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1
Místico
2
Eu estou acorrentado à noite murmurosa
E não me libertais...
Sou bem melhor que vós, almas cheias de humildade.
Solta ao mundo, a minha alma jamais irá viver convosco.
O terceiro filho
O único caminho
3
Que vinha trazer à carne um novo sentido de prazer
E vinha expulsar o Espírito dos seres e das coisas.
Eu já tinha aparecido.
Mas não.
Eu sei que a Verdade ainda habita minha alma
E a alma que é da Verdade é como a raiz que é da terra.
O caminho fugiu dos olhos do meu corpo
Mas não desapareceu dos olhos do meu espírito
Meu espírito sabe...
4
Introspecção
Inatingível
5
E os pássaros cantarão quando o dia chegar
E eu já hei de estar morto à beira do caminho.
Revolta
Ânsia
6
Mas a boca beijada não respondeu aos gritos.
A carne fugiu
Desapareceu devagar, sombria, indistinta
Mas na boca ficou o beijo morto.
A carne desapareceu na treva
E eu senti que desaparecia na dor
Que eu tinha a dor em mim como tivera a carne
Na violência da posse.
7
Velha história
Purificação
Eu caminhei, Senhor.
Com as mãos espalmadas eu caminhei para a massa de seiva
Eu, Senhor, pobre massa sem seiva
Eu caminhei.
8
Nem senti a derrota tremenda
Do que era mau em mim.
A luz cresceu, cresceu interiormente
E toda me envolveu.
Sacrifício
Ele avançou.
Com o fogo da luta no olhar ele avançou sozinho.
As únicas estrelas que restavam no céu
Desapareceram ofuscadas ao brilho fictício da lua.
O homem sozinho, abandonado na treva
Gritou que a treva é das almas traídas
E que o sacrifício é a luz que redime.
9
Ele avançou.
Sem temer ele olhou a morte que vinha
E viu na morte o sentido da vitória do Espírito.
No horror do choque tremendo
Aberto em feridas o peito
O homem gritou que a traição é da alma covarde
E que o forte que luta é como o raio que fere
E que deixa no espaço o estrondo da sua vinda.
No sangue e na lama
O corpo sem vida tombou.
Mas nos olhos do homem caído
Havia ainda a luz do sacrifício que redime
E no grande Espírito que adejava o mar e o monte
Mil vozes clamavam que a vitória do homem forte tombado na luta
Era o novo Evangelho para o homem da paz que lavra no campo.
A floresta
10
De repente parei. Longe, bem longe
Um ruído indeciso, informe ainda
Vinha às vezes, trazido pelo vento.
Apenas branda aragem perpassava
E pelo azul do céu, nenhuma nuvem.
Que seria? De novo caminhando
Mais distinto escutava o estranho ruído
Como que o ronco baixo e surdo e cavo
De um gigante de lenda adormecido.
11
Sem sentido, sem luz, sem esperança
Sobre o dorso cansado de um cavalo.
Tarde
Rua da amargura
12
A minha rua é a expiação de grandes pecados
De homens ferozes perdendo meninas pequenas
De meninas pequenas levando ventres inchados
De ventres inchados que vão perder meninas pequenas.
É a rua da gata louca que mia buscando os filhinhos nas portas das casas.
Rua da amargura…
Vigília
13
Em todas as minhas vigílias...
Eu sofrerei até o último dia
Porque será meu último dia o último dia da minha mocidade.
O poeta
14
Mormaço
Romanza
15
Ambos levando a tristeza
Dos que andam em busca do sonho.
Eu te seguia e sonhava
Sonhava que te seguia
Esperava ansioso o instante
De defender-te de alguém
Eu ficava. E te seguia
Pelo deserto da praia
Até avistar a casa
Pequena e branca da esquina.
Entravas. Por um momento
16
Uma noite... não passaste.
Esperei-te ansioso, inquieto
Mas não vieste. Por quê?
Suspensão
17
Vazio
Quietação
Eu penso em ti.
Minha boca cicia longamente o teu nome
E eu busco sentir no ar o aroma morno da tua carne.
Vejo-te ainda na visão que te precisou no espaço
18
Ouvindo de olhos dolentes as palavras de amor que eu te dizia
Fora do tempo, fora da vida, na cessação suprema do instante
Ouvindo, junta de mim, a angústia apaixonada da minha voz
Num desfalecimento.
Pelo espaço claro e longo
Vibra a luz branca das estrelas.
Nem uma aragem, tudo parado, tudo silêncio
Tudo imensamente repousado.
E eu cheio de tristeza, sozinho, parado
Pensando em ti.
Olhos mortos
19
A esposa
A que há de vir
20
Ela abandonará filho e esposo
Abandonará o mundo e o prazer do mundo
Abandonará Deus e a Igreja de Deus
E virá a mim me olhando de olhos claros
Se oferecendo à minha posse
Rasgando o véu da nudez sem falso pudor
Cheia de uma pureza luminosa.
Ela é a amada sempre nova do meu coração
Ela ficará me olhando calada
Que ela só crerá em mim
Far-me-á a razão suprema das coisas.
Ela é a amada da minha alma triste
É a que dará o peito casto
Onde os meus lábios pousados viverão a vida do seu coração
Ela é a minha poesia e a minha mocidade
É a mulher que se guardou para o amado de sua alma
Que ela sentia vir porque ia ser dela e ela dele.
Carne
21
Desde sempre
A uma mulher
22
Vinte anos
A minha juventude...
Onde eu seguia ansioso Tartarin pelos Alpes
E Júlio Verne foi o mais audaz de todos os cérebros...
Onde Mr. Pickwick era a alegria das noites de frio
E Athos o mais perfeito de todos os homens...
A minha juventude
Onde Cervantes não era o filósofo de D. Quixote...
A minha juventude
E a noite passada em claro chorando Jean Valjean que Victor Hugo matara…
Como vai longe tudo!
Pesa-me como uma sufocação meus próximos vinte anos
E esta experiência das coisas que aumenta a cada dia.
Medo de ser jovem agora e ser ridículo
Medo da morte futura que a minha juventude desprezava
Medo de tudo, medo de mim próprio
Do tédio das vigílias e do tédio dos dias…
Virá para mim uma velhice como vem para os outros
Que me dissecará na experiência?
23
Velhice
Fim
24
Será que eu cheguei ao fim de todos os caminhos...
Ao fim de todos os caminhos?
Extensão
Minha mãe
25
Do meu ser que não quer e que não pode
Dá-me um beijo na fronte dolorida
Que ela arde de febre, minha mãe.
Solidão
26
Os inconsoláveis
27
O bom pastor
E amo voltar
Quando tudo não é mais que uma saudade
Do momento suspenso que foi...
Amo voltar quando a noite palpita
Nas primeiras estrelas claras...
Amo vir com a aragem que começa a descer das montanhas
Trazendo cheiros agrestes de selva...
E pelos caminhos já percorridos, voltando com a noite
Amo sonhar...
Sonoridade
28
Na escuta meus olhos se fecham, meus lábios se oprimem
Tudo em mim é o instante de percepção de todas as vibrações.
Pela reta invisível os galos são vigilantes que gritam sossego
Mais forte, mais fraco, mais brando, mais longe, sumindo
Voltando, mais longe, mais brando, mais fraco, mais forte.
Batidos distantes de passos caminham no escuro sem almas
Amantes que voltam...
A noite dorme.
O poeta na madrugada
29
O poeta quando ama
É como a flor que murcha sem seiva
Porque o amor do poeta
É a seiva do mundo
E se o poeta amasse
Ele não viveria eternamente jovem, brilhando na luz.
Judeu errante
30
O vale do paraíso
A grande voz
31
Dize-lhes, Senhor, que és o Deus da Justiça e não da covardia
Dize-lhes que o espírito é da luta e não do crime.
32
Ressuscitou Sodoma.
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