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A música protestante brasileira em tempos de repressão política

Francisco Thiago de ALMEIDA1

A música protestante brasileira em tempos de repressão política

O período que se segue, décadas de 50 a 70, foi marcado por acontecimentos importantes
para o cenário político e cultural internacional. Como sendo um período pós-guerra, não podemos
ignorar também os dois grandes conflitos mundiais que o precederam (1ª e 2ª Guerra Mundial),
tão pouco as guerras que esses anos presenciaram e sobre ele exerceram cabal influência. To-
davia, buscando maior objetividade, este trabalho procurará focar os acontecimentos inerentes ao
Brasil, principalmente os que culminaram no Golpe Militar de 1964 e instauração da Ditadura Mili-
tar, que influenciaram diretamente a cultura nacional.
Desta maneira, nas páginas seguintes, será abordada a conjuntura política e cultural do
Brasil neste período; a conjuntura política das igrejas e por fim as influências desse quadro sócio-
político na cultura protestante no Brasil.

1. A conjuntura do Brasil nos anos 50/70

Se a alvorada do século não foi das mais pacíficas – com duas grandes guerras – a manhã
e o meio dia também não foram os mais tranqüilos. A disputa ideológica entre liberalismo e co-
munismo, representada respectivamente por Estados Unidos e União Soviética,2 fez com que o
mundo oscilasse entre sonhos de revolução e desenvolvimento e o medo de que estas duas mai-
ores potências entrassem em guerra. A chamada Guerra Fria.
Outro fato histórico que fez com que o debate entre liberalismo e comunismo ganhasse for-
ça em terras brasileiras, como lembra Rubem Fernandes, é a revolução cubana. Ao tornar-se
socialista, Cuba tornou-se símbolo para os jovens que consideravam possível a alternativa socia-
lista neste que seria o espaço de influência estadunidense (América Latina). 3 Neste período, o
Brasil torna-se mais um dos protagonistas com a radicalização do espírito revolucionário na Amé-
rica. 4
Sobre este pano de fundo o Brasil começa a modernizar-se. No ano de 1941 5 foi criada a
Companhia Siderúrgica Nacional (a CSN), um marco no processo de industrialização do Brasil,
que contou com capital estadunindense6. No início dos anos 50 outra instituição vital para o de-

1 Graduando em Teologia pela Faculdade de Teologia – Universidade Metodista de São Paulo - SP.

2 Revista Contexto Pastoral. 14


3 Revista contexto pastoral. 15
4 CAROS AMIGOS ESPECIAL: o golpe de 64. Editora Casa Amarela n.19 out. 2008. p. 4
5COMPANHIA SIDERÚRGICA NACIONAL. Perfil. Disponível em:
<http://www.csn.com.br/portal/page?_pageid=456,170479&_dad=portal&_schema=PORTAL > Acesso em: 30 de ju-
nho de 2010
6 BNDES. Livro comemorando 50 anos do banco. Disponível em:
<http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/livro50anos/Livr
o_Anos_50.PDF> Acesso em 10 de Maio de 2010
2

senvolvimento do país é criada: O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (O “S” de


social só viria nos anos 80 – BNDES). 7 Este banco, que contava com capital estrangeiro e nacio-
nal 8, seria o responsável pelo financiamento das obras de infra-estrutura que permitiriam o de-
senvolvimento do país. O famoso Plano de Metas, cujo conhecido slogan era “Cinqüenta anos em
cinco”, do Presidente Juscelino Kubitschek, também foi outro agente modernizador do país, tendo
seu ápice, inegavelmente, na construção em tempo recorde da cidade de Brasília. 9 O Estado bra-
sileiro, nestes idos, oscilava entre as políticas econômicas liberais, nacionalistas e paternalistas.
Fato que levou, por várias vezes, à negação e suspensão de empréstimos internacionais, como
aconteceu durante o Governo Vargas.10
Esta política econômica classificada como “imediatista e irresponsável”, por Laan Mendes
Barros, aliada a euforia pela conquista da copa do México e a propaganda, promovida pelo Go-
verno Federal, de um país grande ao qual ninguém segura, levou o povo brasileiro a uma grande
alienação.11 Apesar do desenvolvimento industrial apresentado, o Brasil encontrava-se em uma
forte crise financeira e política. Com dívidas a serem pagas e sem recurso para mais investimen-
tos,12 no auge da Guerra Fria, o país também se encontrava dividido politicamente.
De um lado, o projeto de desenvolvimento capitalista nacional,
reformista, que, grosso modo, buscava a independência em relação aos
Estados Unidos e à Europa (...), que introduzira o movimento dos
trabalhadores na política, ampliando a democracia e a participação
destes na renda nacional (...). De outro lado, o projeto que hoje
chamaríamos de neoliberal, de liberação do câmbio, defensor de
rigoroso controle da inflaç ão e da abertura do país ao capital
estrangeiro. E segundo o qual as leis de mercado haviam de produzir
automaticamente o desenvolvimento e a distribuição da riqueza.13
Neste cenário de forte embate político, o Presidente João Goulart assume a presidência do
país. Três anos depois, em 1º de Abril de 1964, o presidente em exercício é deposto pelo Golpe
Militar. Instaura-se a Ditadura militar no Brasil que durou até o ano de 1985. 14 Apesar do apoio à
Ditadura Militar concedido por parte de vários grupos do país - empresariado, Igreja Católica (e
igrejas protestantes), proprietários rurais, classe média, governadores e outros15 – o regime militar
e seus diversos atos institucionais não foram aceitos pela classe estudantil, artística e alguns
setores religiosos do país.
Na trincheira das idéias, pouco antes do golpe militar, o movimento artístico brasileiro vivia
um momento único em sua história 16. Gianfrancesco Guarnieri estréia, no quase fechado, Teatro

7 BNDES. Livro comemorando 50 anos do banco. Ibid. p. 1;


8 Por conta da política nacionalista de Getúlio Vargas, o apoio financeiro internacional foi cortado. Cf ibid. p. 5
9 BNDES. Livro comemorando 50 anos do banco. Ibid. p. 7
10 BNDES. Livro comemorando 50 anos do banco. Ibid. p. 5
11 BARROS, Laan Mendes de. A canção de fé no inicio dos anos 70: harmonias e dissonâncias. 1988. 225 f. Disserta-

ção (Mestrado em Ciências da Religião) Curso de Pós-graduação em Ciências da Religião – Universidade Metodista
de São Paulo: São Bernardo do Campo, 1988. p. 109
12 CAROS AMIGOS ESPECIAL: o golpe de 64. Editora Casa Amarela n.19 out. 2008. p. 4
13 CAROS AMIGOS ESPECIAL. Ibid. p. 4
14 CPDOC da Fundação Getúlio Vargas. Fatos e imagens: artigos ilustrados de fatos e conjuntura do Brasil. Disponível

em: <http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/AI5> Acesso em: 15 de abril de 2010


15 CPDOC da Fundação Getúlio Vargas. Fatos e imagens: artigos ilustrados de fatos e conjuntura do Brasil. Disponível

em: <http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/Golpe1964> Acesso em: 15 de abril de 2010


16 Falava-se até em Hegemonia Cultural (da esquerda). Cf. Schuwarz, Roberto. Cultura e política.1978, in A Revista
3

Arena, a sua peça Eles não usam Black-Tie. Primeiro texto brasileiro a abordar o tema da vida
dos operários em greve. “Era no Teatro Arena que procurávamos discutir e esmiuçar melhor o
homem brasileiro. Como esse homem amava, como odiava, como lutava, e mais ou menos pen-
sava”, afirma Milton Gonçalves na revista Caros Amigos.17 Nesta esteira de revoluções artísticas,
surgem outros espaços que trariam novidade à cena teatral brasileira. Ainda no teatro, durante o
final dos anos 50 surge o grupo de teatro Oficina, que seria exilado entre os anos de 1974-1979, e
novamente revolucionou a “moderna dramaturgia brasileira”. 18
Outro órgão de promoção da arte foi o CPC da UNE, que trazia a seguinte definição na a-
bertura do seu calendário, 1963:
O Centro popular de Cultura (CPC) é uma entidade criada para
possibilitar às classes sociais economicamente menos favorecidas o
contato com as diversas manifestações artísticas e culturais, tais como
teatro, cinema, literatura, pintura, cursos, conferências e etc., até hoje
privilégio de uma minoria abastada da população brasileira.19
O Golpe Militar ocupou-se, desde o princípio, em silenciar as vozes dissonantes. Já na noi-
te que antecedeu ao golpe, 31 de março, a sede da UNE foi metralhada e pela manhã foi incendi-
ada por manifestantes de direita20. Principalmente depois do Ato Institucional nº 5, a censura teve
o papel de silenciar qualquer manifestação que fosse contra o governo, considerada subversiva.
A conta é de seiscentos filmes, quinhentas peças teatrais, a editoração de livros (didáticos e pára-
didáticos) e um sem número de músicas e matérias de jornais – estes, no lugar das matérias cen-
suradas, publicavam receitas de bolo e poesias.21 Os que não foram exilados, como foi o caso do
grupo Oficina – foram perseguidos em solo brasileiro. “E a partir daí caiu o mundo em cima das
pessoas”, afirma Milton Gonçalvez.22 “(...) a dramaturgia brasileira foi retrocedendo. Ela estava em
plena produção e de repente tudo foi proibido, censurado, nada mais podia ser montado”, relem-
bra Renato Borghi.
Sendo o debate entre comunismo e liberalismo tão presente na sociedade brasileira, seria
impossível que as Igrejas ficassem fora dele. Mas como ela fez parte dele? O cristianismo, de
forma mundial, tinha diante de si novos questionamentos. Qual foi a sua reação? Como se com-
portaram as denominações não-católicas durante esses efervescentes anos? É o que veremos a
seguir.

2. A conjuntura das Igrejas nos anos 50/70

2.1 Os pentecostais

Civilização Brasileira.
17 CAROS AMIGOS ESPECIAL: o golpe de 64. Editora Casa Amarela n.19 out. 2008. p. 30
18 ASSOCIAÇÃO TEAT(R)O OFICINA UZYNA UZONA. Quem serestamos. Disponível em:
<http://teatroficina.uol.com.br/uzyna_uzona> Acesso em 15 de abril de 2010
19 CAROS AMIGOS ESPECIAL. Ibid. p. 30
20 CAROS AMIGOS ESPECIAL: o golpe de 64. Editora Casa Amarela n.19 out. 2008. p. 30
21 INFOESCOLA. Censura no Período da Ditadura. Disponível em: <http://www.infoescola.com/historia/censura-no-

periodo-da-ditadura/> Acesso 20 de Abril de 2010


22 CAROS AMIGOS ESPECIAL. Ibid. p. 32
4

Mais uma vez, é dos Estados Unidos que vem uma nova expressão religiosa. O pentecos-
talismo, como sugere Mendonça, é fruto de vários fatores. Dentre eles destaca:
tradicional tendência dentro da história do cristianismo ao abandono dos
leigos por parte das lideranças eclesiásticas, assim como à negligência
do cuidado para com os pobres, desvalidos e marginalizados, somados
ao tal ‘estado de espírito’ (...) cujo substrato estava no pessimismo de
fim de século, gerou na periferia das Igrejas um movimento de
recuperação do Espírito.23
Era um movimento que vivia à margem da Igreja e da sociedade, composto por crianças,
negros, mulheres e estrangeiros.24 Mas não foi esse o pentecostalismo que chegou ao Brasil.
Vingren, Berger e Francescon (os dois primeiros, fundadores da Igreja Assembléia de Deus e o
último, da Congregação Cristã do Brasil) são frutos de um pentecostalismo branco, distante das
discussões sociais. Sobre o pentecostalismo que veio ao Brasil, Jardilino faz a seguinte observa-
ção:
(...) a influência da rua Azuza no pentecostalismo brasileiro foi apenas
secundária. A força vital para a missão brasileira foi, portanto, inspirada
no movimento da Igreja de W. H. Durham, em Chicago, com sua
concepção doutrinária de forma simplificada, que em parte divergia da
visão de Parham e Seymour. 25
No Brasil, apesar dos pentecostais atuarem majoritariamente entre grupos marginalizados
(ainda que contra sua vontade26), o debate sócio -político, intrinsecamente presente na composi-
ção do grupo da rua Azuza, não estava incluso.27 Segundo Jardilino, o pentecostalismo no Brasil
serviu como elemento ajustador da sociedade, devido ao seu modus vivendi, por acolher o traba-
lhador do campo, que tentava a vida na cidade grande28, em uma família de irmãos.29 Essa passi-
vidade seria legitimidade por uma opção à uma proposta ético-teológica pietista (protestantismo
peregrino e milenarista). 30
Tendo-se implantado no seio das camadas populares urbanas, numa
época em que greves e agitações sacudiam o operariado, o seu começo
entre nós está, social e historicamente ligado ao contexto sócio-político
dos últimos decênios do Estado oligárquico (...) Nesse contexto, o

23 Mendonça, Antônio G. Protestantes, pentecostais & ecumênicos. 2 ed. São Bernardo do Campo: UMESP, 2008.
p.133
24 Mendonça, Antônio G. Ibid. p. 133
25 JARDILINO, José Rubens Lima. As religiões do espírito: visão histórico- teológica do pentecostalismo na década de

30. São Paulo: Centro Ecumênico de Publicações e Estudos. p. 33


26 Para maiores detalhes sobre a “escolha social” do pentecostalismo, Cf: ROLIM, Francisco Cartaxo. Pentecostalismo:

Brasil e América Latina. Petrópolis: Vozes, 1995. 2 v. (Coleção teologia e libertação; serie desafios da religião do
povo; VII). p. 24 à 54
27 JARDILINO, José Rubens Lima. Ibid. p.24
28 Foi exatamente neste período, quando a geografia brasileira experimentava o êxodo rural, que as Igrejas Pentecos-

tais experimentaram o seu maior crescimento. Cf CUNHA, Magali do Nascimento. A explosão gospel: um olhar das
ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X : Mysterium, 2007. p. 69
29 JARDILINO, José Rubens Lima. Ibid. p.76
30 Para maiores detalhes sobre a posição pentecostal durante o a Ditadura Militar, Cf: ROLIM, Francisco Cartaxo. Pen-

tecostalismo: Brasil e América Latina. Petrópolis: Vozes, 1995. 2 v. (Coleção teologia e libertação; serie desafios da
religião do povo; VII). p.160 à 176
5

pentecostalismo, embora mantendo seu espaço exclusivamente


religioso na ordem pública não exprime nenhum sinal de contestação31
Nos anos de 50 e 60 os pentecostais no Brasil, pegando carona no êxodo rural, experimen-
tam a sua primeira fase de crescimento. Junto com o seu estabelecimento na zona urbana, impor-
tadas dos Estados Unidos, chegam as paraeclesiásticas: organizações interdenominacionais que,
alinhadas com o núcleo da teologia tradicional,32 serviram de elemento aglutinador dos jovens.
As organizações paraeclesiásticas é o assunto que trataremos agora.

2.2. As organizações paraeclesiásticas e o Movimento de Jesus

Durante as décadas de 50 e 60 estabeleciam-se no Brasil as primeiras organizações para-


eclesiásticas. Foram as sempre estadunindenses: Organização Palavra da Vida, Jovens da Ver-
dade, a Mocidade para Cristo e o Serviço de Evangelização para a América Latina (Sepal). 33
Seus trabalhos correspondiam a organização de retiros espirituais, congressos, reuniões de estu-
dos; outras criaram Institutos Bíblicos ou Seminários com o interesse de criar novas lideranças.
Essas organizações, muitas existentes até hoje, também encontraram na música um meio
de transmitir a mensagem do Evangelho.34 Os principais grupos musicais da época, foram: Jo-
vens da Verdade, VpC, Grupo Elo e Comunidade S8. Como ressalta Baggio, mais tarde, durante
os anos 70, estes grupos sofreram influência do Movimento de Jesus. Foram eles os primeiros a
tocarem as músicas sacras com acordes contemporâneos.
Sobre o Movimento de Jesus, Magali CUNHA, oferece a seguinte definição:
O Movimento de Jesus foi fruto de uma estratégia de evangelismo
realizado nas ruas no final dos anos 60 nos EUA, com vistas a atingir a
juventude. (...) Um dos resultados desta iniciativa foi o alcance do
movimento hippie.35
O Movimento de Jesus seria composto pelos jovens hippies que levaram para as suas igre-
jas parte de sua contracultura36 e o modo de expressar a suas idéias: a música. 37 Baggio atribui
ao Jesus Movement (Movimento de Jesus) o nascimento da Jesus Music.38 Uma música que não
passava da “música contemporânea com a mensagem do Evangelho”.39
As influências do Movimento de Jesus chegam ao Brasil na bagagem do pastor James
Warren Kemp, ou Jaime Kemp. Ele, membro da Calvary Chapel – igreja que se tornou referência

31 ROLIM, Francisco Cartaxo. Genese do pentecostalimos no Brasil”Apud JARDILINO, José Rubens Lima. As religiões
do espírito: visão histórico- teológica do pentecostalismo na década de 30. São Paulo: Centro Ecumênico de Publi-
cações e Estudos. p. 87
32 CUNHA, Magali do Nascimento. A explosão gospel: um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no

Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X : Mysterium, 2007. p. 78


33 CUNHA, Magali do Nascimento. Ibid. p. 70
34 BAGGIO, Sandro R. Revolução na musica gospel: um avivamento musical em nossos dias. São Paulo: Exodus, 1997.

p. 71
35 CUNHA, Magali do Nascimento. Ibid. p. 72
36 Eles estavam rejeitando o consumismo capitalista, a hipocrisia religiosa e a superficialidade da cultura americana. Cf

BAGGIO, Sandro R. Ibid. p. 54


37 CUNHA, Magali do Nascimento. Ibid. p. 52
38 BAGGIO, Sandro R. Ibid. p. 51
39 BAGGIO, Sandro R. Ibid. p. 62
6

do Movimento de Jesus nos EUA 40 – inspirado pelo grupo Continental Singers, cria no Brasil,
com o apoio da Sepal o grupo musical Vencedores por Cristo.41 Grupo que trouxe uma aproxima-
ção estética42 entre a música não-católica e a cultura brasileira. 43
Sobre a importação das paraeclesiásticas para o Brasil e ao sucesso da sua implantação,
CUNHA atribui alguns fatores de ordem sócio -política44. Alguns deles: As paraeclesiásticas pre-
encheram o vazio criado pela desarticulação dos movimentos de juventude da época (como ve-
remos à seguir); aquelas organizações mantinham o núcleo da mensagem do protestantismo
tradicional; as novidades trazidas pelas paraeclesiásticas estariam alinhadas com a propaganda
ufanista de progresso do país – importava-se um modelo estadunindense, portanto, desenvolvido.
Todos esses pontos serviram, na mão do Estado Militar e da Igreja, para manter os jovens dentro
da igreja e distantes de discussões políticas e ideológicas mundanas.
Entretanto alguns jovens, homens e mulheres não se alinharam ao Governo Militar. Pelo
contrário, com sua pregação e sua música, resistiram à Ditadura. Esta trincheira foi cavada nos
cais do movimento ecumênico.

2.3. O movimento ecumênico

O movimento ecumênico em terras latino-americanas teve seu mais expressivo início no


ano de 1916, na Conferência do Panamá45 cuja intenção era a “articulação dos evangélicos e
uma reflexão sobre as práticas evangelísticas”. 46 Destaque para a presença de Erasmo Braga,
pastor presbiteriano, que por sua militância na estruturação do movimento ecumênico em terras
latinas, ficou conhecido como Profeta da Unidade. 47
Desta conferência, o Brasil colheu três principais frutos: A Comissão Brasileira de Coopera-
ção (CBC), responsável pela produção/tradução de livros e materiais que fomentavam a cultura
cristã 48 e também responsável pelo Centro Brasileiro de Publicidade (que oferecia à mídia dados
confiáveis sobre a atuação dos cristãos não-católicos no país). 49 O segundo fruto foi a União das
Escolas Dominicais, organizada pelo CBC, que produzia publicações para as Igrejas na área da
educação cristã. 50 O terceiro fruto 51 foi a Federação das Igrejas Evangélicas do Brasil (1931). 52

40 Cf. nota Nº 133 In CUNHA, Magali do Nascimento. A explosão gospel: um olhar das ciências humanas sobre o cená-
rio evangélico no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X : Mysterium, 2007.
41 FILHO, Jorge Geraldo de Camargo. De vento em popa, fé cristã e música popular brasileira. São Paulo, Universidade

Presbiteriana Mackenzie, 2005. p.26


42 Por “estética” consideramos: a opção rítmica, arranjos vocais e instrumentais, a disposição cênica do grupo em suas

apresentações e o uso de uniformes


43 FILHO, Jorge Geraldo de Camargo. Ibid. p.36
44 Para ver esses pontos em detalhes, Cf. CUNHA, Magali do Nascimento. A explosão gospel: um olhar das ciências

humanas sobre o cenário evangélico no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X : Mysterium, 2007. p. 76 à 80
45 Iniciativa dos cristãos latino-americanos que não haviam sido convidados para a Conferência de Edimburgo seis anos

antes
46 Contexto Pastoral – Em busca da unidade visível, evangélicos se associam. P 7
47 DEBATE Suplemento do jornal Contexto Pastoral. Campinas: Cebep/Cedi. n. 8. junho de 1992. p. 7
48 DEBATE. Ibid. p. 7 e 8
49 DEBATE. Ibid. p. 8 e 9
50 DEBATE. Ibid. p. 8
51 Esforço de Erasmo Braga que desde 1926 passou a manter contato com os concílios de diversas igrejas com vistas à

formação de um conselho de igrejas


52 DEBATE. Ibid. p. 9
7

Estes três órgãos, no ano de 1934, juntaram-se e formaram a Confederação Evangélica


Brasileira (CEB). Esta era dividida em departamentos e setores. Foi o setor de Responsabilidade
Social da CEB o responsável pelas quatro grandes conferências, sendo a última a mais importan-
te: 1962 – Cristo e o processo revolucionário brasileiro, a Conferência do Nordeste.53 Este seria o
primeiro contato da Igreja com as ciências sociais.54
Este período de efervescente debate político teve dupla influência sobre o movimento ecu-
mênico. Ao mesmo tempo em que fomentava o espírito revolucionário, despertava nas alas mais
conservadoras da igreja o medo da infiltração comunista. 55 Chega o ano de 1964 e com ele o
Golpe Militar. A CEB, como outras tantas organizações classificadas como subversivas, não foi
poupada. Foi perseguida pela Ditadura, que tinha apoio da ala conservadora das igrejas e de
dirigentes da própria CEB 56. Seu departamento histórico foi invadido pela polícia57 e integrantes
do Setor foram presos pelo Deops através de denúncias feitas pelos seus “colegas” pastores.
Sofrendo censura e repressão externa e interna, os funcionários da CEB foram tomados de
medo e aos poucos a confederação morreu por inanição. Não havia quorum suficiente para con-
vocar uma assembléia de dissolução da entidade. Sob a dura égide dos militares, a voz da CEB
se calava58.
Mas este não foi o fim. Em um movimento que buscava a unidade além das Igrejas, as lid e-
ranças ecumênicas experimentam um período de semiclandestinidade. Nascem, neste contexto,
novas instituições ecumênicas. Entre elas, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento (Ibrades –
1968), Instituto Superior de Estudos Teológicos (Iset – 1970), Coordenadoria Ecumênica de Ser-
viço (CESE – 1973) e o Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi – 1974). 59

Até aqui foram apresentados os três mais significativos protagonistas nas revoluções musi-
cais que ocorreram durante as décadas de 50 à 70. Uma vez identificados e inseridos no contexto
político e cultural de sua época, nos cabe agora produzir uma análise do conteúdo de sua música
e a sua função social em tempos de Ditadura Militar.

3. A música cristã dos anos 50-70

3.1. Os corinhos e seus predecessores

3.1.1. A forma

Até a década de 50 a música sacra era aquela que estava compilada nas publicações cha-
madas de hinários. Expressões musicais diferentes das contidas nestes hinários eram privilégio

53 DEBATE. Ibid. p. 9
54 DEBATE. Ibid. p. 9
55 DEBATE Suplemento do jornal Contexto Pastoral. Campinas: Cebep/Cedi. n. 26. maio/junho de 1995. p. 9
56 A CEB era considera conservadora à época. O Setor de Responsabilidade Social foi motivo de crise dentro da entida-

de. “As contradições eram notáveis, a começar pelo fato de que havua uma prática ecumênica na Confederação,
mas palavra ecumenismo era interdita”. Cf: CP. “caminhos e descaminhos” p.5
57 DEBATE Suplemento do jornal Contexto Pastoral. Campinas: Cebep/Cedi. n. 8. junho de 1992. p. 19
58 DEBATE Suplemento do jornal Contexto Pastoral. Campinas: Cebep/Cedi. n. 8. junho de 1992. p.18
59 DEBATE Suplemento do jornal Contexto Pastoral. Campinas: Cebep/Cedi. n. 26. maio/junho de 1995. p. 5
8

dos conjuntos corais, bandas jovens e alguns grupos vocais que se apresentavam em ocasiões
festivas nas Igrejas 60. Mas este quadro começa a sofrer modificações.
No final da década de 50, início de 60, o movimento pentecostal rompeu com a hinódia pro-
testante. 61 A juventude passou a utilizar e a desenvolver uma hinódia alternativa. Tratava-se de
músicas de melodia simples e de poesia curta. 62 Quanto ao estilo, no livro A Explosão Gospel, de
Magali Cunha, a autora aponta uma diferença entre a música produzida pelos pentecostais e a
produzida pelas organizações paraeclesiásticas. Para a autora,
os pentecostais desenvolveram composições populares mais ligadas às
raízes nacionais (a música sertaneja) e as paraeclesiásticas produziam
versões em português de cânticos populares estadunindenses (marchas
e baladas românticas).63
BAGGIO, em um dos poucos livros que trata sobre a música pentecostal, aponta o cantor
Luiz de Carvalho como um desbravador. Teria sido ele o primeiro a utilizar o violão para acompa-
nhar suas composições religiosas que continham ritmos populares; e teria sido também o primeiro
a gravar um LP evangélico no Brasil.64
Já RAMOS, quando se refere aos precursores dos corinhos, não especifica um grupo (se
pentecostal, paraeclesiástico ou ecumênico). Somente fala dos jovens ou da juventude. Esta esta-
ria embarcando em uma cópia xerocada do gênero “satisfação é ter a Cristo”65. O termo utilizado
pelo autor, possivelmente faz alusão à canção Satisfação gravada pelo grupo Vencedores por
Cristo em seu segundo compacto. Vejamos a letra:

Satisfação é ter a Cristo


Não há melhor prazer já visto
Eu sou de Jesus e agora sinto
Satisfação sem fim
Sim paz real,
Sim gozo na aflição
Achei o segredo
É Cristo no coração!66

A canção exprime bem o modus faciendi do gênero a que RAMOS se referia: composição
de versões das músicas cantadas nos EUA, vindas do seu movimento evangelical, ritmadas em
marchas e baladinhas românicas de fácil aprendizado.67

60 RAMOS, Luiz Carlos. Os “Corinhos”: uma abordagem pastoral da hinologia preferida dos protestantes carismáticos
brasileiros. Dissertação de mestrado. São Bernardo do Campo, Instituto Metodista de Ensino Superior, 1996. p. 39
61 CUNHA, Magali do Nascimento. A explosão gospel: um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no

Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X : Mysterium, 2007. p. 69


62 RAMOS, Luiz Carlos. Ibid.
63 CUNHA, Magali do Nascimento. A explosão gospel: um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no

Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X : Mysterium, 2007. p. 70


64 BAGGIO, Sandro R. Revolução na musica gospel: um avivamento musical em nossos dias. São Paulo: Exodus, 1997.

p. 70
65 RAMOS, Luiz Carlos. Os “Corinhos”: uma abordagem pastoral da hinologia preferida dos protestantes carismáticos

brasileiros. Dissertação de mestrado. São Bernardo do Campo, Instituto Metodista de Ensino Superior, 1996. p.40-
41
66 FILHO, Jorge Geraldo de Camargo. De vento em popa, fé cristã e música popular brasileira. São Paulo, Universidade

Presbiteriana Mackenzie, 2005. p.29


9

Os limites impostos aos corinhos, na liturgia brasileira, sofrem significativa modificação


quando as influências causadas pela revolução litúrgica do Movimento de Jesus, nos EUA, che-
gam ao Brasil. Neste contexto surgiram os grupos musicais jovens brasileiros – VpC68, Grupo Elo,
Comunidade S-8 e etc. Este grupos foram responsáveis por mudanças poéticas (as letras eram
maiores que a dos corinhos), estilísticas (incluíram novos ritmos, como o rock e em determinado
momento, ritmos da MPB), técnicas (incluíram novos instrumentos), litúrgicas (a música desses
grupos não era congregacional e em suas apresentações, os jovens ficavam responsáveis pela
liturgia e a prédica do culto) e estéticas (o modo como se apresentavam: desde a composição
cênica até o uso de uniformes). 69
Apesar de utilizar ritmos norte-americanos, as baladas Folk por eles tocadas, não eram
conduzidos por violão folk, banjo e instrumentos de sopro leve, como pede o estilo. Eram condu-
zidos apenas por violão e pandeiro meia-lua demonstrando infidelidade ao estilo. As letras, ape-
sar de maiores em número de versos, não eram bem elaboradas. Sobre esta característica da
música do VpC, BARROS comenta:
O fato é que as canções do VpC procuravam ser de fácil assimilação,
daí, sua elaboração poético-musical ser sempre simples, atendendo a
um certo padrão já determinado. Assim como a poesia “de consumo”
apóia-se no uso de “frases-feitas” e rimas convencionais, as músicas
também apóiam -se em “chavões melódicos”, na intensão(sic) de
atender as espectativas(sic) viciadas de seus ouvintes.70
Esta fórmula será contestada apenas no ano de 1977 com a produção do LP De vento em
popa. Este trabalho foi um marco na discografia do VpC por tratar-se do primeiro cujas canções
foram escritas exclusivamente por autores brasileiros e também por conta da sua estética. O LP
De vento em popa incluiu ritmos da MPB e sofreu influências de solistas e grupos internacionais e
nacionais como Bob Dylan, Beatles, Joan Baez e MPB4.71 Outra novidade está no uso de instru-
mentos, que à época, eram tidos como exclusivos de cultos afros. 72
A idéia dos produtores, além da mudança no ritmo/estilo, era compor letras com mínima re-
ferência religiosa. O que não foi aceito por Kemp. A condição para a gravação do disco seria a de
que o conteúdo das letras contivesse um apelo evangelista, alinhado ao discurso conservador
evangélico, com o intuito de aplacar as críticas que viriam das lideranças evangélicas. A idéia não
surtiu efeito. Tais novidades não foram aceitas pelas igrejas, e o disco foi o de menor vendagem
na história do VpC.73
O lançamento do De Vento em Popa em vários aspectos produziu o que
seus idealizadores imaginaram: da parte de uma boa parte da liderança

67 CUNHA, Magali do Nascimento. Ibid. p. 71


68 Para esta pesquisa o grupo VpC foi escolhido como representante do período, dada a sua importância à época.
69 CUNHA, Magali do Nascimeno. A explosão gospel: um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no

Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X : Mysterium, 2007. p.72 à 76


70 BARROS, Laan Mendes de. A canção de fé no inicio dos anos 70: harmonias e dissonâncias. 1988. 225 f. Disserta-

ção (Mestrado em Ciências da Religião) Curso de Pós-graduação em Ciências da Religião – Universidade Metodista
de São Paulo: São Bernardo do Campo, 1988. p. 135
71 FILHO, Jorge Geraldo de Camargo. De vento em popa, fé cristã e música popular brasileira. São Paulo, Universidade

Presbiteriana Mackenzie, 2005.. p. 45 e 47


72 FILHO, Jorge Geraldo de Camargo. Ibid. p.44
73 FILHO, Jorge Geraldo de Camargo. De vento em popa, fé cristã e música popular brasileira. São Paulo, Universidade

Presbiteriana Mackenzie, 2005. p.62


10

religiosa da época, uma enorme rejeição. Há relatos que dão conta


de LPs quebrados em púlpitos como sinal de repulsa diante de tamanha
ousadia e sacrilégio.74
Mas qual era a mensagem contida nas músicas desse grupo?

3.1.2. O conteúdo

Empreender um exame minucioso de toda a hinódia produzida nos anos 50 à 70 seria um


trabalho dispendioso e que oneraria a qualidade da presente pesquisa. Como representante da
música deste período, tomamos por base algumas das composições do Vencedores por Cristo,
sob a análise de Laan Mendes de Barros75 e Jorge Camargo Filho.76
Em sua dissertação, BARROS, antes de analisar as letras do VpC, faz uma análise geral do
material produzido pelo grupo. Na capa do compacto IV e do compacto V do grupo, o autor já
identifica certa afinação entre a proposta do grupo com as ênfases propagandistas do governo
militar. 77 O autor também coloca em pé de igualdade os grupos musicais evangélicos com o mo-
vimento da “Jovem Guarda” e seus hits banais.78
Analisando os compactos IV e V do VpC, o autor propõe a seguinte divisão temática: exal-
tação/louvor; testemunho e convite.
As exaltações e os louvores do primeiro grupo de músicas são motivados por um sentimen-
to de “paz e amor” proporcionados pelo serviço à Deus e a sua existência. BARROS afirma que a
paz apresentada por esses grupos era
algo abstrato, genérico, sem vínculo com a realidade; como algo
mistificado, espiritualizado, relacionado de forma simplista com a
questão da fé; como algo resultante da conversão ao cristianismo; (...)
concedido e não conquistado. Além do mais essa paz cantada pelo
grupo não era uma paz coletiva, social, mas algo individual.79
Ou seja, o indivíduo era alienado da sua responsabilidade política e social quanto ao esta-
belecimento da paz, adotando uma posição política acomodada. A forma como eram escritas as
letras, expectativa? conclusão/resolução, ainda segundo BARROS, propunha/sugeriria estabili-
dade e calma.
As músicas de testemunho são marcadas pela dramaticidade de suas letras. O conteúdo
testemunho se resume em relatar como era a vida antes e depois do “encontro com Jesus”. Sobre
a qualidade da letra, BARROS diz: “Eram letras ‘batidas’, ‘formuladas’ com poucas palavras num
discurso desconexo, que atendiam às exigências de um discurso religioso ‘de consumo’, onde já

74 FILHO, Jorge Geraldo de Camargo. Ibid.


75 BARROS, Laan Mendes de. A canção de fé no inicio dos anos 70: harmonias e dissonâncias. 1988. 225 f. Disserta-
ção (Mestrado em Ciências da Religião) Curso de Pós-graduação em Ciências da Religião – Universidade Metodista
de São Paulo: São Bernardo do Campo, 1988.
76 FILHO, Jorge G. Camargo. Ibid.
77 Por questões de espaço, a presente pesquisa não irá reproduzir o conteúdo das capas dos compactos e LP’s. No

entanto, encorajo o leitor/a a conferi- las na obra citada Cf. BARROS, Laan Mendes de. Ibid. p. 111
78 BARROS, Laan Mendes de. Ibid. p. 108 à 117
79 BARROS, Laan Mendes de. A canção de fé no inicio dos anos 70: harmonias e dissonâncias. 1988. 225 f. Disserta-

ção (Mestrado em Ciências da Religião) Curso de Pós-graduação em Ciências da Religião – Universidade Metodista
de São Paulo: São Bernardo do Campo, 1988. p.118
11

se sabia de antemão como será concluída uma determinada estrofe marcada por rimas bem
conhecidas”. A rima Jesus/Cruz e o tema da crucificação são constantes, quase marcas registra-
das, deste tipo de canção.80
A idéia de rompimento com o passado e da resolução tranqüila das músicas em algo seme-
lhante a um “... e viveram felizes para sempre” estaria afinada à propaganda militar. Os golpistas
propagandeavam que, através da sua “revolução”, seriam eles os salvadores da pátria por terem
afastado o perigo comunista que ameaçava o poder; agora estaria tudo em paz; viveríamos feli-
zes para sempre.81
BARROS ainda atenta para o fato de que a abordagem da vida e morte de Cristo, embora
apresente até alguns aspectos da violência sofrida por ele, não está relacionada nem com o con-
texto do golpe militar, tão pouco com a perspectiva que teria levado Jesus ao Calvário. Tudo era
místico; um evento de proveito individual.82
O tema convite está presente também nas músicas de testemunho. Todavia, nas músicas
cujo tema é exatamente aquele, há ênfase nas questões referentes à vida eterna, na mensagem
escatológica do porvir. Sob melodias suaves e adocicadas, cantava-se a promessa de uma terra
paz e amor. BARROS, em sua análise reforça “Novamente a vida de fé era enfocada como algo
alheio às condições concretas da sociedade, como uma fuga da realidade, projetando a esperan-
ça em um lugar sem “ódio e dissensão”, presenteado aos que se convertem”.
É possível concluir que a música do VpC tão somente reproduziu a teologia puritana e con-
servadora dos primeiros missionários que chegaram no Brasil. Porém, na situação em que se
encontrava o país, é impossível discordar de BARROS quando este afirma que as músicas do
VpC serviam como instrumento de alienação.83
Nas palavras de Fábio Henrique Pereira da Silva, “não podemos negar a qualidade musical
do VpC”84 e que do ponto de vista da técnica musical “se mostrou eficiente e até contextualizado
com a música brasileira” 85 No entanto, “a mensagem libertadora (...) não encontrava ressonância
nestas canções do VpC e seus seguidores”.86

3.3. Um novo canto para a mesma terra

Dez anos antes da gravação do LP De vento em popa, no ano de 1966, outro grupo já dis-
cutia a necessidade de “composições com letras relacionadas à vida cotidiana com ritmos popula-
res brasileiros”. Neste período é composta a poesia Que estou fazendo se sou cristão. Uma can-
ção emblemática, que já expressava a nova postura pastoral e teológica adotada por esse gru-
po.87

80 BARROS, Laan Mendes de. Ibid. p. 121-122


81 BARROS, Laan Mendes de. Ibid. p. 122
82 BARROS, Laan Mendes de. Ibid. p. 121
83 BARROS, Laan Mendes de. A canção de fé no inicio dos anos 70: harmonias e dissonâncias. 1988. 225 f. Disserta-

ção (Mestrado em Ciências da Religião) Curso de Pós-graduação em Ciências da Religião – Universidade Metodista
de São Paulo: São Bernardo do Campo, 1988. p. 125
84 SILVA, Fábio Henrique Pereira. O Novo Canto da Terra: estudos sobre sua contribuição à renovação litúrgico-musical

das igrejas evangélicas. São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo, 2001. p. 24
85 SILVA. Fábio Henrique Pereira. Ibid. p. 24
86 SILVA. Fábio Henrique Pereira. Ibid. p. 24
87 SILVA, Fábio Henrique Pereira. Ibid. p. 19
12

Que estou fazendo se sou cristão Há muita fome no meu país


Se Cristo deu-me o seu perdão Há tanta gente que é infeliz
Há muitos pobres sem lar sem pão Há criancinhas que vão morrer
Há muitas vidas sem salvação Há tantos velhos a padecer

Meu Cristo veio pra nos remir Milhões não sabem como escrever
O homem todo sem dividir Milhões de olhos não sabem ler
Não só a alma do mal salvar Nas trevas vivem sem perceber
Também o corpo ressuscitar Que são escravos de outro ser

Aos poderosos eu vou pregar


A todo homem vou proclamar
Que a injustiça é contra Deus
E a vil miséria insulta aos céus88

As discussões sobre o tema da contextualização da música à realidade social aconteciam


na Faculdade de Teologia da Igreja Metodista. O grupo89 freqüentava a casa da professora Nora
Buyers para trocar entre si textos e músicas de caráter brasileiro para serem utilizadas no culto.90
A princípio não havia a intenção de que esse material fosse publicado, mas atendendo pedidos, o
material foi organizado por Nora Buyers e publicado pela Igreja Metodista com o significativo títu-
lo: A Nova Canção.
As diversas canções presente nesta compilação seguiam uma estética brasileira, a teologia
das músicas, no entanto, era diversa. Entre mensagens de teor ainda pietista, haviam outras de
cunho libertador (13 das 78). 91
Uma segunda edição do cancioneiro, revista e atualizada, foi lançada somente em 1987 –
mais de dez anos depois da 1ª edição – pelo Centro Brasileiro de Estudos Pastorais (CEBEP)92.
Foi um longo período de ausência, marcado pela ascensão dos grupos paraeclesiásticos já estu-
dados nesta pesquisa.93
Com uma estratégia de divulgação inferior a dos grupos paraeclesiásticos, o livro A Nova
Canção ficou em segundo plano na preferência das Igrejas.94 Enquanto Fábio SILVA atribui à
metodologia de “Discipulado Cristão” e ao domínio dos meios de comunicação de massa o suces-

88 Letra: João Dias Araújo, 1967; Música: Décio Lauretti, 1974


89 Jaci Maraschin, Gióia Jr. , Miguel Maiorino, Wolodymir Boruszawski (Volô), Simei de Barros Monteiro, Ophir de Bar-
ros, Umberto Cantoni, Décio Emerique Lauretti, Ângelo Scorza neto, Vicente Russo, Donald Bueno Monteiro, José
Pires, Hope Gordon Silva, Celso Wolf, Aerton Tavares de Azevedo e Carlos Pires.
90 SILVA, Fábio Henrique Pereira. O Novo Canto da Terra: estudos sobre sua contribuição à renovação litúrgico-musical

das igrejas evangélicas. São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo, 2001. p. 20
91 SILVA, Fábio Henrique Pereira. Ibid. p.40-42
92 MONTEIRO, Simei de Barros. O cântico da vida – análise de conceitos fundamentais expressos nos canticos das

Igrejas Evangélicas do Brasil. São Bernardo do Campo. 1991, p.30


93 SILVA, Fábio Henrique Pereira. Ibid. p.22
94 SILVA, Fábio Henrique Pereira. Ibid. p. 25
13

so do VpC sobre o A Nova Canção 95, Magali CUNHA atribui o mesmo sucesso à reprodução do
núcleo da mensagem tradicional do protestantismo brasileiro e o alinhamento aos idéias do Go-
verno Militar. 96
Posteriores a este trabalho seguiram-se o A canção do Senhor na terra brasileira, 1982, por
Jaci Maraschin e Simei Monteiro e o O novo canto da terra, 1987, patrocinado pelo Instituto Angli-
cano de Estudos Teológicos (Iaet) cuja comissão editorial era composta por Jaci Maraschin, Simei
Monteiro, João Takao Shirahata e Marco Antonio Bernardo. Todos esses, segundo Fábio SILVA,
com proposta libertadora mais enfática que o A Nova Canção. 97
Com o intuito de registrar fonográficamente este material, a Igreja Metodista lançou o selo
Liberdade Edições Musicais, que em LP’s, registrou várias canções deste movimento. Dentro do
período que estudamos, destacamos o primeiro LP: O Novo Canto da Terra, gravado pelo Coral
do Morro, da Faculdade de Teologia da IECLB 98. Este seria o “primeiro testemunho fonográfico
que incorpora a música brasileira juntamente com a perspectiva libertadora na busca do novo
canto na terra brasileira”. 99
As demais gravações feitas pelo selo tinham em comum a variedade de denominações no
quadro de compositores (metodistas, presbiterianos, episcopais, católicos romanos, luteranos
entre tantos outros) e a sempre opção por letras cujo conteúdo contivessem a mensagem liberta-
dora – em íntima ligação com a Teologia da Libertação, que nascia e se desenvolvia naquele
período – e com a proposta estética brasileira.

95 SILVA, Fábio Henrique Pereira. O Novo Canto da Terra: estudos sobre sua contribuição à renovação litúrgico-musical
das igrejas evangélicas. São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo, 2001. p.25
96 CUNHA, Magali do Nascimeno. A explosão gospel: um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no

Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X : Mysterium, 2007. p. 80


97 SILVA, Fábio Henrique Pereira. Ibid. p.25 à 47
98 Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil
99 SILVA, Fábio Henrique Pereira. Ibid. p.28
14

Bibliografia

Caros Amigos Especial: o golpe de 64 (Casa Amarela), outubro 2008: 38.

DEBATE Suplemento do Jornal Contexto Pastoral (Cebep/Cedi), maio/junho 1992.

DEBATE Suplemento do Jornal Contexto Pastoral (Cebep/Cedi), maio/junho 1995.

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JAMBEIRO, Othon. Canção de massa: as condições da produção. São Paulo: Pioneira, 1975.

MONTEIRO, Simei F. de Barros. O cântico da vida: análise de conceitos fundamentais


expressos nos cânticos das igrejas evangélicas no Brasil. São Bernardo do campo: Instituto
Ecumênico de Pós-Graduação: Aste, 1991.

RAMOS, Luiz Carlos. Os Corinhos. Uma abordagem pastoral da hinologia preferida dos
protestantes carismáticos brasileiros. São Bernardo do Campo: Instituto Metodista de Ensino
Superior, 1996.

SILVA, Fábio Henrique Pereira da. O Novo canto da terra - Estudos sobre sua contribuição à
renovação litúrgico-musical das igrejas evangélicas. São Bernardo do campo: Universidade
Metodista de São Paulo, 2001.

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