDOSO, C.F. 1999. (p. 9)
32
Ibid. (p. 12)
33
RAGO, M. 1995. (p. 72)
12

história o historiador pretende escrever, como “objetos naturais”, ou “categorias


universais,” Foucault trabalha à “beira da falésia”, uma operação limite que
tenta dar conta na ordem do discurso da “razão”, ou da “desrazão” das
práticas.34
Foucault responde aos que o atacam com por fragmentar a História, por
defender não a existência de uma História, mas a existência de “histórias”, com
um irônico silêncio. Por fim, diz compreender o mal estar causado, entende que
é doloroso aos que acreditam num reencontro com o passado, deparar-se com
regras que não obedecem a uma consciência e diz:
“O discurso não é a vida: seu tempo não é o de vocês;
nele vocês não se reconciliarão com a morte; é possível que
vocês tenham matado Deus sob o peso de tudo que disseram;
mas não pensem que farão, com tudo o que vocês dizem, um
homem que viverá mais que ele.”35

Quando perguntado a ele que tipo pesquisa contemplava em seus


estudos, respondeu que, se filosofia fosse buscar incessantemente
compreender um sujeito constituinte, então ele não fazia filosofia, e, se história
se resumisse em dar sentido a um passado anônimo, ele não fazia história.36
Nunca aceitou bem o rótulo de filósofo ou historiador, seus textos, no máximo
são fragmentos filosóficos em canteiros históricos.

5. BIBLIOGRAFIA

BURKE, Peter. O que é história cultural? RJ: Jorge Zahar editor. 2005.
CHARTIER, Roger. A Beira da Falésia, RS: UFRGS. 2002.
34
CHARTIER, R. 2002. (p. 150)
35
FOUCAULT, M. 2007. (p. 236)
36
FOUCAULT, M. 2007. (p. 235)
13

DOSSE, F. História do Estruturalismo. O Campo do Signo. Vol. I, SP:


Edusc. 2004.
DELEUZE, G. Foucault. SP: Brasiliense. 2006
DIEHL, A. A. A Cultura Historiográfica Brasileira (década de 1930 aos anos
1970). 1. ed. Passo Fundo: Ediupf, 1999. v. 1.
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. SP: Cia das Letras. 1987.
FOUCAULT, Michel. Arqueologia do Saber. RJ: 7ªed. Florense Universitária.
2007
____________, A Ordem do Discurso. SP: Edições Loyola. 2006.
____________, As Palavras e as Coisas. SP: Martins Fontes. 2007.
____________, A Verdade e as Formas Jurídicas. RJ: 3ª ed. Nau Edições.
2005
____________, História da Sexualidade. Vol. I. “A vontade de saber”. RJ:
17ª ed, Graal. 2007.
____________, Microfísica do Poder. RJ: 5ª ed, Graal, 1984.
____________, Vigiar e Punir. Petrópolis: 32ª ed. Vozes. 1997.
HABERMAS, Jürgen. O Discurso Filosófico da Modernidade. SP: Martins
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MACHADO, Roberto. Foucault, a ciência e o saber. RJ: 3ª ed. Zahar. 2006
MUCHAIL, Saumma. T. Foucault, Simplesmente. (org.) SP: Edições Loyola.
2004.
VEYNE, Paul. Como se Escreve a História. 4ª ed. Brasília: UNB. 1998.

6. FONTES DE REVISTAS E TEXTOS NA INTERNET.

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dezembro/2006 a março/2007. Org. Margareth Rago e Adilton Martins.
14

CARDOSO, C. F. Epistemologia Pós-Moderna, Texto e Conhecimento: a


visão de um historiador. Revista Diálogos, Vol. 3, Nº 1. PR: UEM. 1999.

www.unicamp.br/~aulas/numero3.htm
CANDIOTTO, C. Foucault e a crítica do sujeito e da história. Revista Aulas,
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FOUCAULT, M. “Ditos e Escritos”, Vol. IV Estratégia Poder-Saber. RJ.


Florense Universitária 2003: HTTP://
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MAGALHÃES, T.C. A filosofia como discurso da modernidade. JF. Revista


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RAGO, M. O efeito Foucault na historiografia brasileira. Tempo Social;


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