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Martin Heidegger
Língua de tradição
e língua técnica

posfácio
de Mário Botas
Aut{)r: Martin Heidegger
Título: Ltngua de Tradição e LEngua Técnica
TUulo original: Langue de Tradition et Langue Technique
Tradução: Mário Botas
Capa: Paulo Scavullo
Imagem da capa: «Kugelobjekt lI», 1970
Gerhard Richter
Direcror de Colecção: José A Bragança de Miranda
© Vega, (1' edição 1995)
Apartado 41 034
1526 Lisboa Codex
Fotocomposição e fotolitos: C.A.-Artes Gráficas
ISBX -972-699-449-7
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Advertência

Os elementos que constituem o tema desta


conferência oferecem tantos aspectos diversos que
apenas numa pequena parte podem ser aqui discu-
tidos. Esta exposição deve servir apenas como
ocasião para debates. Estes, por seu lado, não
devem informar mas ensinar, quer dizer fazer
aprender. O bom pedagogo está mais avançado
que os seus alunos somente naquilo que tem ainda
mais a aprender do que eles, a saber, fazer apren-
der. (Aprender é colocar a nossa conduta em
correspondência com aquilo que nos exorta em
cada ocasião para o essencial.)
língua de tradição e língua técnica

o título da conferência Língua de tradi-


ção e língua técnica pode parecer estranho.
É bem necessário que o seja para indicar que
os termos que aí figuram -língua, técnica,
tradição - nomeiam elementos aos quais
falta uma defmição suficiente. Suficiente em
quê? Afazer que ao sondarmos estes concei-
tos pelo pensamento, tenhamos a experiên-
cia daquilo que hoje é, daquilo que toca,
ameaça e oprime a nossa existência (Da-
sein). Esta experiência é necessária. Porque
se nos enganamos acerca daquilo que é e
permanecemos obstinadamente fechados nas
representações correntes da técnica e da lín-
gua, então retiramo-nos e restringimo-nos à
es.cola - à sua vocação e ao seu trabalho -
a força determinante que lhe advém.
<<Aescola» - isto significa o conjunto
das instituições escolares desde a escola pri-
mária até à universidade. É esta última que é
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hoje provavelmente a forma de escola mais não nos deixam indiferentes. Tanto como sa-
esc1erosada, a mais atrasada na sua estrutura. ber se neles nos fala aquilo que hoje é, isto é,
O nome «universidade» perpetua-se pesada- aquilo que nos tocará amanhã e que já ontem
mente e apenas como um título fictício. Na nos atingia. Também tentaremos no presente
mesma medida o nome «escola profissio- por nossa conta e risco indicar a direcção de
nal» atrasa-se sobre aquilo a que se refere o umameditação. Em que é que existe aqui um
seu trabalho na era industrial. É igUalmente risco? Na medida em que meditar significa
duvidoso que os propósitos relativos à esco- despertar o sentido para o inútil. Num mundo
la que forma para uma profissão, a formação para o qual não vale senão o imediatamente
geral e a formação (Bildung) como tal, se útil e que não procura mais que o crescimento
apliquem ainda à conjuntura que a era técni- das necessidades e do consumo, umareferên-
ca marca com o seu cunho. Poder-se-ia cer- ciaaoinútilfalasemdúvida,numprimeiromo-
tamente objec~: que importam as palavras mento, no vazio. Um sociólogo americano
se é das coisas que se trata. Seguramente. reconhecido, David Riesman, emA multidão
Mas se acontecesse não existir para nós coisa solitária 1, verifica que na sociedade industri-
alguma e nenhuma relação suficiente com aImodemao potencial de consumo deve, para
uma coisa, sem a língua que lhe correspon- assegurar o seu fundo (Bestand), tomar a di-
desse e inversamente, não haveria uma ver- anteira sobre o potencial de tratamento das
dadeira língua sem a justa relação à coisa? matérias-primas e sobre o potencial de traba-
Mesmo quando atingimos o inexprimível, lho. Contudo, as necessidades defmem-se a
este não existe senão na medida em que a partir daquilo que é tido por imediatamente
significação (Bedeutsamkeit) da palavra nos útil. Que deve e que pode ainda o inútil face à
conduz ao limite da língua. Este limite é preponderância do utilizável? Inútil, de ma-
ainda, por si só, qualquer coisa que pertence neira que nada de imediatamente prático po-
àlíngua e que abriga em si a relação do termo de ser feito, tal é o sentido das coisas. É por
e da coisa.
Assim, os termos <<técnica»,«língua», <<tra-
dição», tal como os escutamos, falam-nos, 1 DavidRiesman, Die einsame Masse, Rowohlt, Hamburg 1958.

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isso que a meditação que se aproximado inú- haveis visto uma marta que se põe à espreita
til não projecta qualquer utilização prática, e com o corpo encolhido e que espera que
portanto o sentido das coisas é que se afigura qualquer coisa aconteça? Ela vai e vem
como mais necessário. Porque se o sentido correndo sobre as traves e não se impede de
faltasse, o próprio útil ficaria desprovido de dar saltos elevados até que um belo dia,cai
significação e por conseguinte não seria útil. numa armadilha onde perece por um laço. E
Em lugar de discutir esta questão em si pró- depois há também o yak. É grande como uma
pria e de lhe resPQnder, escutemos um texto nuvem de tempestade; eleva-se no seu poder.
retirado dos escritos do velho pensador chi- Mas não pode apanhar os ratos. Da mesma
nêsTchouang- Tseu2, um discípulo de Lao- maneira vós tendes uma grande árvore e
Tseu: lamentais que não sirva para nada. Porque
não a plantais numa terra deserta ou num
A árvore inútil campo vazio? Aí poderíeis passear na sua
proximidade ou dormir à vontade sobre os
«Houi- Tseu dirigiu-se a Tchouang- Tseu e ' seus ramos sem nada fazer. O machado e a
disse: "Eu tenho uma grande árvore. As machadinha não lhe reservam um fim pre-
pessoas chamam-lhe a árvore dos deuses. O maturo e ninguém lhe pode fazer mal.
seu tronco é tão nodoso e disforme que não Como é bom que nos preocupemos com
se pode cortar a direito. Os seus ramos são uma coisa que não tem utilidade!"»
tão torcidos e tortos que se não podem traba-
Dois textos semelhantes encontram-se
lhar com peso e medida. Está à beira do
caminho, mas nenhum marceneiro a olha. numa outra passagem de Tchouang- Tseu,
Assim são as vossas palavras, senhor, e com algumas modificações.
todos se afastam de vós ao mesmo tempo. " Eles ajudam a compreender que não é
Tchouang-Tseu respondeu: "Nunca necessário preocupar-se com o inútil. O in-
tangível e o durável assim também são pela
sua inutilidade. Também é cometer um con-
2 Tchouang-Tseu, Das wahre Buch vom südlichen Blütenland,
Diederichs, Iéna 1923. tra-senso aplicar ao inútil a medida da
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língua de tradição e língua técnica 13

utilidade. O inútil tem a sua grandeza própria esforço em fazer com que termos fundamen-
e o seu poder determinante na sua maneira de tais como «técnica», «língua» e «tradição»
ser: com ele nada se pode fazer. É desta se harmonizem no nosso pensamento e no
maneira que é inútil o sentido das coisas. nosso dizer com aquilo que hoje é. Uma
Se arriscarmos deste modo uma medita- única conferência não pode certamente dis~
ção sobre os elementos e sobre a conjuntura cutir senão um pequeno número de pontos,
que nomeiam as palavras «técnica», «lín- escolhidos - se possível - de maneira
gua», «tradição», uma tal tentativa não con- apropriada. Procederemos de maneira sim-
tribui em nada no imediato para um tipo de ples. Primeiramente elucidaremos asrepre-
reflexão que procure estabelecer uma orga- sentações correntes da técnica, da linguagem
nização prática do ensino neste curso peda- e da tradição. A seguir perguntaremos se
gógico. No entanto, pode ser que a perspec- estas representações são suficientes para res-
tiva do inút~labra um horizonte que determi- ponder àquilo que hoje é. Finalmente retira-
ne constantemente e em todos os lugares o remos destas discussões um resumo relativo
conjunto das reflexões sobre a prática peda- ao título estranho desta conferência. Mani-
gógica, mesmo que tal não seja o nosso festamente que um tal resumo evidencia uma
centro de atenção. certa oposição entre duas formas de língua.
O ensaio a que nos atrevemos para medi- As questões precipitam-se: de que género é
tar sobre o que são «técnica», «língua» e esta oposição? Em que domínio se exerce?
«tradição», cada termo em si e na sua corre- Como é relativa à nossa própria existência
lação, apresenta-se em princípio como uma (Dasein)?
defmição mais precisa dos conceitos corres- Muitas coisas que vão ser enunciadas a
pondentes. Porém, a meditação exige mais, a seguir são, sem dúvida, do vosso conheci-
saber, que se metamorfoseiem no pensamen- mento. Contudo, no campo da reflexão e do
to as representações que correntemente se questionamento meditativo não há nada que
fazem dos elementos em questão. Esta trans- seja conhecido. Tudo o que é aparentemente
mutação não se produzirá por amor de uma conhecido muda-se em coisa digna de ques-
«filosofia» particular, antes resultará do tão, isto é, digna de pensamento.
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Técnica significa que o termo técnica não é, antes de


mais, claro numa primeira abordagem. A
técnica pode significar o conjunto das má-
quinas e dos aparelhos que se apresentam,
tomados apenas como objectos disponíveis
(vorhanden) - ou então em funcionamento.
A técnica pode querer dizer a produção des-
tes objectos, produção que precede um pro-
jecto e um cálculo. A técnica pode também
significar a co-pertença num conjunto de
produtos e de homens ou grupos humanos
Trataremos deste tema de maneira mais que trabalham na instalação, na manutenção
detalhada, porque a técnica - correctamen- e na vigilância das máquinas e dos aparelhos.
te concebida - penetra e domina todo o Mas não consideraremos a técnica sob este
domínio da nossa meditação. Quando fala- aspecto, que não é mais que uma forma
mos hoje de técnica, o nosso entendimento grosseira de a descrever. Todavia, o campo
fica-se pela técnica das máquinas da idade de que falaremos será - ao menos aproxi-
industrial. Mas, entretanto, esta caracteriza- madamente- delimita4o, se tentarmos ago-
ção já se tomou inexacta. Porque no interior ra fixar numa série de cinco teses as repre-
da idade industrial moderna verificamos uma sentações hoje normativas sobre a técnica.
primeira e uma segunda revolução técnica. A Enumeremos desde já as teses. A sua
primeira consiste na passagem da técnica do elucidação não seguirá, no entanto, a sua
artesanato e da manufactura à técnica das ordem, mas desenvolver-se-á em função das
máquinas com motor. Consi~eramos como correlações existentes entre elas.
segunda revolução técnica a introdução e o Segundo a concepção corrente:
triunfo da maior «automação» possível, cujo· 1. A técnica moderna é um meio inventa-
princípio de base é definido pela técnica da do e produzido pelos homens, isto é, um
regulação e da direcção, a cibernética. O que instrumento de realização de fins industriais,
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língua de tradição e língua técnica

no sentido mais lato, propostos pelo homem. foi enunciado nas cinco teses é coerente.
2. A técnica moderna é, enquanto instru- Ora, para um olhar atento, o que aparece
mento em questão, a aplicação prática da na menção destas teses é que as representa-
ciência moderna da natureza. ções correntes da técnica moderna se reúnem
3. A técnica industrial fundada sobre a
à volta de um traço fundamental. Este pode-
ciência moderna é um domínio particular no -se definir a partir de dois momentos que se
interior da civilização moderna. relacionam um com o outro.
4. A técnica moderna é a continuação A técnica moderna passa, como qualquer
progressiva, gradualmente aperfeiçoada, da técnica mais antiga, por coisa humana, in-
velha técnica artesanal segundo as possibili- ventada, executada, desenvolvida, dirigida e
dades fornecidas pela civilização moderna. estabelecida de modo estável pelo homem e
5. A técnica moderna exige, enquanto para o homem. Para confirmar o carácter
instrumento humano assim definido,_ ser antropológico da técnica moderna é sufici-
igualmente colocada sob o controlo do ho- ente a referência ao facto de ela estar fundada
mem - e que o homem se assegure do sobre a ciência moderna da natureza. Com-
domínio sobre ela assim como da sua própria preendemos a ciência como uma tarefa e
fabricação. uma exploração do homem. O mesmo vale
Ninguém pode contestar a exactidão das num sentido mais lato e englobantepara a
teses que enumerámos relativas à técnica civilização, cuja técnica constitui um domí-
moderna, porque cada um dos enunciados nio particular. A civilização em si tem por
pode ser apoiado pelos factos. Mas permane- fmalidade cultivar, desenvolver e proteger o
ce a questão de saber se esta exactidão atinge ser-homem do homem, a sua humanidade. É
suficientemente o caráctermais adequado da aqui que se situa a muito debatida questão:
técnica moderna, quer dizer, o que a determi- será que a cultura técnica- e por conseguin-
na previamente e do princípio ao fim. O te a própria técnica - contribui em geral, e
carácter próprio da técnica moderna que se sim em que sentido, para a cultura humana
procuramos delimitar deverá permitir saber (Menschheitsbildung), ou arruina-a e amea-
em que medida, isto é, se e como, aquilo que ça-a?
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-1"""""----------------
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À representação antropológica da técnica técnico. Uma, a machada de pedra, serve


sucede-se, ao mesmo tempo, o segundo mo- para cortar e afeiçoar corpos de relativa
mento. O verbo latino instruere significa: dureza, disponíveis na natureza. O outro, o
dispor em camadas sobre - e justapostas, satélite de televisão, serve de estação para
construir, ordenar, instalar de maneira coe- uma troca transatlântica directa de progra-
rente. O instrumentum é o aparelho ou o mas televisionados. Certamente que alguém
utensílio, o instrumento de trabalho, o meio reagirá ao notar que a enorme diferença entre
de transporte, o meio em geral. A técnica os dois instrumentos não permite muito mais
passa por qualquer coisa que o homem mani- que as comparações de um ao outro, mesmo
pula, da qual ele se serve na perspectiva de se nos contentamos com a ideia de que os
uma utilidade. A representação instrumental dois têm em comum um carácter instrumen-
da técnica autoriza uma visão de conjunto tal tomado de uma maneira inteiramente
esc1arecedoraepermite fazer um julgameI?.to operatória e abstracta. Mas admitimos por
sobre a história da técnica até aos nossos dias este facto que o carácter instrumental não é
tomada como unidade na totalidade do seu suficiente para defmir o que é próprio da
desenvolvimento. No horizonte darepresen- técnica moderna e dos seus produtos. Porém,
tação antropológico-instrumental da técnica a representação antropológico-instrumental
podemos então afirmar com uma certa legi- continua tão límpida e tão persistente que
timidade que não há no fundo qualquer dife- explicamos a diferença inegável dos dois
rença essencial entre a machada de pedra e a instrumentos pelo progresso extraordinário
última produção da técnica moderna, o Te/s- da técnica moderna. Ora, a representação
tar. Os dois são instrumentos, meios produ- antropológico-instrumental não é dominan-
zidos para fms determinados. Que a macha- te apenas porque se impõe imediatamente e
da de pedra seja um utensílio primitivo, e o de maneira palpável, mas porque é exacta no
Te/star, pelo contrário, um aparelho de uma seu contexto. Esta exactidão é ainda reforça-
complexidade extrema, tal manifestil uma da e consolidada porque a representação
enorme diferença de grau, mas não muda antropológica não determina somente a in-
nada ao seu carácter instrumental, isto é, terpretação da técnica, mas porque se impõe

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20 Martin Heidegger

e passa para o primeiro plano em todos os sobre a palavra, que nomeia uma coisa, como
domínios como aquele modo de pensamento - exterior e por isso supérflua - mas isto não
que faz lei. É ainda mais dificil fazer uma é uma razão suficiente para não se empreen-
der uma tal reflexão.
objecção contra a exactidão da representa-
ção antropológico-instrumental da técnica. O termo «técnica» derivado grego techni-
E faremos apenas uma enquanto a questão da kon. Isto designa o que pertence à techne.
técnica não for posta a claro. Porque o exacto Este termo tem, desde o começo da língua
não é ainda o verdadeiro, quer dizer, o que grega, a mesma significação que episteme-
nos mostra e preserva numa coisa o que ela quer dizer: velar sobre uma coisa, compreen-
tem de mais próprio. dê-Ia. Techne quer dizer: conhecer-se em
Mas como atingiremos o carácter apro- qualquer coisa, mais precisamente no facto
priado da técnica moderna? Como podemos de produzir qualquer coisa. Mas para apreen-
der verdadeiramente a techne pensada à ma-
re-pensar a concepção corrente da técnic~
moderna? Aparentemente o único caminho é neira grega bem como para compreender
ter propriamente em conta este estado de convenientemente a técnica posterior ou
facto que se chama técnica moderna, e efec- moderna, isso depende de que pensemos o
tivamente a partir do que hoje é. termo grego no seu sentido grego, e de que
Uma transmutação do pensamento que evitemos projectar sobre este termorepre-
parte daí e que se inscreve numa representa- sentações posteriores ou actuais. Techne:
ção tão decisiva deve, seguramente, conten- conhecer-se no acto de produzir. Conhecer-
tar-se em permanecer uma suposição. Mas -se é um género de conhecimento, de reco-
nhecimento e de saber. O fundamento do
mesmo enquanto suposição é uma aposta
para o julgamento habitual. conhecer repousa, na experiência-grega, so-
bre o facto de abrir, de tornar manifesto o que
Para colocar um tal projecto sobre um
caminho apropriado é necessário, antes de é dado como presente. No entanto, o pro-
mais, reflectir brevemente sobre o termo duzir pensado à maneira grega não significa
«técnica». Pertence ao modo de pensamento tanto fabricar, manipular e operar, mas mais
o que o termo alemão herstellen quer dizer
hoje dominante de considerar uma reflexão
--
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literalmente: stellen, pôr, fazer levantar, her, da dominação ilimitada da técnica moderna.
fazendo vir para aqui, para o manifesto, Talvez as duas manifestações estejam liga-
aquilo que anteriormente não era dado como das, uma vez que têm a mesma origem.
presente. Do ponto de vista da representação antro-
Para falar de maneira elíptica e sucinta: pológico-instrumental da técnica moderna,
techne não é um conceito do fazer, mas um esta passa pela aplicação prática da ciência
conceito do saber. Techne e também técnica da natureza. É certo que tanto do lado dos
querem dizer que qualquer coisa está posta fisicos como do lado dos tecnólogos se mul-
(gestellt) no manifesto, acessível e disponí- tiplicam as vozes que consideram, apesar de
vel, e é dada enquanto presente à sua posição tudo, como insuficiente uma definição da
(Stand). Ora, na medida em que reina na técnica moderna como ciência aplicada da
técnica o princípio do saber, ela fornece a natureza. Em lugar disto fala-se neste mo-
partir de si própria a possibilidade e a exigên- mento da relação entre ciência da natureza e
cia de uma formação particular do seu pró- técnica como de um «escoramento recípro-
prio saber ao mesmo tempo que se apresenta co» (Heisenberg). Nomeadamente, a fisica
e se desenvolve uma ciência que lhe corres- nuclear encontra-se encurralada numa situa-
ponde. Eis aqui um acontecimento, e este ção que a obriga a verificações desconcer-
acontecimento não se dá, que uma e só vez no tantes: a saber, que a aparelhagem técnica
decurso de toda a história da humanidade: no utilizada pelo observador numa experimen-
interior da história do Ocidente europeu, no tação co-determina aquilo que de cada vez é
princípio, ou melhor, como princípio desta ou não é acessível a partir do átomo, quer
era a que chamamos os Tempos modernos. dizer, das suas manifestações. E não signifi-
Assim, vamos considerar agora a função ca menos do que isto: a técnica é co-determi-
e o carácter específicos da ciência da nature- nante no conhecer. E não o pode ser senão
za no interior da técnica moderna a partir porque o seu próprio carácter possui qual-
daquilo que hoje é. A segunda manifestação, quer coisa de um traço de conhecimento.
que ao lado do notável papel da ciência da Verdade que não pensamos tão remotamen-
natureza salta aos olhos, é o lado irresistível te, e tão-só nos contentamos em verificar
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uma relação de reciprocidade entre ciência sejam calculáveis a priori? Esta questão
da natureza e técnica. Chamamos às duas _ encerra um duplo aspecto: por um lado, uma
«irmãs gémeas», o que não significará nada decisão sobre o tipo de realidade da natureza.
se não tomarmos em consideração a sua Max Planck, o fundador da fisica dos quanta,
origem comum. Quando temos em conta a exprimiu esta decisão numa curta proposi-
relação recíproca entre as duas aproximamo- ção: «Real (wirklich) é aquilo que pode ser
-nos seguramente da verdade, mas de tal medido.» Só aquilo que é calculável vale
forma que esta se toma muito enigmática e como ente. Por outro lado, o questionamento
por isso digna de questão. Não pode existir director da ciência da natureza contém o
reciprocidade entre ciência da natureza e princípio do primado do método, quer dizer,
técnica se as duas não são paralelamente da própria investigação, por relação àquilo
estruturadas, se a ciência não é somente o que é de cada vez estabelecido com certeza
fundamento da técnica, nem a técnica apenas como objecto determinado de uma tal inves-
a aplicação da ciência. Vermelho e verde são tigação face à natureza. Uma marca deste
parecidos por terem em comum o carácter primado está no facto de que na fisica teórica
idêntico de serem cores. a ausência de contradição das proposições e
Mas qual é o ponto em que a ciência a simetria das equivalências fundamentais
moderna da natureza e a técnica moderna têm antecipadamente força de lei. Pelo pro-
concordam ao ponto de serem idênticas? j ecto matemático da natureza que se cumpre
Qual é o carácterpróprio de cada uma? Para na fisica teórica e pelo questionamento expe-
tomarmos isto em conta, ao menos aproxi- rimental da natureza que corresponde a este
madamente, é necessário considerar o que a projecto, a natureza é provocada a dar-res-
ciência da natureza tem de novo na era mo- postas segundo relações determinadas; é,
derna. Esta é determinada de maneira mais por assim dizer, obrigada a falar (zur Rede
ou menos consciente pela questão directriz: gestellt). A natureza é obrigada a manifes-
como é que a natureza deve ser projectada tar-se numa objectividade calculável (Kant).
antecipadamente enquanto domínio da ob- Ora é justamente esta intimação provo-
jectividade para que os processos naturais cante (herausforderndes Stellen) que é si-
_ l
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Martin Heidegger lingua de tradição e língua técnica 27

multaneamente O fundamento da técnica a técnica moderna, é importante compreen-


moderna. Ela impõe à natureza a exigência, der que o carácter próprio de uma e outra, a
de fornecer a energia. Trata-se do sentido sua origem comum, esconde-se naquilo a
literal de produzir, de a captar, de a pôr à que chamámos a intimação provocante. Mas
disposição. Esta intimação que domina do em que é que esta consiste? É manifestamen-
princípio ao fIm a técnica moderna desdo- te uma actividade do homem como represen-
bra-se em diversas fases e formas ligadas tação e produção relativamente à natureza. A
entre si. A energia encerrada na natureza é representação antropológica da técnica não é
captada: o que é captado é transformado, o apenas confIrmada, na sua legitimidade, mas
que é transformado é intensifIcado, o que é reforçada pela interpretação da técnica agora
intensificado é armazenado, o que é armaze- adquirida. Ou esta representação tornar-se-á
nado é distribuído. Estes modos segundo os totalmente problemática a partir daquilo que
quais a energia é confIscada são controlados; é indicado agora? É necessário diferir a res-
este controlo deve por seu lado ser garantido. posta até que tenhamos antecipadamente to-
O que acabámos de dizer dá a ideia de que mado em consideração a segunda manifesta-
a ciência moderna da natureza, com a sua ção da técnica moderna, a saber, o carácter
intimação teórica descritiva da natureza com irresistível do seu domínio ilimitado.
vista a uma objectividade calculável, pode- O grito de alarme, lançado frequentemen-
ria ser uma variante da técnica moderna. te até à pouco, a saber, que o percurso da
Neste caso a concepção corrente da relação técnica deve ser dominado, o seu ímpeto
entre a ciência da natureza e a técnica deveria sempre mais forte para novas possibilidades
ser abandonada: não seria a ciência da natu- de desenvolvimento submetido ao controlo
reza a base da técnica, mas a técnica moderna - este grito testemunha por si só a apreensão
seria a estrutura fundamental de sustentação que se espalha. Ignora que se exprime na
da ciência moderna da natureza. Ainda que técnica uma exigência de que o homem não
esta transposição se aproxime da verdade, pode impedir o cumprimento, que pode ain-
não é o seu coração. No que diz respeito à da menos ver e dominar. Entretanto - e
relação entre ciência moderna da natureza e sobretudo isto é significativo -, estes gritos
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Martin Heidegger
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de alarme calam-se cada vez mais, o que não técnica moderna tem de essencial não é uma
quer dizer que o homem controla segura-_
mente a técnica. O silêncio traduz muito fabricação puramente humana. O homem
actual é ele próprio provocado pela exigên-
mais o facto de que face à reivindicação do
poder pela técnica o homem se vê reduzido à cia de provocar a natureza para a mobiliza-
ção. O próprio homem é intimado, é subme-
perplexidade e à impotência, quer dizer, à
tido à exigência de corresponder a esta exi-
necessidade de se conformar, pura e simples-
gência.
mente - explícita ou implicitamente -, ao
Aproximamo-nos da força secreta daqui-
carácter irresistível da dominação tecnoló-
lo que hoje, no mundo tecnicamente domi-
gica. Quando se aceita, antes de mais, nesta
nado é, se nos limitamos a reconhecer sim-
submissão ao inevitável, a concepção cor-
rente da técnica, adere-se então nos factos ao plesmente a exigência que se exprime no
carácterpróprio da técnica moderna, exigên-
triunfo de um processo que se reduz a prepa-
rar continuamente os meios, sem nunca se cia dirigida ao homem para que provoque a
natureza a fornecer a sua energia. E isto em
preocupar com uma determinação dos fIns.
lugar de nos furtar a esta exigência diminuin-
Mas tomou-se, entretanto, manifesto que
do-nos nas impotentes manifestações dos
a representação fim-meio não atinge nada do
fms que se limitam apenas à salvaguarda do
que é próprio à técnica. O seu carácter pró- humano.
prio restringe-se àquilo que nela se exprime
Mas o que é que tudo isto tem a ver com
como exigência de provocar a natureza para
a língua? Em que medida se toma necessário
fornecer e assegurar a energia natural. Esta
falar da língua dos tecnólogos, quer dizer, de
exigência é mais poderosa que toda a deter-
minação dos fIns pelo homem. Afirmá-Io uma língua determinada pelo que a técnica
tem de mais próprio? O que é a língua,
não signifIca mais que reconhecer uma força
porque é que éjustamente ela que se encontra
secreta no reino daquilo que hoje é. Isto
exposta de uma maneira particular à exigên-
signifIca ceder a uma exigência que se situa
cia de dominação da técnica?
para além do homem, para além dos seus
projectos e das suas actividades. O que a
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Martin Heidegger língua de tradição e língua técnica

Língua questões poderiam ser desenvolvidas de


maneira apropriada. Também nos aterere-
mos, em princípio, a propósito da língua,
como a propósito da técnica, às concepções
correntes.
Falar é:
1)uma capacidade, uma actividade e uma
consumação do homem;
2) o funcionamento dos órgãos de elocu-
ção e do ouvido;
3) a expressão e a comunicação dos movi-
Desde tempos antigos prevaleceu a dou- mentos da alma guiados pelos pensamentos
trina segundo a qual o homem, diferente- com vista à harmonia recíproca;
m"enteda planta e do animal, é º ser CÇ),paz de 4)uma representação e uma apresentação
palavra. Esta fórmula não significa somente do real e do irreal.
que ao lado das outras capacidades o homem Estas quatro defmições da língua, ainda
possui também a de falar. A fórmula quer equívocas em si mesmas, foram mais tarde
dizer: só a língua permite ao homem ser este estabelecidas sobre uma base mais profunda
ser vivente que ele é enquanto homem. É por Wilhelm von Humboldt, que assim de-
enquanto ser falante que o homem é homem... terminou de maneira mais completa o con-
Mas o que é isto de homem, ou o que é que junto do domínio da língua. Contentar-nos-
ele é? E que significa falar? É suficiente a -emos em citar uma única frase retirada das
enunciação destas duas questões para dar a suas considerações sobre a língua.
entender que se revelam aqui numa inco- . «Quando na alma desperta verdadeira-
mensurável profusão de coisas que podem mente o sentimento de que a língua não é
ser questionadas. Mas mais inquietante que simplesmente um meio de troca com vista ao
esta profusão é a falta, nesta problemática, de acordo recíproco, mas que ela éum verdadei-
um fio condutor seguro a partir do qual estas ro mundo que o espírito é obrigado a pôr
•• •

32 língua de tradição e língua técnica 33


Martin Heidegger

entre si e os objectos pelo trabalho interno da comunicação. Ora é precisamente esta con-
sua força, então ela (a alma) está no bom - cepção corrente da língua que se vê não
caminho para se encontrar sempre mais nela somente avivada pelo facto da dominação da
(a saber, na língua como mundo) e a investir- técnica moderna, mas reforçada e levada
-se nela.»3 exclusivamente ao extremo. Ela reduz-se à
A frase de Humboldt contém um enuncia- proposição: a língua é informação.
do negativo e um enunciado positivo. O Poderíamos acreditar que a interpretação
positivo diz: cada língua é uma visão do técnica da língua como instrumento de co-
mundo, a saber, a do povo que a fala.A língua municação é evidente por si própria, isto é,
é o mundo intermediário entre o espírito que a técnica se compreende a si mesma
humano e os objectos. A língua é expressão como um instrumento e apresenta toda e
deste entremeio do sujeito e do objecto. Só qualquer coisa sob esse aspecto. Mas à luz do
numa época recente é que a intuição decisiva que acaba de ser discutido sobre o que é
de Humboldt sobre a essência da linguagem próprio da técnica e da língua, esta apresen-
teve influência sobre a linguística e a crítica tação é superficial. Pelo contrário, é preciso
literária. Podemos referir-nos às investiga- perguntarmo-nos: em que medida o que é
ções de Leo Weiberger e da sua escola, assim próprio da técnica acaba por se impor à
como ao notável livro de Gerhard Storz, que língua levando à sua transformação em pura
foi ministro da Cultura, Língua e Poesia informação, de tal maneira que provoca o
(1957)4. homem, quer dizer, obriga-o a assegurar a
O enunciado negativo da frase de Wi- energia natural e a colocá-Ia à disposição?
lhelm von Humboldt sublinha que a língua Em que medida há, além disso, na própria
não é um simples instrumento de troca e de língua, a exterioridade que oferece o meio e
a possibilidade de uma transformação em
3 WilheIm von Humboldt, Über die Verschiedenheit des mens- língua técnica, isto é, em informação?
chlich!!fl Sprachbaues und ihren Einjluss aul die geistige Entwi.
cklung des Menschengeschlechtes (Berlin 1836). Facsimilada da Para responder, ainda que sumariamente,
edição original de 1836, Bonn: Dümmlers Verlag 1960, t. 20,p. 221. a estas questões são necessárias duas coisas:
4 Gerhard Storz, Sprache und Dichtung, Munich: Kõsel- Verlag
1957. antes de mais, uma defmição do que é
~ I
!
34 Martin Heidegger 3S
língua de tradição e língua técnica

próprio da língua, quer dizer, do que é defi- dizer, o ente-presente ascende à aparência
nitivamente o falar do homem. A seguir é _ (Le., ao aparecer): está presente e como; e no
preciso que seja suficientemente delimitado dizer vem também à aparência o ausente
o que significa informação no sentido rigo- como tal. Todavia, o homem não pode verda-
rosamente técnico. deiramente dizer, isto é, mostrar e fazer apa-
Ainda que a interpretação de Wilhelm von recer senão aquilo que se mostra a ele de si
Humboldt acerca da língua como visão do próprio, que aquilo que de si próprio aparece
mundo constitua uma contribuição frutuosa, se manifesta e se dirige a ele.
deixa no entanto indeterminado o que é pró- Mas o dizer como mostrar pode igual-
prio da língua, o próprio falar. Por razões que mente ser concebido e efectuado de tal ma-
renunciamos expor aqui, Wilhelm von Hum- neira que mostrar significa somente: dar
boldt fica-se pela definição da língua como a
sinais. sinal toma-se então uma mensagem
expressão, a saber, de um interior - a alma e uma instrução acerca de uma coisa que, em
- por um exterior - a voz e a escrita. si mesma, não se mostra. Um som que retine,
Mas falar é essencialmente dizer. Quem uma luz que brilha, não são, tomados em si
quer que seja pode falar sem cessar e a sua próprios, sinais. Não são produzidos e im-
palavra não dizer nada. Um silêncio, pelo postos como sinais senão para que aquilo que
contrário, pode dizer muita coisa. Mas o que devem significar à vez sej a antecipadamente
significa «dizem? Sabê-Io-emos se prestar- admitido, seja dito. Pensemos nos sinais em
mos atenção ao termo. Sagan5 significa mos- morse, que são limitados ao ponto e ao traço
trar. E que significa mostrar? Significa fazer e nos quais o número e a ordem são associa-
ver e entender qualquer coisa, levar uma dos às sonoridades da língua falada. O sinal
COIsaa aparecer. particular, de cada vez, não pode ter senão
anão dito é o ainda não mostrado, o ainda mna de duas formas, ponto ou traço. A série
não chegado ao aparecer. Mas graças ao dos sinais é neste caso reconduzida a uma
série de decisões sim-não. As máquinas são
S Sagan: como em Unterwegs zur Sprach, 252, Heidegger
recorreu à ortografia arcaica para sublinhar aquilo que, segundo ele, c.oagidas à produção de tais séries: estas,
é o sentido primeiro de Sagen, dizer como mostrar.
graças aos fluxos de corrente e aos impulsos
36 37
Martin Heidegger língua de tradição e língua técnica

eléctricos, seguem este modelo abstracto de natureza dos programas que podem servir de
produção de sinais e fornecem as mensagens entradas para o computador, entradas com as
correspondentes. Para que uma tal espécie quais podemos, como se diz, alimentá-Io,
de informação se tome possível cada sinal regula-se sobre o tipo de funcionamento da
deve ser defmido de maneira unívoca; da máquina. O modo da língua. é determinado
mesma maneira cada conjunto de sinais deve pela técnica. Mas o contrário não é verdadei-
significar de maneira unívoca um enunciado ro? O modelo da máquina não se regula sobre
determinado. O único carácter da língua que os objectivos linguageiros, como, por exem-
permanece na informação é a forma abstrae- plo, os da tradução? Mas mesmo neste caso
ta da escrita, que é transcrita nas fórmulas de os objectivos da linguagem são, antecipada-
uma álgebra lógica. A univocidade dos si- mente e por princípio, ligados à máquina,
nais e das fórmulas,qúe é necessariamente que exige sempre a univocidade dos sinais e
exigidapor isto, assegura a possibilidade de da sua sucessão. É por isso que um poema,
uma comunicação certa e rápida. por princípio, não pode ser programado.
É sobre os princípios tecno-calculadores Com a dominação absoluta da técnica
desta transformação da língua- como dizer moderna cresce o poder - tanto a exigência
em língua como mensagem e como simples como a eficácia - da língua técnica adapta-
produção de sinais - que repousam a cons- da para cobrir a latitude de informações mais
trução e a eficácia dos computadores gigan- vasta possível. É porque se desenvolve em
tes. O ponto decisivo para a nossa reflexão sistemas de mensagens e de sinalizações
atém-se a isto: /são as possibilidades técnicas formais que a língua técnica é a agressão
da máquina que prescrevem como é que a mais violenta e mais perigosa eontra.9 carác-
.língua pode e deve ainda ser língua. O géne- ter próprio da língua, o dizer como mostrar e .
ro (Art) e o estilo da língua determinam::S.e.a.. fazer aparecer .o presente e o ausente, a
partir das possibilidades técnicas de produ- realidade no sentido mais lato.
São formal de sinais, produção que consiste Mas porquanto a relação do homem, tanto
em executar uma série contínua de decisões quanto ao ente que o rodeia e o sustenta como
sim-não com a maior rapidez possível. A ao ente que é ele próprio, repousa sobre o
38 Martin Heidegger lingua de tradição e língua técnica

fazer aparecer, sobre o dizer falado e não Norbert Wiener: «Aprender é fundamental-
falado, a agressão da língua técnica sobre o mente uma forma de retroacção pela qual o
carácterpróprio da língua é ao mesmo tempo modelo de comportamento émodificado pela
uma ameaça contra a essência mais própria experiência que precede» (op. eit., p. 63). <<A
do homem. retroacção ... é um carácter absolutamente
Se, avançando no sentido da dominação universal das formas de comportamento»
da técnica que determina tudo, temos a infor- (ibid.). <<Aretroacção é a condução de um
mação pela forma mais alta da língua por sistema pela reintrodução no próprio sistema
causa da sua univocidade, da sua segurança dos resultados do trabalho cumprido» (op.
e da sua rapidez na comunicação de informa- eit., p. 65).
,eão e de directivas, então o resultado é a Uma máquina executa o processo técnico
concepção correspondente do ser-homem e de retroacção, defmido como circuito de
de vida humana. Assim lemos em Norbert regulação, assim como - senão de maneira
Wiener, um dos fundadores da cibernética, tecnicamente mais reflectida- o sistema de
disciplina avançada da técnica moderna: «Ver mensagens da língua humana. É por isso que
o mundo inteiro e' dar ordens ao mundo a última etapa, se não for a primeira, de todas
inteiro é quase a mesma coisa que estar em as teorias técnicas, é explicar «que a língua
todo o lado» (Homem e máquina humana6, não é uma capacidade reservada ao homem,
95). E noutro lugar: «Viver activamente sig- mas uma capacidade que partilha até um
nifica viver com a informação apropriada» certo grau com as máquinas que desenvol-
(op. eit., p. 114). veu» (Wiener, op. cit., p. 78). Uma tal propo-
No horizonte de representação da língua, sição épossível se se admite que o próprio da
seguindo a teoria da informação, interpreta- língua está reduzido, isto é, limitado à produ-
se igualmente de maneira técnica uma activi- _ção de sinais, ao envio de mensagens.
dade como a de aprender. Assim escreve No entanto, também a teoria da informa-
ção vai, necessariamente, de encontro a um
limite. Porque «cada tentativa de tomar uní-
6 Norbert Wiener, Sprache und Dichtung, Francfort: Kõsel-
-Verlag 1952. "locauma parte da língua (pela sua formali-
40
Martin Heidegger língua de tradição e língua técnica 41

zação num sistema de sinais) pressupõe o O título desta conferência, «Língua da


uso da língua natural, mesmo não sendo ela tradição e língua técnica», não designa, pois,
unívoca» (C. Fr. von Weizsãcker, A língua apenas oposição. Atrás do título da conferên-
como informação7). A língua <<natural»,quer cia esconde-se a alusão a um perigo a crescer
dizer, a língua que não foi por princípio constantemente e que ameaça o homem no
inventada e imposta pela técnica, é sempre mais íntimo da sua essência- a saber, na sua
conservada e permanece, por assim dizer, relação com a totalidade daquilo que foi, do"
como pano-de-fundo de toda a transforma- que vai vir e que presentemente é. O que num
ção técnica.
primeiro momento se apresenta somente
Aquilo que é aqui nomeado por língua como uma diferença de dois géneros de
«natural» - a língua corrente não tecniciza- língua, afIrma-se como um acontecimento
da -, nós denominámo-Ia no título da con- que domina o homem e que não toca e não
ferência por língua da tradição (überlieferte abala mais nada do que a relação do homem
Sprache). Tradição não é uma pura e simples com o mundo. É um desmoronamento do
outorga, mas a preservação do inicial, a sal- mundo do qual o homem nota, contristado,
vaguarda de novas possibilidades da língua os sobressaltos, porque é continuamente co-
já falada. É esta que encerra o informulado e berto pelas últimas informações.
o transforma em dádiva. A tradição da língua Também imporia examinar se face às for-
é transmitida pela própria lfngua, e de tal ças da época industrial o ensinamento da
maneira que exige do homem que, a partir da língua materna não se toma outra coisa senão
língua conservada, diga de novo o mundo e a simples transmissão de uma cultura geral
por aí chegue ao aparecer do ainda-não- por oposição à formação profIssional. Era
-apercebido. Ora eis aqui a missão dos poe-
tas. preciso considerar se este ensinamento da
língua não mereceria ser, mais do que uma
formação, uma meditação sobre o perigo que
7 Carl Friedrich vun Weizsãcker, Sprach ais Information, in: Die
ameaça a língua, quer dizer, a relação do
Sprache, quinto lançamento da publicação anual Gestait und Ge- homem com a língua. Ora uma tal medita-
danke, Munich: Verlag R. Oldenburg 1959, p. 70.
ção revelaria ao mesmo tempo a dimensão
~ ~

42 Martin Heidegger

salvadora que se abriga no segredo da língua, Nota do editor alemão


na medida em que é ela que sempre nos
conduz de um só golpe à proximidade do.
,
inefável e do inexprimível.

Este texto reproduz um manuscrito até agora


inédito - depositado no Deutsches Literaturar-
chiv de Marbach - da conferência que Martin
Heidegger proferiu em 18 deJulho de 1962 aquan-
do de uma sessão para os professores das escolas
profissionais, na Academia de Estado para a For-
mação Contínua, em Combourg (SchwãbichHall).
A conferência foi feita por incitação e graças à
intercedência do filho de Martin Heidegger, Jorg
Heidegger, que ensinava então como engenheiro
diplomado numa escola profissional.
A edição do texto implicou a correcção de desa-
tenções evidentes do autor. Conservaram-se os
modismos próprios do estilo de Heidegger.
As notas foram acrescentadas pelo editor.
Agradeço cordialmente ao Deutsches Literatur-
archiv de Marbach e em particular à senhora
Brigitte Schillbach, pela sua ajuda preciosa.
Attental, Março de 1989.
Hermann Heidegger
«Somente renovando a língua é que se pode reno-
var o mundo. Devemos conservar o sentido da
vida, devolver-lhe esse sentido, vivendo com a
língua. Deus era a palavra e a palavra estava em
Deus. Este é um problema demasiado sério para
ser lançado nas mãos de uns poucos ignorantes
com vontade defazer experiências. O que chama-
mos língua corrente é um monstro. A língua serve
para expressar ideias; mas a língua corrente ex-
pressa apenas clichés e não ideias; por isso está
morta e o que está morto não pode engendrar
ideias.»

João Guimarães Rosa


------------------".. -------------------~
...

A Henrique Urbano: con el pied en el camino.


Para Helena Maria Ribeirinho: companheira de
ideais, de copo e de cruz: juntos no mesmo cami-
nhar.
Entre o fim da metafísica e a época técnica:
Martin Heidegger

opensamento de Heidegger é sobretudo


abordado pelo lado da lancinante investiga-
ção sobre o ser. Esta investigação não está
desligada de uma interpretação da história
da civilização. Segundo Heidegger, a nossa
época técnica não se pode compreender se-
não como o fim trágico de uma longa e
catastrófica história da metafísica. Assim, a
«questão do ser» seria central na apreciação
do tempo. Experimentemos seguir Heide-
gger sobre este caminho.
Um mundo afundado. Uma terra devasta-
da. Um homem reduzido à sua composição
animal, tomado besta de trabalho!. Tal seria
afigura que se nos desve.,laria, no ponto em
que estam os da época técnica.
Vejamos mais detalhadamente esta figu-
ra. No centro, o tipo de produção: é domina-
dor e violento: exige da natureza, provoca-a
---------------T---------------~.
50 . Entre o fim da metafisica da época técnica: 51
língua de tradição e língua técnica
Martin Heidegger

a mostrar aquilo que esconde, impõe-se a este processo e destinar para o mesmo coisas
ela, obriga-a a dar. 2 • Em lugar defazer advir e pessoas; diferente do sub-homem por este
ou eclodir as suas potencialidades, obriga- instinto não o é pela sua referência ao pro-
a a dar. Por isso mesmo, devasta-;a: a partir cesso de produçã06•
do momento em que uma central eléctrica é No universo da técnica, a linguagem como
instalada no Reno para o fazer dar a sua dizer e mesmo como saber cede o lugar à
energia, as coisas mudam de sentido: o rio é informação: o conjunto das notícias que é
cercado na central, é uma função da central. necessário conhecer para permitir aos pro-
E onde a central não é visível, será provoca- cessos de produção um infinito desenvolvi-
do de uma outra maneira: o rio da paisagem, mento, mas também o conjunto das notícias
cantado por Holderlin, toma-se um objecto que é necessário difundir para que a opinião
para o qual se tira um passaporte numa pública entre nestes processos: a informa-
agência de viagens. Já não há Reno: apenas ção forma enquanto espalha e, naturalmen-
uma força e uma mercadoria3• te, deforma em proporção. Na idade da ci-
Mas vemos que não é só da natureza que bernética e das suas múltiplas possibilida-
exigimos: tudo está sob requisição, e em des de informação, não só comunicadas mas
primeiro lugar os homens, «a mais importan- inscritas nas máquinas, que restará dos ho-
te das matérias-primas»4: o homem é obriga- mens?7
do àprodução, servidor da máquina,funcio- O mais perturbador, na visualização des-
nário da técnica. Esta tarefa define-os: os te mundo técnico, situa-se ao nível da infor-
«efectivos» humanos são concentrados ou mação; o mercado organiza-se num imenso
distribuídos segundo as exigências da técni~ processo de troca, segundo um cálculo uni-
ca. As diversidades entre os homens, cultu- versal, mas para quem e para quê? O consu-
rais, nacionais, étnicas ou outras,já não têm mo é um processo de usura mais do que de
valor: são forçosamente uniformizadas pelo uso; usa-se o que se faz a natureza e os
serviço da técnica5• O super-homem seria homens darem; no processo de usura, sem
aquele que, por instinto ou adestramento, significação, organiza-se tudo numa esca- .
perceberia com segurança como continuar Ia desmesuradas: se um produto falta é
•••••••••••••..............•...•...
------------------------ ......••

52 53
Entre o fim da metafisica da época técnica: língua de tradição e língua técnica
Martin Heidegger

substituído (ersatz!), menos para responder que Heidegger procura quando faz remontar
a uma necessidade do que para não deixar a técnica, como instrumentalidade e mani-
nada vazio num espaço que se pode sempre pulação (e não há nada a dizer contra ela a
preencher, mesmo que não se saiba para quê .. este nível), à essência da técnica.
O mundo da técnica é o mundo da errân- De que se trata? De que a técnica é ofim
cia: os homens não têm nenhum ponto de do que Heidegger chama a «metafisica»l1;
referência. As guerras mundiais que enfure- ela é o fruto da sua longa história; ela é o
cem o mundo não têm mais sentido que apaz ponto em que a filosofia «conjuga as suas
que se segue: porquê fazer apaz e porquê ter possibilidades extremas» 12, oponto terminal
feito a guerra?9 de um itinerário em que a figura de PIa tão
Esta visualização deplorável, da qual marca o ponto de partida e dá a inspiração
podemos continuar a descrição, não deve constante. Se não se refere esta situação
dar lugar a lamentaçães de tipo moral, como terminal da técn~ca ao longo caminho da
se não tivéssemos feito o que de nós depende metafisica, não a compreendemos em abso-
para manter a técnica nos seus justos limites luto eficamos desarmados face à sua pene-
ou como se não tivéssemos sabido insuflar os tração totalitária13. Então, para ir ao fundo
valores ou o «suplemento de alma» necessá- do problema que põe a expansão da técnica
rios ao equilíbrio do desenvolvimento da que se tornou terrífica é necessário deslocar
máquina10.Heidegger - e é este o seu gran- o discurso ou ao menos religá-lo à investiga-
de mérito - quer ir muito mais longe na ção sobre a metafisica14.
análise e esforça-se por desvelar o sentido Para trazer à luz a ligação da técnica à
profundo da situação que está para além de metafisica há que remontar para o longo
um juízo ético. Este, se tiver lugar, depende- processo histórico que Heidegger chama o
rá de uma investigação que religue os aspec- destino da filosofia ocidental, onde se en-
tos deploráveis concretos que vimos às di- contra a ligação necessária e fatal que nos
mensões mais radicais dos homens: as que conduziu onde estamos ..
têm que ver com a sua relação com o ser e o Martin Heidegger designa por uma pala-
tempo, e com a história desta relação. É o vra não traduzível, Gestel15, o estado mortal
~~!!I!!!I!!I!!!II!!!!!II!!!!!I"-_I!III!I_-----·T-----------------·""'-
55
54 Entre o fim da metafisica da época técnica: língua de tradição e língua técnica
Martin Heidegger

onde nos encontramos. Este termo reúne16 e sibilidade de voltar a si, fora de qualquer
sugere todas as variantes da raiz que encar- condição, como à vontade da vida»20,é de
na (não apenas no sentido de exprimir, mas facto uma transmutação: Nietzsche herda de
também no de tomar concretamente corpo), um mundo secularmente marcado pela om-
o processo de manipulação, de artificialida- nipotência do racional, suposto com capaci-
de, de abstracção destrutiva que é preciso dade para reassumir qualquer coisa e toda a
indicar, stellen: colocar, meter, adiante, atrás, história, seja segundo a variante idealista de
violentamente, docemente, produzir, arran- Hegel (movimento dialéctico do espírito
car, dispor de, deslocar17• Ora todos estes absoluto), ou a de Marx, materialista (pro-
termos reenviam para uma certa atitude da cesso histórico da produção), e transmuta
vontade, que se tomou a si própria como fim este primado do racional em primado da
e reconduz indefinidamente tudo a si18, uma vontade.
deslocação que unifica paradoxalmente a Somos então reenviados de Nietzsche a
desmedida (uma vez que não há outra regra Hegel, onde o idealismo transcendental apa-
que o puro querer de si) e a exactidão (pois, , rece, por seu lado, como aforma radical de
para esta acção agressiva, ela usará até ao um processo iniciado com Descartes: na
fim a razão mais friamente calculista, donde aurora dos tempos modernos, a percepção
a inflação das ciências e da sua aplicação da consciência por si própria toma-se fun-
sem limites no maquinismo)l9. damento de toda a certeza21; sobre estefun-
Esta atitude da vontade, virada sobre si damento se constrói a distinção entre sujeito
própria e o seu querer viver, reenvia a Nietzs- e objecto, encontrando-se o real objectivado
che: foi por ele que o fundo do real se e dominado pela consciência, critério último
manifestou como força de vida, imediatez da verdade. A reflexão do Cogito sobre si
sensív~l e vital, que constrói campos de próprio tem como corolário o primado da
valores livres da escravatura da racionali- representação, tomando todo o ser a forma
dade e da lei. Ora esta recentração da reali- da apresentação que os homens se fazem do
dade como dinamismo de um querer-viver objecto a partir da certeza de si. Não é
centrado em si, «vontade da vontade», «pos- possível seguir aqui as vicissitudes desta
--

57
56 Entre o fim da metafisica da época técnica: lingua de tradição e lingua técnica
Martin Heidegger

construção da realidade da autoposição do segundo a influência unificada das quatro


sujeito, de Descartes, onde ela se inicia, até causas25.Será que a análise fornecida por
Hegel, onde se torna perfeita, duas etapas Heidegger sobre as noções de mundo26 ou de
importantes, passando por Leibniz e Kant, sujeito27 nopensamento grego esclarece esta
para aposição de Heidegger. Há que ter em etapa da filosofia ocidental? Há nestes ter-
conta apenas que, em Hegel, ofundamento é mos um aspecto de permanência, deposição
total e definitivamente posto no sujeito22, junta que sustém, uma forma de solidez do
como termo de um percurso que reassume e ente que se desvela e aparece como um todo
articula a realidade do ser, do pensamento e assegurado pelasfortes ligações da causali-
da história. É este absoluto do percurso .dade. Mas há também um aspecto dinâmico,
como racionalidade subjectiva que Nietzs- no sentido em que aquilo quejunta e sustém
che quis transpor. se propõe à diversidade dos entes para fun-
No entanto, a corrente da modernidade, dar o seu devir. Enfim, esta apresentação do
iniciada com Descartes, é ela própria, se ente manifestado funda aqui a verdade: o
não a transposição ao menos a deslocação desvelamento do ente é a medida da sua
de um longo processo que a precedeu. Des- verdade; olhada a partir dos homens, esta
cartes deslocou sobre a certeza do Cogito o será dita então como a adequação entre a
que a inspiração da filosofia grega, ainda coisa e o intelecto.
dominante na Idade Média, tinha colocado Foi com Pia tão que afilosofia começou a
sobre a manifestação do ente; não é fácil ser centrada sobre o ente assim concebido,
definir exactamente neste contexto o termo na evidência da sua manifestação, na clare-
«ente»: trata-se da realidade enquanto ma- za do seu conceito, na oferta da sua disponi-
nifestada, desvelada, tornada evidente e, con- bilidade. Desta aparição do ente assim con-
sequentemente, disponível, «à mão»23.Esta cebida em Pia tão até ao espírito absoluto de
man~festaçãotornou-se possível pelos jogos Hegel a linha é contínua: através das deslo-
de causalidade que tornam presentes os en- cações chega-se à automanifestação total,
tes, na diversidade da sua ideia e da sua sem limite e sem mistério, do ente. A trans-
essência, à luz de um Bem transcendente24 ou mutação de Nietzsche, uma vez que não
______________ ~",.._--------------- ••••
-...íl

59
58 Entre o fim da metafisica da época técnica: língua de tradição e língua técnica
Martin Heidegger

mudafundamentalmente a perspectiva, ma- (e poder-se-ia não ter produzido?) aquilo


nifesta o lado trágico efatal desta visualiza- que se pode chamar um erro de direcção,
ção sobre o ente que conflui na opressão do uma forma de desprendimento ou de defor-
homem pela Gestell e as formas sociais que mação na manifestação do ser ou, o que dá
ela produz. no mesmo, najusta apreciação da diferença
Então, que é que se passou no princípio? ontológica entre ser e ente28• Em vez da
Isto: afilosofia esqueceu a diferença ontoló- articulação viva entre ser e ente, a dobra que
gica, quer dizer, ofacto de que o ente que se os liga um ao outro ao distingui-los continua
apresenta e sobre o qual se lançaram rapi- no primeiro plano do pensamento e conserva
damente a inteligência e a mão procede na . assim no ser o seu poder originário, é com
realidade do ser e que era necessário pensar Platão o ente enquanto ente que se dá a ver;
esta articulação do ente e do ser, nesta dobra, é visto, sem dúvida, à luz do ser e é o próprio
como diz Heidegger, que não dá nem o con- ser que sempre !eva o ente à presença, mas o
ceito, nem a representação, nem a auto- ser, quando difere do ente na própria dife-
-oposição de si como consciência, espírito rença, já não é pensado: o esquecimento do
ou vontade. Chegámos àquilo que é prova- ser.
velmente a intuição fundamental da obra de Desta forma a metaflsica dita uma lógica
Heidegger: se há, de qualquer maneira que do ente: ela esforça-se por o pensar ao nível
se possa exprimir, uma diferença ontológica, daquilo que o funda, da maneira mais uni-
uma não-identidade, no ente que se apresen- versal, a saber, o ser do ente; neste sentido
ta a nós sem cessar, entre este ente e o ser, ela é ontologia. Mais, numa procura última
esta não deveria dar imediatamente. lugar a de totalidade, ela esforça-se também por
um trabalho do espírito que o explique e fundar pela razão o próprio fundamento, o
assim o. anule, levando a uma outra e mais que a lev~ a colocar um Ente supremo como
subtil maneira de pensar a identidade. Ora causa sui, e neste sentido ela é teológica.
foi isto que se produziu e assim apareceu a Ora, esta constituição onto-teológica da me-
metafisica e, de uma maneira mais geral, a taflsica, ligada à deslocação inicial, traz em
filosofia e a cultura ocidentais; produziu-se germe todo o desenvolvimento da história da
61
60 Entre o fim da metaflsica da época técnica: língua de tradição e língua técnica
Martin Heidegger

cultura ocidental, tem uma linha (falaremos susceptível de mediações éticas ou de medi-
de fatalidade? Martin Heidegger fala de das de precaução: são de reco.rdar as adver-
destino) profundamente coerente que con- tências de H eidegger a este respeit032• Não é
duz da aparição ideal do ente, no pensamen- mesmo questão, coriw se isso fosse possível,
to grego a seguir a Sócrates, à agressão das de se manter afastado da técnica33• Então?
fontes da natureza que caracteriza a época Encontramo-nos aqui perante aquilo que
terminaF9. É a análise desta continuidade se poderia chamar a questão do depois: é
que permite situar a essência da técnica ao claro que a época técnica em que nos encon-
nível da metafisica: desde que o ente se tramos não pode conhecer um depois, ao
manifestou de qualquer forma por si pró- . menos à maneira das épocas que a precede-
prio, fora da sua articulação viva com o ser, ram que tinham recebido, após Pia tão, o seu
expôs-se a ser dominado (Begrift); agora depois específico. Se há um depois, não é um
sob a aparente benignidade do conceito cai depois da época técnica, mas um depois da
a máscara e aparece a agressão (Angrift)30. civilização ocidental. É permitido esperá-lo
Assim, a seguir ao primeiro esquecimento e pode-se pressentir a sua forma?
platónico desenha-se a figura da filosofia Não se pode esperar de Heidegger uma
ocidental: da etapa ôntica à etapa transcen- resposta clara e distinta! Parece, no entanto,
dental, depois à voluntária, esta última ma- que se depreendem algumas constantes das
terializando-se no desprendimento da Ges- passagens em que abordou a questão, que é
teU: vê-se, sucintamente, a lógica segundo a a questão deste tempo.
qual Heidegger percebe na técnica uma con- Muitas vezes e de uma maneira insistente,
sumação e porque é que a apresenta como o Heidegger cita uma passagem de Holderlin:
modo terminal da errância do ente fora do
ser. A essência da técnica aparece assim Mas onde está o perigo, cresce
como extremamente perigosa: <<AGesteU também aquilo que salva34
desprega a sua essência como perigo.»31 Es-
tando dada a longa genealogia e a consis- -e os seus comentários tendem a estabe-
tência filosófica, o perigo da Gestel não é lecer que não se trata aqui de uma justaposi-
62 63
Entre o fim da metafisica da época técnica: língua de tradição e língua técnica
Martin Heidegger

ção: à medida que cresce operigo, cresceria subitamente ao brilhar no extremo do infor-
também, mas noutro lugar, uma forçÇl de sal- túnio. É necessário aqui glosar as diferentes
vação que, chegado o momento, venceria o fórmulas que exprimem esta iniciativa que
perigo. É, pelo contrário, o próprio perigo não nos pertence. Na questão da técnica, «o
ou, o que dá no mesmo, o Gestell no extremo que acorda» cresce ao mesmo tempo que
do seu risco, que se pode revirar e manifestar aquilo que provoca e que explora: o Gewãrht
como aquilo que salva35• A explicação mais é mais antigo que o Gestell e o Gefahr, e nós
especulativa desta possibilidade encontra- podemos observar e olhar até àquilo que
-se na conferência intitulada Le Tournant: ... 37. A superação da metafisica fecha-se por
como extremo do perigo correspondente ao ,uma forma de pressentimento do Ereignis,
extremismo do Gestell, tocamos no extremo «que conduz certos mortais sobre a via da
da ocultação do ser, o que sucede depois de habitação pensante e poética»38.Na pergun-
Platão. A época do perigo/Gestell corres- ta sobre o porquê dos poetas é o círculo
ponde ao esquecimento enquanto esqueci- infinitamente vasto do Aberto que vem tocar
mento; por isso, se por uma forma de revira- aqueles que, mais do que outros, entraram
volta instantânea nos apercebêssemos onde na profundidade abissal do infortúnio39• No
estam os, no esquecimento absoluto, enquanto questionamento sobre a viragem é o ser que,
aquilo que é esquecido se manifestaria, apo- subitamente, ilumina, olha para nós e é no
calipse do ser num clarão. Seria necessário seu olhar que vemos40• Assim a salvação, se
andar até ao extremo do infortúnio, do peri- deve advir, chegará pela «graça» do ser no
go, onde já não há mistura que nos engane, momento último do perigo do ente.
para que o esquecimento possa ser manifes- Esta salvação que cresce, se se produz,
tado com esquecimento, o que significa que olha «certos mortais». Os dois termos mere-
ele abre a epifania do sei36• cem uma glosa. Certos: não todos, mas quem?
Sublinhei duas palavras: pode, possa. A Aqueles «que atingiram mais fundo no abis-
segunda constante, com efeito, do caminho mo da indigência e do infortúnio»4t, que
heideggeriano, é que não nos pertence sus- chegaram em primeiro lugar ao perigo? Sem
citar esta viragem. Só o ser se pode dar dúvida, mas também aqueles - os mesmos,
64 Entre o fim da metafisica da época técnica: lingua de tradição e lingua técnica 65
Martin Heidegger

seguramente- quepressentem os caminhos unidade das duasfaces se torne manifesta. O


que não levam a parte alguma, os únicos mortal não é então necessariamente aquele
onde o ser caminha: os homens do pensa- que passa da vida à morte, mas o que, hoje,
mento meditante, da razão pascaliana42, os se tem sob aface es<;ondida,sob o apelo do
poetas, os homens da espera; sem se excluir ser, sob o toque da morte assim entendida.
do perigo no qual, mais do que quaisquer Neste sentido, o mortal é também o que
outros, eles sentem a totalidade, deixam cres- consente, por oposição ao que quer. Ele é,
cer, no próprio coração do perigo, aquilo por equivalência, o homem da Gelassenheit45•
que se revelará. Mortais: apalavra diz exac- Assim se deixapressentir a salvação, como
tamente aqueles de que estamos afalar. «o uma queda de onde estamospara o direito de
que importa não é que vivamos pelos áto- esperar, se analisamos o fundo do esqueci-
mos, mas que possamos ser os mortais que mento, mas na qual o acontecimento não
somos, a saber, aqueles que se têm sob o depende dos homens. Não sabemos mais. As
apelo do ser. Só semelhantes viventes são categorias de transiçã046que Heidegger adi-
capazes de morrer, quer dizer, de assumir a anta para sugerir a figura do mundo e da
morte como morte»43.Porque é que ter-se coisa sob a iluminar;ão do ser não fazem
sob o apelo do ser significa ser mortal? O descrições antecipadas e permanecem fora
que é a morte como morte? Rilke responde: do campo religioso. Nós estam os na época
«A morte é aface da vida que é afastada de técnica. Alguns de entre nós podem-se ter
nós, que não é iluminada pornós»44. O círcu- sob o apelo do ser, mas o que é que advirá?
lo mais vasto do ser, a esfera parmenidiana, Se, por muito sumária, esta apresentação
oAberto (estes termos equivalem-se) tem a não é inexacta, permite-nos as seguintes
suaface escondida. Escondida de quem? Da conclusões: a angústia de um depois iminen-
razão calculista, da vida em estado de agres- te, para o qual não se consegue discernir
são constante da natureza e dos homens. figura alguma, é referida por Heidegger a
Pressentida por quem? Por aqueles que uma atitude metafisica fundamental, que
meditam e esperam, sabendo que aquilo que permanece a mesma ao degradar-se cada
está escondido se revelará, de forma que a vez mais ao longo de uma história que é tanto
66 Entre o fim da metafisica da época técnica: língua de tradição e língua técnica 67
Martin Heidegger

a da cultura e da acção humanas como a do uma mortalidade fundamental, a de uma


pensamento. Nós perdemos o tempo porque autonomia de todo o ente satisfeito da sua
esquecemos o ser. pura presença a si próprio?
No ponto em que estamos existe ainda Não é uma introdução o lugar para uma
uma esperança, a de uma reviravolta verda- avaliação, mas há uma questão que (se)
deiramente total da situação no momento em pode levantar (a) este caminho de pensa-
que esta atinge o paroxismo do absurdo - mento: se a era técnica não tem um depois,
reviravolta que requer da parte do homem o dom do tempo e do ser que esperamos tem
uma espera daquilo que deve ser doado mas um antes, ou é necessário conceber a salva-
que não se pode deforma alguma preparar ção como uma origem pura, nunca desligada
para tomar, o que releva ainda de uma atitu- daquilo que a precedeu?
de metafisica. Não se sabe nem o que se
passará, nem como seremos implicados. Sítio de S. Salvador do Mundo,
Apenas sabemos que é imenso aquilo que Agosto de 1993.
Mário Botas
está em jogo porque aquilo que se deve
revirar não é senão o espaço global da
civilização ocidental. Não épossível fundar-
mos a nossa esperança no que quer que seja,
pois os termos da fundação pertenceriam
ainda à era da metafisica e da técnica. Não
há senão quepermanecer sob o apelo do ser,
à espera daquilo que não pode ser senão
doação e onde se receberá também a verda-
deira figura do tempo. Neste tempo onde
parece que reencontramos a morte dado que
esta atitude de espera, este permanecer do
qual nem o local nem o objecto são verdadei-
ramente definidos, não é o consentimento de
Notas

'.

I MartinHeidegger, Dépassement de Ia métapJrysique, in: Essais


etConférences, Paris: 1958, 80-1I5, 82.
2 Martin Heidegger, La question de Ia tecnique, in: Essais et
Conférences, Paris: 1958, 9-48, 20.
3 Martin Heidegger, Essais et Conférences, Paris: 1958,21.
4 Martin Heidegger, Essais et Conférences, Paris: 1958,24, 106;

\ Martin Heidegger, Pourquoi des poetes?, in: Chemins qui menent


nulle part, Paris: 1962,236.
S Martin Heidegger, Essais et Conférences, Paris: 1958, 112.
6 Martin Heidegger, Essais et Conférences, Paris: 1958, 109.
7 Martin Heidegger, Essais et Conférences, Paris: 1958, 24;
Martin Heidegger, Chemins qui ne menent nulle part, Paris: 1962,
236; Martin Heidegger, Le Principe de Raison, Paris: 1962, 260.
8 Martin Heidegger, Essais et Conférences, Paris: 1958, 106;
Martin Heidegger, Chemins qui ne menent nulle pari, Paris: 1963,
239.
9 Martin Heidegger, Chemins qui ne menent nulle part, Paris:
1958, 113: <<.4 terra, não-mundo da errância».
10 Uma parte do texto de Martin Heidegger, Le Principe de
raison, Paris: 1962,255, é consagrada à discussão da contribuição de
uma fórmula como: face à técnica «tudo depende de nós», a saber: ela
permanece ou não humana? Cfr. Martin Heidegger,Essais et Confé-
rences, Paris: 1958; Martin Heidegger, Chemins qui ne menent nulle
part, Paris: 1962,237.
" Isto é dito em todos os textos em que está formalmente posta
a questão da técnica. Ás referências dadas acima pode-se juntar, por
exemplo, Martin Heidegger, Lafin de Iaphilosophie et Ia tdche de Ia
pensée, in: Questions IV, Paris: 1976, I 17.
70 Entre o fim da metafisica da época técnica: língua de tradição e língua técnica 71
Martin Heidegger

12Martin Heidegger, Questions IV, Paris: 1976, 114-115. 24Martin Heidegger, La doctrine de Platon sur Ia vérité, in:
Questions 11, Paris: 19, 148 ss.
13Para tudo o que se segue cfr. Michel Haar, Heidegger et
l'essence de la técnique, in: Études Germaniques, 32 (1977), 299- 25Martin Heidegger, Essais et Conférences, Paris: 1958, 10-17.
-316 e também Reiner Schürmann, Le Principe d'anarchie, Paris: 26Cequifait I 'étre-essentiel d 'unfondement ou «raison», perífra-
1982,222-244. se de Henry Corbin para traduzir Won Wesen des Grundes, in: Martin
14 Martin Heidegger deu numerosos esboços do destino da Heidegger, Question I, Paris: 19, 112-113.
filosofia ocidental, tal como o vê: cfr., por exemplo, Dépassementde 27Martin Heidegger, Nietzsche n, Paris: 1971, 344-349.
la Métaphysique, in: Essais et Conférences, Paris: 1958,83-88; 96- 28Martin Heidegger, Nieizsche n, Paris: 1971, 209.
-100. Um esquema visual muito sugestivo da interpretação que 29Martin Heidegger, Essais et Conférences, Paris: 1958, 88-89.
Heidegger faz da história do ser encontra-se no fragmento intitulado 30Esta apresentação, do antes para trás, do destino da filosofia
L 'étre, publicado em Projects pour l'histoire de l 'étre en tant que ocidental deveria permitir uma melhor compreensão, de trás para
métaphysique, in: Nietzsche n, Paris: 1971,379-380. antes, um dos esboços de Heidegger, La fin de la philosophie et Ia
15M. Haar, art. cit., 305, nota 17, discute as traduções tentadas tâchede lapensée, in: Questions IV, Paris: 1976, 113: «Se se chama
pelos diversqs autores, preferindo a de André Préau. Pelo contrário, fundo ou fundamento aquilo de onde o ente como tal no seu devir,
os tradutores da famosa conferência Le Toumant, in: Questions IV, desaparição epermanência, é, aquilo que ele é e como ele é, enquanto
Paris: 1976, 142-157, não traduzem e justificam-se na página 155, susceptfvel de ser conhecido, tomado na mão e elaborado», então a
nota 1. história deste fundamento pode-se resumir como segue: «O fundo
16O próprio Heidegger indica a significação desta reunião em tem, cada vez segundo a marca da presença, o carácter de fundar:
Essais et Conférences, Paris: 1958,26, ao comparar Gebirg, Gemüt - como processo causal ôntico do efectuado (Platão, Aristóte-
e Gestell. les),
17Com este propósito, em espaços muito curtos de texto, Heide- - como processo que' toma transcendentalmente possível a
gger acumula todos os derivados de stellen. Por exemplo: Le Tour- objectividade do objecto (Descartes, Kant),
nant, in: Questions IV, Paris: 1976, 142; Chemins qui ne menent nulle - como processo de mediação dialéctica do movimento do
part, Paris: 1958,235. Espírito absoluto (Hege!), do processo histórico de produção (Marx),
18Martin Heidegger, Chemins qui ne menent nulle part, Paris: - como vontade de poder instauradora de valores (Nietzsche)>>
1958, 102. 31Martin Heidegger, Le Toumant, in: Questions IV, Paris: 1976,
142.
19Martin Heidegger, Le Principe de Raison, Paris: 1962,254-
32Cfr. supra, nota 10.
-260. A exactidão corresponde à etapa terminal da metafisica, assim
como a certeza à época precedente. O pensamento do cálculo asse- 33Cfr. Reiner Schürmann, Que faire à lafin de Ia Métaphysique ?,
gura a vontade de vontade nos seus empreendimentos. Assim, pode- in: Martin Heidegger, L'Heme, Paris: 1983,363.
-se dizer que da adequação passando pela certeza a verdade acaba por 34MartinHeidegger,Le Toumant, in: QuestionsIV, Paris: 1976,
se manifestar como cálculo. 147; Martin Heidegger, Essais et Conférences, Paris: 1958, 38;
2°Martin Heidegger, Essais et Conférences, Paris: 1958,86-87. Martin Heidegger, Chemins qui ne menent nulle part, Paris: 1962,
241.
21Martin Heidegger, Essais et Conférences, Paris: 1958,98.
22Martin Heidegger, Identité et D!fférence, in: Questions I, Paris: "Martin Heidegger, Essais et Conférences, Paris: 1958,39 ss.;
19,282 ss; Cf. a nota de Miche1 Haar sobre a «relação complexa» de Martin Heidegger, Le Toumant, in: Questions IV, Paris: 1976, 148.
Heidegger com Begel, in: Heidegger et l 'essence de la tecnique, in: 36Pode-se tentar explicar assim: a um nivel psicológico, durante
Études Germaniques, 32 (1977), 300, n. 7. todo o tempo em que esquecemos qualquer coisa, não sabemos o que
esquecemos; ou, se o pressentimos, mediante uma certa doença, por

I
23<<À mão»: vorhanden. Sobre este termo e a sua importância em
Heidegger, particularmente na sua confrontação com o pensamento exemplo, não sabemos o que esquecemos, não o podemos identificar.
grego, cf. Remi Brague, La phénoménologie comme voi d'acces au Éapenas no momento em que deixamos de esquecer que sabemos que
estamos no esquecimento e aquilo que esquecíamos: acontece uma
monde grec, in: Phénoménologie et Métaphysique, Paris: 1984,247-
-273. iluminação e <<reencontramos». Neste caso, o esquecimento visa o
72 Entre o fim da metafisica da época técnica:
Martin Heidegger

ser: o seu objectivo é de qualquer forma absoluto e não tem nada a que
se apegar: extremo do infortúnio, mas no qual paradoxalmente se
pode desvelar como num clarão aquilo que estava esquecido. É o
esquecimento absoluto que cai de qualquer maneira e se toma
epifania do ser.
37Martin Heidegger, Essais et Coriférences, Paris: 1958,42.
38Martin Heidegger, Essais et Conférences, Paris: 1958, 115.
39Martin Heidegger, Chemins qui ne menent nul/e part, Paris:
1962,248.
4°Martin Heidegger, Questions IV, Paris: 1976, 154 ss.
41Martin Heidegger, Chemins qui ne menent nul/e part, Paris:
1962,241.
42Martin Heidegger, Chemins qui ne menent nulle part, Paris: Índice
1962,249.
43Martin Heidegger, Le Principe de Raison (La Conférence),
Paris: 1962, 268. Advertência . 5
«Citado por Martin Heidegger, Chemins qui ne miment nulle
Língua de tradição e língua técnica . 7
part, Paris: 1962,247. 14
45Jean Greisch, La contrée de la sérénité et l'horizon de
Técnica .
Língua . 30
l'esperance, in: AA. VV. Heidegger et la question de Dieu, Paris:
1980, 183 ss. Nota do editor alemão . 43
46Reiner SchürIDann, Le principe d' anarchie, Paris: 1982,245- Entre o fim da metafisica e a época
-276, em particular 250. 49
técnica: Martin Heidegger .

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