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DO PACÍFICO
ÀS
` PAMPAS
P
ara nós, a etapa de ontem foi a
A caravana do Rali Dakar está de mais bonita de todas! Talvez os
regresso ao ponto de partida. Hoje participantes não digam o mesmo,
mesmo, cumpre-se a última etapa pois quando por lá passámos, três
semanas antes, até sentimos pena
chilena, entre a admirável costa deles. Com o rali a aproximar-se
do Pacífico e as impressionantes do final, esta tirada tinha tudo para
dunas de Copiapó, que o nosso Kia assustar aqueles que só sonham
com a chegada triunfante a Buenos
Sorento habilmente contornou... Aires, pois foi um calvário de pistas
Por Alexandre Correia duríssimas, daquelas que só encontramos nos desertos e que são
Fotos Paulo Calisto particularmente castigadoras para as mecânicas das máquinas e
para os ossos dos concorrentes. Para complicar um pouco mais as
coisas, ainda há que somar as dificuldades de navegação – imensas
– e algumas passagens de areia que, por momentos, podem
despertar recordações dos tempos em que a caravana se embrenhava
no coração do Sara, na Mauritânia. E essas recordações ainda hoje
provocam pesadelos a muita gente que por lá deixou sonhos lindos,
de grandes festas que nunca chegaram a viver em Dakar...
A nossa missão, recordamos, consistiu simplesmente em passear
pelos cenários do rali, não em sofrer como os concorrentes. De
modo algum! Quisemos mesmo deixar bem marcado que éramos
missionários — porque cumpríamos uma missão e nada mais do que
isso, esclarecera-se — da boa vida, que nisto do todo-o-terreno cabe
tudo, mas ao fim de quase 30 anos já nos penitenciámos o suficiente
para várias vidas. Portanto, quando deixámos Antofagasta, a grande
cidade do Atacama, que em 1879 o Chile conquistou à Bolívia,
rapidamente decidimos levar o nosso Kia Sorento para outras rotas,
inacessíveis ao rali. Tomámos a costanera, que é como por lá se
chamam as estradas junto à costa, descendo 499 quilómetros desde
Antofagasta a Caldera — a cidade portuária conectada com Copiapó
— quase sempre a admirar o Pacífico. Diga-se de passagem que
embora o oceano estivesse de acordo com o nome, pois nem se via
uma onda a rebentar contra a costa, este ano o Verão Austral chegou
tímido e a nossa ideia de ir a banhos nas águas do Pacífico foi adiada
para a piscina panorâmica e aquecida na cobertura do hotel em
Buenos Aires, onde há três anos que terminamos estas missões de
reconhecimento do Dakar sul-americano.
Esta alternativa costanera à etapa Antofagasta/Copiapó é
impossível para o rali, porque para além de ser mais interessante
do ponto de vista paisagístico que de condução, numa perspetiva
desportiva, tem pelo meio diversas zonas sensíveis, que são
incompatíveis com a passagem de uma caravana como a do Dakar,
nomeadamente o Parque Nacional Pan de Azúcar, um belo santuário
de vida selvagem, especialmente avifauna, que no Inverno se enche
de Pinguíns de Humbolt, algumas minas ativas, mesmo diante do
mar, e um par de zonas de treino militar, onde não dá para sair dos
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REPORTAGEM
DUNAS, UVAS
E A MINA DE SÃO JOSÉ
A última semana de viagem, tal como sucede no rali, levou-nos
da costa do Pacífico aos planaltos andinos, e depois até às pampas, CAPITAL da região chilena do Atacama, Copiapó tornou-se
atravessando pelo meio o deserto do Atacama. É um percurso recentemente conhecida pela passagem do Rali Dakar nas imensas
com paisagens incríveis, que os concorrentes não têm como apreciar
dunas que rodeiam esta cidade, mas a fama chegou-lhe verdadeiramente
há uns meses, quando 33 mineiros foram soterrados numa galeria da
Mina de São José, a 700 metros de profundidade. Libertados a meio de
Outubro, após 69 dias aprisionados nas profundezas, os 33 mineiros
tornaram-se eles próprios celebridades, mas hoje restam apenas seis
empregados, que juntamente com os Carabineiros do Chile asseguram
que a mina permanece fechada até à conclusão das investigações e do
inquérito para apurar responsabilidades do acidente. Como não há regra
sem exceção, fomos autorizados a visitar a Mina de São José, mesmo ao
lado da gigantesca duna de Medanoso e das vinhas da Red Globe — que
dão aquelas ótimas uvas que comemos fora de época... —, por onde esta
terça-feira andam os concorrentes do ‘Dakar’. Estacionámos o Kia Sorento
diante da entrada da galeria da mina, onde diariamente passavam pelo
menos 60 camiões carregados com 30 toneladas de minério. Cada carga,
depois de ‘limpa’, rendia 12 gramas em ouro, ou seja, cerca de dois quilos
todos os dias. Enrique, o chefe de turno que nos fez a visita guiada,
contou-nos isso e muito mais. Por exemplo, que o colega que queria
a mulher e a amante à espera, tinha, afinal, uma terceira — “una chica
peruana...” — e que ele próprio coleciona notas de banco. Também nós,
mas gastamo-las todas...