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Cadeia de memórias reparadas é um tenso fio

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Commons.

Paulo Gomes Neto e Eu, amigos de cadeia, amigos para sempre. Ao fundo, entre nós, o secretario de
Direitos Humanos Antonio Carlos Biscaia, grande batalhador da reparação e do
reconhecimento do valor de nossas lutas modestas, agora sim cobertas com alguma
glória.

E eu, arquivo vivo vou queimando aos poucos


…”Quinze minutos depois do avião da Cruzeiro do Sul levantar vôo do Rio de Janeiro
com destino a São Paulo, no dia primeiro de julho de 1970, quatro jovens deixaram
seus lugares e se dirigiram à cabina de comando. Lá foram breves: era um sequestro.
Armados, eles obrigaram o piloto a voltar para o aeroporto do Galeão…

Quem sabe deste incidente aventureiro? É filme? É teatro? Não, foi fato. Foi sim. É que
memórias são fios que se desfiam de um rolo para se embaralharem irremediavelmente,
até não serem jamais meada nem medida, até não poderem mais ser enrolados em rolo
algum.

Arquiteturas de Arquivos
Velhas construções sempre inacabadas

Dizem numa destas crônicas históricas mais curiosas e inusitadas (destas que os desvãos
da história oficial nunca sacramentam) que o prédio da antiga Casa da Moeda do Brasil
(hoje abrigando o Arquivo Nacional no Rio e Janeiro), com suas largas escadarias
guarnecidas por leões vigilantes escapou do quase fatal destino de ser bombardeado pela
aeronáutica do sanguinário ditador chileno Augusto Pinochet.

Ali, numa sacada de colunas imponentes Salvador Allende, o capacete estranho na


cabeça, diante das centenárias árvores e das atônitas cotias do Campo de Santana,
poderia ter discursado para sucumbir mais gloriosamente, empunhando sua
metralhadora pequenina.

Sério mesmo, emocionante até.

É que as plantas, os projetos do Palácio do Governo do Chile (um desenho mais


adequado para um prédio guarnecido por leões) e o da Casa da Moeda do Brasil (um
desenho apropriado de um prédio vetusto com fachada de repartição pública) teriam
sido trocados de lugar por um prosaico engano na remessa das plantas por parte do
escritório de arquitetura inglês responsável por ambos os projetos, que teriam sido
desenhados na mesma época ali pelo fim do século 19 (1894).

Duvidam do que bem poderia ser uma lenda urbana, não é? Pois, eu não. É que faz
muito sentido. Difícil não ser verdade.

Além da evidencia das fachadas de tão invertida inconveniencia, bastaria se acrescentar


como evidencia final a informação de que o palácio do governo do Chile, realmente é
conhecido, estranha e providencialmente pelo estranho nome de…‘Casa de La
Moneda’. Ninguém nunca explicou porque, mas provavelmente este foi o nome que
veio escrito no carimbo da planta enviada pelos ingleses, uma coisa prosaica assim,
sabe-se lá.

Juro por Deus.

Ocorre que o ‘nosso’ orgulho latino americano, brioso de coisas banais como esta de
não questionar nem mesmo os menores equívocos da metrópole de plantão, envolvidos
que sempre estivemos neste nacionalismo de aparências (‘para inglês ver’) que ainda
nos governa, talvez jamais se sujeitasse à humilhação de reconhecer tamanha
subserviência perante a coroa inglesa, então no auge de sua hegemonia de super
potencia mundial no final do século 20.

A arquitetura dos ingleses teria sido fraudada em sua destinação meticulosa numa
simples troca de rolos de papéis que nenhum funcionário, em ambos os países, Brasil e
Chile teria tido a coragem sequer de questionar. Ah! O governo do Chile que se
arranjasse naquela construção fabril de cômodos monótonos. Ah! A casa da moeda do
Brasil que se virasse instalando as suas gigantescas máquinas de impressão de cédulas e
promissórias (por si sós já também inglesas) nas suntuosas salas do quase castelo
imperial.
Mas nem tudo é verdade: Neste blog aqui, contudo, a história é cabalmente desmentida.
Os prédios foram construídos em datas muito diferentes, uma lenda histórica, portanto,
com alguma trilha de escape para se restabelecer alguma verdade.

A Reparação do irreparável
Para nós os rebeldes, a encruzilhada radical

É que estive hoje cedo no Arquivo nacional, um dos prédios desta história não contada.

É isto! Fui como um dos 160 ex-presos políticos da Ditadura que neste 27 de Abril –
depois de mais de 8 anos de espera – fomos homenageados (e com uma quantia
simbólica indenizados) como reparação e reconhecimento por parte do governo do
Estado do Rio de Janeiro de que foi criminosa, desmedida e injusta a nossa detenção em
cadeias e presídios do estado entre os anos de 1964 e 1979 por termos cometidos o que
eles julgavam ser ‘subversão da ordem pública’, ‘delitos de opinião’.

…”Em solo, o avião com cerca de 50 pessoas entre passageiros e tripulantes foi
cercado por tropas militares. As exigências dos seqüestradores eram a libertação de 40
presos políticos e a saída deles do país. As negociações começaram às 9h da manhã e
se estenderam por horas. Enquanto os estudantes aguardavam notícias, esguichos de
espuma impediam que eles vissem o que acontecia do lado de fora.

Lembrei da crise de identidade dos prédios de nossa história ali, na hora, exatamente
durante a fala de uma das autoridades que discursaram para nós as suas empoladas
homenagens, ora nos chamando de vítimas, ora de heróis.

A gente se sente assim, estranho como um daqueles prédios, nestas horas. Se sente
velho arquivo nacional vivo, mas num prédio-cabeça fora do lugar. As memórias
sessentonas todas vadiando por ali pelos jardins do Arquivo, ‘lelés’, vagando por
dimensões estranhamente, umas límpidas outras confusas, entre o passado tenso e o
presente encanecido, barrentas de todos os barros do caminho como as enxurradas.

(Barrentas sim, bolorentas não!)

As cenas, imagens de cantos de aparelhos entulhados de livros velhos, apostilas velhas,


fuzis velhos e mimeógrafos velhos. Nós não, apenas nós éramos jovenzinhos como
heróis dos filmes da nouvelle vague daquele tempo.
Agora não. No hoje não (é que o presente acachapa, enquadra a gente).

A novidade do encontro com o passado é amarelada, esfiapada, estropiada. Haja


photoshop emocional para processar em nós o que a memória enxerga já meio rateando,
como um mimeógrafo seco, sem álcool. Um programa que instantaneamente apaga as
rugas e as marcas do tempo nas peles, empretece os cabelos dos conhecidos e nos
devolve algum fiapo da memória deles, é coisa que simplesmente não existe em nosso
arcaico hardware anos 60.

A voz e os rostos dos hoje velhos conhecidos acesos em nós num clarão emotivo – logo
assim que os vemos – nos chegam com os nomes apagados, borrados em paralisadas
brumas, ou preto ou branco (sem cinza) como as fotografias mais velhas de um fundo
de baú com traças jovens, traças sórdidas, ativas e operantes agentes de um Dops de
apagamento de flagrantes lembranças.

…Ai!Quem será aquele que me acena agora? Como se chama? Quem será, meu Deus?

Belisario – que… olha que incrível! … conheci agora mesmo – asilou-se em Angola e
vive lá até hoje. Cumpriu todas as etapas de uma revolução de sonho, da luta aqui á
vitória certa lá, do ideal socialista conquistado, mas logo perdido no inescapável abraço
–redemoinho do capitalismo hegemônico de nosso tempo.
Jessie Jane, a moça com aquele nome de bandoleira de faroeste (Jane Calamity mais
Jesse James), aquela do sequestro do avião – que eu, ainda preso, conheci como uma
lenda revolucionaria – estava lá nos jardins. Ela é agora uma senhora como eu estou
senhor, alegre e orgulhosa, sorrindo feliz de ter sido o que é até hoje: alguém que fez o
que achou imperativo fazer, contra tudo e contra todos os nãos, até mesmo o não
impositivo da morte no avião da qual, escapou.

O companheiro dela, o Colombo outro sobrevivente do sequestro sitiado, também estava


lá. Foi ele o orador escolhido para falar em nome de nós todos. Falou bem. Saudou
veementemente a memória dos que, certamente assassinados pela ditadura têm o
paradeiro de seus corpos omitido por um complô dos covardes torturadores assassinos,
aqueles crápulas boçais que, a cata da impunidade eterna, o sangue já seco de suas
vítimas ainda remoem, torturando as famílias com o seu silêncio cretino, as almas dos
mortos a pauladas e a tiros ainda penadas, mantidas no pau de arara.

Colombo falou também, melhor ainda da arquitetura de nossas memórias ainda mais
profundas. Evocou a lembrança da antiga Casa de Detenção da Capital Federal, prédio
de estilo neo clássico segundo ele erigido em 1915, exclusivamente para ser o centro da
repressão política do Brasil, soturno prédio da Rua da Relação, o famigerado Dops onde
eu e tantos outros presos amargamos as experiências mais dilacerantes das nossas vidas.

O Dops da solitária principal chamada de ‘Ratão‘, engulindo os gemidos ocos dos


seviciados (como Marco Aurélio Meyr, que ouvi gemer com um tiro na garganta) ali
lançados após cada seção de tortura, alguns dali sendo retirados já quase cadáveres, na
calada de alguma madrugada, com as celas todas trancadas como bocas amordaçadas,
amaldiçoadas.

Todas estas memórias que se desvanecem já em nossos arruinados velhos prédios-


cabeças, carecendo de um abrigo qualquer, um ‘aparelho’ legalizado, eternizante portal
da posteridade que nos falta, como o Centro da Memória da Repressão Política no
Brasil que Colombo efetivamente reivindicou ali, como destino mais que justo para o
prédio da Rua da Relação, aquele mausoléu de tantos, quase em ruínas, mas ainda
recuperável, um prédio que o estado reluta em assumir e reformar, acossado que está
por um lobby de policiais que tenta, a todo custo, evitar que a construção do centro se
efetive.

Um museu-arquivo para as doídas e exemplares memórias de todos nós, as memórias


dos combatentes da liberdade do Brasil, dos grandes doidos heróicos como João
Cândido (que só não ficou preso ali porque ali a prisão ali não existia ainda),
sobrevivente da tortura que foi assassinado em vida pela Marinha, como Gregório
Bezerra (cujo neto Paulo Cesar dividiu comigo a minúscula cela na Ilha Grande). Sim,
o mesmo Gregório petulante arrastado pelos cavalos do Coronel Ibiapina no Recife.

Um museu-arquivo para outros tantos doidos heróicos como Marighela, abatido a tiros
naquele fusca-arapuca, doidos-heróicos como aquele Capitão Lamarca esquálido
fuzilado nos cafundós do Judas da Bahia. Sim, um museu-arquivo para a memória de
todas as derrotas passadas de todos nós os pequenos loucos, nossas falsas derrotas que
hoje, cada vez mais vivas de importancia para os nossos filhos e netos, se agigantam em
fulgor, se afigurando como as brilhantes pequenas vitórias no tijolo a tijolo de nossa
democracia que está aí, quase impávido colosso da pátria amada Brasil.
É que este Alzheimer político de nosso tempo precisa ser curado enfim com o sumo
destas lembranças perpetuadas. Para que quando alguém nos acenar com aquele olhar
marejado de quem viu o galo cantar e sabia muito bem onde era, mas não lembra mais,
alguém puder dizer, logo em seguida, consultando o nome do local ou da pessoa escrito
junto à foto, ao filme, ao panfleto digitalizado:

_” É o Paulo Gomes Neto, gente! É o Jesus Gaúcho! É Lúcio Flávio! É o Paulo Cesar
Bezerra! É o Antônio Barbeiro! É o Luiz ‘Padre’! É o Belisario! É o Colombo! É…é a
Jessie Jane, gente!

É um pássaro abatido? Não! É um avião seqüestrado sitiado? Não. Somos nós, os


simples super-homens e as simples super-mulheres da vida, aqueles que arquitetaram
este pequeno prediozinho inacabado da jovem democracia do Brasil! Sou eu sim, vivo-
falante, arquivo que vou queimando aos poucos sim (mas só que agora com backup).

E sabem o que mais? É um pecado enorme nós, velhos-jovens termos à disposição,


como todo mundo, tantos dispositivos de registro de tudo hoje em dia, e termos que
ficar por aí reivindicando que nos registrem as lembranças, convivendo com jovens-
velhos que desconhecem, surpreendentemente o valor que os velhos conteúdos e as
memórias registradas têm.

Se querem saber, a minha geração quando jovem, registrou a música de Cartola antes
que ela se desvanecesse! Exista ou não Ele entre nós, comunistas unidos e convictos que
seremos para sempre… Deus não dá mesmo asa á cobra.

Fosse eu um velho mimeógrafo avançava fácil e sozinho na execução desta tarefa:


encharcava-me de álcool e saía esbravejando doidão por aí, em palavras-letras azuis
caixa alta, garrafais:

“_ABAIXO A DITADURA DA MEMÓRIA SE APAGANDO… HASTA SIEMPRE!”

Spírito Santo

Abril 2011

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