Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
O período que se segue, décadas de 50 a 70, foi marcado por acontecimentos importantes
para o cenário político e cultural internacional. Como sendo um período pós-guerra, não podemos
ignorar também os dois grandes conflitos mundiais que o precederam (1ª e 2ª Guerra Mundial),
tão pouco as guerras que esses anos presenciaram e sobre ele exerceram cabal influência. To-
davia, buscando maior objetividade, este trabalho procurará focar os acontecimentos inerentes ao
Brasil, principalmente os que culminaram no Golpe Militar de 1964 e instauração da Ditadura Mili-
tar, que influenciaram diretamente a cultura nacional.
Desta maneira, nas páginas seguintes, será abordada a conjuntura política e cultural do
Brasil neste período; a conjuntura política das igrejas e por fim as influências desse quadro sócio-
político na cultura protestante no Brasil.
Se a alvorada do século não foi das mais pacíficas – com duas grandes guerras – a manhã
e o meio dia também não foram os mais tranqüilos. A disputa ideológica entre liberalismo e co-
munismo, representada respectivamente por Estados Unidos e União Soviética,2 fez com que o
mundo oscilasse entre sonhos de revolução e desenvolvimento e o medo de que estas duas mai-
ores potências entrassem em guerra. A chamada Guerra Fria.
Outro fato histórico que fez com que o debate entre liberalismo e comunismo ganhasse for-
ça em terras brasileiras, como lembra Rubem Fernandes, é a revolução cubana. Ao tornar-se
socialista, Cuba tornou-se símbolo para os jovens que consideravam possível a alternativa socia-
lista neste que seria o espaço de influência estadunidense (América Latina). 3 Neste período, o
Brasil torna-se mais um dos protagonistas com a radicalização do espírito revolucionário na Amé-
rica. 4
Sobre este pano de fundo o Brasil começa a modernizar-se. No ano de 1941 5 foi criada a
Companhia Siderúrgica Nacional (a CSN), um marco no processo de industrialização do Brasil,
que contou com capital estadunindense6. No início dos anos 50 outra instituição vital para o de-
1 Graduando em Teologia pela Faculdade de Teologia – Universidade Metodista de São Paulo - SP.
ção (Mestrado em Ciências da Religião) Curso de Pós-graduação em Ciências da Religião – Universidade Metodista
de São Paulo: São Bernardo do Campo, 1988. p. 109
12 CAROS AMIGOS ESPECIAL: o golpe de 64. Editora Casa Amarela n.19 out. 2008. p. 4
13 CAROS AMIGOS ESPECIAL. Ibid. p. 4
14 CPDOC da Fundação Getúlio Vargas. Fatos e imagens: artigos ilustrados de fatos e conjuntura do Brasil. Disponível
Arena, a sua peça Eles não usam Black-Tie. Primeiro texto brasileiro a abordar o tema da vida
dos operários em greve. “Era no Teatro Arena que procurávamos discutir e esmiuçar melhor o
homem brasileiro. Como esse homem amava, como odiava, como lutava, e mais ou menos pen-
sava”, afirma Milton Gonçalves na revista Caros Amigos.17 Nesta esteira de revoluções artísticas,
surgem outros espaços que trariam novidade à cena teatral brasileira. Ainda no teatro, durante o
final dos anos 50 surge o grupo de teatro Oficina, que seria exilado entre os anos de 1974-1979, e
novamente revolucionou a “moderna dramaturgia brasileira”. 18
Outro órgão de promoção da arte foi o CPC da UNE, que trazia a seguinte definição na a-
bertura do seu calendário, 1963:
O Centro popular de Cultura (CPC) é uma entidade criada para
possibilitar às classes sociais economicamente menos favorecidas o
contato com as diversas manifestações artísticas e culturais, tais como
teatro, cinema, literatura, pintura, cursos, conferências e etc., até hoje
privilégio de uma minoria abastada da população brasileira.19
O Golpe Militar ocupou-se, desde o princípio, em silenciar as vozes dissonantes. Já na noi-
te que antecedeu ao golpe, 31 de março, a sede da UNE foi metralhada e pela manhã foi incendi-
ada por manifestantes de direita20. Principalmente depois do Ato Institucional nº 5, a censura teve
o papel de silenciar qualquer manifestação que fosse contra o governo, considerada subversiva.
A conta é de seiscentos filmes, quinhentas peças teatrais, a editoração de livros (didáticos e pára-
didáticos) e um sem número de músicas e matérias de jornais – estes, no lugar das matérias cen-
suradas, publicavam receitas de bolo e poesias.21 Os que não foram exilados, como foi o caso do
grupo Oficina – foram perseguidos em solo brasileiro. “E a partir daí caiu o mundo em cima das
pessoas”, afirma Milton Gonçalvez.22 “(...) a dramaturgia brasileira foi retrocedendo. Ela estava em
plena produção e de repente tudo foi proibido, censurado, nada mais podia ser montado”, relem-
bra Renato Borghi.
Sendo o debate entre comunismo e liberalismo tão presente na sociedade brasileira, seria
impossível que as Igrejas ficassem fora dele. Mas como ela fez parte dele? O cristianismo, de
forma mundial, tinha diante de si novos questionamentos. Qual foi a sua reação? Como se com-
portaram as denominações não-católicas durante esses efervescentes anos? É o que veremos a
seguir.
2.1 Os pentecostais
Civilização Brasileira.
17 CAROS AMIGOS ESPECIAL: o golpe de 64. Editora Casa Amarela n.19 out. 2008. p. 30
18 ASSOCIAÇÃO TEAT(R)O OFICINA UZYNA UZONA. Quem serestamos. Disponível em:
<http://teatroficina.uol.com.br/uzyna_uzona> Acesso em 15 de abril de 2010
19 CAROS AMIGOS ESPECIAL. Ibid. p. 30
20 CAROS AMIGOS ESPECIAL: o golpe de 64. Editora Casa Amarela n.19 out. 2008. p. 30
21 INFOESCOLA. Censura no Período da Ditadura. Disponível em: <http://www.infoescola.com/historia/censura-no-
Mais uma vez, é dos Estados Unidos que vem uma nova expressão religiosa. O pentecos-
talismo, como sugere Mendonça, é fruto de vários fatores. Dentre eles destaca:
tradicional tendência dentro da história do cristianismo ao abandono dos
leigos por parte das lideranças eclesiásticas, assim como à negligência
do cuidado para com os pobres, desvalidos e marginalizados, somados
ao tal ‘estado de espírito’ (...) cujo substrato estava no pessimismo de
fim de século, gerou na periferia das Igrejas um movimento de
recuperação do Espírito.23
Era um movimento que vivia à margem da Igreja e da sociedade, composto por crianças,
negros, mulheres e estrangeiros.24 Mas não foi esse o pentecostalismo que chegou ao Brasil.
Vingren, Berger e Francescon (os dois primeiros, fundadores da Igreja Assembléia de Deus e o
último, da Congregação Cristã do Brasil) são frutos de um pentecostalismo branco, distante das
discussões sociais. Sobre o pentecostalismo que veio ao Brasil, Jardilino faz a seguinte observa-
ção:
(...) a influência da rua Azuza no pentecostalismo brasileiro foi apenas
secundária. A força vital para a missão brasileira foi, portanto, inspirada
no movimento da Igreja de W. H. Durham, em Chicago, com sua
concepção doutrinária de forma simplificada, que em parte divergia da
visão de Parham e Seymour. 25
No Brasil, apesar dos pentecostais atuarem majoritariamente entre grupos marginalizados
(ainda que contra sua vontade26), o debate sócio -político, intrinsecamente presente na composi-
ção do grupo da rua Azuza, não estava incluso.27 Segundo Jardilino, o pentecostalismo no Brasil
serviu como elemento ajustador da sociedade, devido ao seu modus vivendi, por acolher o traba-
lhador do campo, que tentava a vida na cidade grande28, em uma família de irmãos.29 Essa passi-
vidade seria legitimidade por uma opção à uma proposta ético-teológica pietista (protestantismo
peregrino e milenarista). 30
Tendo-se implantado no seio das camadas populares urbanas, numa
época em que greves e agitações sacudiam o operariado, o seu começo
entre nós está, social e historicamente ligado ao contexto sócio-político
dos últimos decênios do Estado oligárquico (...) Nesse contexto, o
23 Mendonça, Antônio G. Protestantes, pentecostais & ecumênicos. 2 ed. São Bernardo do Campo: UMESP, 2008.
p.133
24 Mendonça, Antônio G. Ibid. p. 133
25 JARDILINO, José Rubens Lima. As religiões do espírito: visão histórico- teológica do pentecostalismo na década de
Brasil e América Latina. Petrópolis: Vozes, 1995. 2 v. (Coleção teologia e libertação; serie desafios da religião do
povo; VII). p. 24 à 54
27 JARDILINO, José Rubens Lima. Ibid. p.24
28 Foi exatamente neste período, quando a geografia brasileira experimentava o êxodo rural, que as Igrejas Pentecos-
tais experimentaram o seu maior crescimento. Cf CUNHA, Magali do Nascimento. A explosão gospel: um olhar das
ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X : Mysterium, 2007. p. 69
29 JARDILINO, José Rubens Lima. Ibid. p.76
30 Para maiores detalhes sobre a posição pentecostal durante o a Ditadura Militar, Cf: ROLIM, Francisco Cartaxo. Pen-
tecostalismo: Brasil e América Latina. Petrópolis: Vozes, 1995. 2 v. (Coleção teologia e libertação; serie desafios da
religião do povo; VII). p.160 à 176
5
31 ROLIM, Francisco Cartaxo. Genese do pentecostalimos no Brasil”Apud JARDILINO, José Rubens Lima. As religiões
do espírito: visão histórico- teológica do pentecostalismo na década de 30. São Paulo: Centro Ecumênico de Publi-
cações e Estudos. p. 87
32 CUNHA, Magali do Nascimento. A explosão gospel: um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no
p. 71
35 CUNHA, Magali do Nascimento. Ibid. p. 72
36 Eles estavam rejeitando o consumismo capitalista, a hipocrisia religiosa e a superficialidade da cultura americana. Cf
do Movimento de Jesus nos EUA 40 – inspirado pelo grupo Continental Singers, cria no Brasil,
com o apoio da Sepal o grupo musical Vencedores por Cristo.41 Grupo que trouxe uma aproxima-
ção estética42 entre a música não-católica e a cultura brasileira. 43
Sobre a importação das paraeclesiásticas para o Brasil e ao sucesso da sua implantação,
CUNHA atribui alguns fatores de ordem sócio -política44. Alguns deles: As paraeclesiásticas pre-
encheram o vazio criado pela desarticulação dos movimentos de juventude da época (como ve-
remos à seguir); aquelas organizações mantinham o núcleo da mensagem do protestantismo
tradicional; as novidades trazidas pelas paraeclesiásticas estariam alinhadas com a propaganda
ufanista de progresso do país – importava-se um modelo estadunindense, portanto, desenvolvido.
Todos esses pontos serviram, na mão do Estado Militar e da Igreja, para manter os jovens dentro
da igreja e distantes de discussões políticas e ideológicas mundanas.
Entretanto alguns jovens, homens e mulheres não se alinharam ao Governo Militar. Pelo
contrário, com sua pregação e sua música, resistiram à Ditadura. Esta trincheira foi cavada nos
cais do movimento ecumênico.
40 Cf. nota Nº 133 In CUNHA, Magali do Nascimento. A explosão gospel: um olhar das ciências humanas sobre o cená-
rio evangélico no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X : Mysterium, 2007.
41 FILHO, Jorge Geraldo de Camargo. De vento em popa, fé cristã e música popular brasileira. São Paulo, Universidade
humanas sobre o cenário evangélico no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X : Mysterium, 2007. p. 76 à 80
45 Iniciativa dos cristãos latino-americanos que não haviam sido convidados para a Conferência de Edimburgo seis anos
antes
46 Contexto Pastoral – Em busca da unidade visível, evangélicos se associam. P 7
47 DEBATE Suplemento do jornal Contexto Pastoral. Campinas: Cebep/Cedi. n. 8. junho de 1992. p. 7
48 DEBATE. Ibid. p. 7 e 8
49 DEBATE. Ibid. p. 8 e 9
50 DEBATE. Ibid. p. 8
51 Esforço de Erasmo Braga que desde 1926 passou a manter contato com os concílios de diversas igrejas com vistas à
Até aqui foram apresentados os três mais significativos protagonistas nas revoluções musi-
cais que ocorreram durante as décadas de 50 à 70. Uma vez identificados e inseridos no contexto
político e cultural de sua época, nos cabe agora produzir uma análise do conteúdo de sua música
e a sua função social em tempos de Ditadura Militar.
3.1.1. A forma
Até a década de 50 a música sacra era aquela que estava compilada nas publicações cha-
madas de hinários. Expressões musicais diferentes das contidas nestes hinários eram privilégio
53 DEBATE. Ibid. p. 9
54 DEBATE. Ibid. p. 9
55 DEBATE Suplemento do jornal Contexto Pastoral. Campinas: Cebep/Cedi. n. 26. maio/junho de 1995. p. 9
56 A CEB era considera conservadora à época. O Setor de Responsabilidade Social foi motivo de crise dentro da entida-
de. “As contradições eram notáveis, a começar pelo fato de que havua uma prática ecumênica na Confederação,
mas palavra ecumenismo era interdita”. Cf: CP. “caminhos e descaminhos” p.5
57 DEBATE Suplemento do jornal Contexto Pastoral. Campinas: Cebep/Cedi. n. 8. junho de 1992. p. 19
58 DEBATE Suplemento do jornal Contexto Pastoral. Campinas: Cebep/Cedi. n. 8. junho de 1992. p.18
59 DEBATE Suplemento do jornal Contexto Pastoral. Campinas: Cebep/Cedi. n. 26. maio/junho de 1995. p. 5
8
dos conjuntos corais, bandas jovens e alguns grupos vocais que se apresentavam em ocasiões
festivas nas Igrejas 60. Mas este quadro começa a sofrer modificações.
No final da década de 50, início de 60, o movimento pentecostal rompeu com a hinódia pro-
testante. 61 A juventude passou a utilizar e a desenvolver uma hinódia alternativa. Tratava-se de
músicas de melodia simples e de poesia curta. 62 Quanto ao estilo, no livro A Explosão Gospel, de
Magali Cunha, a autora aponta uma diferença entre a música produzida pelos pentecostais e a
produzida pelas organizações paraeclesiásticas. Para a autora,
os pentecostais desenvolveram composições populares mais ligadas às
raízes nacionais (a música sertaneja) e as paraeclesiásticas produziam
versões em português de cânticos populares estadunindenses (marchas
e baladas românticas).63
BAGGIO, em um dos poucos livros que trata sobre a música pentecostal, aponta o cantor
Luiz de Carvalho como um desbravador. Teria sido ele o primeiro a utilizar o violão para acompa-
nhar suas composições religiosas que continham ritmos populares; e teria sido também o primeiro
a gravar um LP evangélico no Brasil.64
Já RAMOS, quando se refere aos precursores dos corinhos, não especifica um grupo (se
pentecostal, paraeclesiástico ou ecumênico). Somente fala dos jovens ou da juventude. Esta esta-
ria embarcando em uma cópia xerocada do gênero “satisfação é ter a Cristo”65. O termo utilizado
pelo autor, possivelmente faz alusão à canção Satisfação gravada pelo grupo Vencedores por
Cristo em seu segundo compacto. Vejamos a letra:
A canção exprime bem o modus faciendi do gênero a que RAMOS se referia: composição
de versões das músicas cantadas nos EUA, vindas do seu movimento evangelical, ritmadas em
marchas e baladinhas românicas de fácil aprendizado.67
60 RAMOS, Luiz Carlos. Os “Corinhos”: uma abordagem pastoral da hinologia preferida dos protestantes carismáticos
brasileiros. Dissertação de mestrado. São Bernardo do Campo, Instituto Metodista de Ensino Superior, 1996. p. 39
61 CUNHA, Magali do Nascimento. A explosão gospel: um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no
p. 70
65 RAMOS, Luiz Carlos. Os “Corinhos”: uma abordagem pastoral da hinologia preferida dos protestantes carismáticos
brasileiros. Dissertação de mestrado. São Bernardo do Campo, Instituto Metodista de Ensino Superior, 1996. p.40-
41
66 FILHO, Jorge Geraldo de Camargo. De vento em popa, fé cristã e música popular brasileira. São Paulo, Universidade
ção (Mestrado em Ciências da Religião) Curso de Pós-graduação em Ciências da Religião – Universidade Metodista
de São Paulo: São Bernardo do Campo, 1988. p. 135
71 FILHO, Jorge Geraldo de Camargo. De vento em popa, fé cristã e música popular brasileira. São Paulo, Universidade
3.1.2. O conteúdo
entanto, encorajo o leitor/a a conferi- las na obra citada Cf. BARROS, Laan Mendes de. Ibid. p. 111
78 BARROS, Laan Mendes de. Ibid. p. 108 à 117
79 BARROS, Laan Mendes de. A canção de fé no inicio dos anos 70: harmonias e dissonâncias. 1988. 225 f. Disserta-
ção (Mestrado em Ciências da Religião) Curso de Pós-graduação em Ciências da Religião – Universidade Metodista
de São Paulo: São Bernardo do Campo, 1988. p.118
11
se sabia de antemão como será concluída uma determinada estrofe marcada por rimas bem
conhecidas”. A rima Jesus/Cruz e o tema da crucificação são constantes, quase marcas registra-
das, deste tipo de canção.80
A idéia de rompimento com o passado e da resolução tranqüila das músicas em algo seme-
lhante a um “... e viveram felizes para sempre” estaria afinada à propaganda militar. Os golpistas
propagandeavam que, através da sua “revolução”, seriam eles os salvadores da pátria por terem
afastado o perigo comunista que ameaçava o poder; agora estaria tudo em paz; viveríamos feli-
zes para sempre.81
BARROS ainda atenta para o fato de que a abordagem da vida e morte de Cristo, embora
apresente até alguns aspectos da violência sofrida por ele, não está relacionada nem com o con-
texto do golpe militar, tão pouco com a perspectiva que teria levado Jesus ao Calvário. Tudo era
místico; um evento de proveito individual.82
O tema convite está presente também nas músicas de testemunho. Todavia, nas músicas
cujo tema é exatamente aquele, há ênfase nas questões referentes à vida eterna, na mensagem
escatológica do porvir. Sob melodias suaves e adocicadas, cantava-se a promessa de uma terra
paz e amor. BARROS, em sua análise reforça “Novamente a vida de fé era enfocada como algo
alheio às condições concretas da sociedade, como uma fuga da realidade, projetando a esperan-
ça em um lugar sem “ódio e dissensão”, presenteado aos que se convertem”.
É possível concluir que a música do VpC tão somente reproduziu a teologia puritana e con-
servadora dos primeiros missionários que chegaram no Brasil. Porém, na situação em que se
encontrava o país, é impossível discordar de BARROS quando este afirma que as músicas do
VpC serviam como instrumento de alienação.83
Nas palavras de Fábio Henrique Pereira da Silva, “não podemos negar a qualidade musical
do VpC”84 e que do ponto de vista da técnica musical “se mostrou eficiente e até contextualizado
com a música brasileira” 85 No entanto, “a mensagem libertadora (...) não encontrava ressonância
nestas canções do VpC e seus seguidores”.86
Dez anos antes da gravação do LP De vento em popa, no ano de 1966, outro grupo já dis-
cutia a necessidade de “composições com letras relacionadas à vida cotidiana com ritmos popula-
res brasileiros”. Neste período é composta a poesia Que estou fazendo se sou cristão. Uma can-
ção emblemática, que já expressava a nova postura pastoral e teológica adotada por esse gru-
po.87
ção (Mestrado em Ciências da Religião) Curso de Pós-graduação em Ciências da Religião – Universidade Metodista
de São Paulo: São Bernardo do Campo, 1988. p. 125
84 SILVA, Fábio Henrique Pereira. O Novo Canto da Terra: estudos sobre sua contribuição à renovação litúrgico-musical
das igrejas evangélicas. São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo, 2001. p. 24
85 SILVA. Fábio Henrique Pereira. Ibid. p. 24
86 SILVA. Fábio Henrique Pereira. Ibid. p. 24
87 SILVA, Fábio Henrique Pereira. Ibid. p. 19
12
Meu Cristo veio pra nos remir Milhões não sabem como escrever
O homem todo sem dividir Milhões de olhos não sabem ler
Não só a alma do mal salvar Nas trevas vivem sem perceber
Também o corpo ressuscitar Que são escravos de outro ser
das igrejas evangélicas. São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo, 2001. p. 20
91 SILVA, Fábio Henrique Pereira. Ibid. p.40-42
92 MONTEIRO, Simei de Barros. O cântico da vida – análise de conceitos fundamentais expressos nos canticos das
so do VpC sobre o A Nova Canção 95, Magali CUNHA atribui o mesmo sucesso à reprodução do
núcleo da mensagem tradicional do protestantismo brasileiro e o alinhamento aos idéias do Go-
verno Militar. 96
Posteriores a este trabalho seguiram-se o A canção do Senhor na terra brasileira, 1982, por
Jaci Maraschin e Simei Monteiro e o O novo canto da terra, 1987, patrocinado pelo Instituto Angli-
cano de Estudos Teológicos (Iaet) cuja comissão editorial era composta por Jaci Maraschin, Simei
Monteiro, João Takao Shirahata e Marco Antonio Bernardo. Todos esses, segundo Fábio SILVA,
com proposta libertadora mais enfática que o A Nova Canção. 97
Com o intuito de registrar fonográficamente este material, a Igreja Metodista lançou o selo
Liberdade Edições Musicais, que em LP’s, registrou várias canções deste movimento. Dentro do
período que estudamos, destacamos o primeiro LP: O Novo Canto da Terra, gravado pelo Coral
do Morro, da Faculdade de Teologia da IECLB 98. Este seria o “primeiro testemunho fonográfico
que incorpora a música brasileira juntamente com a perspectiva libertadora na busca do novo
canto na terra brasileira”. 99
As demais gravações feitas pelo selo tinham em comum a variedade de denominações no
quadro de compositores (metodistas, presbiterianos, episcopais, católicos romanos, luteranos
entre tantos outros) e a sempre opção por letras cujo conteúdo contivessem a mensagem liberta-
dora – em íntima ligação com a Teologia da Libertação, que nascia e se desenvolvia naquele
período – e com a proposta estética brasileira.
95 SILVA, Fábio Henrique Pereira. O Novo Canto da Terra: estudos sobre sua contribuição à renovação litúrgico-musical
das igrejas evangélicas. São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo, 2001. p.25
96 CUNHA, Magali do Nascimeno. A explosão gospel: um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no
Bibliografia
BAGGIO, Sandro. Revolução na música gospel. Um avivamento musical em nossos dias. São
Paulo: Exodus, 1997.
BARROS, Laan Mendes de. A canção de fé no início dos anos 70: harmonias e dissonâncias.
São Bernardo do Campo: Metodista, 1988.
CUNHA, Magali do Nascimento. A explosão gospel: um olhar das ciências humanas sobre o
cenário evangélico no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X: Mysterium, 2007.
FILHO, Jorge Geraldo de Camargo. De vento em popa: fé cristã e música popular brasileira.
São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2005.
JAMBEIRO, Othon. Canção de massa: as condições da produção. São Paulo: Pioneira, 1975.
RAMOS, Luiz Carlos. Os Corinhos. Uma abordagem pastoral da hinologia preferida dos
protestantes carismáticos brasileiros. São Bernardo do Campo: Instituto Metodista de Ensino
Superior, 1996.
SILVA, Fábio Henrique Pereira da. O Novo canto da terra - Estudos sobre sua contribuição à
renovação litúrgico-musical das igrejas evangélicas. São Bernardo do campo: Universidade
Metodista de São Paulo, 2001.