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ÉTICA, DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE1

Maria Lucia Silva Barroco2

Diversidade e direito à diferença

A diversidade é um tema que envolve profissionais, pesquisadores e


militantes políticos nos debates que se realizam no campo dos direitos humanos.
Nesse pequeno ensaio, sem nenhuma pretensão de aprofundar uma temática tão
complexa, nos propomos a pensá-la como objeto de reflexão ética.

Como componente da realidade social, a diversidade está presente nas


diferentes culturas, raças, etnias; gerações, formas de vida, escolhas, valores,
concepções de mundo, crenças, representações simbólicas, enfim, nas
particularidades do conjunto de expressões, capacidades e necessidades
humanas historicamente desenvolvidas. Assim, é elemento constitutivo do gênero
humano e afirmação de suas peculiaridades naturais e sócio-culturais.

As identidades que unem determinados grupos sociais, diferenciando-os de


outros não deveriam resultar em relações de exclusão, desigualdade,
discriminações e preconceitos. Quando isso ocorre é porque suas diferenças não
são aceitas socialmente e neste caso estamos entrando no campo das questões
de ordem ética e política, espaço da luta pelo reconhecimento do direito à
diferença, uma das dimensões dos direitos humanos.

Em torno da problemática da discriminação e do preconceito, articulam-se


determinados valores como a tolerância e a alteridade, valores que adquirem uma
dimensão ético-política mais abrangente por implicarem na liberdade e na
equidade.

Tolerância e alteridade, mais do que valores, são mediações estabelecidas


nas relações entre os homens, donde sua historicidade. Podemos constatar,

1
Texto elaborado para a pesquisa “Ética e direitos humanos: unidade e diversidade do Fórum
Social Mundial” que integra o Núcleo de Estudos e Pesquisa em Ética e Direitos Humanos
(NEPEDH) do Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social PUC-SP e o Grupo de
Estudos e Pesquisas sobre Ética do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (GEPE) da
UFPE.
2
Professora de Ética e Coordenadora do NEPEDH/PUC-SP.
BARROCO, M. L. S. Ética, Direitos Humanos e Diversidade. In Cadernos Especiais n. 37, 2
edição: 28 de agosto a 25 de setembro de 2006. Disponível em www.assistentesocial.com.br

recorrendo à história, que a defesa da tolerância pertence às conquistas da


sociedade moderna; perpassa pela reivindicação da tolerância religiosa, com
Locke, pela tolerância política, com Voltaire e os ilustrados, no século XVIII e por
Stuart Mill e Bentham, no século XIX (Vázquez, 1999).

Costuma-se definir tolerância, em geral, como uma relação social que


supõe a existência de alguma diferença aceita como um direito: o direito de ser
diferente. Alguns autores tratam de dois tipos de tolerância: a positiva e a
negativa (Exteberria, 2001). A positiva, quando a diferença nos afeta de modo que
não possamos ficar indiferentes a ela (Vázquez, 1999). A negativa, quando não a
aceitamos, mas, a “toleramos” com indiferença.

Jacquard chama a atenção para não confundirmos respeito com tolerância


uma vez que: “A tolerância é uma atitude muito ambígua (Para isso, existem
casas..., dizia Claudel). Tolerar é julgar-se em condições de dominar, julgar; é ter
de si mesmo um conceito o bastante positivo para aceitar o outro com todos os
seus defeitos” (Jacquard, 1998:04).

Jacquard está propondo substituir a tolerância pela alteridade: “É


necessário tomar um rumo completamente diferente e tomar consciência da
contribuição dos outros, que se torna tanto mais rica quanto maior for a diferença
em relação consigo mesmo” (idem: 04).

A alteridade, como o respeito ao outro (que é um diferente) complementa a


fundamentação pertinente à defesa da diversidade como direito. A valorização da
alteridade é também uma crítica ao individualismo burguês, ou seja, à idéia de que
respeitar o outro é entender que “o limite da nossa liberdade acaba aonde começa
a do outro”; portanto, uma liberdade “sem o outro”.

A tolerância positiva, assim como a alteridade, implica na liberdade e na


equidade porque exige, como vimos, uma aceitação consciente do diferente; uma
aceitação que vê o outro como sujeito livre e que respeita a sua decisão embora
ela não seja compartilhada. Não existe indiferença, nem isolamento (como na
liberdade liberal do tipo “cada um na sua”, o que representa uma total indiferença),
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portanto, a relação social não é rompida, existe uma reciprocidade mediada pela
diferença, pela aceitação e pela alteridade.

Até aqui falamos da diversidade como valor positivo, donde sua relação
com a alteridade, a liberdade, a equidade e a tolerância como direito à diferença.
No entanto, a ética não trata apenas do “bem”, ou do que no campo dos valores
entendemos por valores positivos. A negação de todos esses valores, isto é, a
intolerância, o desrespeito ao outro, a defesa da desigualdade e não liberdade
também são temas de reflexão ética, uma vez que se trata de compreender que o
movimento real entre a afirmação e a negação dos valores é muito mais complexo
que parece ser.

Na intolerância, também ocorre uma relação social em que um dos sujeitos


(ou um grupo, uma raça, etc) é diferente ou faz algo diferente e isso nos atinge;
não ficamos indiferentes; porém nossa reação é oposta à da tolerância positiva;
aqui, diante das diferenças, assumimos atitudes destrutivas, fanáticas, racistas. A
diferença é negada; mais do que isso, buscamos destruí-la, excluir a identidade do
outro, através da afirmação da nossa, tomada como a única válida (Vázquez,
1999).

Historicamente, a intolerância percorre a trajetória da humanidade,


destacando-se a religiosa e a racial como dois grandes marcos da opressão e
injustiça vinculados à questão da diversidade e aos direitos humanos. Também
sabemos que a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, elaborada
após a II Guerra Mundial, teve como uma de suas finalidades tentar evitar que se
repetissem tais atrocidades a exemplo do nazismo. Entretanto, mesmo que a partir
deste marco muito já se tenha avançado em termos político-jurídicos
internacionais, a história da intolerância continua a ser escrita, em todo o mundo.

Na prática, o que podemos constatar, sem dúvida, é que os mecanismos de


denúncia de violações aos direitos humanos, a organização crescente dos
movimentos sociais, com destaque para os de mulheres, negros e homossexuais,
o uso da tecnologia virtual e o fortalecimento de movimentos “globais”
anticapitalistas, como os do Fórum Social Mundial, têm contribuído para um
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enfrentamento mais dinâmico, no sentido de sua visibilidade e agilidade social no


enfrentamento das questões que estamos analisando.

Uma questão ética e política: a tolerância tem limites?

Destacamos, anteriormente, que a discussão sobre a diversidade não é


simples. Tentaremos traçar algumas linhas de sua complexidade através da
polêmica que envolve a relação entre tolerância e intolerância sob o ponto de vista
da ética e da política, no âmbito da defesa dos direitos humanos.

Assinalamos que a tolerância (o respeito à diferença) é um valor positivo


quando promove o desenvolvimento de capacidades e vínculos essenciais do
homem (como a alteridade, que é sinônimo de reciprocidade e um vínculo de
sociabilidade e a liberdade, valor ético-político essencial) e a intolerância, tomada
como um desvalor, pois nega tais mediações. Não podemos esquecer que tais
relações e vínculos – aqui tratados abstratamente - são sociais e historicamente
construídos.

Teoricamente, adotamos a seguinte medida de valor para consideramos


uma ação eticamente positiva:

São de valor positivo as relações, os produtos, as


ações as idéias sociais que fornecem aos homens
maiores possibilidades de objetivação, que
integram sua sociabilidade, que configuram mais
universalmente sua consciência e que aumentam
sua liberdade social. Consideramos tudo aquilo
que impede ou obstaculiza esses processos como
negativo, ainda que a maior parte da sociedade
empreste-lhe um valor positivo (Heller,1972: 78).
Nesse sentido, as ações que estariam impedindo a objetivação da
liberdade, da sociabilidade, da consciência e universalidade deveriam ser
toleradas? Quando está em discussão a diversidade cultural trata-se de indagar
sobre a abrangência e validade do particular e do universal em termos dos valores
éticos e das decisões e implicações políticas que permeiam as diversas práticas
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culturais da humanidade, ou seja, perguntamos se é possível e mesmo desejável


sob o ponto de vista ético-político que sejamos tolerantes de forma absoluta.

Historicamente, no campo da antropologia cultural, encontramos


posicionamentos que defendem o ponto de vista do chamado relativismo cultural,
que baseado nos princípios da alteridade e da tolerância privilegiam o respeito à
diferença; à particularidade.

Para Diniz (2001),

[...] o reconhecimento da existência do humano no


plural, da diversidade cultural da humanidade, fez
com que a perspectiva do relativismo cultural –
como uma ferramenta básica da antropologia – se
consolidasse. O problema não parece ser, no
entanto, o relativismo cultural como uma
perspectiva metodológica de apreensão da
realidade, mas o relativismo como uma ideologia
que justifica as diferenças em termos culturais, ou
seja, que assume as premissas culturais como
verdadeiras (Diniz, 2001: 60).
A autora chama a atenção para a gênese desse movimento: a recusa da
dominação imperialista, o questionamento acerca dos limites dos padrões
universais, como ela diz, o relativismo cultural pergunta “sobre quem teria a
autoridade do tribunal de julgamento da diversidade, ou seja, de quem é a voz do
tribunal acima das contingências culturais?” Em outras palavras, “quem vai ditar a
verdade para a humanidade sobre o que seja ou não um padrão de cultura válido?
Quem vai determinar a validez ou a legitimidade de uma crença?” (idem).

As questões mais polêmicas no âmbito desta discussão referem-se a


práticas culturais que representam – para os movimentos de direitos humanos – e
para parte da humanidade, atos de violência inadmissíveis. Podemos citar como
exemplos de práticas culturais: o genocídio, o etnocídio, o racismo e várias
práticas relativas à discriminação contra a mulher, dentre elas a da mutilação
sexual. Isso sem contar a lista interminável de violações que consta dos
documentos de direitos humanos e que não se restringem às práticas culturais,
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tais como o trabalho escravo, a tortura, o terrorismo de estado, a guerra, a fome, a


prostituição infantil, etc.

Por isso, é importante salientar que embora os exemplos a respeito das


práticas culturais de violação aos direitos humanos acabem recaindo sobre os
países não ocidentais (como é o exemplo das mulheres nos países muçulmanos),
isso não significa afirmar que a civilização ocidental seja um exemplo de não
violação. A medida é dada pelas conquistas da humanidade, em termos genéricos
e históricos, levando em conta o que a humanidade e cada segmento específico já
conseguiram avançar em termos de conquistas dessas questões, sempre tendo
por medida a liberdade, a sociabilidade, a universalidade, isto é, os atributos e
capacidades que ampliam as possibilidades do homem e que estão objetivados
em documentos, leis, declarações, em âmbito nacional e internacional, enquanto
produto de lutas por direitos.

Acompanhamos, recentemente, pela mídia,3 o caso de uma africana


condenada pelas leis muçulmanas à morte por lapidação, por crime de adultério,
apesar de estar separada do marido ao ter concebido sua filha. Para a opinião
pública mundial, tais práticas não deveriam mais existir; porém sabemos que esta
é apenas uma dentre inúmeras questões que envolvem interesses políticos,
religiosos, culturais, mas também comprometem ativistas dos direitos humanos e
estudiosos a se posicionarem frente a e ela.

Perguntamos se em nome do respeito à diferença devemos concordar com


essa condenação; ou, então, se devemos nos omitir.

Segundo Combesque (1998), “em vinte países africanos e também em


certas regiões da Ásia e do Médio Oriente, mais de 120 milhões de mulheres são
vítimas de mutilações sexuais. Todos os anos a excisão e/a infibulação são
praticadas em cerca de dois milhões de adolescentes” (idem; 114). As
conseqüências da mutilação não se resumem à perda do prazer, “as
conseqüências destes atos bárbaros na sua saúde são muito graves e múltiplos,

3
Trata-se de Amina, condenada à morte, com apedrejamento, na Nigéria, divulgado amplamente
pela Anistia Internacional.
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por vezes mortais, durante ou após a ‘operação’, realizada como auxílio de uma
lâmina de barba, de uma agulha ou linha, sem anestesia...” (idem).

Diniz (2001), que pesquisa a questão da mutilação genital feminina; afirma


que a prática é utilizada em 83 países e justificadas sob as mais diferentes formas.
“Na Etiópia, por exemplo, 98% das mulheres são mutiladas pelo sistema de
mutilação faraônica [...] que extrai toda a genitália feminina” (idem: 59). Segundo
ela, as diferenças no trato da questão já aparecem na qualificação dada ao ato de
mutilação: para os antropólogos é um ritual; para os movimentos de mulheres um
ato de violência. Mas embora com qualificações diferentes, a questão que se
coloca, diz ela, é a mesma: “quais valores culturais justificam tal ato?” (idem).

O que podemos observar é que a qualificação da prática (ritual ou ato de


violência) interfere inclusive na caracterização da violação, ou seja, podemos ou
devemos julgar um ato de violência contra as mulheres, mas julgar um ritual já é
algo muito mais ameno, menos caracterizado como objeto de julgamento ético-
político.

Para Diniz (2001: 60), “a cirurgia de mutilação feminina é um dos grandes


ícones de uma geração de antropólogos que vem pensando os limites da cultura,
da tortura e dos valores universais. O curioso é que a grande maioria dos
antropólogos procura antes justificar a mutilação da mesma forma que as culturas
o fazem, do que sair à procura de mecanismos de julgamento para diversidade
cultural”.

Observamos a imbricação entre essa discussão e a ética, uma vez o que


está em pauta são ações julgadas ou não a partir de valores ético-morais com
implicações políticas, pois o não julgamento não significa uma ausência de
valores, mas sim uma concepção de neutralidade ética e política, uma vez que
não contribui para o avanço da autonomia das mulheres, para o fortalecimento de
sua emancipação. O eixo da discussão posta aponta para a indagação acerca da
validade universal dos valores e normas culturais relativas a direitos. Como vimos,
para as correntes do relativismo cultural a resposta é negativa.
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Na base das teorias que defendem o relativismo cultural também


observamos a presença de suportes ético-filosóficos como o relativismo moral que
defende a existência de vários códigos morais na sociedade; cada qual com seu
valor relativo e as tendências do chamado relativismo ético; correntes que se
aproximam do irracionalismo, defendendo a idéia de que “não é possível chegar a
um acordo racional universal na discussão dos princípios éticos, e, portanto, à
impossibilidade de discernir, entre juízos morais em conflito, qual é o correto”
(Etxberria, 2002: 256).

Resgatando o caráter universal da ética

As questões já assinaladas recolocam a questão inicialmente proposta:


devemos tolerar tudo? Qual é o limite da tolerância? Ao colocar um limite
estaríamos necessariamente caindo no pólo oposto - o da intolerância?

Não temos todas as respostas, apenas nos propomos a ensaiar algumas


reflexões, partindo de alguns supostos buscados na ética, de acordo com o
referencial buscado na ontologia social de Marx.

A ética é entendida como uma ação prática consciente, que deriva de


uma escolha racional entre alternativas e orienta-se por valores que buscam
objetivar algo que se considera “valoroso”, “bom”, “justo”, contêm algumas
mediações essências: a razão, as alternativas, a consciência, o projeto que
queremos realizar, os valores éticos, a responsabilidade em face das implicações
objetivas da ação para os outros homens, para a sociedade. A questão da
responsabilidade é, pois, central na ação ética, uma vez que ela dá sentido à
sociabilidade e à liberdade inerente às escolhas4.

Ontologicamente considerada, a ética é também uma atividade que permite


ao indivíduo sair de sua singularidade para estabelecer uma conexão consciente

4
Em nossa sociedade, nem todas as escolhas deveriam ser julgadas moralmente; muitas se
referem a opções pessoais cujo resultado não está impedindo a manifestação das capacidades
humanas. São escolhas, como por exemplo, a orientação sexual, o modo de se vestir ou de se
comportar, ou seja, questões que só são tidas como morais pela presença do preconceito, típico
do moralismo.
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com o humano genérico; logo, é uma atividade universalizante, mesmo sendo


realizada por um indivíduo particular. Nesse sentido, a ética se põe como
mediação entre todas as esferas sociais, inclusive da esfera moral, campo
institucionalizado de normas e deveres orientadores do comportamento dos
indivíduos sociais e campo propício à reprodução de valores e deveres
assimilados espontaneamente pela tradição, pela repetição, pelo hábito, ou seja,
de forma a-crítica, levando à reprodução da alienação no campo do
comportamento ético-moral.

A ética é uma capacidade humana fundada na liberdade de escolha, mas a


autonomia implica na racionalidade crítica capaz de ultrapassar o nível do que é
repetido espontaneamente para recriar a vida em patamares cada vez mais
criativos e livres. A ética tem um caráter universalizante porque sua razão de ser é
exatamente a de estabelecer a conexão entre a singularidade e a genericidade do
homem.

Para Marx, a liberdade consiste na participação dos indivíduos sociais na


riqueza humano-genérica construída historicamente: "a humanidade será livre
quando todo homem particular possa participar conscientemente na realização da
essência do gênero humano e realizar os valores genéricos em sua própria vida,
em todos os seus aspectos" (Marx, segundo Heller, 1977: 217).

Por riqueza humana, ele concebe a universalidade das necessidades e


capacidades, o domínio do homem sobre a natureza, a explicitação absoluta de
suas faculdades criativas, em suas palavras5: “[...] uma explicitação na qual o
homem não se reproduz numa dimensão determinada, mas produz sua própria

5
“Em todas as formas, ela [a riqueza representada pelo valor] se apresenta sob forma objetiva,
quer se trate de uma coisa ou de uma relação mediatizada por uma coisa, que se encontra fora do
indivíduo e casualmente a seu lado [...] Mas, in fact, uma vez superada a limitada forma burguesa,
o que é a riqueza se não a universalidade dos carecimentos, das capacidades, das fruições, das
forças produtivas, etc., dos indivíduos, criada no intercâmbio universal? O que é a riqueza se não
o pleno desenvolvimento do domínio do homem sobre as forças da natureza, tanto sobre as da
chamada natureza quanto sobre as da sua própria natureza? O que é a riqueza se não a
explicitação absoluta de suas faculdades criativas, sem outro pressuposto além do
desenvolvimento histórico anterior, que torna finalidade em si mesma essa totalidade do
desenvolvimento, ou seja, do desenvolvimento de todas as forças humanas enquanto tais, não
avaliadas segundo um metro já dado? (Marx, 1971,I,372)
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totalidade... Na qual não busca conservar-se como algo que deveio, mas que se
põe no movimento absoluto do devir...” (Marx, 1971,I: 372).

Pelo exposto podemos considerar que a diversidade, tomada como a


explicitação dos “valores humano-genéricos em todos os seus aspectos”, como a
expressão da manifestação da criatividade humana, da multiplicidade de
capacidades e possibilidades do ser social é, como afirmamos, inicialmente algo
valoroso porque é elemento de explicitação do próprio homem, como ser humano-
genérico, rico em necessidades e formas de satisfação.

Ao mesmo tempo, a existência concreta de relações mediadas tanto pela


tolerância como pela intolerância vem nos mostrar que no processo de
desenvolvimento do homem – marcado pela existência da alienação, que coincide
com o surgimento da sociedade de classes – ocorrem simultaneamente o
desenvolvimento de conquistas do gênero humano na direção de sua
emancipação e a sua negação, por parte dos indivíduos sociais, grupos e extratos
sociais.

De acordo com esses pressupostos, manifestações culturais que


representam atos de violência que, em termos das conquistas humano-genéricas
emancipatórias já foram negadas, não podem ser toleradas, inclusive porque
representam formas de alienação, cuja superação significa a apropriação de
conquistas já efetuadas em termos do desenvolvimento humano genérico e
significa, também, em termos da liberdade, a superação, a ruptura com os
obstáculos e impedimentos que se colocam como limites à plena manifestação
dos indivíduos sociais.

Isso posto, entendemos que o desenvolvimento da história no horizonte da


emancipação humana encontra na relação entre as particularidades que
constituem as diversas culturas e modos de ser humanos e a universalidade de
suas conquistas na direção da liberdade, a possibilidade de intercâmbio gerador
da riqueza humana historicamente construída. E a ética, pelo seu caráter
universalizante e valorativo pode fornecer uma medida para o julgamento de valor
em face de alternativas que se referem à diversidade.
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Dessa forma, tanto a absolutização do particular como do universal sem


levar em conta sua historicidade e como tal, a presença de relações
contraditoriamente marcadas pela alienação e por possibilidades de sua
superação levarão a soluções abstratas e unilaterais.

Vimos que para o relativismo ético não é possível, diante de vários códigos
morais em conflito, chegar a um acordo racional, o que significa deixar de atribuir
ao sujeito ético o uso da razão, a capacidade de escolha e a responsabilidade
pelas escolhas, que, na verdade, deixa de ser um sujeito com autonomia,
fundamento ontológico da capacidade ética do ser social. Ao mesmo tempo,
nega-se a possibilidade de consensos, princípio político democrático produzido
pelo confronto entre diferentes. No limite, caímos no niilismo ético-político, pois se
tudo é relativo nada tem valor e se não é possível consensos também deixa de ter
sentido o debate plural.

Assinalamos, também, que a crítica do relativismo cultural fundamenta-se


basicamente na negação do imperialismo cultural ocidental e na indagação em
face da seguinte questão: quem teria a responsabilidade de julgar a diversidade?
Essa questão já implica afirmar que qualquer cultura que se dispuser a julgar terá
um ponto de vista particular.

Se refletirmos sobre o significado ideológico destes questionamentos


vemos que eles têm sua razão de ser uma vez que, de fato, a cultura dos direitos
humanos – que é a base dos documentos internacionais que servem de referência
para as violações- é um produto histórico da civilização ocidental; portanto,
ideologicamente marcada por uma determinada forma de sociedade, de cultura e
de valores. Entretanto, a questão é muito mais complexa, pois sua negação, em
nome da recusa à dominação imperialista, tem seus desdobramentos, com
implicações éticas e políticas que podem produzir um resultado objetivo oposto ao
desejado pela sua critica.

Parece-nos que o enfrentamento dessa problemática não se resolve pelo


relativismo, pelo já exposto, mas o inverso – a defesa do universal – também
implica em muitas mediações.
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Por um lado, não podemos aceitar a priori que as Declarações de Direitos


Humanos – cujos fundamentos correspondem a uma determinada cultura
(ocidental, cristã, liberal, capitalista) - sejam tomadas como um modelo ético-
político perfeito. Sua validade sempre deverá ser medida pelo nível de
incorporação das diferentes culturas e de uma construção que estabeleça
mediações entre o particular e o humano genérico, através do debate dos
movimentos mundialmente articulados e representativos de toda a diversidade
existente na vida social e tendo por horizonte a emancipação humana, o que
supõe a superação desse modelo.

No âmbito da defesa dos direitos, a mediação entre o particular e o


universal deve ser buscada pela via democrática, através do debate plural que
comporte a diversidade, mas que tenha um objetivo comum: preservar as
particularidades, elegendo alguns princípios universais que garantam um
consenso em torno de valores éticos políticos.

Esse universal – tendo por parâmetros as conquistas emancipatórias -


seria, então o limite entre o tolerável e o intolerável, o limite entre o que fere e
anula as identidades particulares, ou seja, os valores e princípios que hoje são
utilizados para julgar as violações contra os direitos humanos e outros que forem
criados pelos homens, pois para o humano, a medida de valor é o próprio homem.

Por isso, a questão do pluralismo, assim como a da diversidade não


significa ausência de conflitos e interesses, mas sim o posicionamento diante
deles, a possibilidade de todos se manifestarem, a responsabilidade ética de
tomar uma posição diante do que não concordamos e a condição política de lutar
pela hegemonia do projeto que defendemos.

Nesse sentido, nosso Código de Ética é bem claro quando, em seus


princípios afirma que os assistentes sociais elegem como princípios fundamentais,
a liberdade, a democracia, a equidade, a justiça social, o empenho na eliminação
de todas as formas de preconceito e de discriminação por questões de classe
social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual, idade e condição
física, incentivando o respeito à diversidade, à discussão das diferenças e a
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garantia do pluralismo, através do respeito as correntes profissionais democráticas


existentes.

De forma explícita o Código indica uma concepção de diversidade e de


tolerância, cujo limite é colocado em torno do campo democrático e da negação
daqueles cujas ações e manifestações produzam o racismo, o preconceito, a
discriminação, enfim, a negação dos valores considerados positivos.

Esse posicionamento, que vem sendo conquistado em várias dimensões do


Serviço Social brasileiro, há pelo menos três décadas, evidencia um
amadurecimento teórico-metodológico e ético-político que – se por um lado
precisa ser constantemente realimentado para não se perder – por outro, nos
coloca como interlocutores privilegiados no campo da defesa dos direitos, em suas
várias configurações.

Referências bibliográficas

Barroco, M. L. S. Ética e Serviço Social: fundamentos ontológicos. São Paulo,


Cortez, 2001.

CFESS. Código de Ética Profissional do Assistente Social, CFESS, Brasília, 1993.

Combesque, M. A. Introdução aos direitos do homem. Portugal, Lisboa, Terramar,


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