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CURSO DE DIREITO

DIREITO PENAL III


PROFESSOR: GECIVALDO VASCONCELOS
AULA: LESÕES CORPORAIS

1. COMENTÁRIO INTRODUTÓRIO
A regulação referente à proteção da integridade corporal do ser
humano vem, na Parte Especial do CP, logo após os tipos que protegem a
vida; demonstrando com isso a importância do bem jurídico tutelado pelo art.
129 do Diploma Repressivo.
Da doutrina de Nucci (2006, p. 559) colhe-se que lesão corporal:

[...] trata-se de uma ofensa física voltada à integridade ou


à saúde do corpo humano. Não se enquadra neste tipo
penal qualquer ofensa moral. Para a configuração do tipo
é preciso que a vítima sofra algum dano ao seu corpo,
alterando-se interna ou externamente, podendo, ainda,
abranger qualquer modificação prejudicial à saúde,
transfigurando-se qualquer função orgânica ou causando-
lhe abalos psíquicos comprometedores. Não é
indispensável a emanação de sangue ou a existência de
qualquer tipo de dor.

Considera-se também haver o crime em estudo quando a


ofensa à integridade corporal ou à saúde da vítima, mesmo que não tenha sido
provocada originariamente pelo agente, foi por sua ação agravada.
As lesões corporais podem ser sistematicamente divididas
levando-se em consideração os seguintes critérios[1]:
a) elemento subjetivo: dolosa simples (art. 129, caput); dolosa
qualificada (art. 129, §§1º, 2º, 3º e 9º); dolosa privilegiada (art. 129, § 4º); e
culposa (art. 129, §6º);
b) intensidade da lesão: leve (art. 129, caput); grave (art. 129,
§1º); gravíssima (art. 129, §2º); e seguida de morte (art. 129, §3º).

2. OBJETO JURÍDICO
É a integridade física ou psíquica do ser humano[2].
Ressalta Luiz Regis Prado (2008, v. 2, p. 129) que no art. 129,
§9º, “(...) protege-se ainda o respeito devido à pessoa no âmbito familiar”.
De nossa parte preferimos entender que o bem jurídico protegido
na lesão corporal, em qualquer de suas formas, é somente a incolumidade da
pessoa humana (mesmo que ainda em formação); considerando-se que o art.
129, §9º, corporifica apenas um tipo derivado que traz uma circunstância
qualificadora, não interferindo no bem jurídico protegido. Se desse jeito não
fosse, teríamos que encontrar, em cada qualificadora, um bem jurídico
adicional àquele tutelado pelo tipo básico.

3. OBJETO MATERIAL
É a pessoa humana, mesmo que ainda em vida intra-uterina.
Aqui cabe uma digressão.
A doutrina tradicional diz que o objeto material (e também sujeito
passivo) no crime de lesões corporais somente pode ser o homem vivo, a partir
do início do parto. Não haveria, por essa linha, proteção à integridade física do
ser humano enquanto ainda está em formação no útero materno. Rogério
Greco (2009, v.II, pp. 270-271), contudo, na esteira de Ney Moura Teles afirma
que “(...) a proteção mediante o art. 129 do Código Penal tem início a partir do
momento em que surge uma nova vida carregada dentro do útero materno, o
que ocorre com a nidação (...)”. Entende, portanto, ser possível a lesão
corporal praticada em detrimento do nascituro.
A questão ganha relevância a partir do momento em que
detectamos ser possível alguém, com sua conduta (dolosa ou culposa),
provocar apenas lesão ao nascituro, sem ter intenção e sem assumir o risco de
matá-lo, não causando também com seu comportamento lesão corporal à
gestante. Nesse caso, tal pessoa não responderá por qualquer crime se não
admitirmos que o ser humano em formação possa ser sujeito passivo do delito
previsto no art. 129 do CP.
Por outro lado, uma vez admitido o entendimento que o ser
humano em formação (ainda no útero materno) pode ser sujeito passivo do
crime de lesões corporais, resta ainda resolver a seguinte questão: quando tal
crime se consuma, e como se pode viabilizar a prova da sua materialidade
(existência)?
A consumação do crime de lesões corporais se dá, em regra, com
a efetiva produção da lesão. Nesse passo, entendemos que a eventual lesão
corporal ao nascituro, acaso admitida, não pode fugir a essa regra. Difícil será,
contudo, na maioria das vezes, determinar o momento em que ocorre a
“produção” dessa lesão (e a extensão dela), considerando estar o nascituro na
barriga da mãe no momento da agressão, não tendo como se fazer um exame
de corpo de delito convencional no mesmo.
Desse modo, pensamos que, para comprovar a ocorrência da
lesão e sua extensão, devem-se tomar providências de acordo com o caso
concreto em que ela for praticada.
Se alguém, por exemplo, pega um objeto cortante (sem intenção de matar, e
sem mesmo que seja possível matar pelo meio empregado – isso para afastar
eventual alegação de tentativa de aborto); e fere o nascituro ainda na barriga
da mãe (para coletar material genético ilicitamente, por exemplo), parece-nos
viável fazer um exame de imediato para comprovar a agressão ao feto.
Se, no entanto, um médico, também exemplificativamente,
ministra culposamente uma substância à grávida que causa má formação do
feto (mas que também não é passível de causar a morte do mesmo); sendo
ainda, que a mesma em nada agride a integridade corporal da mãe, e somente
venha a ser conhecida a lesão depois do nascimento da criança, entendemos
que somente então, como é óbvio, poder-se-á fazer um exame para detectar a
ocorrência da lesão corporal, ocasião em que os peritos deverão se esforçar
para estabelecer a época em que o delito se consumou (ou seja, quando o
remédio agiu produzindo alterações mórbidas no organismo da vítima).
Depende, portanto, do caso concreto, mas sempre terá que se definir a
consumação do crime como sendo no momento em que a lesão foi produzida.
Sendo o delito em evidência um crime material, a consumação se dá no
momento em que há a modificação no mundo exterior (ou seja, no momento da
produção do resultado naturalístico).
4. SUJEITO ATIVO
Trata-se de crime comum, de modo que qualquer pessoa pode
praticar o delito em estudo.
Não pode, contudo, figurar como sujeito ativo a própria vítima,
considerando a impossibilidade de punição da autolesão, isoladamente
considerada.
Falamos “isoladamente considerada”, pois se a autolesão servir
como meio para cometimento de outro crime, poderá haver, de certo modo,
punição pela conduta. É o caso, por exemplo, daquele que se autolesiona
intencionalmente para receber seguro, incorrendo por tal razão no crime
previsto no art. 171, §2º, V, do CP (fraude para recebimento de indenização ou
valor de seguro), em sua forma tentada (se não conseguir auferir a vantagem
indevida) ou consumada (se conseguir auferir a vantagem ilícita almejada).
Rogério Sanchez Cunha cita (2008, v. 3, p. 44), ainda, casos em
que a autolesão pode redundar em punição, porém para uma terceira pessoa:

A lei penal considera irrelevante a autolesão. Contudo,


destaca Cezar Roberto Bitencourt que, se um
inimputável, menor, ébrio ou por qualquer razão incapaz
de entender ou de querer, por determinação de outrem,
praticar em si mesmo uma lesão, quem o conduziu à
autolesão responderá pelo crime, na condição de autor
mediato. Algo semelhante, embora com fundamento
diferente, ocorre quando alguém, agredido por outrem,
para defender-se, acaba se ferindo. A causa do ferimento
foi a ação do agressor; logo, deverá responder pelo
resultado lesivo.

Outra ressalva é feita por Prado (2008, v. 2, p. 129), defendendo


este que no caso do art. 129, §9º, primeira parte, exige-se sujeito ativo
especial, conforme segue:

Entretanto, figura como sujeito ativo no artigo 129, §9º,


do Código Penal, apenas o ascendente, descendente,
irmão, cônjuge ou companheiro da vítima ou aquele que
tenha com ela relações domésticas, de coabitação ou de
hospitalidade. Trata-se de delito de resultado e especial
próprio, na primeira parte do dispositivo (ascendente,
descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com
quem conviva ou tenha convivido), visto que o tipo de
injusto exige uma qualidade específica do agente,
relacionada pessoalmente com a vítima. Todavia, no que
toca à segunda parte do dispositivo (relações
domésticas, de coabitação e de hospitalidade) pode ser
sujeito ativo qualquer pessoa (delito comum).

5. SUJEITO PASSIVO
Sujeito passivo do crime de lesão corporal é, em regra,
qualquer pessoa viva. Nas hipóteses dos art. 129, §§ 1º, IV, e 2º, V, a vítima
deve ser mulher grávida. Na figura descrita no art. 129, §9º, exige-se também
sujeito passivo próprio.
Nesse passo as lições de Greco (2009, v.II, p 271):

No que diz respeito ao sujeito passivo, à exceção do


inciso IV do §1º e do inciso V do §2º do art.129, que
prevêem, respectivamente, como resultado qualificador
das lesões corporais a aceleração de parto e o aborto,
bem como do §9º, que prevê também a modalidade
qualificada relativa à violência doméstica, qualquer
pessoa pode assumir essa posição.
Nas exceções apontadas – aceleração de parto e aborto
-, somente a gestante pode ser considerada sujeito
passivo, bem como aquele que seja ascendente,
descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com
quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, quando se
prevalece o agente das relações domésticas, de
coabitação ou de hospitalidade, sendo os crimes, nesses
casos, entendidos como próprios com relação ao sujeito
passivo, pois que os tipos penais os identificam.

6. TIPO OBJETIVO
O tipo básico do crime de lesão corporal está assim escrito:
“Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena –
detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano”.
Levando em consideração a intensidade da lesão, o art. 129, caput, alberga a
chamada lesão corporal leve. O raciocínio é por exclusão: se a lesão não for
grave ou gravíssima, nem resultar em morte, certamente será leve[3]. Deve-se
atentar, contudo, que mesmo a lesão sendo leve poderá ser considerada
qualificada se as circunstâncias se adequarem ao previsto no art. 129, §9º,
ocasião em que deve ser considerada (para fins de imputação) a pena em
abstrato prevista no parágrafo evidenciado.
O núcleo do tipo transcrito ao norte é “ofender”, que significa
lesar, agredir, etc. A ofensa insignificante, contudo, não leva à configuração do
delito em deslinde. Nesse ponto bem frisa Prado (2008, v.2, p. 132): “É cediço
que não constitui lesão ofensa insignificante ao corpo ou à saúde (beliscão,
empurrão etc.), ainda que possível a configuração, in casu, da contravenção
penal de vias de fato (art. 21, LCP)”.
Para o tipo se aperfeiçoar a ofensa deve ser em relação à
integridade corporal ou à saúde de outrem.
Entende-se como ofendida a integridade corporal quando há
“[...] alteração anatômica, interna ou externa, do corpo humano, geralmente
produzida por violência física ou mecânica; por exemplo: produzir ferimentos
no corpo, amputar membros, furar os olhos etc., não se exigindo, porém, o
derramamento de sangue” (CAPEZ, 2006, v. 2, p. 130).
A saúde “[…] diz respeito ao equilíbrio funcional do organismo,
cuja lesão normalmente não produz alteração anatômica, ou seja, dano, mas
apenas perturbação de sua normalidade funcional que produz ofensa à saúde;
por exemplo: ingerir substância que altere o funcionamento normal do
organismo. A saúde mental diz respeito à perturbação de ordem psíquica (p.
ex., choque nervoso decorrente de um susto, estado de inconsciência,
insanidade mental). Ressalve-se que a dor não integra o conceito de lesão
corporal, até porque a sua análise é de índole estritamente subjetiva” (CAPEZ,
2006, v. 2, p. 130).
Segundo bem alerta Prado (2008, v. 2, p. 132), não é tarefa fácil
estabelecer uma clara distinção entre ofensa à integridade corporal e alteração
da saúde, até mesmo porque é comum que as duas coisas aconteçam
simultaneamente. É certo, contudo, que havendo qualquer desses eventos
restará configurado, em tese, o delito de lesão corporal. Daí citado autor
elaborar a seguinte conclusão (ibidem, p. 132): “Em síntese, a lesão corporal
pode ser definida como a alteração prejudicial – anatômica ou funcional, física
ou psíquica, local ou generalizada – produzida, por qualquer meio, no
organismo alheio”.

7. TIPO SUBJETIVO
A lesão corporal é punida a título de dolo, culpa e preterdolo
(CUNHA, 2008, v. 3, p. 45).
As modalidades previstas no art. 129, caput e § 9º, somente
podem ser punidas a título de dolo.
As modalidades previstas nos §§ 1º, II e IV; 2º, V; e 3º são
necessariamente preterdolosas, ou seja, exigem dolo no antecedente (lesão
corporal) e culpa no conseqüente (resultado agravador). Os resultados
previstos nos demais incisos dos §§ 1º e 2º podem ser punidos tanto a título de
dolo como a título de culpa (CAPEZ, 2006, v. 2, p. 139); ou seja, em tais casos
deve haver dolo no antecedente (lesão corporal) e dolo ou culpa no
consequente (resultado agravador).
A lesão corporal culposa está regulada no § 6º do art. 129 do
CP.

8. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
Tratando-se de crime material, consuma-se o delito em estudo
no momento em que se produz a efetiva lesão à integridade corporal ou à
saúde da vítima.
Ensina Capez (2006, v. 2, p. 135), ainda, que: “Estamos diante
de um crime instantâneo, de modo que pouco importa para a sua consumação
o tempo de duração da lesão. Tal aspecto, ou seja, a análise da permanência
da lesão ou sua duração prolongada, importa apenas para a incidência das
qualificadoras [...]”.
A tentativa é possível nas modalidades dolosas. Poderá haver,
contudo, em alguns casos a dificuldade de provar a extensão da lesão
pretendida (se leve, grave ou gravíssima); considerando ter sido ela apenas
tentada. De outro modo, haverá situações em que restará clara a intenção do
agente de praticar uma lesão grave ou gravíssima, devendo responder pela
tentativa destas. Havendo dúvida no caso concreto de tentativa, deverá o
sujeito ativo responder apenas por lesão leve tentada.
A tentativa não será possível quando a lesão corporal for
culposa.
Nas modalidades qualificadas pelo resultado, a tentativa é
possível somente quando, em caso de consumação do delito, o resultado
agravador pudesse ser imputado a título de dolo (vide tópico 7); ou seja,
visualizando o caso concreto o intérprete percebe que o resultado agravador
era claramente pretendido pelo agente (ou, pelo menos, que este assumiu o
risco de produzi-lo, para aqueles que admitem tentativa no dolo eventual),
apenas não sobrevindo por razões alheias à sua vontade.
Nesse sentido as lições de Rogério Greco (2009, v. II, p. 294):

No que diz respeito à tentativa, ela será perfeitamente


admissível na hipótese de lesão corporal de natureza
leve.
Sendo graves ou gravíssimas as lesões, somente se
admitirá a tentativa nos casos em que o delito não for
classificado como preterdoloso.

9. FORMAS QUALIFICADAS
Os parágrafos 1º, 2º, 3º e 9º do art. 129 trazem modalidades
qualificadas de lesão corporal.
Nos parágrafos 1º, 2º e 3º temos formas qualificadas pelo
resultado agravador. No parágrafo 9º o que qualifica o delito é a presença da
violência doméstica.

9.1. Lesões corporais de natureza grave (art. 129, § 1º, do CP)


Lesões corporais graves são aquelas previstas no art. 129, § 1º,
do CP. Ocorrem quando a lesão resulta à vítima: “I – incapacidade para as
ocupações habituais, por mais de 30 (trinta) dias; II – perigo de vida; III –
debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV – aceleração de
parto”.

• Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 (trinta)


dias
Nesse caso a lesão provocada pelo agente é de tal gravidade
que deixa a vítima incapacitada, física ou mentalmente, por mais de trinta dias
para as suas ocupações habituais.
Esse resultado agravador pode sobrevir tanto a título de dolo
quanto a título de culpa do agressor.
Explica Rogério Sanches Cunha (2008, v. 3, p. 46) que:

Entende-se por ocupação habitual qualquer atividade


corporal costumeira, tradicional, não necessariamente
ligada a trabalho ou ocupação lucrativa, devendo ser
lícita, não importando se moral ou imoral, podendo ser
intelectual, econômica, esportiva etc. Desse modo,
mesmo um bebê pode ser sujeito passivo desta espécie
de lesão, vez que tem de estar confortável para dormir,
mamar, tomar banho, ter suas vestes trocadas etc.

Se a vítima ficar incapacitada para atividade que executava


esporadicamente ou se deixar de realizar alguma atividade habitual por motivo
outro que não seja a incapacidade (por exemplo: vítima que deixa de ir às
aulas exclusivamente por vergonha de uma cicatriz remanescente da lesão),
não há que se reconhecer a qualificadora em deslinde.
A incapacidade deverá, em regra, ser comprovada por exame médico
complementar após decorridos os trinta dias após a lesão (prazo contado na
forma do art. 10 do CP), conforme previsto no art. 168, § 2º, do CPP; somente
podendo referido exame ser suprido por prova testemunhal se não for possível
sua realização.
Antes do decurso dos trinta dias não podem os peritos concluir
pela presença da qualificadora em estudo, eis que não podem fazer
prognósticos (prevendo o que acontecerá com a vítima), mas somente
diagnósticos (GRECO, 2009, v. II, p. 275). Esse exame também não pode ser
feito de forma tardia, ou seja, muito tempo depois de decorridos os trinta dias
(CAPEZ, 2006, v. 2, p. 141).
O período de incapacidade não se confunde com a duração da
lesão, podendo esta desaparecer e a vítima continuar incapaz ou vice-versa.

• Perigo de vida
Nesse caso deve haver, necessariamente, dolo no antecedente
(lesão corporal) e culpa no conseqüente (perigo de vida). Trata-se, portanto, de
delito preterdoloso. Isto porque se houver a intenção ou mesmo o agente
assumir o risco de matar (ou seja, quer submeter a vítima a perigo de vida),
não sobrevindo este resultado por razões alheias à sua vontade, vindo a vítima
apenas a correr perigo de morrer, a hipótese será de tentativa de homicídio.
O perigo de vida deve ser concretamente constatado e não
apenas presumido. Daí a necessidade premente de exame pericial detalhado.
A simples constatação de que a lesão foi em determinada região do corpo não
autoriza, por si só, a conclusão de que houve o perigo de vida.

• Debilidade permanente de membro, sentido ou função


Explica com precisão Luiz Regis Prado (2008, v. 2, p. 136) que:

Debilidade é o enfraquecimento, a redução ou a


diminuição da capacidade funcional. Membros são os
quatro apêndices do tronco, abrangendo os membros
superiores (braço, antebraço, mão) e inferiores (coxa,
perna, pé). Sentidos são as faculdades perceptivas do
mundo exterior (olfato, audição, visão, tato e paladar).
Função é a atuação específica ou própria desempenhada
por cada órgão, aparelho ou sistema (v.g., função
digestiva, respiratória, secretora, reprodutora,
circulatória, locomotora, sensitiva).

Exige o dispositivo que a debilidade seja permanente


(duradoura), que não se confunde com perpétua. Assim, a qualificadora estará
presente ainda que a debilidade seja passível de correção por meio de cirurgia
ou uso de prótese.
Ressalta CUNHA (2008, v. 3, p. 47) a seguinte polêmica:

Questão que tem gerado polêmica é a perda dos dentes,


lecionando a maioria que a solução deve ser buscada
através da perícia, meio seguro e capaz de determinar,
com base no caso concreto, se a perda de um ou outro
dente causou redução ou enfraquecimento do órgão da
mastigação.

No caso de órgãos duplos (olhos, rins, pulmões etc.), a perda de


um deles acarreta o reconhecimento de lesão corporal grave.
Nesse sentido o magistério de Capez (2006, v. 2, p. 143):

Quando se tratar de membro ou órgão duplo, a


supressão de um deles debilita a função, ou seja, há
apenas a diminuição funcional do organismo, pois
estando o outro órgão íntegro, não há que se falar em
abolição da função. Este, inclusive, é o posicionamento
adotado pela jurisprudência. Assim, caso haja a
supressão de um olho ou rim, haverá lesão grave. Se
houver a supressão de ambos, estará caracterizada a
perda, e, portanto, lesão gravíssima, conforme o § 2º, III,
do art. 129 do CP. Aplica-se o mesmo raciocínio quando
se tratar de testículo, ovário etc.
[…]
Por fim, a inutilização de um dedo, consoante
jurisprudência majoritária, acarreta a debilidade
permanente do membro, portanto lesão corporal grave.

O resultado agravador pode sobrevir tanto por dolo quanto por


culpa do agente.

• Aceleração de parto
Nesse caso, por conta das lesões corporais a vítima gestante
tem seu parto antecipado. Explica Prado (2008, v. 2, p. 137) que “aceleração
de parto (inciso IV): consiste na expulsão do feto antes do término da gestação
(parto prematuro), ou mesmo no tempo normal, mas desde que em
decorrência do trauma físico ou moral sofrido”.
Se a criança falecer antes de ser expulsa do útero materno ou
após, mas em decorrência da agressão sofrida pela mãe, o caso será de lesão
corporal seguida de aborto, tipificada no art. 129, §2º, V, do CP[4].
A aceleração de parto, como qualificadora do crime de lesão
corporal, somente pode sobrevir a título de culpa, segundo pensamos, apesar
de parte da doutrina defender que pode também sobrevir referido resultado a
título de dolo do agente[5].
Sustentamos nossa posição nos argumentos de Rogério Greco
(2009, v. II, p. 279-280), que pedimos vênia para transcrever a seguir:

Prima facie, a qualificadora da aceleração de parto


somente pode ser atribuída ao agente a título de culpa,
sendo a infração penal, ou seja, a lesão corporal
qualificada pela aceleração de parto, de natureza
preterdolosa.
Se o agente atuava no sentido de interromper a gravidez
com a consequente expulsão do feto, o seu dolo era o de
aborto, e não o de lesão corporal qualificada pela
aceleração de parto.
Se o feto sobrevive, mesmo após o comportamento do
agente dirigido finalisticamente à interrupção da gravidez,
com a sua consequente expulsão, deverá ser
responsabilizado pela tentativa de aborto.

Por fim, cabe lembrar que todas as qualificadoras contidas no §


1º do art. 129 são de natureza objetiva, de modo que se comunicam entre os
agentes no caso de concurso de pessoas (interpretação do art. 30 do CP).

9.2. Lesões corporais de natureza gravíssima (art. 129, § 2º, do CP)


Apesar do CP não dizer que as lesões descritas no art. 129, §
2º, do CP, são gravíssimas, a doutrina consagrou esse entendimento para
diferenciá-las das lesões previstas no § 1º do mesmo artigo, para quais se
atribui pena menos gravosa.
As lesões gravíssimas ocorrem quando a ação do agente
resulta à vítima: “I – incapacidade permanente para o trabalho; II –
enfermidade incurável; III – perda ou inutilização de membro, sentido ou
função; IV – deformidade permanente; V – aborto”.

• Incapacidade permanente para o trabalho


Pode ser produzido este resultado agravador tanto dolosa
quanto culposamente.
Está presente a qualificadora em desate quando, em
decorrência das lesões sofridas, sobrevém à vítima incapacidade duradoura
para o trabalho. Não é necessário que a incapacidade seja perpétua, bastando
que seja séria o bastante que não permita uma previsão de tempo para
recuperação[6].
Discute-se se a incapacidade deve ser para o trabalho que a
vítima exercia ou para qualquer trabalho. Daí Rogério Sanches Cunha (2008, v.
3, p. 48) ponderar:

Tal incapacidade deve ser para o exercício de qualquer


espécie de trabalho.
[…]
Há, entretanto, entendimento minoritário no sentido de
que bastaria a incapacitação para ocupação
anteriormente exercida pela vítima, pois, caso contrário,
o instituto perderia quase que totalmente sua aplicação
prática. É a posição mais justa.

• Enfermidade incurável
Enfermidade incurável é aquela para qual ainda não há cura. No
dizer de Capez (2006, v. 2, p. 145): “É a doença (do corpo ou da mente) que a
ciência médica ainda não conseguiu conter nem sanar; a moléstia que evolui a
despeito do esforço técnico para debelá-la”.
Não se faz necessário atestar a certeza da incurabilidade,
bastando a séria probabilidade de inocorrência de cura atestada por laudo
pericial (PRADO, 2008, v. 2, p. 138).
Caso seja possível a cura da doença mediante a realização de
procedimentos com sérios riscos à vítima, extremamente dolorosos ou
experimentais, mesmo assim incidirá a qualificadora; visto que a vítima não
está obrigada a se submeter a incertezas ou grave sofrimento para se curar.
Em regra, o resultado agravador em epígrafe pode ser imputado
ao agente tanto a título de culpa quanto de dolo.
Vale lembrar que enfermidade incurável não significa,
necessariamente, que levará a vítima à morte, pois há muitas doenças que são
perfeitamente controláveis com medicação apesar da medicina não dispor de
meios para curá-las.
No caso de doença que leve, necessariamente, à morte, como é
o caso da AIDS, se o sujeito transmitir voluntariamente deverá responder por
homicídio (que se consumará com a morte da vítima) e não por lesão
corporal[7].

• Perda ou inutilização de membro, sentido ou função


Explica Nucci (2006, p. 564):

Perda implica em destruição ou privação de algum


membro (ex.: corte de um braço), sentido (ex.:
aniquilamento dos olhos) ou função (ex.: ablação da
bolsa escrotal, impedindo a função reprodutora);
inutilização quer dizer falta de utilidade, ainda que
fisicamente esteja presente o membro ou o órgão
humano. Assim, inutilizar um membro seria a perda de
movimento da mão ou a impotência para o coito, embora
sem remoção do órgão sexual.

Esse resultado agravador pode ser imputado ao agente a título


de dolo ou culpa.
Vale lembrar que no caso de órgãos duplos (olhos e ouvidos,
por exemplo), se a vítima tem inutilizado um deles, o caso será de debilidade
(responderá o agente, nesse caso, pela qualificadora prevista no art. 129, § 1º,
III); se os dois forem inutilizados (a vítima fica totalmente surda ou totalmente
cega, por exemplo), o caso será de perda ou inutilização, acarretando a
incidência do art. 129, § 2º, III (lesão gravíssima, portanto).
No tocante aos membros, exemplifica Prado (2008, v. 2, p. 138):

Assim, por exemplo, se o ofendido perde um dos dedos


de suas mãos, caracterizada estará a debilidade
permanente (art. 129, §1º, III, CP), mas se lhe é extraído
o braço (ou a mão) – ou se, embora presente, está
inteiramente privado de sua função – há a perda ou
inutilização de membro, respectivamente, respondendo o
agente pela lesão gravíssima em estudo.

• Deformidade permanente
Está presente esta qualificadora quando a lesão provoca na
vítima prejuízo estético significante, irreparável (não necessitando que seja
perpétuo), visível e que cause impressão vexatória. É o caso, por exemplo, de
uma grave cicatriz que deforme o rosto.
Registre-se, por oportuno, que lesões em quaisquer outras
partes do corpo (não somente no rosto) também conduzem à caracterização da
qualificadora, desde que atendidos os requisitos já mencionados.
Mesmo sendo possível a reparação da deformidade através de procedimento
cirúrgico, não se pode exigir que a vítima se submeta a ele. Contudo, se o fizer,
obtendo sucesso na reparação da lesão, a qualificadora não pode ser imputada
ao agressor (CUNHA, 2008, v. 3, p. 49).
Também ensina Luiz Regis Prado (2008, v. 2, p. 139) que: “Não
se desfigura a permanência da deformidade quando possível a dissimulação
através de certos artifícios (v.g., prótese, barba, peruca, maquiagem)”.
Segundo Rogério Greco (2009, v. III, pp. 283-284), a exigência
de a deformidade ser visível (ou aparente), não significa que deva a mesma ser
passível de visualização por um número indeterminado de pessoas; pois pode
ocorrer da mesma, em algumas situações, ser percebida somente por um
número limitado de pessoas, como é o caso, por exemplo, de lesões em partes
íntimas do corpo da vítima. Menciona citado autor que há, contudo, posição
doutrinária em contrário, defendendo que a deformidade deve ser aparente de
tal modo que cause constrangimento perante a sociedade.
Ressalta grande parte da doutrina que devem ser consideradas
as condições pessoais da vítima no sentido de averiguar se a deformidade
causa impressão vexatória, condição necessária para que a qualificadora se
aperfeiçoe; argumentando-se que o prejuízo estético de uma cicatriz no rosto
de uma jovem e bela mulher não é o mesmo que provoca igual lesão no rosto
de um idoso, já com o rosto marcado pelos traços do tempo[8]. Nucci (2006, p.
567), porém, critica esse entendimento, conforme segue:

Chega-se a levantar, como critério de verificação desta


qualificadora, o sexo da vítima, sua condição social, sua
profissão, seu modo de vida, entre outros fatores
extremamente subjetivos, por vezes nitidamente
discriminatórios e sem adequação típica. Uma cicatriz no
rosto de uma atriz famosa seria mais relevante do que a
mesma lesão produzida numa trabalhadora rural?

As considerações do autor supratranscrito estão de acordo com


uma tendência moderna de se considerar o sofrimento da vítima como fator
importante para aferição da presença da deformidade relevante, segundo
preceituam Mirabete e Fabbrini (2008, v. 2, p. 85):
A tendência moderna é a de cada vez menos pensar-se em termos de pura estética pessoal,
para se tomar em crescente apreço, compreensivamente, o prejuízo da vítima em suas funções
sociais: diminuição do decoro ou respeitabilidade, redução no prestígio, na capacidade de
ganho, na de inspirar simpatia ou de atrair sexualmente. Caracterizam a gravidade das lesões
as marcas que causam desgosto a seu portador [...].

Por fim, esclareça-se que incide na qualificadora em deslinde


tanto aquele que age com dolo em relação à sua causação quanto com culpa.

• Aborto
A lesão corporal seguida de aborto é um crime eminentemente
preterdoloso; ou seja, exige o dolo no antecedente (lesão corporal) e culpa no
consequente (aborto). Isto porque se o agente lesionar a gestante
dolosamente; e também com a intenção de matar o nascituro que ela carrega
no ventre (ou mesmo assumindo o risco de produzir a interrupção da gravidez)
o caso será de concurso formal impróprio de lesão corporal com o crime de
aborto (tentado ou consumado)[9].
Importante frisar que, se a gravidez foi interrompida
culposamente por conta das lesões corporais dolosas praticadas contra a
gestante, mesmo que a criança nascida venha a morrer somente após o parto
(mas em decorrência do nascimento prematuro) o caso será de lesão corporal
qualificada pelo aborto. Nesse sentido as lições de Fernando Capez (2006, v.
2, p. 147): “Lembre-se que se em decorrência das lesões a criança nascer
prematuramente com vida, vindo a morrer posteriormente, estaremos diante de
uma hipótese de lesão corporal qualificada pelo aborto”.
Para que a qualificadora em estudo se aperfeiçoe é necessário
que o agente tenha conhecimento do estado de gravidez da vítima.
Entendemos, não obstante, também seja possível a imputação ao agressor
quando sua ignorância sobre a gestação seja inescusável (indesculpável)[10].
Necessário lembrar, ainda, que há a possibilidade da lesão
corporal sofrida pela gestante funcionar apenas como majorante do crime de
aborto, segundo bem explicado por Luiz Regis Prado (2008, v. 2, p. 139):

Urge distinguir o delito previsto no artigo 129, § 2º, V,


daquele acostado no artigo 127, do Código Penal. No
primeiro, o agente, dolosamente, ofende a integridade
pessoal da vítima, provocando o aborto (culposo); no
segundo, o autor provoca aborto na gestante e, em
consequência, deste ou dos meios empregados para
realizá-lo, a mulher sofre lesão corporal de natureza
grave (culposa).

9.3. Lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º, do CP)


Assim prevê o dispositivo em evidência, qualificando a lesão
corporal quando esta provoca a morte da vítima:

§ 3º. Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o


agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-
lo.
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.

Aqui se trata de morte causada culposamente, quando a


intenção do agente era apenas lesionar a vítima. Deve haver dolo no
antecedente (lesão corporal) e culpa no consequente (morte). A hipótese é,
portanto, de um crime eminentemente preterdoloso.
É óbvio que o indivíduo que tem intenção de matar, para
conseguir materializar seu intento terá que lesionar a vítima. Nesse caso, se
lesionar para provocar a morte, responderá apenas por homicídio, tentado ou
consumado, conforme sobrevir ou não o resultado pretendido.
Desse modo, a qualificadora em desate vai incidir somente
quando a intenção do agente é apenas lesionar; mas, culposamente, acaba
provocando a morte da vítima.
Alerta Rogério Sanches Cunha (2008, v. 3, p. 50) que: “O caso
fortuito, ou a imprevisibilidade do resultado, elimina a configuração do crime
preterdoloso, responde o agente apenas pelas lesões corporais”.
Tal ponderação apenas reforça a ideia de que o agressor deve
agir com culpa em relação ao resultado agravador. E isso implica que haja
previsibilidade (mesmo que apenas objetiva; ou seja, resultado que poderia ser
previsto pelo senso comum, apesar de não ter sido previsto no caso concreto
pelo agente – culpa inconsciente). Esse resultado, ainda, deve possuir nexo de
causalidade com a conduta do agente.
Alerta Prado (2008, v. 2, p. 140) que para a configuração do
crime de lesão corporal seguida de morte o resultado agravador (morte) deve
ter sido provocado por lesão corporal dolosa. De modo que, se culposa a lesão
ou se o falecimento é provocado por vias de fato (art. 21 da LCP), deve o
agente responder apenas por homicídio culposo (art. 121, § 3º, do CP). Por
exemplo: “o indivíduo desfere uma bofetada no rosto da vítima, que perde o
equilíbrio, vindo a bater a cabeça em uma pedra, sobrevindo, posteriormente, a
sua morte. Há, na espécie, um delito culposo de homicídio que decorreu da
prática de uma contravenção penal (LCP, art. 21)” (CAPEZ, 2006, v. 2, p. 148).

9.4. Lesão corporal praticada no contexto de violência doméstica


O § 9º do art. 129 do CP apresenta-nos o seguinte texto:

§ 9º. Se a lesão for praticada contra ascendente,


descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com
quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda,
prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de
coabitação ou de hospitalidade:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

A presente qualificadora deve incidir, portanto, quando houver


pelo menos uma (não são cumulativas) das seguintes situações: a) for a lesão
praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro; b)
for a lesão praticada contra pessoa com quem o agente conviva ou tenha
convivido; c) prevaleça-se o agente de relações domésticas, de coabitação ou
de hospitalidade pra praticar a lesão.
De pronto, se esclareça que esta qualificadora somente vai
incidir em se tratando de lesão corporal dolosa leve. Isto porque se a lesão for
culposa, incidirá o artigo 129, § 6º; e se for grave ou gravíssima, ou ainda,
seguida de morte, aplicar-se-ão os §§ 1º, 2º ou 3º, conforme o caso[11].
O dispositivo não trata especificamente de violência contra a
mulher, de modo que pode figurar como vítima do delito nele estipulado tanto
mulher quanto homem, desde que atendidos os requisitos estabelecidos. Se a
violência doméstica for contra pessoa do sexo feminino, contudo, deverá incidir
a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340-2006)[12], que apesar de não influir
quantitativamente na pena a ser aplicada ao agressor, trata a violência
doméstica contra a mulher de forma mais severa, impedindo, por exemplo, a
aplicação da Lei nº 9.099-95 (Leis dos Juizados Especiais).
Uma vez imputado o delito do art. 129, § 9º, se torna impossível
a incidência das agravantes previstas no art. 61, II, “e” e “f”, do CP, pois caso
contrário, haverá bis in idem.

• Lesão praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge


ou companheiro
Nesse ponto o texto não deixa dúvidas. Se a vítima tem relação
de parentesco com o agente em uma das condições evidenciadas, a lesão
dolosa leve contra ela dirigida deve ser tida como qualificada pela violência
doméstica, independentemente de outras condicionantes. Ressalte-se,
outrossim, que no caso de adoção a relação de parentesco é juridicamente
íntegra, incidindo, portanto, a qualificadora se alguém agredir o irmão adotivo,
ou este agredir irmão, descendente ou ascendente, cuja relação de parentesco
foi estabelecida por força da adoção.

• Lesão corporal praticada contra pessoa com quem o agente


conviva ou tenha convivido
Nesse caso a vítima não é, necessariamente, ascendente,
descendente, irmão, cônjuge ou companheiro do agressor, porém com ele
convive ou conviveu.
O dispositivo pode suscitar dúvidas em sua aplicação, tanto que Nucci (2006,
pp. 570-571) defende que não pode ser aplicada isoladamente esta parte do
parágrafo em estudo.
Entendemos, entretanto, mais adequada a posição assumida por Rogério
Sanches Cunha (2008, v. 3, p. 52), conforme segue:

Haverá violência doméstica na agressão contra pessoa


(que não ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou
companheiro) com quem o agente conviva ou tenha
convivido (caso da república de estudantes, por
exemplo). A necessária interpretação restritiva que o tipo
incriminador merece é facilmente alcançada ao se exigir
que a lesão corporal tenha sido provocada em razão da
vivência, atual ou pretérita.

Pondere-se que a conduta da pessoa que lesiona o ex-


companheiro ou ex-cônjuge, se a agressão for em razão da convivência já
desfeita, deve também ser enquadrada como lesão corporal praticada
contra pessoa com quem o agente tenha convivido.

• Lesão corporal praticada prevalecendo-se o agente de relações


domésticas, de coabitação ou de hospitalidade
Para delimitar essa circunstância, vejamos as noções de
relações domésticas, coabitação e hospitalidade que emprestamos de Luis
Regis Prado (2008, v. 2, p. 142):

Relações domésticas são aquelas que se travam entre


os membros de uma mesma família, freqüentadores
habituais da casa, amigos, empregados domésticos; a
coabitação é um estado de fato, pelo qual duas ou mais
pessoas convivem no mesmo lugar; a hospitalidade é a
coabitação temporária, mediante consentimento tácito ou
expresso do hospedeiro (v.g., pernoite, visitas, convites
para refeição).

Note-se que a incidência da qualificadora ganha imensa


amplitude com a circunstância em evidência. Tanto que Cunha (2008, v. 3, p.
52) ressalta o seguinte:

Logo, adverte José Henrique Pierangeli: “Com a inclusão


da convivência, relações domésticas, coabitação e
hospitalidade, o tipo ficou exageradamente aberto,
obrigando o julgador e o doutrinador a uma interpretação
cuidadosa, para não ofender o princípio da legalidade”
(Manual de direito penal brasileiro: parte especial, p.
143).

O mesmo autor (CUNHA, 2008, v. 3, p. 52) dá a seguinte


fórmula para evitar incongruências na aplicação do dispositivo:

Considerando o alerta, e sabendo que prevalecer tem o


sentido de levar vantagem, aproveitar-se da condição (ou
situação), pensamos que a hipótese necessariamente
pressupõe que o agente se valha da vantagem
doméstica, de coabitação ou de hospitalidade em relação
à vítima, merecendo interpretação restritiva. Aqui
enquadramos, por exemplo, as agressões praticadas
pela babá contra a criança, desde que, é claro, não se
revista de requintes de tortura.

9.5. Concurso de qualificadoras


É possível que em um mesmo crime de lesão corporal se
identifique a presença de mais de uma circunstância qualificadora. Nesse caso,
deverá prevalecer a mais grave, devendo ser a(s) outra(s) utilizada(s) na
dosimetria da pena[13].
Do mesmo modo, se o agente incide em mais de uma
circunstância qualificadora de igual gravidade (por exemplo: lesão que é
considerada grave por duas ou mais circunstâncias previstas no art. 129, § 1º,
do CP) em desfavor da mesma vítima e em um mesmo contexto fático, o crime
será único, devendo o juiz levar isso em conta na dosimetria da pena.

10. LESÃO CORPORAL CULPOSA


A forma culposa de lesão corporal está tipificada no art. 129, §
6º, do CP, in verbis: “§ 6º. Se a lesão é culposa: Pena – detenção, de 2 (dois)
meses a 1 (um) ano”.
A classificação da lesão culposa será a mesma,
independentemente de ela ser leve, grave ou gravíssima, considerando que no
caso não há dolo do agente em praticar o ilícito; pois a violação da integridade
corporal da vítima decorre de um descuido do sujeito ativo (negligência,
imprudência ou imperícia). A gravidade do dano deve repercutir apenas na
dosimetria da pena.
A lesão corporal culposa cometida na condução de veículo
automotor é apenada por lei específica: Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº
9.503-97), que através de seu art. 303 comina a pena de 6 meses a 2 anos de
detenção para o infrator, além de suspensão ou proibição de se obter a
permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

11. LESÕES CORPORAIS DOLOSAS – DIMINUIÇÃO DE PENA


Semelhantemente ao previsto no art. 121, § 1º, do CP, o art.
129, § 4º, do mesmo codex dispõe que:

§ 4º. Se o agente comete o crime impelido por motivo de


relevante valor social ou moral ou sob o domínio de
violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação
da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um
terço.

Parte da doutrina diz, por tradição, que o dispositivo em tela


prevê lesão corporal privilegiada, porém, na realidade, ele traz uma causa
especial de diminuição de pena, que deve ser valorada na terceira fase da
dosimetria da pena.
Referida minorante aplica-se somente às lesões corporais
dolosas, posto que nas culposas não existe motivação do agente para a
agressão, decorrendo esta de uma violação do dever de cuidado[14].
Sobre o assunto, Rogério Greco (2009, v. II, p. 290) ensina,
ainda, o seguinte:

Contudo, merece ser frisado, nesta oportunidade, que a


redução de pena, obrigatória em nossa opinião se
presentes os requisitos que a autorizam, é aplicável a
todas as modalidades de lesão [dolosa]: leve, grave,
gravíssima e seguida de morte. Apesar da situação
topográfica do § 9º do art. 129 do Código Penal, que
prevê o delito de violência doméstica, entendemos, por
questões de política criminal, deva também ser estendida
a essa infração penal a diminuição de pena constante do
§ 4º do mesmo artigo. Isso porque ocorrem, com muita
freqüência, agressões consideradas domésticas que
foram praticadas pelo agente em decorrência de
provocações da própria vítima, possibilitando, nesse
caso, a redução de pena.

Como as causas de diminuição são as mesmas previstas para o


homicídio, remetemos o leitor à nossa sinopse sobre crimes contra a vida, na
qual comentamos tais causas.

12. LESÃO CORPORAL DOLOSA – SUBSTITUIÇÃO DA PENA


Hipótese autorizativa de substituição de pena está contida no
art. 129, § 5º, conforme segue:
§ 5º. O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda
substituir a pena de detenção pela de multa:
I – se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo
anterior;
II – se as lesões são recíprocas.

O inciso “I” do dispositivo acima transcrito trata da hipótese de


substituição de pena quando ocorrerem lesões corporais dolosas leves
enquadradas como “privilegiadas” (privilégio que deve ser aferido nos termos
do art. 129, § 4º, do CP).
Lesões recíprocas estão presentes quando duas pessoas se
agridem mutuamente. Se um deles agiu em legítima defesa, deve ser ele
absolvido e o outro fará jus à substituição, segundo grande parte da
jurisprudência[15]. Se ambos se ferem e dizem ter agido em legítima defesa,
não havendo prova de quem deu início às agressões, ambos devem ser
absolvidos[16]. Se os dois se ferem e são feridos reciprocamente, não tendo
nenhum deles agido em legítima defesa; ambos fazem jus à substituição[17].
A substituição é cabível, nos termos do § 5º do art. 129,
somente quando a lesão for dolosa e leve.
Do magistério de Rogério Greco (2009, v. II, pp. 290-291) colhe-se:

Por lesões corporais de natureza leve devemos entender


aquelas previstas no caput do art. 129, bem como em
seu § 9º, que criou o delito de violência doméstica.
[…]
Na hipótese de violência doméstica ou familiar contra a
mulher, ficará impossibilitada a substituição da pena
privativa de liberdade pela pena de multa, aplicada
isoladamente, tendo em vista a determinação expressa
do art. 17 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.

Não pode haver a aplicação cumulativa do § 5º e do § 4º do art.


129 do CP[18], devendo o juiz, uma vez preenchidos os requisitos, escolher um
dos dispositivos para aplicar em benefício do réu. A escolha deve ser norteada
pelo art. 59 do CP, que diz que a pena deve ser necessária e suficiente para a
reprovação e prevenção do crime[19].
Quanto à real aplicabilidade da substituição em estudo, argumenta Fernando
Capez (2006, v. 2, p. 151):

Importante notar que, com o advento da Lei nº 9.714/98 (Lei das


Penas Alternativas), na condenação igual ou inferior a um ano a
pena privativa de liberdade, esta pode ser substituída por multa
ou por uma pena restritiva de direitos (CP, art. 44, § 2º), desde
que preenchidos os requisitos legais. Portanto, na prática, o § 5º
resta inaplicável, já que a regra geral do Código penal é no
sentido de que é possível a substituição nos delitos cuja pena
máxima é de um ano de detenção.

13. AUMENTO DE PENA E PERDÃO JUDICIAL


Traz o art. 129, dentre outros, os seguintes parágrafos:
§ 7º. Aumenta-se a pena de um terço, se ocorrer
qualquer das hipóteses do art. 121, § 4º.
§ 8º. Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art.
121.

Vê-se com clareza que na lesão corporal culposa a pena é


aumentada de um terço se o crime resulta de inobservância de regra técnica de
profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à
vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar
prisão em flagrante (art. 129, § 7º, c/c art. 121, § 4º, parte inicial, do CP). Sendo
dolosa a lesão corporal, a pena é aumentada de um terço se o crime é
praticado contra pessoa menor de 14 ou maior de 60 anos (art. 129, § 7º, c/c
art. 121, § 4º, parte final, do CP).
Em se tratando de lesão corporal culposa, o juiz poderá deixar
de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente
de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária (art. 129, § 8º,
c/c art. 121, § 5º, do CP).
As circunstâncias que levam ao aumento de pena e ao perdão
judicial no crime de lesão corporal são as mesmas aplicáveis ao crime de
homicídio, de tal modo que não as explicaremos novamente, pelo quê
remetemos o leitor à nossa sinopse de aula sobre os crimes contra a vida.

14. AUMENTO DE PENA NA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA


Sabe-se que a presença de violência doméstica qualifica o
crime de lesão corporal, segundo o art. 129, § 9º, do CP.
Além disso, previu o legislador no mesmo art. 129 as seguintes
hipóteses de aumento de pena, aplicáveis no caso de violência doméstica:

§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1º a 3º deste artigo, se


as circunstâncias são as indicadas no § 9º deste artigo,
aumenta-se a pena em 1/3 (um terço).
§ 11. Na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será
aumentada de um terço se o crime for cometido contra
pessoa portadora de deficiência.

No primeiro caso (art. 129, § 10), se vislumbra que a lesão


corporal provocada em situação de violência doméstica foi grave (art. 129, §
1º), gravíssima (art. 129, § 2º) ou levou a vítima à morte (art. 129, § 3º). Nessa
situação, aplica-se a pena prevista nos §§ 1º, 2º ou 3º do art. 129 do CP,
conforme o caso, e ainda, impõe-se o aumento de pena previsto no § 10 do
mesmo artigo, ou seja, de 1/3.
Já o art. 129, § 11, do CP, terá aplicabilidade mesmo que a
lesão corporal praticada em situação de violência doméstica seja leve, desde
que figure como vítima pessoa portadora de deficiência. Nesse caso, em sendo
leve a lesão, aplica-se a pena prevista no art. 129, § 9º, com o aumento de
pena de um terço. Se a lesão corporal em situação de violência doméstica
praticada contra vítima deficiente for grave, gravíssima ou seguida de morte,
abrir-se-á a possibilidade, segundo pensamos, de incidência tanto da
majorante do § 10 quanto do § 11, podendo o juiz optar pela aplicação de
apenas uma delas nos termos do art. 68, parágrafo único, do CP.
Assevera Rogério Sanches Cunha (2008, v. 3, p. 52) que: “O
conceito de pessoa portadora de deficiência é trazido pelos arts. 3º e 4º do
Decreto 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que regulamentou a Lei 7.853, de
24 de outubro de 1989 […]”. O Decreto referenciado diz que deficiência é “[…]
toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica
ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro
do padrão considerado normal para o ser humano; [...]”.

15. CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA


O delito de lesões corporais é um crime comum (qualquer
pessoa, em regra, pode praticá-lo, exceto nos casos que já mencionamos
anteriormente – vide tópico sobre sujeito ativo); doloso ou culposo;
comissivo (admitindo, contudo, a forma omissiva imprópria – art. 13, parágrafo
2º, do CP); de dano (exige lesão ao bem jurídico protegido para sua
consumação); instantâneo (sua consumação não se protrai no tempo);
material (exige resultado naturalístico para sua consumação); unissubjetivo
(pode ser cometido por uma só pessoa); plurissubsistente (vários atos
integram a conduta); de forma livre (pode ser cometido de qualquer forma
idônea a produzir o resultado); e não transeunte (deixa vestígios).

16. OUTRAS PECULIARIDADES


O crime de lesão corporal desperta muita polêmica em algumas
situações específicas; o que nos levou a selecionar algumas peculiaridades de
tal delito para tratarmos no presente tópico.

16.1. Lesões esportivas


As lesões levadas a efeito durante a prática desportiva não
configuram crime se perpetradas dentro das regras do jogo ou caso
constituam-se desdobramento natural e previsível do esporte, mesmo que
praticadas em detrimento do regulamento do jogo em específico[20].
Segundo a doutrina tradicional, tais lesões decorrem de
exercício regular de direito, afastando a ilicitude da conduta. Para os adeptos
da teoria da imputação objetiva, contudo, a lesões desportivas carecem de
tipicidade, considerando que não decorrem da criação ou incremento de risco
proibido.
Defendendo a aplicabilidade da teoria da imputação objetiva ao
caso, assim leciona Fernando Capez (2006, v. 2, p. 132):

a) se a agressão foi cometida dentro dos limites do


esporte ou de seus desdobramentos previsíveis; b) se o
participante consentiu validamente na sua prática; c) se a
atividade não for contrária à ordem pública, à moral, aos
postulados éticos que derivam do senso comum das
pessoas normais, nem aos bons costumes, não haverá
crime. Por outro lado, estaremos diante de um fato típico
no caso de excessos cometidos pelo agente.
De nossa parte, preferimos entender que a lesão desportiva,
praticada dentro das regras no jogo ou como desdobramento natural e
previsível da competição, constitui-se fato típico; porém com ilicitude excluída
pela incidência do exercício regular de direito, considerando que nosso Código
Penal prevê expressamente (em seu art. 23, III) essa causa de justificação.
Ademais, se aceita a integral aplicação da teoria da imputação objetiva[21] no
Direito brasileiro, praticamente negaríamos a existência do art. 23, III, do CP,
considerando que todo estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular
de direito constituir-se-ia fato atípico, sendo desnecessário, portanto, cogitar a
exclusão de ilicitude.

16.2. Lesões corporais com consentimento da vítima


O consentimento do ofendido, em regra, afasta a ilicitude da
lesão corporal quando, cumulativamente:
a) a vítima tenha capacidade de consentir (maior de 18 anos e que por outras
razões não seja inimputável);
b) haja consentimento do ofendido prévio ou concomitante ao comportamento
do sujeito ativo;
c) a lesão seja leve[22].
Desse modo, não há crime se a lesão corporal for praticada em
detrimento de vítima maior de 18 anos que deu seu consentimento (prévia ou
concomitantemente à conduta do agente), desde que a lesão seja leve, pois se
a lesão for grave ou gravíssima considera-se indisponível a integridade
corporal. Por exemplo: sujeito que pede para outro lhe chicotear; se a ação
provocou apenas lesões leves, não cabe falar em crime.

16.3. Intervenção médico-cirúrgica


Em regra, diz a doutrina que a intervenção médico-cirúrgica
realizada com o consentimento do paciente ou de seu representante legal
constitui-se exercício regular de direito. Se ausente o consentimento, poderá o
médico realizar a intervenção acaso haja iminente perigo de vida ao paciente
(art. 146, § 3º, I, do CP), estando o profissional escudado pelo estado de
necessidade.
Em se tratando de pessoa plenamente capaz que gratuita e
voluntariamente resolve doar, por exemplo, um de seus órgãos duplos para
terceiro; a intervenção médico-cirúrgica através da qual se retira esse órgão
também é reputada como amparada pelo exercício regular de direito. O mesmo
acontece com a cirurgia para esterilização, realizada com amparo na Lei nº
9.263/96.
No caso de cirurgia de mudança de sexo, pondera Capez (2006,
v. 2, p. 133): “Tem-se admitido nessa hipótese a cirurgia desde que tenha por
escopo corrigir desajustamento psíquico, tratando-se, pois, de procedimento
curativo. Há, assim, na espécie, não o dolo de lesionar, mas a intenção de
diminuir o sofrimento psíquico do indivíduo. O fato, portanto, é atípico”.
De nossa parte, mesmo no caso da cirurgia transexual[23],
preferimos entender que tenha havido exercício regular de direito por parte do
médico, considerando o consentimento do ofendido plenamente capaz
(devendo ser checado seu estado mental no sentido de averiguar sua plena
sanidade). A situação é semelhante à de outras cirurgias por razões
simplesmente estéticas. Não se argumente a ausência de dolo, pois houve a
vontade de interferir na anatomia do paciente assim como há em qualquer
cirurgia. Acaso se aceite o argumento da atipicidade simplesmente por
ausência de dolo, teríamos que reformular toda a doutrina que argumenta
haver exercício regular de direito na intervenção cirúrgica comum, pois nesse
caso também o médico não age com o ânimo de lesionar, mas sim de curar o
paciente.

16.4. Lesões corporais e princípio da insignificância


O princípio da insignificância afasta a tipicidade material da
conduta, considerando que lesões insignificantes ao bem jurídico protegido por
determinada norma não acarretam a incidência do tipo penal.
Em se tratando de lesões corporais o princípio da insignificância
tem plena aplicação, mormente se a lesão for culposa. Por exemplo: um
pedreiro, negligentemente, deixa cair uma ferramenta que produz um pequeno
arranhão em outro operário. Não há que se falar aqui em lesão corporal
culposa, considerando a diminuta violação à integridade corporal da vítima.
Quando a lesão insignificante for dolosa, entendemos que será
também afastada a incidência do art. 129 do CP, porém deverá o autor do fato
responder pela contravenção de vias de fato[24] (art. 21 da LCP – Lei nº
3.688/41) ou pelo crime de injúria real (art. 140, § 2º, do CP), se houver
aviltante ofensa à dignidade ou decoro; considerando-se que estas duas
infrações penais não exigem qualquer lesão à integridade corporal para se
consumarem. Quer dizer: o princípio da insignificância afasta a tipicidade do
delito de lesão corporal, porém o fato acaba se subsumindo a outra infração
penal na qual o bem jurídico protegido é outro.

16.5. Corte de barba ou cabelo


Leciona Capez (2006, v. 2, p. 138) que a doutrina e a
jurisprudência discutem se o corte compulsório de barba ou cabelo se constitui
lesão corporal, defendendo referido autor o seguinte posicionamento: “Não nos
parece correto afirmar que um corte de cabelo ou de barba cause ofensa à
integridade corporal, do contrário, um ato de higiene pessoal praticado pela
própria pessoa poderia ser considerado autolesão. A questão deve mesmo
situar-se no campo do ataque ao decoro ou mera contravenção de vias de
fato”.
No mesmo sentido os ensinamentos de Mirabete e Fabbrini
(2008, v. 2, p. 75): “Tem-se entendido que é lesão corporal o corte da barba e
dos cabelos, desde que praticado com o dissenso da vítima e não se trate de
remoção ou arrancamento de parte insignificante [...]. Na verdade, não há, no
caso, dano à integridade fisiopsíquica, podendo-se reconhecer o delito de
injúria real (art. 140, § 2º) ou a contravenção de vias de fato”.

16.6. Múltiplas lesões contra uma mesma vítima em um mesmo contexto


fático
Várias lesões cometidas contra a mesma vítima em um mesmo
contexto fático levam à incidência de um único crime de lesão corporal,
considerando sua natureza plurissubsistente. Quanto a este ponto Fernando
Capez (2006, v. 2, p. 159) fornece o seguinte exemplo: “[…] indivíduo
primeiramente chicoteia a vítima; logo em seguida desfere-lhe pauladas nas
costas; e, finalmente, desfere-lhe uma facada no braço. Todos esses atos na
realidade integram uma só ação, qual seja, a de lesionar; portanto, há um só
crime de lesões corporais, que será punido à luz do resultado de maior
gravidade. Ao contrário, se há a interrupção do processo executivo, ocorrendo
posteriormente uma nova ação produto de nova determinação criminosa,
estaremos diante de uma hipótese de concurso de crimes”.

17. AÇÃO PENAL


No caso de lesão corporal grave, gravíssima ou seguida de
morte a ação penal será pública incondicionada.
Tratando-se de lesão corporal leve (que encontra previsão no
art. 129, caput e § 9º, do CP) ou culposa (art. 129, § 6º, do CP) a ação penal
será pública condicionada à representação da vítima ou de seu responsável
quando incapaz, conforme previsão contida no art. 88 da Lei nº 9.099/95, in
verbis:

Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da


legislação especial, dependerá de representação a ação
penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e
culposas.

Quando se tratar de lesão leve praticada contra mulher em


situação de violência doméstica, com o advento da Lei Maria Penha (Lei nº
11.340/2006) surgiu intensa discussão no sentido de definir se a ação penal, no
caso, continuaria sendo condicionada à representação ou passaria a ser
pública incondicionada, considerando que a norma em referência determinou,
em seu art. 41, a inaplicabilidade da Lei nº 9.099/95 aos delitos por ela
alcançados. Apesar disso, o art. 16 da Lei Maria da Penha fala em “renúncia à
representação”, conforme segue:

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à


representação da ofendida de que trata esta Lei, só será
admitida a renúncia à representação perante o juiz, em
audiência especialmente designada com tal finalidade,
antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério
Público.

A existência desse dispositivo levou a doutrina e


jurisprudência majoritárias entenderem que a ação penal referente a lesões
corporais leves, mesmo que a vítima seja protegida pela lei ora comentada,
continua sendo pública condicionada à representação da ofendida. Diante
dessa polêmica, tem decidido o STJ atualmente que: “[...] II - A ação penal, no
crime de lesão corporal leve, ainda que praticado contra a mulher, no âmbito
doméstico e familiar, continua sujeita à representação da ofendida, que poderá
se retratar nos termos e condições estabelecidos no art. 16 da Lei 11.340/06.
[...]” (STJ, Resp 1051314/DF, 5ª Turma, rel. min. Félix Fischer, j. 10-09-2009,
DJe 14-12-2009).
O mesmo Tribunal já decidiu em outras oportunidades em
sentido contrário, conforme exemplificamos a seguir: "[…]3. Somente o
procedimento da Lei 9.099/1995 exige representação da vítima no crime de lesão
corporal leve e culposa para a propositura da ação penal. 4. Não se aplica aos crimes
praticados contra a mulher, no âmbito doméstico e familiar, a Lei 9.099/1995. (Artigo
41 da Lei 11.340/2006).5. A lesão corporal praticada contra a mulher no âmbito
doméstico é qualificada por força do artigo 129, § 9º do Código Penal e se disciplina
segundo as diretrizes desse Estatuto Legal, sendo a ação penal pública incondicionada.
[...]" (STJ, 6ª Turma, HC 96992-DF, rel. min. Jane Silva, j. 12-08-2008, DJe 23-03-
2009).
Por fim, registre-se que a tendência atual do STJ, observada em
reiterados julgados recentes, é considerar pública condicionada à
representação a ação penal no caso de violência doméstica contra a mulher
materializada através de lesão corporal leve, apesar de decisões anteriores em
sentido contrário.

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