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PARA QUE?
1. INTRODUÇÃO
Para refletirmos sobre o curso de medicina veterinária e sobre qual relação que
estabelece com a sociedade e com qual setor social, prioritariamente, é necessário
compreendermos o desenvolvimento e a forma de reprodução da sociedade em que
vivemos. Para isso, é importante fazermos uma leitura histórica da construção das atuais
condições sociais em que nos encontramos e relacionarmos isso com as grandes áreas
em que um (a) profissional de medicina veterinária pode atuar. Só assim, conseguiremos
compreender como o ensino de veterinária pode ser entendido dentro de uma lógica de
concepção de mundo e do modelo de desenvolvimento hegemônico na sociedade.
O modelo de desenvolvimento adotado, principalmente na agricultura, pelo país
na década de 60, 70 teve determinante influência sobre a definição e expansão dos
cursos de Veterinária. Hoje, a orientação que segue é da grande produção para a
exportação e o mercado dos PET-SHOP’s, com pouca, ou sem nenhuma, relação com a
realidade, tanto agrária quanto urbana, do país.
A isto, está conectado o processo pedagógico e a elaboração dos Projetos
Políticos Pedagógicos, muitos ainda em andamento, dos cursos de Veterinária. Uma
educação basicamente bancária e um processo de reformulação dos currículos baseados
basicamente numa concepção liberal – como veremos no decorrer do texto – com pouca
ligação orgânica com as reais necessidades da maioria da população brasileira.
Pretendemos, com este estudo, novamente (Piccin & et al, 2003) polemizar estas
questões no meio acadêmico, principalmente no Curso hora em debate.
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Mauricio Botton Piccin – Diretor de Extensão da UNE, Coordenador Nacional da ENEV – 02/03, Marcos Botton
Piccin - Coordenador Nacional da ENEV – 02/03. Acadêmicos do Curso de Veterinária da UFSM.
2. O ENSINO DE VETERINÁRIA E O MODELO DE
DESENVOLVIMENTO
Durante boa parte do século XX até a década de 70, o Brasil passou por um
processo intenso de industrialização. Essa modernização também chegou ao campo
através da chamada “Revolução Verde” que trouxe o “pacote” tecnológico produzido,
principalmente na I e II guerra mundial (adubos e demais produtos químicos,
mecanização, sementes híbridas). Isso resultou na implementação um modelo de
produção e uma concepção de desenvolvimento da agricultura brasileira, consolidando-
se o complexo agro-industrial, pois se tornou possível à indústria obter altos lucros.
(Gomes, G., 2002).
Essa “modernização” da agricultura brasileira provocou um profundo êxodo
rural causando uma intensa ocupação2 das cidades de forma desordenada sem
planejamento por parte do Estado, trazendo sérios problemas de saúde pública para um
considerável número de pessoas.
Além do emprego, outros fatores relacionados às condições de vida também
contribuíram para essa migração: educação, sociabilidade, lazer, transporte, infra-
estrutura básica e de serviços (energia, comunicação, saneamento, moradia, saúde,
assistência social e legal) (Carvalho, H. M., 1999).
“Nessas circunstâncias, a modernização acelerada da agricultura e o elevado crescimento
da indústria vieram acompanhados da continuidade da pobreza no campo e de um
processo caótico de urbanização acelerada que generalizou o problema do subemprego
para as grandes metrópoles do país, (até meados do século XX o trabalho em atividades
de baixíssima produtividade era uma realidade basicamente rural). Assim, o Brasil
conclui seu processo de internacionalização das estruturas fundamentais da segunda
Revolução Industrial, no final da década de setenta, após quase cinqüenta anos de
vigoroso crescimento econômico, com praticamente um quarto de sua força de trabalho
subempregada, sendo que quase 60% deste contingente viviam nas cidades”(Sampaio Jr.,
1999).
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Dependendo do autor e do enfoque da análise do fenômeno, poderemos encontrar como urbanização como
conseqüência do deslocamento das pessoas do campo para a cidade ou, simplesmente de êxodo rural.
campo. Isso ocorre principalmente, através dos interesses agroindustriais internacionais
que fazem com que o conjunto de instituições de assistência técnica pública e privada se
tornem reféns do modelo tecnológico instituído, difundindo através de projetos e
políticas públicas tratando grandes e pequenos produtores como um só universo, ou
seja, um processo de homogeneização ideológica. (Carvalho, H. M., 2003).
Com isso, consolida-se a chamada burguesia rural, grande proprietária de terras
com produção em escala para exportação, altamente tecnificada e mecanizada (Germer,
C., 1994). O grau de concentração de terras no Brasil podemos ver na tabela 1, em
anexo.
Mas vale a pena destacar aqui, que enquanto o percentual de imóveis até 10ha é
de 31,6% e ocupa 1,8% da área total, os imóveis acima de 2000ha são 0,8% e ocupam
31,6% da área total.
É na pequena produção que se encontram o maior número de unidades
produtoras, por conseqüência, é onde grande parte dos profissionais de veterinária
trabalham ou trabalharão, através de cooperativas e associações. Não serão raras às
vezes que esses se depararão com a contradição entre o ensino baseado no modelo da
grande produção, do agribussines e a realidade da pequena produção e do campesinato.
“... o Centro-Oeste a segunda bacia leiteira, é formado por 70% de pequenos produtores...
O setor não é apenas agronegócio, pois 36% das pequenas propriedades têm no leite um
reforço para a renda...” (Revista Globo Rural, n. 220, p. 38, fev - 2004).
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A expressão campesinato está relacionada não apenas com a maneira de produzir, mas, sobretudo, com a
possibilidade de alcançar a reprodução simples dos meios de vida e de trabalho através da mudança da sua situação
atual. Na situação atual, em particular devido aos equívocos do modelo de produção e das tecnologias adotadas, esse
extrato de agricultores familiares estão em processo de exclusão social.
Faz-se necessário uma outra relação entre universidade e sociedade, se
configurando muito mais como comunicação à extensão (Freire, R. B., 2000), para a
partir daí, pensarmos num outro modelo de produção que permita aos agricultores,
primeiramente, superar essa situação de empobrecimento crescente, ou seja, romper
com a dependência cultural e técnica dos valores dominantes e, portanto, resistir à
exclusão social.
Contudo, é preciso ter uma matriz tecnológica que resgate os valores dos
camponeses e que considere sua realidade para propor alternativas à garantia da
produção de seu alimento e das condições básicas para sua sobrevivência e resistência
no campo. Junto a isso, é fundamental estar articulada com o entendimento da
necessidade da reforma agrária e urbana, pois não devem ser pensadas de forma
separada, como um processo de democratização e acesso a terra. Dessa forma, a
veterinária estará contribuindo para a resolução do principal problema social no campo,
pois é para isso que a Universidade deve existir.
Um processo amplo de reforma agrária poderia imprimir uma forte demanda por
profissionais capacitados para atuar nessa realidade, além de multiplicar a oferta de
trabalho para a medicina veterinária. Agora, de nada adiantará se o ensino de veterinária
continuar sendo orientando por um modelo tecnológico que ocasiona a expulsão de
camponeses do campo.
Nesse sentido, o movimento estudantil da veterinária, através da ENEV4, tem
realizado ações concretas nas universidades para intervir nessa realidade na perspectiva
de sua transformação. A realização dos estágios de vivência em assentamentos de
reforma agrária tem a finalidade de colocar o estudante em contato com a realidade do
camponês e diagnosticar o quanto é inadequado o “pacotão” que aprendemos nos cursos
de veterinária.
Como conseqüência da questão agrária abordada acima, onde o modelo de
produção capitalista (e a matriz tecnológica) desencadeia um processo de concentração
de terra e riqueza expulsando milhares de camponeses do campo, temos a questão
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Executiva Nacional dos Estudantes de Veterinária.
urbana. O ponto central dessa questão consiste em democratizar o modo de ocupação do
solo urbano e promover uma radical inversão nas políticas públicas. (Sampaio Jr.,
1999).
Os principais centros urbanos sofreram ao longo das últimas décadas um
processo agudo de ocupação desordenada e isso ocasionou diversos problemas de saúde
pública - no seu conceito amplo - a grandes parcelas da população, como por exemplo,
moradia, saneamento básico, desemprego.
É também responsabilidade das Universidades produzirem ciência e tecnologia
para a resolução desses problemas. O curso de veterinária também deve dar respostas a
essas demandas expressas a partir de um problema social da grande maioria da
população. É só observarmos as intermináveis favelas da grande São Paulo e Rio de
Janeiro, por exemplo.
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Esses termos largamente usados pelo método de educação hegemônico na sociedade representam e expressam uma
carga de valores autoritários historicamente construídos. Professor a pessoa que sabe tudo e dele ninguém duvida ou
questiona. O aluno (a: não; luno: luz) aquele que não tem luz, ou seja, não sabe nada e deve ficar quieto para
aprender. Segundo Paulo Freire, ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho, as pessoas se educam em
comunhão, mediatizadas pelo mundo. Por isso, Paulo Freire costuma chamar de educador e educando.
movimentos e das forças sociais que impulsionam o desenvolvimento da sociedade. Se
isso não acontecer de forma democrática e participativa onde ocorra a opção por uma
concepção de desenvolvimento da sociedade, as mudanças serão meros ajustes na
lógica do mercado onde mais uma vez não atenderá a demanda social pela produção de
ciência e tecnologia para a resolução dos problemas da grande maioria da sociedade
brasileira.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tabela 2:
Participação da agricultura familiar na produção total
100
80
60
40
20
0
Fumo
Mandioca
Cebola
Feijão
Suínos
Leite
Milho
Uva
Aves/ovos