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RETRATOS
TEXTO DE JOSÉ MÁRIO SILVA
DE UM NOBEL
É o mais desejado, o mais compensador e o mais mediático dos galardões literários.
Uns ganharam-no e nunca mais se recompuseram de tanta glória. Outros são todos os
anos citados pelas agências de apostas e nunca mais lá chegam. Há ainda os que foram
ostensivamente ignorados pela Academia Sueca (mas não pela posteridade), os que
receberam o prémio mas caíram no esquecimento, os que o recusaram e os que foram
escolhidos, suspeita-se, por razões mais políticas do que artísticas. Eis uma breve
viagem aos domínios do Nobel da Literatura, que será atribuído no início deste mês.
OS PRETERIDOS
Háquemdigaqueoexcessodepopularidadedeumautor,
ou o facto de já ter atingido a consagração universal por ou-
OS ETERNOS FAVORITOS
Todososanos,acenarepete-se.Comaaproximaçãodoanúncioda
trasvias,éumadasexplicaçõesparao«esquecimento»aque
a Academia Sueca votou alguns dos no-
mes mais importantes da literatura
do século passado. O certo é que
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Academia Sueca, sempre numa das primeiras quintas-feiras de Ou- osmecanismosinternosdopré-
tubro,pululamnosfórunsliteráriosdaInternet(eaténalgumascasas mio (nomeadamente os crité-
deapostas,comoabritânicaLadbrokes)osprognósticossobrepossí- rios seguidos e a forma como
veisvencedores.Naingratacategoriadoseternosfavoritosháumau- sãoponderados)nuncadeixa-
tor que se destaca: Philip Roth, unanimemente considerado um dos ramdeestarenvoltosemden-
maioresescritoresvivos.OsEstadosUnidosnãosãodistinguidosdes- sas camadas de secretismo e
de 1993, o que faz dele um candidato óbvio, mas os 18 elementos da sigilo. Nos primeiros anos em
AcademiaSuecaparecemfazerquestãodefugirdosconsensos,apos- que o Nobel da Literatura foi atri-
tandomuitasvezesemautoresquasedesconhecidos.Excepçãoaes- buído(coincidentescomaprimeira
saregrafoiaescolha,em2006,deOrhanPamuk,umnomerecorren- década do século XX), a escolha seguiu
©Keystone/Getty Images
tenaslistasdefavoritos,oquepodesignificarqueRothtemaindamais à riscaas indicações testamentáriasdo inven-
OS ESQUECIDOS
O primeiro Nobel da Literatura (1901) foi o francês Sully Prudhom- para o melodrama (O Moinho, 1896), outros de clara inspiração budis-
me, «em reconhecimento pelas suas composições poéticas, que eviden- ta (e.g. O Peregrino Kamanita,1906).Quemalguma
ciam um solene idealismo, perfeição artística e uma rara combina- vez leu um destes livros que levante o braço,
ção de qualidades humanas e intelectuais». Da sua bibliografia por favor. E explique, já agora, qual o lu-
constam As Vãs Ternuras (Les Vaines Tendresses, 1875) e o gar que ocupam na História da Lite-
poema A Justiça (1878). Bjørnstjerne Bjørnson, norueguês, ratura nomes como os de Theodor
viu distinguida em 1903 a «frescura da inspiração e a ra- Mommsen (Nobel em 1902), Gio-
ra pureza de espírito» de obras como Capitão Mansana suè Carducci (1906), Rudolf Chris-
(1878) ou Sigurd, o Cruzado (1899). Já Karl Adolph Gje- toph Eucken (1908), Verner von
llerup, um dinamarquês nobelizado em 1917 (que por Heidenstam (1916), Carl Spitteler
vezes assinava com o pseudónimo Epigonos), publicou (1919), Vladislaw Reymont (1924)
diversos romances germanófilos, uns mais a tender ou Frans Eemil Sillanpää (1939).
OS AMALDIÇOADOS
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HáqualquercoisadeMissUniver-
so no Prémio Nobel de Literatu-
ra.Duranteumano,olaureadoé
o centro das atenções, chovem
pedidos de entrevista, convites
paratudooqueéfestivalliterário, OS POLÍTICOS
doutoramentos honoris causa Dafamadeserpoliticamenteenviesado,oNobelnuncaselivra-
emuniversidadesnosantípodas. rá.Aolongodosanos,muitasforamasescolhasquepareceramobe-
Àstantas,torna-sedifícilcompa- deceracritériosextraliterários.DuranteaPrimeiraGuerraMundial,
tibilizarumaagendaaabarrotar por exemplo, foram privilegiados autores de países neutrais ou pacifis-
decompromissoscomorecatoe tasmilitantes(comoRomainRolland,em1915).Eemmuitasoutrasocasiões ©DR
disciplina que a escrita literária houve sinais políticos óbvios, como a atribuição do Nobel a Winston Churchill no
exigem. Aumenta a glória mun- pós-guerra(1953),aAleksandrSolzhenitsynnoiníciodadécadade70,aWoleSoyinka(1986),Na-
danadoautor,ressente-seaobra. dine Gordimer (1991) ou Dario Fo (1997). Mais recentemente, também os prémios concedidos a
SullyPrudhomme(cf.«Osesque- Harold Pinter (2005), numa fase em que o dramaturgo inglês dizia cobras e lagartos de George
cidos»),foiaprimeiravítima.De- W. Bush e de Tony Blair, por causa da invasão do Iraque, e ao turco Orhan Pamuk (2006), então
pois do Nobel, em 1901, só escre- recentemente envolvido num escândalo no seu país (por ter violadoo tabu nacionalistaque pai-
veumaisumlivro:Épaves(1908). rasobreogenocídiodearméniosecurdosnaTurquia,em1915),tiveramleituraspolíticas.
Os casos mais óbvios de uma
possível maldição associada ao
Nobel são os de Ernest Heming-
way e Yasunari Kawabata, dois sui-
cidas.Hemingwayfoidistinguidoem
1954,comreferênciasexplícitasdojú-
riaoúltimolivroqueeditara,O Velho OS QUE RECUSARAM
e o Mar (1952), um dos mais popula- Nasmaisdecemediçõesdoprémio,apenasseregistamduasrecusas:adeJean-Paul
resmasliterariamentemenosconse- SartreeadeBorisPasternak.Em1964,ofilósofoexistencialistafrancêsfoioescolhido
guidos.Oescritortinha55anoseaté pela Academia Sueca «pelo seu trabalho que, sendo rico em ideias e animado pelo es-
ao dia em que se matou com um tiro píritodaliberdadeeabuscadaverdade,exerceuumaenormeinfluêncianonossotem-
na cabeça, quase a fazer sessenta e po». Depois de recusar o prémio alegando razões pessoais, o escândalo foi tão grande
dois, não voltou a publicar. Kawaba- queSartreviu-seforçadoapublicarumartigonoLeFigaro(a23deOutubro),emque
tafoipremiadoem1968enosrestan- explicava que a sua concepção do lugar de um escritor na sociedade não lhe permitia
tes quatro anos de vida a sua biblio- aceitar qualquer tipo de honras oficiais. Tal como recusou o Nobel, já havia recusado
grafia também ficou em branco. condecoraçõesdeEstadoerecusariaoPrémioLenine,selhodessem.Numafraseque
Outros amaldiçoados continuam a ficoucélebre,resumiuasuaatitudedizendoqueumescritordeveevitaratodoocusto
escrever, mas são as suas obras que transformar-senumainstituição.Ahistória,noentanto,podenãoserassimtãolinear,
não voltam a atingir, talvez esmaga- uma vez que Lars Gyllensten, um membro de longa data do comité Nobel, afirmou
das pela expectativas, o reconheci- na suabiografiaqueSartreteráescritoumacartaàAcademiaSueca,em1975,emque
mentocríticoqueosiçouaestaespé- garantia ter mudado de ideias quanto ao prémio, pelo menos no aspecto financeiro.
ciedeOlimpo.Exemplosnãofaltam, Segundo Gyllensten, o comité indeferiu o pedido, alegando que a verba já tinha sido
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. ( outubro 2008 ) revista LER